Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
193/11.1GACPV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
CONTRA-ORDENAÇÃO
Nº do Documento: RP20111214193/11.1GACPV.P1
Data do Acordão: 12/14/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Deduzida acusação relativa à prática de um crime que o tribunal, por despacho transitado em julgado, convolou para conta-ordenação p. e p. no Código da Estrada (CE), é da competência do mesmo tribunal conhecer da contra-ordenação em causa, impondo-se-lhe a observância dois preceitos aplicáveis a nível do procedimento contra-ordenacional quer no CE – assim o disposto nos arts. 172º/2 e 175º - quer, subsidiariamente, no RGCO.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 193/11.1GACPV.P1)
*
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
*
I- RELATÓRIO
1. No Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, nos autos de processo sumário nº193/11.1GACPV, após o Ministério Público ter deduzido acusação em processo sumário contra o arguido B… (fls. 12 a 149), imputando-lhe um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no art. 292º do CP, a que acresce a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69º do mesmo código, veio este (o arguido) requerer que lhe fosse aplicado o desconto da EMA, arquivados os autos por a sua conduta integrar a prática de contra-ordenação ou, subsidiariamente, lhe fosse suspenso provisoriamente o processo (fls. 19).

2. Indeferida a suspensão provisória do processo por o Ministério Público a ela se ter oposto, iniciou-se o julgamento em 23.5.2011.

3. No início do julgamento (fls. 22 e 23), após o Ministério Público se pronunciar pelo indeferimento do desconto pedido pelo arguido (por seguir a tese segundo a qual os aparelhos de medição de álcool no sangue quando fixam um valor que resulta em exame já contempla margem de erro), a Srª. Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Atenta a recente inversão da jurisprudência, que agora vai no sentido da aplicação das margens de erro à concreta no sangue que resulta do exame realizado no ar expirado, entendemos que de facto será de aplicar as mesmas nos presentes autos, tudo nos termos melhor explanados no acórdão da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2011, processo 41/10.0GBMCD.P1 disponível em www.dgsi.pt.
Assim sendo e aplicando-se aquela margem de erro nos presentes autos, concluímos que ao arguido passa a ser imputada a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue de 1,16 g/l.
Atento o disposto no artigo 292º, nº 1, do Código Penal, verificamos que os elementos típicos aí enunciados não se mostram preenchidos.
No entanto, a conduta do arguido consubstancia a prática de uma contra-ordenação prevista no artigo 81º, nº 1 e nº 5, al. b), do Código da Estrada.
Assim sendo, notifique o arguido da alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados nos termos do art. 358º, nº 3, do Código de Processo Penal.”

4. Entretanto, por o defensor oficioso ter dito que não prescindia do prazo de defesa de 10 dias, foi-lhe concedido esse prazo, interrompida a audiência, designando-se para a sua continuação o dia 2.6.2011.

5. Não se conformando com aquela decisão proferida em 23.5.2011, no início do julgamento, dela interpôs recurso o Ministério Público, o qual apresentou a respectiva motivação e conclusões.

6. Na sessão de julgamento de 2.6.2011, a defesa começou por ditar um requerimento para a acta [do seguinte teor: “Concedido que nos foi, nos termos do art. 358º, nº 1 e nº 3, prazo de 10 (dez) dias para defesa, vai o arguido exercer, por em tempo, nos termos seguintes…”], constando da mesma acta que “a parte restante do requerimento do arguido não foi ditado para acta, tendo sido lido, comprometendo-se o ilustre mandatário a entregá-lo, no mais curto prazo possível, por escrito”, tendo o Ministério Público requerido prazo para se pronunciar sobre o requerido, após o que a Srª. Juiz proferiu o seguinte despacho:
Atendendo ao requerimento do arguido, designadamente a todas as disposições legais invocadas bem como a jurisprudência citadas, concede-se o prazo para a resposta ao Ministério Público, interrompendo-se a presente audiência que terá continuação no dia de hoje pelas 15:30 horas e não antes porque o Tribunal se encontra impedido na realização do julgamento colectivo nº 58/00.2TACPV, no acórdão do processo 12/07.3GASJM e 220/06.4TBCPV.

