Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2656/22.4T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: ACÇÃO DE EXCLUSÃO DE SÓCIOS
LEGITIMIDADE ACTIVA
SOCIEDADE POR QUOTAS
Nº do Documento: RP202305302656/22.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Numa acção de exclusão de sócios, a legitimidade activa é conferida exclusivamente à sociedade.
II - A propositura de uma acção de exclusão de sócios, no âmbito de uma sociedade por quotas, deve ser precedida de correspondente deliberação social.
III - Numa sociedade por quotas com seis sócios, titulares de quotas de idêntica proporção, a divergência entre um deles e todos os demais não torna a situação análoga à da existência de apenas dois sócios, designadamente no contexto de uma sociedade em nome coletivo.
IV - Não tem interesse igual ao da sociedade o sócio que pretende a exclusão de outros sócios de uma sociedade por quotas, não podendo ser admitida a sua intervenção principal espontânea, no lado activo, isto é, ao lado da sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2656/22.4T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Comércio de Aveiro - Juiz 2

REL. N.º 776
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO
(Transcrição da decisão recorrida)

“Em nome da sociedade A... LDA., representada por um dos seus sócios gerentes, AA, foi intentada a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, CC e DD, pedindo a exclusão dos RR. de sócios da A. e a sua condenação no pagamento dos prejuízos que vierem a apurar-se em execução de sentença.
Os RR. ofereceram contestação, na qual, entre o mais, arguiram a excepção da ilegitimidade activa, pois o co-gerente AA não tem poderes para representar sozinho a sociedade, cuja gerência é plural, composta por aquele e por BB (demandado) e EE, desde a deliberação tomada na assembleia geral de 26/4/2022, tendo ainda sido determinado, no âmbito do processo nº1907/22.0 T8AVR-A deste Juízo de Comércio, que as deliberações da gerência serão tomadas necessariamente com o voto favorável e anuência dos três gerentes.
Acresce que não existe qualquer deliberação da sociedade, aprovada pela maioria legalmente exigida, que justifique a propositura da acção.
Respondeu a A., em síntese, defendendo que está em causa uma sociedade com dois blocos de sócios, que deve ser tratada por analogia como uma sociedade com apenas dois sócios, cada um deles podendo recorrer a tribunal para exclusão do outro, para protecção do sócio minoritário, e requerendo a intervenção principal espontânea do sócio gerente AA, como associado da A. e fazendo seus os articulados que ela apresentou.
Quanto à falta da deliberação, defendeu que pode ser aplicado o disposto no art. 29.º/1 do CPC, com a suspensão da instância, por trinta dias, com vista a que a sociedade tome a deliberação em falta.” (fim da transcrição do relatório da sentença).
Depois de dada a oportunidade a ambas as partes de se pronunciarem perante a possibilidade de logo ser proferida decisão, em fase de saneamento, veio o tribunal a concluir pela inadmissibilidade da intervenção principal requerida, bem como pela absolvição da instância quanto a todos os réus.
Afirmou, na decisão recorrida: “No caso dos autos, nenhuma deliberação nesse sentido foi tomada pelos sócios da sociedade A., para além de que um dos seus gerentes, agiu desacompanhado dos dois restantes (e contra um deles).
Ou seja, ressalvado o devido respeito por outra opinião, falta tudo o que é necessário para a interposição de uma acção de exclusão de sócios, pois nem a sociedade tomou tal deliberação, nem o gerente tem poderes para deduzir sozinho, em nome dela, essa pretensão no processo. (…) O que conduz, a nosso ver, à procedência da questão da ilegitimidade activa suscitada pelos RR, uma vez que, na verdade, não está validamente em juízo quem seria detentor do interesse directo em demandar (cfr. art. 30.º do CPC).
(…) E no que respeita à intervenção principal deduzida, porque se a A. não pode considerar-se vinculada pela intenção do gerente de excluir três outros sócios, a ela ninguém pode ser associada, nem considerar-se que dispõe de um interesse igual, nos termos exigidos pelo art. 311.º do CPC.”