7. Entretanto, a defesa juntou aos autos o documento que consta de fls. 30 e 31 (no qual para além de invocar que a competência para conhecimento da contra-ordenação seria da respectiva autoridade administrativa mas, a entender-se que o tribunal tinha competência para o seu conhecimento, impunha-se dar cumprimento ao disposto no art. 50º do RGCO e 175º do CE, concedendo prazo ao arguido para apresentar a defesa por escrito, concedendo prazo para pagamento voluntário da coima e concedendo a possibilidade de poder requerer e beneficiar da atenuação especial da sanção acessória – conforme arts. 50º-A do RGCO e 172º e 140º do CE – sob pena de serem postergados os direitos de defesa de forma inadmissível), tendo o Ministério Público se pronunciado nos termos que constam de fls. 32 (promovendo que fosse indeferida a arguida incompetência material do tribunal para conhecer da contra-ordenação, nada opondo a que se deferisse ao mais requerido, face ao disposto no art. 77º, nº 2, do RGCO) e, na sessão de julgamento de 2.6.2011, de tarde, o Ilustre defensor do arguido, para além de invocar que, por lapso seu, aquele documento junto a fls. 30 e 31 constituía um mero apontamento escrito em computador, requereu que lhe fosse concedida a possibilidade de apresentar o teor daquele apontamento sob a forma de requerimento dirigido à Mmª Juiz e, perante o recurso interposto pelo MºPº (do qual fora notificado naquele dia), defendeu que, caso viesse a ser admitido, deveria ser-lhe atribuído efeito suspensivo, razão pela qual, na sua perspectiva, tratando-se de questão prévia ou incidental susceptível de obstar à apreciação do mérito da causa, deveriam os autos aguardar pela tramitação do referido recurso até trânsito em julgado do acórdão que viesse a ser proferido pela Relação, evitando-se dessa forma a prática de actos desnecessários, mormente a submissão do arguido a dois julgamentos.
Após ouvir o Ministério Público (que se pronunciou no sentido de nada ter a opor ao primeiro requerimento, promovendo que fosse indeferido o segundo requerimento), a Srª. Juiz proferiu o seguinte despacho:
“No que concerne ao primeiro requerimento do arguido e relevando-se o lapso de atenção na audiência ocorrida no dia de hoje da parte da manhã, concede-se ao mesmo o prazo de 2 dias para apresentar o mencionado requerimento, mantendo-se nos autos o que foi junto a fls. 30 e 31, por delas constar o que foi ditado naquela sessão de audiência de discussão e julgamento.
No que concerne ao segundo requerimento do arguido desde já se adianta que inexiste qualquer questão prévia neste momento que obste ao prosseguimento dos presentes autos.
De facto o tribunal apenas conhece dos recursos interpostos pelos sujeitos processuais após a resposta daquele que não o interpõe.
Apenas nesse momento será admitido, ou não, o recurso interposto pelo Ministério Público.
Desta forma é manifestamente extemporâneo o requerido, pelo que é indeferido.
No que respeita ao requerimento do arguido junto na sessão de audiência de julgamento realizado hoje de manhã cumpre decidir:
Apesar de por despacho, de que não foi interposto recurso pelo arguido, ter sido decidido proceder a uma alteração da qualificação jurídica dos factos pelos quais o arguido vinha acusado, deixando de o ser pela prática de um crime de condução sob o efeito de álcool, mas sim pela contra-ordenação prevista no artigo 81º, nº 1 e 5 al. b) do Código da Estrada, ter sido o arguido notificado nos termos do disposto no artigo 358º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal e tendo sido concedido ao mesmo 10 dias para preparar a sua defesa, designando-se data para continuação da audiência de julgamento, vem, agora, o arguido requerer que se declare a incompetência do tribunal e remeta os autos à autoridade administrativa competente para o conhecimento, ab initio, da prática daquela contra-ordenação.
Ora, o extenso requerimento do arguido revela profundo conhecimento do mesmo pela lei e pela jurisprudência maioritária e recente sobre a questão que se suscita.
De facto, parece resultar claro do disposto no artigo 77º, nº 1, do RGCO que o tribunal é competente para apreciar como contra-ordenação uma infracção que tenha sido acusada como crime, desde que assegure todos os direitos de defesa do arguido.
Podemos ler nos seguintes Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, todos disponíveis em www.dgsi.pt:
- Acórdão com o nº 373/10.7GACPV.P1, de 9.3.2011: “tendo o Tribunal recorrido, chegado à conclusão de que a taxa de alcoolemia importava a prática, pelo arguido, de uma contra-ordenação, impunha-se-lhe o dever de apreciar e conhecer dessa questão (…)[1] nos termos do seu artº 77º, nº 1 e do RGCO, por ser o Tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da responsabilidade contra-ordenacional indiciada. Não o tendo feito, ocorre a nulidade prevista pelo nº1-c), do artº 379º/CPP.”
- Acórdão com o nº 741/10.4GBVNG.P1, de 27.10.2010: “a melhor leitura do art. 77º, 1 do RGCO é a de que compete ao Tribunal Criminal (e não à Administração) a aplicação da coima, nos casos em que tenha havido acusação pela prática de um crime, mas o Tribunal entenda que se não verifica o crime mas apenas uma contra-ordenação. Com efeito, não vislumbramos maneira de afastar o disposto no artigo 77º, n.º 1” do RGCO.
- Acórdão com o nº 41/10.0GBMCD.P1, de 9.2.2011: “O tribunal passa então a apreciar a contra-ordenação que entende ter ocorrido sem necessidade de conversão do processo em processo contra-ordenacional.”
- Acórdão com o nº 241/10.2GNPRT.P1, de 9.2.2011:” Se, em consequência da dedução do EMA, o facto deixar de ser crime e passar a ser punido apenas como contra-ordenação deve o Tribunal condenar o arguido pelo respectivo ilícito (julgamento em substituição)”.
Atento todo o exposto, resulta claro que o tribunal é competente para conhecer da prática pelo arguido da contra-ordenação supra referida, indeferindo, nesta parte, o requerido.
O arguido vem, ainda, referir que, prosseguindo os autos, de imediato, para julgamento, ser-lhe-ão retiradas possibilidades de defesa que teria se o processo tivesse seguido, ab initio, o procedimento previsto no RGCO.
Não lhe assiste razão.
De facto ao arguido foi-lhe concedido um prazo para preparação da defesa, atenta a alteração da qualificação jurídica operada.
Nesse prazo o arguido poderia ter apresentado defesa por escrito, expondo os factos que entendesse e requerendo o que tivesse por conveniente, designadamente a passagem de guias para pagamento da coima pelo mínimo, nos termos do disposto no art. 50º-A do DL 433/82, de 27 de Outubro, o que não fez (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com o nº 41/10.0GBMCD.P1 de 9.2.2011, disponível em www.dgsi.pt).
Nem se diga que o arguido não conhecia as possibilidades de defesa possíveis ou a possibilidade de requerer o pagamento da coima pelo mínimo, uma vez que, o mesmo encontra-se representado por defensor, que, muito bem, demonstrou conhecimento profundo sobre a questão no requerimento que antecede.
Como aquele prazo termina no dia de hoje, podendo, ainda o arguido, lançar mão daquele expediente, interrompo a presente audiência de julgamento, designando o próximo dia 8.6.2011, pelas 9h30, para sua continuação.
Notifique.”
Foi, assim, interrompida a audiência e designado o dia 8.6.2011, pelas 9h30 para sua continuação.

8. A fls. 38 e 39 foi junto aos autos o requerimento dirigido à Srª. Juiz que a defesa antes apresentara por apontamento e, a fls. 41 a 45, foi apresentado um requerimento a pedir aclaração do despacho proferido em 2.6.2011, de manhã. Após ouvir o Ministério Público, foi proferido em 7.6.2011 despacho judicial, no qual se entendeu que o pedido de aclaração se referia ao despacho proferido em 23.5.2011, concluindo-se pelo seu indeferimento.

9. Entretanto, o arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo pelo seu não provimento (fls. 60 a 64).

10. Na sessão de julgamento de 8.6.2011, o defensor do arguido informou o Tribunal que o seu pedido de aclaração era relativo ao despacho de 2.6.2011 e não relativo ao despacho proferido em 23.5.2011, razão pela qual a Srª. Juiz (depois de ouvir o MºPº que nada opôs), proferiu novo despacho indeferindo o pedido de aclaração do despacho de 2.6.2011. Posteriormente o defensor do arguido requereu que fosse proferido despacho sobre a interposição do recurso pelo MºPº, voltando a insistir que a sua admissão deveria ter efeito suspensivo, o que obstava ao prosseguimento do julgamento. Depois de ouvido o MºPº (que nada opôs), a Srª. Juiz admitiu o recurso, começando por referir que subia em separado, para depois concluir que seria instruído e julgado, juntamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa, conferindo-lhe efeito devolutivo. Perante esse despacho, o defensor do arguido apresentou novo requerimento, invocando que tal decisão traduzia clara violação do disposto no art. 29º, nº 5, da CRP, requerendo o não prosseguimento dos autos. Após ouvir o MºPº (que discordou da posição assumida pela defesa, promovendo que o julgamento fosse realizado), a Srª. Juiz indeferiu o requerido pela defesa, entendendo que não havia qualquer violação do disposto no art. 29º, nº 5, da CRP. Novamente pedida a palavra pelo defensor do arguido, requereu que lhe fosse concedido a possibilidade de pagar a coima pelo mínimo, em cinco prestações (de acordo com o disposto no art. 50º-A do RGCO), ao que o MºPº declarou nada ter a opor, tendo então a Srª. Juiz proferido o seguinte despacho:
“O ora requerido, atento o despacho proferido em audiência de discussão e julgamento no dia 2.6.2011, e apesar de uma possibilidade legal, é extemporâneo (artigo 172º do C. Estrada, que sendo de legislação especial prevalece sobre legislação geral ligada às contra-ordenações).
Assim sendo, indefiro o requerido, sem com isto se querer dizer que a coima que vier a ser aplicada não poderá ser paga em prestações.
Notifique.”
Foi depois identificado o arguido, lido o despacho de acusação e, perante a confissão do arguido, de livre vontade e fora de qualquer coacção (à qual não se opuseram o MºPº e o ilustre defensor), A Srª. juiz proferiu despacho (“Atenta a confissão integral e sem reservas do arguido, não haverá lugar à produção da demais prova dos factos que lhe são imputados, nos termos do disposto no art. 344º, nº 1 2 nº 2, al. a), do CPP”) e, acabada a produção de prova, o MºPº e o Defensor Oficioso, fizeram alegações, sendo depois dada oportunidade ao arguido para dizer algo, após o que (segundo consta da acta) a Mmª Juiz passou à leitura da sentença, tendo ditado para a acta a seguinte decisão:
“Tudo visto e ponderado, o Tribunal decide:
a) Condenar o arguido B…, pela prática de uma contra-ordenação prevista no art. 81º, nº 1 e nº 5, al. b) do Código da Estrada, na pena de € 550 (quinhentos e cinquenta euros).
b) Proibir o arguido de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) meses, para o que, decorrido o prazo de trânsito em julgado da decisão, deverá fazer, em 10 dias, a entrega da sua carta de condução na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo ou conduzir durante o período de inibição, incorrer na prática de um crime de desobediência.
c) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo, reduzida a metade por força da confissão (artigo 344º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal).
*
Após trânsito, comunique à A.N.S.R. a presente sentença, para os fins tidos por convenientes, designadamente para ser incluída no registo individual de condutor do arguido.
*
Notifique.
*
Proceda-se ao depósito da presente sentença na secretaria do Tribunal, conforme disposto no artigo 372º, nº 5, do Código de Processo Penal.”

11. Consta da declaração de depósito de fls. 77 que, em 9.6.2011, foi depositado “na Secretaria deste Juízo, a presente sentença proferida nos presentes autos (…) que para tal me foi entregue pelo(a) Mmº(ª) Juiz de Direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 372º, nº 5, do C.P.Penal.