É desta decisão que vem interposto o presente recurso, quer pela autora, ainda representada por AA, quer por este, pessoalmente, enquanto sócio, no tocante ao indeferimento da pretensão da sua intervenção principal, ao lado daquela. Terminou-o alinhando as seguintes conclusões:
“1) O douto despacho judicial sob censura do qual vem interposto o presente recurso, está ferido de ilegalidade e portanto não poderá manter-se na nossa ordem jurídica, impondo-se a sua revogação;
2) Não olvidamos que o art.º 246.º, n.º 1, alínea c) do CSC, quanto à competência dos sócios, estabelece que: “Dependem de deliberação dos sócios os seguintes actos, além de outros que a lei ou contrato indicarem:
(…) c) A Exclusão dos sócios;”;
3) No entanto, o caso aqui trazido a tribunal, tratando-se de uma sociedade formada por 6 sócios, mas que na prática, sempre funcionou, como 2 blocos, de um lado o sócio aqui Recorrente e do outro o bloco constituído pelos outros 5 sócios, deve ter aplicação ao caso concreto o plasmado no art.º 242.º do CSC;
4) Os factos alegados pelos Recorrentes para peticionar, por si e em nome da sociedade a exclusão dos sócios recorridos, integram-se no comportamento definido no n.º 1 do art.º 242.º do CSC;
5) Portanto, em termos fácticos e concretos, é como se existissem apenas dois sócios;
6) A nível societário, a nossa ordem jurídica atribui manifesta relevância às circunstâncias de facto que não correspondam às de direito, nomeadamente, na distinção entre gerente de direito e de facto, fazendo a distinção entre o administrador de facto ope legis: vide, entre outros, art.ºs 80.º; 504.º, n.º 1; 391.º, n.º 5, 1.ª parte e 425.º; n.º 3, 1.ª parte e a sua aplicação analógica às sociedades por quotas; 253.º, n.ºs 1 e 2 e 470.º, n.º 4 ; 145.º, n.º 2 e 149.º, n.º 2 todos do CSC e administrador de facto legitimado;
7) Ora, o interesse social da Autora não pode ficar refém da vontade dos sócios maioritários;
8) Daí que, neste seguimento, se tenha socorrido da lição de Luís Brito Correia, em Direito Comercial, Volume II, “Sociedades Comerciais”, Lisboa, Ano 1989, nos termos da qual, a página 489, nota 52, considera esta exigência de deliberação um “excesso de formalismo”, defendo que o sócio da sociedade “…defende o interesse social e age verdadeiramente como órgão da sociedade…”;
9) O despacho sob censura fez tábua rasa desta doutrina e da jurisprudência associada e não se pronunciou sobre ela;
10) Está em causa, no caso concreto, a aplicação analógica às sociedades por quotas, por falta de norma própria - art.º 9.º e 10.º do Código Civil, do disposto no art.º 186.º, n.º 3 do CSC, quanto às sociedades em nome coletivo: “”3 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles, com fundamento nalgum dos factos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, só pode ser decretada pelo tribunal.”;
11) E, para que não haja dúvidas, transcreve-se o teor da Nota 52, do autor e obra citada: “O n.º 3 exige a intervenção do tribunal para protecção do único outro sócio a excluir, sendo excessivo o formalismo exigir uma deliberação escrita ou tomada em assembleia geral, na qual o sócio a excluir está impedido de votar (CSC art.º 189.º, n.º 1 e 251.º, n.º 1, al. d)) – a não ser quando a sociedade tenha gerente não sócio. Mas pode sempre dizer-se que o sócio autor da acção defende o interesse social e age verdadeiramente como órgão da sociedade (mesmo que não seja gerente, v. g., quando o único gerente seja o sócio a excluir).”;
12) Como tal, a esta situação em que o sócio minoritário se vê impedido de deliberar a exclusão de sócios em assembleia geral, por falta de maioria ou de intentar ação judicial para o mesmo efeito, por falta de poderes, por analogia deve ser aplicada a situação de uma sociedade em que, apesar de serem 6 sócios, a mesma funciona na prática e substancialmente como se dois sócios se tratassem, por ser constituída por apenas dois blocos de vontades, uma constituída por 5 sócios e outra por apenas um sócio, mas com direito especial à gerência, remunerado, prémio de gestão e até existir a regra da unanimidade na aprovação de deliberações sociais, introduzida numa alteração estatutária, aprovada também por unanimidade, por só através de decisão judicial é que se pode decidir a exclusão – art.º 10.º do CC e art.ºs 2.º e 257.º, n.º 5 do CSC;