12. Em 22.6.2011, o arguido interpôs recurso (fls. 83 a 100) das decisões proferidas nas sessões de julgamento de 2.6.2011 (de tarde), de 8.6.2011, incluindo sentença lida no mesmo dia (8.6.2011), concluindo pela revogação de tais decisões e da sentença ou, se assim não for entendido, seja proferida decisão que fixe a coima pelo mínimo (€ 500,00) e, consequentemente, seja permitida a atenuação especial da sanção acessória de inibição de conduzir, reduzindo-a para um mês.
Para tanto, apresentou as seguintes conclusões:
A. Por despacho de fls…., constante da acta de fls…, de 23 de Maio de 2011 – do qual não se está a recorrer – foi o arguido notificado de alteração da qualificação jurídica dos factos que lhe são imputados, nos termos do artigo 358º, nº 3, do CPP;
B. O arguido, em tempo, apresentou a sua defesa quanto aos motivos para que foi notificado, nos exactos termos em que o fez no requerimento que ditou/ofereceu aos autos na sessão de 2.6.2011, período da manhã, que aqui se dão por reproduzidos e integrados para todos os efeitos;
C. Pugnando pela remessa dos presentes autos para a competente autoridade administrativa, onde se impunha a subsequente tramitação dos mesmos, em sede contra-ordenacional.
D. E, se assim não se entendesse, concedendo-se prazo para que o arguido possa proceder ao pagamento voluntário da coima (artigo 50º-A e 172º do CE) e concedendo ao arguido a possibilidade de poder requerer e de beneficiar da atenuação especial da sanção acessória, nos termos do disposto no art. 140º do CE;
E. Tal requerimento mereceu despacho, em 2.6.2011, na sessão ocorrida na parte de tarde, que aqui se dá por reproduzido;
F. O entendimento perfilhado no dito coarcta e fulmina a possibilidade de um grau de recurso ao aqui arguido;
G. Já que do mesmo resulta a impossibilidade de ser proferida Decisão por entidade administrativa, no caso ANSR, da qual possa interpor impugnação judicial;
H. Tal despacho viola o disposto nos arts. 175º, 181º, nº 2, alíneas a) e b), 182º, nº 1, 184º e 186º do Código da Estrada, e nos arts. 50º, 58º, 59º, 61º, 73º, 74º e 75º todos do Regime Geral das Contra-Ordenações.
I. O que traduz inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 32º da CRP, a qual aqui, desde já, para todos os efeitos legais, se invoca;
J. Ao decidir como decidiu violou tal despacho, aqui e agora recorrido, os normativos e disposições legais referidos;
K. Pelo que se impõe seja tal despacho revogado, sendo substituído por outro que determine a remessa dos autos para a competente autoridade administrativa, nesta se tramitando os subsequentes actos, à luz do Regime Geral das Contra-Ordenações;
L. Ainda que assim não se entenda, sabendo-se que não é uniforme a jurisprudência quanto à competência do tribunal de primeira instância para conhecer da contra-ordenação em circunstâncias como a dos autos;
M. Que assim não fosse, impunha-se, pelo menos, que a partir do momento em que o Tribunal a quo se julgou competente para conhecer da contra-ordenação, o que sucedeu no despacho proferido em 2.6.2011 que o processo passasse a obedecer aos preceitos do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO);
N. Concedendo-se prazo para que o arguido procedesse ao pagamento voluntário da coima (arts. 50º A e 172º do CE) e concedendo-se ao arguido a possibilidade de poder requerer e de beneficiar da atenuação especial da sanção acessória, nos termos do disposto no art. 140º do CE.
O. Pois que, actuando de forma diferente, estar-se-ia a postergar os direitos de defesa do arguido, diminuindo-lhe de forma inadmissível, face a outros arguidos que incorram em idêntica contra-ordenação, os seus direitos de defesa, nomeadamente os invocados supra;
P. Tal qual estatui o art. 77º, nº 2, do RGCO;
Q. Acontece que ao arguido não lhe foi dado ou concedido prazo para, no mesmo, exercitar e assegurar tais direitos de defesa;
R. Ao decidir-se, como se decidiu, no despacho proferido na sessão ocorrida na tarde de 2.6.2011, aqui recorrido, violou-se o disposto nos arts. 50º, 50º-A do RGCO e 140º, 172º e 175º do CE, bem como o disposto no art. 77º, nº 2, do RGCO;
S. Pelo que se impõe seja tal despacho revogado, sendo substituído por outro que determine a concessão:
- de prazo razoável ao arguido para se pronunciar sobre a contra-ordenação e das sanções em que incorre (art. 50º do RGCO e art. 175º, nº 2, do CE);
- da possibilidade de proceder ao pagamento da coima pelo mínimo (art. 50º-A do RGCO e art. 172º do CE);
- de poder requerer a atenuação especial da sanção acessória (art. 140º do CE).
T. A fls…. A Digníssima Senhora Procuradora Adjunta apresentou recurso do douto despacho proferido pela Senhora Juíza em 23.5.2011, juntando motivações e conclusões;
U. Em devido tempo o arguido apresentou modesta resposta ao referido recurso;
V. Ante tal foi proferido despacho na sessão de 8.6.2011, o qual aqui se dá por reproduzido e integrado.
w. O dito violou claramente o disposto nos arts. 408º, nº 3, 407º, nº 1, do CPP, bem como o disposto nos arts. 406º, nº 1, 407º, nº 2, al. a), do mesmo diploma legal.
X. Nunca a tal recurso podia fixar-se tais efeitos e regime de subida;
y. Impunha-se, pois, que tivesse sido proferido despacho nos exactos termos requeridos;
Z. Ao ter-se decidido como se decidiu, violou-se o disposto nos normativos invocados do CPP;
AA. Donde pode vir a decorrer um duplo julgamento do arguido, um em sede contra-ordenacional, outro em hipotética sede criminal (ainda que este não se conceda, ante tudo quanto se verteu na respectiva resposta ao recurso interposto), decorrentes da mesmíssima factualidade;
BB. O que pode consubstanciar violação do princípio ínsito no art. 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa;
CC. Impondo-se, por isso, a revogação de tal despacho ora recorrido, e a sua substituição por outro que determine que o recurso em apreço tenha efeito suspensivo, atento o disposto nos arts. 408º, nº 3, 407º, nº 1, do CPP, com subida imediata e nos próprios autos, como dispõem os arts. 406º, nº 1 e 407º, nº 2, al. a), também do CPP.
DD. O arguido requereu, nos termos do art. 50º-A do RGCO, lhe fosse facultada a possibilidade, no que à coima concerne, da mesma possa ser paga pelo mínimo e em cinco prestações que se requer seja fixada porque adequadas, em cinco;
EE. Invocando o disposto no art. 172º do Código da Estrada, a Senhora Juiz indeferiu o requerido, por extemporâneo, nos exactos termos constantes do respectivo despacho ora recorrido;
FF. Nada em tal normativo, naquele exacto momento temporal e processual, impedida, por extemporaneidade, que o arguido pudesse ver-lhe deferida a sua requerida pretensão de pagar a coima pelo mínimo e em prestações.
GG. Tal despacho da Srª. Juiz a quo traduz errada leitura, errada interpretação e incorrecta aplicação do normativo em apreço;
HH. O qual – art. 172º do CE – foi manifestamente violado, bem como violado se demonstra o art. 50º-A do RGCO;
II. Tal despacho fulminou, por efeito “dominó”, a possibilidade do arguido poder requerer e de beneficiar da atenuação especial da sanção acessória;
JJ. Pois que impediu o arguido de pagar a coima;
KK. Condição indispensável para operar tal atenuação, tal qual dispõe o art. 140º do CE;
LL. Que assim também se revela violado em tal despacho.
MM. O dito despacho aqui recorrido, por violar as normas acima referidas, deve ser revogado
NN. E deve ser substituído por outro que defira o requerido pagamento da coima pelo mínimo e em cinco prestações, tal qual consentem os arts. 50º-A do RGCO e 172º do CE.
OO. Ainda antes da leitura da acusação, ainda antes do arguido se ter identificado e de ter prestado declarações, foram violadas variadíssimas disposições legais;
PP. Que, tivessem sido respeitadas e cumpridas, o rumo dos presentes autos teria sido outro, completamente diverso e diferente;
QQ. Trilhado dentro da legalidade que se impunha;
RR. Fora proferidos sucessivos despachos que, por violarem variadíssimas disposições legais, devem ser revogados e substituídos por outros, conforme supra.
SS. Certo é que acabou por ser proferida sentença nos autos que condenou o arguido pela prática de uma contra-ordenação prevista no art. 81º, nº 1, e nº 5, al. b), do Código da Estrada, na pena de € 550 (quinhentos e cinquenta euros) e o proibiu de conduzir veículos motorizados pelo período de 2 (dois) meses e nas custas do processo.
TT. Em nada disto teria o arguido sido condenado, se os despachos proferidos tivessem sido proferidos em conformidade legal;
UU. Impondo-se a respectiva revogação e a prolação de outros, em substituição, tudo conforme vertido no presente;
VV. Quanto à sentença deve a mesma ser revogada porque proferida em momento processual inadmissível, absolvendo-se o arguido;
WW. Se assim não for, que seja fixada a coima pelo mínimo – art. 50º-A do RGCO - € 500,00 – e que, subsequentemente, seja permitida a atenuação especial da sanção acessória de inibição de conduzir, reduzindo-a para um mês, nos termos do disposto no art. 140º do CE.
Termina pedindo o provimento do recurso, revogando-se a sequência de decisões que vieram a culminar com a sentença proferida e, revogando-se esta, absolvendo-se o arguido, ou, se assim não for, proferindo-se decisão que fixe a coima pelo mínimo e que, consequentemente, seja permitida a atenuação especial da sanção acessória de inibição de conduzir, reduzindo-a para um mês.