13) No caso concreto, manda o vertido por todos os sócios nos estatutos da sociedade, nomeadamente, os artigos 5.º; 7.º, n.º 2; 8.º, n.º 3; 10.º e 11.º do pacto social, onde se estipulam as especificidades e especialidades anteditas;
14) Mandando a verdade dizer que, se o bloco constituído pelo sócio minoritário for obrigado a convocar assembleia geral para aprovar por maioria qualificada a exclusão dos Recorridos, será obrigado a propor a exclusão dos outros 5 sócios, porque, como estão impedidos de votar, só com o seu voto único pode formar a maioria necessária para aprovar a deliberação;
15) Assim, os Recorrentes valeram-se também da jurisprudência relativa a uma sociedade com apenas dois sócios, mas perfeita e justamente aplicável a uma sociedade formada por dois blocos de sócios, do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 14/03/2000, Recurso de Agravo n.º 108/00, Comarca de Águeda, Desembargadores Custódio Costa, Ferreira de Barros e Hélder Roque, não disponível em www.dgsi.pt, nem em www.direitoemdia.pt, ou qualquer plataforma informática, mas sim na Coletânea de Jurisprudência, ano XXV, Tomo II, Ano 2000, páginas 15 e 16: “I – Numa sociedade com apenas dois sócios, tem legitimidade ativa, para propor ação judicial de exclusão de um sócio, o outro sócio e não a sociedade. II – Estando legalmente excluída a via da deliberação social para se obter a exclusão de sócio, em sociedade com apenas dois sócios, não é exigível qualquer deliberação social como pressuposto daquela ação judicial de exclusão de sócio, designadamente a que alude o artigo 242.º, n.º 2 do CSC.”.
16) A jurisprudência conhecida em sentido contrário, fundamenta-se para exigir a necessidade de deliberação social para a exclusão do sócio, no facto de o sócio a excluir estar impedido de votar na assembleia para esse efeito, determinando tal impedimento a maioria necessária para a sua aprovação, o que não é o caso sub juditio;
17) Por este motivo, faz todo o sentido e aplica-se ao caso concreto a fundamentação do sobredito arresto, quando refere “…, bem poderia suceder que ocorresse uma situação de todo insolúvel, como seria o caso de o prevaricador ser o sócio maioritário: o sócio minoritário, não excluendo, que não possui uma participação social, suscetível de determinar a maioria na deliberação de exclusão, ficaria totalmente impedido de reagir, e assim ficaria subjugado à vontade de um sócio desleal que provocasse graves prejuízos à sociedade de que ambos são sócios.”.
18) Assim, se o Recorrente for obrigado a convocar uma assembleia geral para aprovar uma deliberação de exclusão de sócios, terá de requerer a exclusão de todos os 5 sócios que formam o outro bloco para obter a maioria necessária para o efeito, caso contrário jamais o alcançará, o que não faz sentido algum;
19) Acresce que, para que dúvidas não existam quanto à questão da legitimidade ativa, o represente da Autora sociedade, seu sócio gerente, executivo e minoritário, requereu a sua intervenção principal espontânea, a titulo pessoal, como associado da Autora, aderindo e fazendo seus os articulados da Autora – art.ºs 311.º a 315.º do CPC.
20) Sem prescindir quanto vai dito quanto à legitimidade ativa e intervenção principal espontânea, os Recorrentes não juntaram aos autos a ata da deliberação tendente à exclusão como sócios dos Recorridos;
21) Mas requereram, no entendimento de que a propositura de ação de exclusão, para ser eficaz, necessita de ser autorizada por deliberação dos sócios e gerar as consequências processuais previstas no art.º 29.º, n.º 1, do CPC: fixação de prazo para a tomada da deliberação e suspensão dos termos da causa;
22) Para o efeito, seguiram o que preconizado se encontra no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 13/01/2022, disponível in www.dgsi.pt: “1 – (…) 2 – A deliberação da assembleia-geral constitui um pressuposto para a sociedade poder litigar contra o sócio, pelo que deve ser demonstrada com a apresentação da petição inicial. 3 – Não estando demonstrada a deliberação exigida por lei, o juiz deve designar o prazo dentro do qual deve ser obtida a deliberação e comprovada no processo. 4 – Não sendo a falta sanada no prazo fixado, o réu é absolvido da instância, quando a deliberação devesse ser obtida pelo representante do autor.”.