13. Respondeu o MºPº (fls. 123 a 125) concluindo pelo provimento parcial do recurso do arguido, revogando-se parcialmente o despacho proferido em 2.6.2011, por forma a ser concedido prazo para a defesa pagar a coima pelo mínimo e beneficiar da atenuação especial da sanção acessória.

14. Nesta Relação, a Srª. PGA emitiu parecer (fls. 161) concluindo pelo provimento do recurso do MºPº, ficando prejudicado o conhecimento do recurso interposto pelo arguido e das questões aí suscitadas.

15. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP.
*
16. Feito o exame preliminar verificou-se que, tendo sido admitido o recurso interlocutório interposto pelo MºPº a subir, ser instruído e julgado, juntamente com o recurso que viesse a ser interposto da decisão que pusesse termo à causa, com efeito devolutivo, o certo é que o mesmo recorrente (MºPº) não interpôs recurso da sentença proferida nos autos, como o podia e devia fazer, caso pretendesse que o seu recurso retido fosse conhecido.
Assim, uma vez que o Ministério Público não interpôs recurso da sentença, concluiu-se, em decisão sumária (nos termos do art. 417º, nº 6, al. a), do CPP) de 30.11.2011, não ser de conhecer do referido recurso interlocutório (que ficou retido) interposto pelo MºPº[2].