23) O despacho a quo ofendeu, assim, entre outros, o disposto nos artigos 3.º; 4.º, 5.º, n.ºs 1 e 2; 6.º; 29.º; 30.º; 311.º e 315.º todos do Código Processo Civil e art.º 9.º e 10.º do Código Civil; art.ºs 186.º, n.º 3; 189.º, n.º 1; 242.º, n.º 2; 251.º, n.º 1, alínea d); 257.º, 259.º, 260.º, 261.º, 265.º; 248.º n.º 1 do CSC; o pacto social na sua globalidade, nomeadamente, as cláusulas 5.º; 7.º, n.º 2; 8.º, n.º 3; 10.º e 11.º e art.ºs 2.º; 13.º; 18.º; 20.º e 29.º da CRP..
Termos em que se requer a revogação do douto despacho sob censura de modo a que seja feita inteira e sã justiça!!!”
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BB, CC e DD ofereceram resposta ao recurso, pronunciando-se pela confirmação da decisão recorrida.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir:
- Se perante a hipótese de a sociedade funcionar como tendo dois “blocos” de sócios resulta a necessidade de se facultar a um deles a representação da sociedade em ordem á expulsão dos restantes;
- Se deve aplicar-se, por analogia, o regime constante do art. 186º, nº 3 do CSC.
- Se não deve exigir-se uma deliberação social como pressuposto da acção de exclusão de sócios, nas circunstâncias do caso.
- A exigir-se a uma deliberação social, se deveria ter sido concedido prazo para o seu oferecimento;
- Se deveria ter sido admitida a intervenção principal espontânea, como associado da autora, do próprio AA.
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Tal como se mostra pressuposto na decisão recorrida e resulta das certidões juntas aos autos, é útil ter presentes os seguintes elementos:
a) A sociedade autora, com um capital social de 300.000,00€, tem seis sócios, cada um titular de uma quota de 50.000,00€: AA, FF, DD, GG, BB e CC.
b) A sociedade obriga-se com a intervenção conjunta de dois gerentes.
c) A gerência está atribuída a AA, BB e EE
d) Por acordo celebrado em procedimento cautelar (nº 1907/22.0T8AVR-A, do Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 3) intentado por AA contra A..., Lda, ficou estabelecido, além do mais, que: “Requerente e Requerida acordam que até à decisão a proferir na acção principal, transitada em julgado, as deliberações da gerência serão tomadas necessariamente com o voto favorável e anuência dos três gerentes e necessariamente com a concordância do aqui requerente AA.”
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No caso, é certo que a autora veio intentar a presente acção de exclusão dos três sócios demandados apenas por vontade e iniciativa do sócio e gerente AA, sem a precedência de qualquer deliberação social apta a revelar a vontade colectiva da própria sociedade nesse sentido e sem uma paralela ou subsequente atribuição de poderes a AA para que, em representação da sociedade, assim actuasse.
Esta iniciativa individual de AA não satisfaz, pois, os requisitos de uma acção tipificada na lei, de exclusão de sócios de uma sociedade por quotas.
Com efeito, dispõe o nº 2 do art. 242º do C.S.C. que a proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para esse efeito. Em suma, dispôs o legislador que, perante um comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, que lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes, pode a sociedade reagir, propondo acção tendente à respectiva exclusão.
O mesmo dispõe o art. 246º, na al. c) do seu nº 1, prevendo que depende de deliberação dos sócios (…) c) A exclusão de sócios; (…).
Porém, no caso sub judice, é clara a inexistência de uma tal deliberação que, aglutinando a vontade maioritária dos sócios, consubstancie a vontade colectiva imprescindível para a propositura de uma acção de exclusão de um sócio.
Alegam, porém, os ora apelantes, ou melhor, alega AA, ora invocando a suficiência da sua qualidade para representar a sociedade, ora no âmbito da sua pretensão de intervenção principal espontânea que foi indeferida, que as circunstâncias específicas do caso devem conduzir a que se prescinda dessa vontade colectiva, aplicando-se analogicamente o regime do art. 186º nº 3 do CSC, que dispõe “3 - Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a exclusão de qualquer deles, com fundamento nalgum dos factos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1, só pode ser decretada pelo tribunal.”
A invocada analogia resultaria, nessa tese, da circunstância de a sociedade autora apresentar um grupo de sócios perfeitamente dividido em dois blocos – AA, por um lado; ou outros cinco, por outro – à semelhança do que aconteceria se só existissem dois sócios.
Inexiste, porém, qualquer fundamento para o recurso à analogia nos termos defendidos pelos apelantes.