17. Prosseguiram os autos para conhecimento do recurso interposto pelo arguido e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso interposto pelo arguido, demarcado pelo teor das respectivas conclusões (art. 412º, nº 1, do CPP), suscita a apreciação das seguintes questões:
1ª- Averiguar qual a entidade competente para apreciar a contra-ordenação que lhe foi imputada por despacho de 23.5.2011 (na sua perspectiva será a A.N.S.R. e não o tribunal da 1ª instância, razão pela qual os autos deverão ser remetidos para a competente autoridade administrativa, nela sendo tramitados os subsequentes actos);
2ª- Caso se entenda que o Tribunal pode conhecer da referida contra-ordenação, apurar se foi ou não violada o disposto nos arts. 50º, 50º-A do RGCO, 172º do CE (quando não lhe foi concedido prazo para se pronunciar sobre a contra-ordenação e sanções em que incorre e para proceder ao pagamento voluntário da coima pelo valor mínimo) e 140º do CE (quando não lhe foi permitido requerer e beneficiar da atenuação especial da sanção acessória), uma vez que, na sua perspectiva, o tribunal ao actuar de forma diferente postergou de forma inadmissível os seus direitos de defesa, devendo, consequentemente, ser anulados os despachos e sentença de que recorre (ou, subsidiariamente, ser revogada a sentença e proferida decisão que fixe a coima mínima, admitindo a atenuação especial da sanção acessória, a qual deve ser reduzida para o mínimo de um mês)[3].
Passemos então a apreciar o recurso apresentado pelo arguido uma vez que aqui temos de aceitar que, a decisão proferida em 23.5.2011 (na qual o tribunal da 1ª instância, antes de produzida e discutida a prova, deduziu margem de erro prevista na Portaria nº 1556/2007, de 10.12, ao valor concreto da TAS registada no alcoolímetro, considerando não se mostrarem preenchidos os pressupostos do crime previsto no art. 292º do CP de que o arguido estava acusado, alterando a qualificação jurídica e imputando-lhe a prática de uma contra-ordenação p. e p. no art. 81º, nº 1 e nº 5, al. b), do CE) transitou em julgado.
Assim.
1ª Questão
Na perspectiva do recorrente será a A.N.S.R. e não o tribunal da 1ª instância, a entidade competente para conhecer da contra-ordenação que lhe foi imputada, razão pela qual os autos deverão ser remetidos para a respectiva autoridade administrativa, nela sendo tramitados os subsequentes actos.
Entende que a decisão sob recurso (proferida em 2.6.2011, na sessão da tarde), no sentido do tribunal ter competência para conhecer da contra-ordenação em questão, viola o disposto nos arts. 175º, 181º, nº 2, alíneas a) e b), 182º, nº 1, 184º e 186º do Código da Estrada e nos arts. 50º, 58º, 59º, 61º, 73º, 74º e 75º do Regime Geral das Contra-Ordenações, traduzindo-se em inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 32º da CRP, a qual diz invocar para todos os efeitos legais.
Importa, assim, averiguar qual a entidade competente (se o tribunal da 1ª instância ou se a A.N.S.R.) para conhecer, tramitar e apreciar a contra-ordenação (p. e p. no art. 81º, nº 1 e nº 5, al. b), do CE) imputada ao arguido por despacho de 23.5.2011, entretanto transitado em julgado.
Embora a regra geral contida no RGCO estabeleça que o processamento e aplicação de coimas pela prática de contra-ordenações é da competência das autoridades administrativas (artigo 33º, do DL nº 433/82, de 27.10 e respectivas alterações), ao abrigo do artigo 77º, nº 1, do DL nº 433/82 citado, “o tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime”[4].
Porém, nos termos do nº 2 do mesmo artigo 77º do RGCO, “se o tribunal só aceitar a acusação a título de contra-ordenação, o processo passará a obedecer aos preceitos desta lei.”
Ou seja, em caso de convolação, como sucedeu neste processo, a lei atribui/concede competência, em razão da matéria, ao tribunal da 1ª instância para conhecer, tramitar e apreciar a contra-ordenação em causa, mas impõe-lhe que então observe ou obedeça aos preceitos do RGCO.
Claro que, para além desse regime geral das contra-ordenações, existem regimes jurídicos especiais de contra-ordenações, que variam consoante a diferente categoria e natureza das respectivas contra-ordenações; nesses regimes especiais, muitas vezes existem normas específicas que apenas permitem recorrer ao regime geral das contra-ordenações a título subsidiário (e é precisamente o que sucede com o regime previsto no art. 132º do CE).
A autoridade administrativa competente para o processamento e aplicação de coima no âmbito de contra-ordenações estradais é a A.N.S.R., como resulta do disposto nos arts. 131º e 169º do Código da Estrada.
Estas normas especiais constantes do CE, até tendo presente o disposto no art. 132º do mesmo código, não impedem nem impossibilitam a aplicação subsidiária do disposto no já citado art. 77º, nº 1 e nº 2 do RGCO.
Por isso, podemos concluir que o tribunal da 1ª instância tinha competência para conhecer da contra-ordenação muito grave p. e p. no art. 81º, nº 1 e nº 5, al. b), do Código da Estrada (cf. também a alínea j) do seu art. 146º) imputada ao arguido, em virtude da convolação operada pelo referido despacho proferido em 23.5.2011, entretanto transitado em julgado, mas logicamente, teria de observar os preceitos que fossem aplicáveis a nível do procedimento contra-ordenacional, quer no CE, quer subsidiariamente no RGCO.
Tem razão o recorrente quando refere que só através desse despacho proferido em 2.6.2011 (na sessão da tarde) é que o tribunal assumiu e declarou ter competência material para apreciar da dita contra-ordenação.