Por um lado, porque a previsão do nº 3 do art. 186º do CSC é destinada às sociedades em nome colectivo, sendo previsto um regime diferente para as sociedades por quotas. Inexiste, por isso, uma lacuna que legitime o recurso à analogia para o seu preenchimento, já que a lei não deixa de prever a solução adequada à hipótese de apenas existirem dois sócios, numa sociedade por quotas.
Com efeito, para essa hipótese, no regime previsto para as sociedades por quotas, o sistema de formação da vontade colectiva é igualmente eficiente. Isso mesmo se explica no Ac. do TRE de 10/5/2007, no proc. nº 593/07-2, Relator: BERNARDO DOMINGOS, nos seguintes termos “Vejamos a questão da legitimidade (activa) processual quer do A. para a acção quer dos RR. para reconvenção.
(…). Porém e porque os recorrentes, por um lado pretendem equiparar o regime de destituição de gerente ao da exclusão de sócios e por outro vêm argumentar que por se tratar de uma sociedade com apenas dois sócios não será possível obter um dos pressupostos da acção judicial de exclusão de sócios , a intentar pela sociedade contra o sócio excludendo, qual seja o da prévia aprovação pelos sócios da autorização da sociedade para a propositura da acção, nos termos impostos art.º 242º n.º 2 do CSC, sempre tentaremos tornar as coisas mais claras e para isso bastará transcrever o que a propósito de um caso idêntico foi decidido pelo STJ, em Acórdão relatado pelo Exmº Cons. Barros Caldeira (Ac. do STJ de 7/10/03, proc.º n.º 3A323, in http://www.dgsi.pt/jstj)... e que reza assim:
«Decorre do nº. 2 do artº. 242º da C.S. Comerciais que:
"A proposição da acção de exclusão deve ser deliberada pelos sócios; que poderão nomear representantes legais para o efeito." Tendo em conta este preceito legal e o disposto no artº. 246º, nº. 1, alínea g), do mesmo diploma legal, é nítido que a acção em questão tem de ser proposta pela sociedade contra o sócio a excluir, e só por ela, após deliberação tomada pelos sócios, em assembleia geral, como escreve Raul Ventura, Sociedade por Quotas, vol. II, 61. Só a sociedade, após deliberação dos sócios, em Assembleia Geral, tem o direito de, por ser judicial, propor a exclusão de um sócio. Por esse motivo, o conhecimento anterior pelos sócios ou sócio de factos, que consubstanciem comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade praticados por um outro sócio, não lhes dá legitimidade para isolada ou conjuntamente intentarem a referida acção. O direito à exclusão de um sócio pertence, pois, à sociedade e não aos sócios. O mesmo não se diga no caso da destituição do gerente, com justa causa, uma vez que, neste contexto, qualquer sócio a pode requerer intentando acção contra a sociedade, nos termos conjugados dos artºs. 254º, nºs. 1 e 5 e 257º, nº. 1, do C.S. Comerciais. É nesta perspectiva que se tem de entender o disposto no nº. 6 do artº. 254º deste Código, que diz:
"Os direitos da sociedade mencionados no número anterior prescrevem no prazo de 90 dias a contar do momento em que todos os sócios tenham conhecimento da actividade exercida pelo gerente, ou em qualquer caso, no prazo de cinco anos contados no início dessa actividade."Efectivamente, podendo o sócio ou sócios, por si intentarem acção de distribuição de gerente sempre se teria de encontrar um prazo de tempo razoável para o exercício do direito respectivo, a fim de tornar clara, transparente e eficaz a gerência da sociedade. Será que este prazo de 90 dias fixado no nº. 6 do artº. 254º da C. S. Comerciais, para o exercício do direito da destituição do gerente, pode ser aplicado para o exercício do direito de exclusão de sócio?
É nosso entendimento que não. Desde logo, porque os sócios, isolada ou conjuntamente, não têm legitimidade para a propositura desta acção, embora possam ter conhecimento de factos que possibilitassem tal propositura antes da deliberação social.
O direito de exclusão judicial do sócio pertence à sociedade e não aos sócios.
Depois, porque o sócio, sobre o qual pende uma deliberação de exclusão da sociedade por via judicial, pode exonerar-se da mesma, nos termos do disposto na alínea b), nº. 1, artº. 240º do C. S. Comerciais, ou seja, quando a sociedade não promover a sua exclusão judicial».
O acórdão acabado de referir não deixa margem para qualquer dúvida quanto à exclusividade da legitimidade activa da sociedade para propor a acção judicial de exclusão de sócio e consequentemente quanto à ilegitimidade activa dos sócios para individual ou colectivamente formularem qualquer pedido judicial nesse sentido ou seja quer accionando quer reconvindo, pois a legitimidade “ad causam” pertence em exclusivo à sociedade.
Quanto à questão da formação da vontade da sociedade, constituída apenas por dois sócios, tendo em vista a exclusão judicial de um deles, não se verifica qualquer impossibilidade legal. Com efeito ao contrário do que sustentam os recorrentes o regime aplicável não será o do art.º 1005 do C.C., mas sim o Código das Sociedades Comerciais.
No seu art.º 248º o Código das sociedades Comerciais contém a disciplina relativa à convocação, participação e presidência das assembleias gerais das sociedades por quotas. Esse preceito, remete, subsidiariamente, e em tudo o que especificamente não contemple, para o "disposto sobre as assembleias gerais das sociedades anónimas"- conf. nº 1 desse mesmo preceito. Ora, no artº 386º do mesmo diploma - directamente aplicável às sociedades anónimas, portanto supletivamente também às sociedades por quotas por mor daquela remissão – estatui-se muito enfaticamente, no respectivo nº 1, que "a assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato", sendo que "as abstenções não são contadas". Deste regime decorre que é sempre possível, ainda que com uma representação mínima do capital representativo, formar a vontade da sociedade [4] e consequentemente não existe a alegada impossibilidade legal de formação da vontade da sociedade com vista à obtenção do pressuposto legal substantivo necessário à propositura da acção, qual seja o da autorização da sociedade, em deliberação prévia, no sentido de promover a exclusão judicial do sócio incumpridor.”
Operando uma útil análise da doutrina, cuja transcrição aqui se dispensa pois que ali pode ser apreendida, também o Ac. do TRL de 01-02-2012 (proc. nº 4130/11.5TCLRS-A.L1-2, Relator PEDRO MARTINS, em dgsi.pt) conclui no mesmo sentido: “ I- Depende de deliberação dos sócios a proposição de acções pela sociedade contra gerentes e sócios, mesmo no caso de a sociedade só ter dois sócios e as quotas serem iguais.(…)” E acrescenta: “III - A propositura da acção contra sócio gerente sem a deliberação exigida pelo art. 246/1g) do CSC dá origem a uma excepção dilatória, conducente à absolvição da instância [arts. 25º/2, 288º/1c), 493º/2) e 494º/d), todos do CPC] excepto se entretanto este vício tivesse sido sanado.”.
Por isso, mesmo que se viesse a provar a alegação dos apelantes quanto à existência de “dois blocos” de sócios, nem por isso seria de recorrer ao regime do art. 186º, nº 2 do CSC.
Acresce que, até a montante dessa questão, não pode deixar de se rejeitar a tese dos apelantes, equiparando a situação em apreço, onde a sociedade é constituída por seis sócios, todos com idêntica participação no respectivo capital social, a uma situação em que só houvesse dois sócios.
Com efeito, a situação jurídica da sociedade é inequivocamente diferente, não podendo ignorar-se nem a existência da pluralidade de quotas sociais, nem o seu valor relativo (no caso, igual em todas elas). É no contexto de uma tal realidade societária que, de acordo com o regime do art. 246º e ss., do CSC, se haverá de apurar a vontade da pessoa colectiva. Equiparar a posição de um sócio às dos outros cinco, atenta a alegada identidade de vontades destes e a sua oposição para com a daquele, de forma a que se considerassem apenas dois blocos de idêntica importância, seria obliterar a realidade societária efectivamente constituída pelos sócios, no desrespeito pelas respectivas vontades negociais.
Não pode deixar de ser diferente, no que respeita à definição da vontade da pessoa colectiva, ser titular de uma quota que represente 1/6 do seu capital, ou que represente 4/6 ou 5/6, por exemplo. E é em conformidade com uma tal realidade que terá de compreender-se a formação da vontade da pessoa colectiva.
Por isso, a situação da sociedade autora, ainda que apurada a oposição de vontades dos respectivos sócios nos termos descritos pelos apelantes, jamais poderia ser qualificada como análoga à de uma sociedade com apenas dois sócios, para se definirem em conformidade os pressupostos da actuação da própria sociedade representada por um dos sócios em relação ao outro.