Essa competência é neste caso do tribunal da 1ª instância e não da ASNR precisamente por aqui ser aplicável o disposto no art. 77º, nº 1 e nº 2, do RGCO, o qual não padece de qualquer inconstitucionalidade, nem afronta o disposto no art. 32º da CRP.
Apesar de não ter sido devidamente suscitada a invocada inconstitucionalidade, sempre se dirá que a decisão impugnada, quando declarou ser o tribunal competente, em razão da matéria, para conhecer da contra-ordenação imputada ao arguido não viola o disposto nos artigos citados pelo recorrente (arts. 175º, 181º, nº 2, alíneas a) e b), 182º, nº 1, 184º e 186º do Código da Estrada, arts. 50º, 58º, 59º, 61º, 73º, 74º e 75º do Regime Geral das Contra-Ordenações, e art. 32º da CRP).
Acrescente-se que, se é certo que nestes autos não haverá qualquer decisão proferida pela ANSR, a verdade é que passa a existir sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, a qual é recorrível nos termos previstos no RGCO.
Daí que não haja qualquer prejuízo para o arguido (antes pelo contrário) por a contra-ordenação em questão ser conhecida pelo tribunal que procedeu à referida convolação do crime que lhe era imputado (impondo-se, porém, ao tribunal observar os preceitos aplicáveis a nível contra-ordenacional, sejam os previstos no CE, sejam subsidiariamente os previstos no RGCO).
Improcede, pois, nessa parte a argumentação do recorrente.
2ª Questão
Importa, agora, apurar se foi ou não violada o disposto nos arts. 50º e 50º-A do RGCO e 172º do CE (quando não foi concedido ao recorrente prazo para se pronunciar sobre a contra-ordenação e sanções que lhe era imputada e para proceder ao pagamento voluntário da coima pelo valor mínimo) e, bem assim, o disposto no art. 140º do CE (quando não lhe foi permitido requerer e beneficiar da atenuação especial da sanção acessória), uma vez que, na perspectiva do recorrente, o tribunal ao actuar de forma diferente postergou de forma inadmissível os seus direitos de defesa, devendo, consequentemente, ser anulados os despachos e sentença de que recorre (ou, subsidiariamente, ser revogada a sentença e proferida decisão que fixe a coima mínima, admitindo a atenuação especial da sanção acessória, a qual deve ser reduzida para o mínimo de um mês)
A argumentação constante do despacho de 2.6.2011 sob recurso, quando sustenta que o prazo concedido para efeitos do art. 358º, nº 3, do CPP, passou a funcionar como prazo para o arguido apresentar a defesa que entendesse relativamente à contra-ordenação que lhe era imputada e que terminava naquele dia 2.6.2011 o prazo para pagar a coima pelo valor mínimo, é que não faz qualquer sentido.
Nesse aspecto, o tribunal a quo confundiu a finalidade do prazo que anteriormente (por despacho de 23.5.2011) concedeu ao abrigo do disposto no art. 358º, nº 3, do CPP, com os prazos previstos nomeadamente nos arts. 172º e 175º do CE, quando é certo que só em 2.6.2011 é que tomou posição expressa no sentido de se considerar competente, em razão da matéria, para conhecer da contra-ordenação em questão.
Como já foi dito, para conhecer daquela contra-ordenação imputada ao arguido incumbia ao tribunal da 1ª instância obedecer aos preceitos pertinentes do Código da Estrada e aos que fossem aplicáveis subsidiariamente previstos no RGCO.
Como bem diz o Ministério Público na resposta ao recurso, “o despacho de fls. 23 [ou seja, o proferido em 23.5.2011] concedeu o prazo de 10 dias para que o arguido se viesse defender, querendo, da alteração da qualificação jurídica, nos termos do disposto no art. 358º, nº 3 do Código de Processo Penal. Decorrido tal prazo e aceitando o arguido a alteração operada, deveria haver lugar, quanto a nós, à aplicação integral das normas do RGCO e do CE relativas aos direitos de defesa que assistem ao arguido.”
Impunha-se ao tribunal da 1ª instância dar cumprimento desde logo ao disposto nos arts. 172º, nº 2 (não era ao arguido que, naquela altura, incumbia requerer a passagem de guias para pagamento da coima pelo valor mínimo) e 175º do CE (viabilizando, assim, que o arguido apresentasse a sua defesa, pagasse voluntariamente a coima pelo valor mínimo, requeresse a atenuação especial da sanção acessória, como resulta do art. 175º, nº 3 do CE e do disposto no art. 140º do mesmo código), o que não fez[5].
Com efeito, não se pode confundir o prazo concedido para efeitos do art. 358º, nº 2, do CPP, com o prazo de pagamento voluntário da coima pelo valor mínimo, previsto no art. 172º, do CE ou com o prazo de que o arguido dispõe para apresentar a sua defesa, previsto no art. 175º, nº 2, do CE, ou com a possibilidade que lhe é conferida (pelo nº 3 do mesmo artigo 175º) de, nesse mesmo prazo, requerer a atenuação especial (cf. também art. 140º do CE)[6] da sanção acessória.
Mesmo o pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável, tal como estabelece o nº 4 do citado art. 175º do CE.
O não cumprimento desses preceitos legais (para além da violação do disposto v.g. nos arts. 77º, nº 2, 50º e 50º-A do RGCO) compromete de forma intolerável e inadmissível os direitos de defesa do arguido, consagrados no art. 32º da CRP.
Daí que se imponha revogar a decisão proferida em 2.6.2011, na parte em que considerou que se havia esgotado o prazo para o arguido apresentar a sua defesa (quando o tribunal o não tinha notificado expressamente para esse efeito, como determina o art. 175º, nº 2, do CE) e quando defendeu que o prazo de pagamento da coima pelo valor mínimo terminava naquele mesmo dia (o que não podia suceder por o arguido não ter sido notificado pelo tribunal para esse efeito, como determina o art. 172º do CE).
A revogação parcial desse despacho de 2.6.2011, nos termos indicados, leva a que todo o demais processado, incluindo sentença, tenha de ser anulado, por o tribunal não ter dado prévio cumprimento às notificações a que se referem os arts. 175º nº 2 e 172º, nº 2, do CE e, como tal, não ter garantido os direitos de defesa do arguido.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento da demais argumentação do recorrente.
Em conclusão: procede parcialmente o recurso interposto pelo arguido.
*
III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido B… e, consequentemente, revogar parcialmente o despacho impugnado proferido em 2.6.2011, na parte em que não deu cumprimento ao disposto nos arts. 175º e 172º do CE e, consequentemente, anular todo o demais processado, incluindo sentença;
- no mais apreciado (quanto à competência do tribunal da 1ª instância para conhecer da contra-ordenação imputada ao recorrente), negar provimento ao recurso.
*
Sem custas.
*
(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
*
Porto, 14-12-2011
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
José Alberto Vaz Carreto
______________
[1] O que constava do referido acórdão do TRP na parte (…) era o seguinte: “salvaguardando a tramitação adequada ao cumprimento das regras do RGCO,”
[2] Pretendia o MºPº, no seu recurso interlocutório, que fosse averiguado se o Tribunal da 1ª instância podia ou não, antes de efectuado o julgamento, proferir em 23.5.2011 despacho deduzindo a margem de erro prevista na Portaria nº 1556/2007, de 10.12, ao valor concreto da TAS registada no alcoolímetro (uma vez que, na sua perspectiva, essa Portaria é de utilização exclusiva do IPQ na tarefa de controlo, verificação e certificação de alcoolímetro e, quando existem dúvidas sobre a medição efectuada pelos alcoolímetros, a mesma só poderá ser superada pelos meios descritos no art. 153º, nº 3, do CE, ou seja, deve ser realizada contra-prova com novo exame, razão pela qual o tribunal a quo deveria ter julgado o arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez de que estava acusado).
[3] A terceira questão colocada (que se prendia com o recurso interposto pelo Ministério Público dever ter efeito suspensivo, com subida imediata e nos próprios autos e, quando assim não decidiu, o tribunal a quo teria colocado o arguido em situação de poder ser submetido a um duplo julgamento, caso viesse a proceder o recurso do Ministério Público, o que poderia consubstanciar violação do disposto no art. 29º, nº 5, da CRP) está prejudicada uma vez que não se conheceu, pelos motivos acima expostos, do recurso interposto pelo MºPº.
[4] Sem prejuízo de o tribunal ter de dar cumprimento ao disposto no artigo 358º do CPP (alteração não substancial dos factos), como sucedeu no caso destes autos, o que se consagra na referida norma (art. 77º citado) decorre do princípio da economia processual.
[5] Artigo 172º (Cumprimento voluntário) do Código da Estrada
1 – É admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes.
2 – A opção de pagamento pelo mínimo e sem acréscimo de custas deve verificar-se no prazo de 15 dias úteis a contar da notificação para o efeito.
3 – A dispensa de custas prevista no número anterior não abrange as despesas decorrentes dos exames médicos e análises toxicológicas legalmente previstos para a determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas, as decorrentes das inspecções impostas aos veículos, bem como as resultantes de qualquer diligência de prova solicitada pelo arguido.
4 – Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da coima, a qual, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas.
5 – O pagamento voluntário da coima nos termos dos números anteriores determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma.
Artigo 175º (Comunicação da infracção) do Código da Estrada
1 – Após o levantamento do auto, o arguido deve ser notificado:
a) Dos factos constitutivos da infracção;
b) Da legislação infringida e da que sanciona os factos;
c) Das sanções aplicáveis;
d) Do prazo concedido e do local para a apresentação da defesa;
e) Da possibilidade de pagamento voluntário da coima pelo mínimo, do prazo e do modo de o efectuar, bem como das consequências do não pagamento;
f) Do prazo para identificação do autor da infracção, nos termos e com os efeitos previstos nos nºs 3 e 5 do artigo 171º.
2 – O arguido pode, no prazo de 15 dias úteis, a contar da notificação, apresentar a sua defesa, por escrito, com a indicação de testemunhas, até ao limite de três, e de outros meios de prova, ou proceder ao pagamento voluntário, nos termos e com os efeitos estabelecidos no artigo 172º.
3 – No mesmo prazo o arguido pode ainda requerer a atenuação especial ou a suspensão da execução da sanção acessória.
4 – O pagamento voluntário da coima não impede o arguido de apresentar a sua defesa, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável.
Artigo 140º (Atenuação especial da sanção acessória) do Código da Estrada
Os limites mínimo e máximo da sanção acessória cominada para as contra-ordenações muito graves podem ser reduzidos para metade tendo em conta as circunstâncias da infracção, se o infractor não tiver praticado, nos últimos cinco anos, qualquer contra-ordenação grave ou muito grave ou facto sancionado com proibição ou inibição de conduzir e na condição de se encontrar paga a coima.
[6] Como estava em causa uma contra-ordenação muito grave não podia haver suspensão da execução da sanção acessória (art. 141º do CE).