Pela mesma ordem de razões, ou seja, na rejeição de uma situação homóloga à da existência de apenas dois sócios, sempre seria ficaria prejudicada a admissibilidade de uma legitimidade própria de AA, na sua qualidade de sócio e à luz de uma hipotética dispensabilidade de intervenção da própria sociedade (tese de Raúl Ventura, Sociedade por quotas, vol. II, Almedina, 1989, págs. 56 a 58, conforme citação constante do Ac. do TRL de 1/2/2012, citado supra, mas que, como então também se referiu, não acolhemos).
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Resolvidas, nos termos anteriormente expostos, as três primeiras questões em que se reparte o objecto do recurso, é adequado passar de imediato à apreciação da última das enunciadas, respeitante à legitimidade de AA para, por si mesmo e ao lado da autora A..., deduzir idêntica pretensão contra os réus.
Do que se deixou exposto, designadamente da jurisprudência citada, já se extrai a conclusão de que, numa acção de exclusão de sócios, a legitimidade activa é conferida exclusivamente à sociedade. É em homenagem aos interesses desta que se sancionam os comportamentos dos sócios que, sendo desleais ou gravemente perturbadores do seu funcionamento, lhe tenham causado ou possam vir a causar-lhe prejuízos relevantes, como consta do art. 242º do CSC.
Assim, bem se compreende a solução legal de expressamente conferir tal legitimidade à pessoa colectiva e não ao sócio de per s, para acções como a presente.
Temos, pois, por insusceptível de crítica a afirmação constante da decisão recorrida, nos termos da qual decidiu rejeitar a pretensão de intervenção de AA, a título principal e ao lado da autora, por não lhe reconhecer um interesse igual (cfr. art. 311º do CPC), não lhe cabendo fazer valer, no tocante à exclusão dos réus, um direito próprio.
Improcederá, pois, a apelação também nesta parte.
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Assente a solução da questão relativa à legitimidade activa para a presente acção, bem como a referente à imprescindibilidade de uma prévia deliberação dos sócios tendente à sua propositura, cumpre definir as consequências da sua falta, no caso dos autos. Esta questão corresponde à que se identificou em 4º lugar, no objecto do recurso.
Como lapidarmente se refere no Ac. do TRG de 13/1/2022, “a falta de tal deliberação constitui uma excepção dilatória, nos termos do artigo 577º, al d), do CPC, de conhecimento oficioso (art. 578º do CPC).”
Não estando demonstrada a deliberação exigida por lei, o juiz deve designar o prazo dentro do qual deve ser obtida a deliberação – artigo 29º, nº 1, do CPC. Só se a falta não for sanada no prazo fixado, quando a deliberação devesse ser obtida pelo representante do autor, é que a situação resultará em absolvição da instância.
Este regime é, aliás, uma concretização do dever de gestão processual genericamente definido no nº 2 do art. 6º do CPC.
Pelo exposto, sem prejuízo de se concordar com os pressupostos constantes da decisão recorrida, terá de revogar-se a sua conclusão, cabendo substitui-la por outra que, com base nesses mesmos pressupostos, conceda à autora um prazo para obter e comprovar nos autos a tirada da deliberação em falta.
Na falta de qualquer elemento em sentido contrário, entende-se ser razoável fixar em 30 dias, após trânsito deste acórdão, o prazo para o efeito.
Em conformidade, e sanada essa excepção dilatória, igualmente haverá a autora de regularizar o mandato, sendo caso disso, conferindo procuração a Mandatário Judicial através de actuação válida, segundo o regime de representação da sociedade actualmente em vigor.
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Resta, em suma, conceder parcial provimento ao presente recurso, nos termos descritos, mantendo-se, em tudo o mais, a decisão recorrida.
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Sumariando:
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento ao presente recurso de apelação, em razão do que, revogando na parte correspondente a decisão recorrida, a substituem por outra nos termos da qual concedem à autora o prazo de trinta dias para juntar deliberação tendente à propositura da presente acção de exclusão dos sócios réus, devendo ainda, simultaneamente, proceder à regularização do necessário mandato forense. Em tudo o mais, designadamente quanto ao indeferimento do incidente de intervenção principal de AA, se confirma a decisão.

Custas por apelantes e apelados, na proporção de 2/3 e de 1/3, respectivamente.

Registe e notifique.
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Porto, 30 de Maio de 2023
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda