Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2792/20.1T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: CONCLUSÕES
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REPETIÇÃO DAS CONCLUSÕES PRIMITIVAS
REJEIÇÃO DA APRECIAÇÃO DO RECURSO
Nº do Documento: RP202203142792/20.1T8PNF.P1
Data do Acordão: 03/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEITADO O CONHECIMENTO DO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - As conclusões das alegações são o resultado e não a reprodução daquelas, devendo por isso ser sintéticas, claras e objectivas de modo a não suscitarem dúvidas quanto às questões que o tribunal de recurso deve e pode conhecer, em cumprimento do disposto no art. 639º, do Código de Processo Civil.
II – Efectuado à recorrente o convite a que alude o nº 3 daquele art. 639º, a apresentação repetida das anteriores conclusões, ainda que em menor número (porque nas últimas, numa só, englobaram-se 2 ou 3 das iniciais) e porque se alteraram algumas proposições em relação às anteriores, nomeadamente, substituindo, nomeadamente, “Mas mais se diga que, caso...” por “Acresce que, caso...”, não cumpre o que lhe foi ordenado.
III - Duas peças processuais, em que uma é a repetição da outra, não se tornam diferentes e cumprem os requisitos legais, só porque são organizadas, em parte, com identificação diversa, ou porque uma em relação à outra é apresentada e apelidada de “sintetizada”.
IV – Não é de conhecer do recurso, nos termos do nº 3 do art. 639º, do CPC, se a recorrente, na sequência do convite que lhe foi efectuado nos termos daquele artigo, apresenta outras “novas” conclusões que são praticamente a reprodução das primeiras, não contendo nem umas nem outras qualquer síntese do que consta das alegações de recurso.
V – Havendo a prolação de despacho de aperfeiçoamento das conclusões, inicialmente apresentadas, incumbe à recorrente uma particular diligência no cumprimento daquele despacho à luz da cooperação e, complementarmente, da boa fé processual e da sua auto-responsabilidade no processo, no que respeita, à sintetização das Conclusões a reformular, o que não se verifica com a apresentação de apelidadas “novas conclusões sintetizadas”, nos termos referidos em II.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2792/20.1T8PNF.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Penafiel - Juízo do Trabalho - Juiz 4
Recorrente: D..., Lda
Recorrida: AA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Na presente acção declarativa com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, instaurada pela A., D..., Lda, NIPC ..., com sede em Rua ..., ..., ... ..., concelho de Paredes, contra AA, NIF ..., residente em Rua ..., ..., ..., ... ..., findos os articulados, foi fixado à acção o valor de € 19.528,28 e após o julgamento foi proferida sentença que terminou com a seguinte: “DECISÃO
Nos termos expostos, julga-se a presente inteiramente improcedente, consequentemente, absolvendo a Ré AA de todos os pedidos contra si formulados pela Autora D... LDA.
Custas pela A (artigo 527º, n.º 3 do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique.”.
*
Inconformada com esta, a A. veio interpor recurso, nos termos que constam a fls. 134 e ss., terminando as alegações do seguinte modo: “IV- CONCLUSÕES:
1º A Autora, aqui Recorrente, com a presente ação de condenação sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho, peticiona que se reconheça que o incumprimento do pacto de não concorrência se deu por causa unicamente imputável à R., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de 3.600,00€ a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência inserto no contrato objeto dos presentes autos, bem como a pagar à A. a quantia não inferior a 5.000,00€ pelos danos patrimoniais e prejuízos causados à A. em virtude desse incumprimento do pacto de não concorrência a que a R. se comprometeu e obrigou, visto se encontrar a desenvolver atividade profissional junto de uma sociedade comercial concorrente direta da A., e ainda o reembolso das quantias suportadas com a formação ministrada, por referência ao custo da formação inicial, com estadia incluída, despesas com deslocações e custos com os honorários dos formadores, que se contabilizam em € 10.928,58, tudo perfazendo um total de € 19.528,58, quantia à qual devem acrescer os respetivos juros legais desde a data de incumprimento até efetivo e integral pagamento.
2º Por sentença proferida a 02/06/2021, o Tribunal a quo julgou a ação inteiramente improcedente, absolvendo a R. de todos os pedidos contra si formulados pela A, pelo que vem agora a Recorrente interpor recurso de tal decisão, sendo que o mesmo versa tanto sobre matéria de facto como sobre matéria de direito, pois que a decisão proferida fez errada decisão da matéria de facto e incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, encontrando-se verificado o exigido no artigo 81.°, n.° 1 do Código de Processo de Trabalho, no que concerne à interposição do presente recurso
3º O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos, a qual, em suma, considerou como provados os factos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47) e 48) e como não provados as alíneas i), ii), iii), iv), v), vi), vii) e viii).
4º Não pode o recorrente conformar-se com a decisão proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e incorreta interpretação do direito ao caso em concreto.
5º Os factos considerados como provados pelo Tribunal a quo sob os números 14) (parte final - "... sem possibilidade da Ré manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada") e 36), deveriam ter sido considerados como não provados, porque na ótica deste recurso, resulta, da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência que impunha decisão diversa da recorrida, nomeadamente:
Número 14) (parte final - "... sem possibilidade da Ré manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada") deveria ter sido valorado: B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4).
Número 36), deveria ter sido valorado: B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24.
6º E, por seu turno, os factos considerados como não provados pelo douto Tribunal a quo sob as alíneas ii), iii), iv), v) e vi), deveriam ter sido considerados como provados, porque na ótica deste recurso, resulta, da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência, que impunha decisão inversa da recorrida, nomeadamente: Alínea ii), deveria ter sido valorado: B.l) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40; e B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4).
Alínea iii), deveria ter sido valorado: B.l) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40; B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistenW integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); B.3) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA EE, o qual consta gravado através do sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 14,35 minutos com relevo para este recurso de 06:29 a 06:54; 07:49 a 08:01 e 09:58 a 10:17; B.4) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA FF, o qual consta gravado através do sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 17,35 minutos com relevo para este recurso de 01:30; 04:36 a 04:38; 09:15 a 09:26; 11:49 a 12:09 e 12:26 a 13:06; e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24.
Alínea iv), deveria ter sido valorado: A.1 DEPOIMENTO DE PARTE DA RÉ AA, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26; B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24. Alínea v), deveria ter sido valorado: A.l) DEPOIMENTO DE PARTE DA RÉ AA, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26; B.l) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40; e B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4).
Alínea vi), deveria ter sido valorado: A.l) DEPOIMENTO DE PARTE DA RÉ AA, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26; B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24.
7º Ora, a Ré confirma que no desempenho das suas funções de vendedora e gestora de clientes, e que apesar de não se deslocar diretamente ao cliente, de modo a poder apresentar campanhas e catálogos, e até mesmo certos produtos e equipamentos médicos, tinha acesso ao histórico de compras dos clientes, que cruzava com as melhores ofertas (vejam-se as seguintes passagens com relevo de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40).
8º Sucede que, para além do acesso ao histórico de compras dos clientes, a Ré tinha igualmente acesso a outras informações, informações essas privilegiadas, e que, consequentemente, estão ligadas aos segredos da empresa, aqui A., e ao know-how adquirido pela Ré precisamente por se manter em funções junto da A. - como se irá verificar pelo depoimento da testemunha BB (de 12:22 a 16:07) e pelas declarações de parte prestadas pelo legal representante da A., CC (de 17 a 21:17).
9º É confessado pela Ré (na seguinte passagem com relevo de 10:49 a 12:20) que durante a relação laboral existente entre esta e a Recorrente, foi-lhe formação especializada por uma colega de trabalho, Sra. GG, que teve de interromper as suas funções, durante uma semana, para acompanhamento, formação e auxílio da Ré, tendo a mesma ainda confessado que a colega Sra. GG "focou-se" em si, pois que esta tinha sido contratada há pouco tempo, devendo, por isso mesmo, ser-lhe ministrada a competente formação para o desempenho das funções por que veio a ser contratada.
10° A Ré confirma (12:36 a 12:52) que a sua colega Sra. GG interrompeu as suas funções, de modo a estar totalmente disponível para auxiliar a Ré e ministrar-lhe a formação necessária, não lhe sendo possível ligar aos clientes, logo, esta paragem nas vendas, em consequência do acompanhamento da Ré, traduziu-se num prejuízo, para a A./Recorrente atento o volume mensal médio de vendas da colaboradora GG, como adiante melhor se irá explanar.
11º Tal como afirmado pela Ré (de 16:18 a 18:03), da sua carteira de clientes, de cerca de 600/700, independentemente de ser o programa que selecionava um número de clientes que a Ré deveria entrar em contacto naquele dia, e nos dias seguintes, dessa lista gerada aleatoriamente, era a Ré quem tinha a iniciativa de efetivamente fazer os contactos telefónicos, conforme achasse que determinado cliente poderia estar interessado em comprar algum produto ou equipamento, pois bem sabia a Ré quais eram as preferência ou hábitos de consumo dos "seus" clientes. Tendo inclusive afirmado que eventualmente poderia ter de ligar mais vezes a um determinado cliente, e não só uma vez por mês como pretende fazer crer, e isso justifica-se face à relação que a Ré foi desenvolvendo com os "seus" clientes, relação essa que exigia um contacto permanente, e mais frequente, com alguns deles.
12° A Ré confessa (veja-se pela passagem com relevo de 21:29 a 22:20) que no exercício das suas funções, e por causa delas, tinha acesso a informação privilegiada da A./Recorrente, ou seja, informações importantíssimas nesta área de negócio da A., que é muito concorrência. Informações que, indubitavelmente, adquiriu ao longo de dois anos de trabalho, e que poderia levar consigo para outra empresa concorrente - o que acabou por suceder.
13° Para além da formação que a Ré reconheceu ter sido ministrada pela sua colega Sra. GG, também a Ré reconhece (em 23:03 a 23:09) que foram ainda ministradas outras formações por entidades externas, apesar de pouco se alongar sobre o assunto, sendo que o depoimento da Ré, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26, serve para demonstrar que os factos considerados como não provados sob as alíneas iv), v) e vi) deveriam ter sido dados como provados.
14° A testemunha DD, através do seu depoimento (veja-se a passagem com relevo de 02:16 a 03:52), confirma que para além dos contactos programados para aquele dia, a Ré podia, igualmente, e de livre vontade, caso entendesse ser necessário, efetuar contactos adicionais com os clientes, ou seja, confirma que dada a relação que a Ré mantinha com os clientes, e por os conhecer melhor do que mais ninguém, nada impedia que para além dos contactos programados, a Ré pudesse ligar a um ou mais clientes para lhes apresentar alguma campanha ou vender algum produto/equipamento, e por isso, podia gerir, autonomamente, os seus contactos, cruzando o histórico de compras com as melhores ofertas disponíveis, sendo certo que teria de cumprir, dentro do possível, com a lista gerada pelo programa informático.
15º A testemunha DD confirma que a A./Recorrente sempre ministrou a devida formação à Ré, enfatizando que a formação específica ministrada pela colega Sra. GG teve a duração de uma semana, e que tal formação inicial é dada única e exclusivamente aos trabalhadores que exercem as funções de comerciais, adiantando que nunca são admitidos dois comerciais simultaneamente, ficando demonstrado pelo depoimento desta testemunha (em 13:54 a 16:36) que a formação ministrada, no início da relação laboral da Ré com a A./Recorrente, foi proporcionada por uma colega durante o período de uma semana, toda a atenção dessa colega centrou-se no acompanhamento da Ré, o que impossibilitou o exercício das funções da Sra. GG, que teve de as interromper, originando uma grande quebra nas suas vendas e um consequente prejuízo/despesa à Autora.
16° E ainda afirmado pela testemunha DD que foram ministradas outras formações (externas) à Ré, bem como a todos os outros colaboradores, sendo certo que essas formações originaram, logicamente, uma despesa acrescida para a A.., despesas a nível de deslocação e estadia, que serão melhor discriminadas e quantificadas pelo depoimento da testemunha BB (e mediante as passagens com relevo de 1:01:34 a 1:04:55), conforme adiante se irá verificar.
17° A testemunha DD revelou declarações sérias, credíveis, claras, objetivas e congruentes, pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40, serve para demonstrar que os factos considerados como não provados sob as alíneas ii), iii) e v) deveriam ter sido dados como provados pelo douto Tribunal.
18° A testemunha BB identificou-se como sendo Diretora Comercial da Recorrente, e por isso, da Ré, resultando do seu depoimento (vejam-se as seguintes passagens com relevo de 00:01.9 a 01:17; 01:28 a 02:47; e 04:05 a 07:41.2) ser falso que a Ré não tenha tido possibilidade de se manifestar contra a cláusula de não concorrência aposta no seu contrato de trabalho, sob pena de não vir a ser contratada, pois que é afirmado pela testemunha que numa primeira reunião com a Ré, foi-lhe entregue em mão e explicado todo o teor do contrato, com ênfase para a cláusula que previa o pacto de não concorrência.
19° Afirma ainda a testemunha BB que a Ré, no final dessa reunião, levou o contrato para casa e só posteriormente é que o devolveu já assinado, bem sabendo que tal cláusula estava prevista no contrato, portanto facilmente se depreende, pelo depoimento da testemunha, que a Ré teve possibilidade de se manifestar contra essa cláusula, visto que teve tempo para analisar devidamente o contrato de trabalho que, eventualmente, acabou por assinar. E quanto mais assim não fosse, a Ré, se efetivamente se quisesse opor a essa cláusula, sempre dispunha de um prazo de 15 dias, referente ao período experimental, para denunciar livremente o contrato - o que não o fez - logo, estava a Ré bem ciente do que havia assinado, nunca se tendo manifestado contra, em momento algum, da inclusão dessa cláusula no seu contrato de trabalho.
20° A testemunha BB é clara ao afirmar (em 12:22 a 16:07) que, apesar de os contactos telefónicos com os clientes estarem pré-determinados, nada obstava a que a Ré contactasse livremente os "seus" clientes, por iniciativa própria, "em proposta da própria comerciar, atendendo ao facto de a Ré, ao estabelecer uma relação com esses clientes, e de conhecer bem as suas preferências e hábitos de consumo, tendo, por isso, uma maior noção das alturas para contactar esses clientes, poderia fazer ajustes a alturas do mês, e contactar clientes que não constasse da lista pré-definida.
21° Ademais, afirma a testemunha BB (em 12:22 a 16:07) que a Ré não estava limitada à tal lista pré-definida, pois bem sabia que quando saía uma campanha especial que fosse atrair determinados clientes (ou por utilizarem determinada técnica ou serem fãs de determinado produto/equipamento) poderia ligar, de forma voluntária, a esses respetivos clientes.
22° A testemunha BB (em 12:22 a 16:07) é igualmente clara ao confirmar que a Ré no exercício das suas funções, e por causa delas, tinha acesso a informação privilegiada da A./Recorrente, porque para além de trabalhar diretamente com o sistema informático implementado na sede da A., tendo, por isso, acesso a informação quanto a produtos, clientes, estratégia comercial, fornecedores estratégicos, preço de custos de artigos e histórico de relatórios/ações comerciais/preços/condições de pagamento dos clientes, entre outras, tinha também livre acesso ao armazém e demais informação lá guardada - note-se, informação confidencial.
23° Daí que a Ré tivesse autonomia para fazer descontos e "atenções" aos clientes, tal como afirmado pela testemunha, e como a seguir se irá demonstrar também com as declarações do legal representante da A./Recorrente CC (veja-se a passagem com relevo de 17:01 a 21:17).
24° A testemunha BB (em 16:22 a 17:52) refere que a Ré tinha acesso ao sistema de faturação e ao sistema de gestão para perceber qual era o preço e os patamares do preço, que assegurassem uma mínima margem logística, e portanto, dentro dessa margem, tinha autonomia para fazer descontos e "atenções", e assim, conhecendo a Ré os clientes que eram preponderantes para a faturação da A./Recorrente, e sabendo quais eram as preferências desses clientes, tinha liberdade para, não só os contactar, como também para encaminhar a venda e até mesmo efetuar alguns descontos.
25° Considerando-se, portanto, uma colaboradora com poder decisório, e não uma mera telefonista, pois que era ela que decidia fazer ou não os referidos descontos ou "atenções" aos "seus" clientes.
26° A testemunha BB (em 21:36 a 26:24) confirma também que à Ré foi ministrada formação intensiva, pelo período de uma semana, sendo certo que durante esse tempo, a colega Sra. GG, que lhe proporcionou essa formação dedicou-se em exclusivo ao acompanhamento e auxilio da Ré, não tendo, por isso, conseguido executar as suas funções enquanto comercial.
27° Acresce que a testemunha BB (em 21:36 a 26:24) afirma que é hábito da A./Recorrente, que é parte do investimento desta, colocar os melhores comerciais e os mais competentes recursos a favor dos comerciais em que estão a investir, ou seja, esclarece que afetam um dos maiores ativos da A./Recorrente, como é o caso da Sra. GG que é das melhores comerciais, à formação que deve ser ministrada aos novos comerciais contratados, como foi o caso da Ré, em detrimento completo do volume das vendas que essa colaboradora possa atingir, causando claros prejuízos e despesas à A./Recorrente, sendo certo que é precisamente esse investimento na formação dos colaboradores da A./Recorrente que a carateriza e distingue das demais empresas no mercado, nesta área, pois que esse investimento repercute-se no grande nível de capacitação técnica dos comerciais da A./Recorrente.
28° Do depoimento da testemunha BB (em 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; e 34:44 a 37:29), relativamente aos custos que a Recorrente teve com as várias formações que foram ministradas à Ré, esclarece que a Recorrente sofreu um prejuízo/despesas de 10.000,006 semanal, atento o volume médio mensal de vendas da referida colaboradora GG (relembre-se, uma das melhores comerciais/vendedoras da A.), bem como despesas de 230,80€, em virtude da interrupção das funções da referida colaboradora para acompanhamento, formação e auxílio da Ré em todo este processo de formação específica.
29° Diz a testemunha BB (em 34:44 a 37:29) que se se a colaboradora, Sra. GG ria, que deu formação à Ré, faturava um total de 60.000,006 por mês, dividindo-se esse montante por quatro (semanas), e aplicando-se-lhe a margem média de lucro final de 30%, obtém-se o quantitativo da despesa que a A. teve de suportar com a formação com a Ré, valores aos quais devem acrescer, e utilizando o mesmo raciocínio descrito pela testemunha, o equivalente às 40 horas semanais de formação ministrada.
30° A testemunha BB (em 46:08 a 48:18) foi clara ao afirmar que com a saída da Ré para a concorrência, a Recorrente sofreu uma grande quebra de faturação, na ordem de 40 a 50%, tudo porque, conforme afirma a testemunha, a carteira de clientes da Ré, de cerca de 600 clientes (número, aliás, inferior ao indicado pela própria Ré), traduzia-se numa faturação em média de 30.000,006 mensais, daí que a própria testemunha, enquanto diretora comercial da A., tenha reconhecido como justo o valor de 5.000,006, a título de quantia devia pelos danos patrimoniais e prejuízos causados à A., em virtude do incumprimento do pacto de não concorrência a que a Ré se comprometeu, e que originou uma elevada quebra de faturação, perda de clientes e de vendas causadas pela saída da Ré para uma sociedade concorrente.
31° Relativamente às despesas que a Recorrente teve com a formação da Ré, ministrada por entidades externas, resulta claro do depoimento da testemunha BB (em 1:01:34 a 1:04:55) que o valor de 697,786, foi calculado com base no custo-hora, isto é, tal valor refere-se a todos os encargos que a A. teve, por hora, com a formadora, face à retribuição auferida pelo formando e, assim, tal valor compreende o valor horário da retribuição da Ré a multiplicar pelas horas de formação que a Ré efetivamente recebeu, acrescendo as despesas com estadia incluída, despesas com deslocação e custos com os honorários dos formadores.
32° A testemunha BB revelou declarações sérias, credíveis, claras, objetivas e congruentes, pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento com duração 73,05 minutos, com relevo para este recurso de 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4), serve para demonstrar que os factos considerados como não provados em ii), iii), iv), v) e vi) deveriam ter sido dados como provados, e ainda para dar como não provados os factos dados como provados sob os números 14) (última parte - "... sem possibilidade da Ré manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada") e 36).
33° O depoimento da testemunha EE (veja-se a passagem com relevo de 06:29 a 06:54), serve para demonstrar que, é sabido que cada comercial tinha a sua própria carteira de clientes, o que não quer dizer que dentro dessa carteira de clientes, o comercial em questão não pudesse contactar periodicamente os "seus" clientes.
34° Ou seja, tal como afirmado pela testemunha EE (em 06:29 a 06:54), que diz existir uma listagem de clientes a contactar, só podendo contactar esses mesmos clientes, ainda assim, nada impedia que a Ré, livremente, pudesse ligar a um cliente, ou mais, em específico, para lhes apresentar as campanhas e promoções existentes, e proceder à venda de determinados equipamentos ou produtos, se achasse que o "seu" cliente, por conhecer os seus hábitos e preferências, poderia estar necessitado ou interessado em algum deles.
35° Acabando por não desmentir que a par dos clientes constantes da listagem diária, a Ré, ou outro vendedor, poderia ligar livremente a um cliente que, naquele dia em específico, não constasse da lista de contactos a efetuar.
36° Do depoimento da testemunha EE (em 07:49 a 08:01; e 09:58 a 10:17) fica demonstrado que a Recorrente proporcionava as formações profissionais necessárias a todos os seus colaboradores, dotando-os de conhecimentos muito técnicos e específicos, dada a sua área de atuação, o que implicava uma forte aposta da Recorrente na formação dos seus vendedores, com as consequentes despesas que isso acarretava, e conforme será melhor explicado pela testemunha BB (vejam-se as seguintes passagens com relevo de 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18; e 1:01:34 a 1:04:55) sendo, inclusive, afirmado pela testemunha que a Ré esteve presente em várias formações profissionais.
37° Assim, o depoimento da testemunha EE com duração de 14,35 minutos com relevo para este recurso de 06:29 a 06:54; 07:49 a 08:01 e 09:58 a 10:17, serve para demonstrar que o facto considerado como não provado sob a alínea iii) deveria ter sido dado como provado pelo doutro Tribunal.
38° A testemunha FF também não nega que para além dos clientes constantes em lista de contactos a efetuar, poderiam ser efetuados, voluntariamente, outros contactos, quando a Ré (ou outro comercial) bem entendesse, demonstrando que apesar de terem de cumprir com o Excel de chamadas, que discriminava os contactos a serem feitos naquele dia, a par desses, poderiam ser feitos outros (veja-se a passagem com relevo de 04:36 a 04:38).  
39° Continuando, o depoimento da testemunha FF (em 09:15 a 09:26; e 11: a 12:09) serve para demonstrar que foi dada formação específica à Ré, e que para além da colega Sra. GG, mais colaboradoras da A./Recorrente deram formação inicial à Ré, formação que enquanto decorreu, impossibilitou as formadoras de cumprirem com a sua função de comercial/vendedora, visto não poderem estar permanentemente em contacto com a sua carteira de clientes.
40° Mais, do depoimento da testemunha FF (em 12:26 a 13:06) comprova-se que foram ministradas outras formações à Ré, de carácter muito específico e importantíssimo, visto que é afirmado pela própria testemunha que foi dada formação sobre, nomeadamente, produtos anestésicos, que são administrados a pacientes, pelo que tal formação especifica, terá um custo associado, que foi suportado integralmente pela A./Recorrente.
41° Portanto, o depoimento da testemunha FF, com duração de 17,35 minutos com relevo para este recurso de 01:30; 04:36 a 04:38; 09:15 a 09:26; 11:49 a 12:09 e 12:26 a 13:06, serve para demonstrar que o facto considerado como não provado sob a alínea iii) deveria ter sido dado como provado pelo doutro Tribunal.
42° Por último, as declarações do legal representante da A./Recorrente, CC, (veja-se a passagem com relevo de 06:42 a 12:03) serviram para demonstrar, mais uma vez, a grande aposta que a Recorrente faz na formação profissional de todos os seus colaboradores, não olhando a custos para proporcionar tal formação, porquanto é, precisamente, todo esse conhecimento e know-how que acaba por distinguir a A. das restantes empresas, nesta área de negócio.
43° É afirmado pelo legal representante (em 06:42 a 12:03) que a A. proporciona uma formação na questão protocolar e de processo, por exemplo saber a quem se pode, ou não, vender determinado medicamento, bem como proporciona uma formação mais técnica, e mais exigente, direcionada para os produtos e equipamentos vendidos pela A./Recorrente, que passa por habilitar os trabalhadores desta no conhecimento aprofundado de mais de oito mil produtos, incluindo-se ainda no âmbito das formações, uma formação a nível de software.
44° Afirma o legal representante CC (em 06:42 a 12:03) que as formações foram todas ministradas à Ré, de forma gradual, que começou por ter uma formação mais básica e que evoluiu para uma formação mais avançada, como por exemplo a de qualificação de clientes.
45° Mais, das declarações prestadas (em 17:01 a 21:17; e 27:15 a 28:04) claramente verificamos que a Ré teve acesso, no desempenho das duas funções, a informações confidenciais, como sejam a segredos, estratégia comercial, promoções, identidade dos clientes, acordos de preços, preços de custos de artigos, históricos de condições de pagamento, entre outros, tudo fruto das funções que exerceu na A./Recorrente, e do consequente contacto permanente que foi estabelecendo com os "seus" clientes, que lhe possibilitava ter acesso a muitas mais informações.
46° Aliás, precisamente por causa desse contacto com os clientes, e por os conhecer tão bem, é afirmado pelo legal representante (em 27:15 a 28:04) que a Ré efetivamente detinha poder decisório no departamento comercial, pois que sabia perfeitamente que tinha liberdade e autonomia para fazer descontos e "atenções" aos clientes, sem ter que pedir, caso a caso, autorização para tal.
47° Ademais, é igualmente afirmado pelo legal representante da A./Recorrente (em 27:15 a 28:04) que a Ré tinha plena liberdade para estabelecer os contactos telefónicos que quisesse, dentro da sua carteira de clientes, e sem ter de pedir autorização para o efeito, sendo certo que existia um escalonamento das chamadas a serem realizadas, mas que tal apenas se consubstanciava numa rotina de acompanhamento do cliente, e que, a parte dessa rotina, a Ré podia, por iniciativa própria contactar outros clientes, caso assim entendesse.
48° Logo, contrariamente ao alegado pela Ré, afirma o legal representante da Recorrente (em 27:15 a 28:04) que a par dos contactos telefónicos mensais obrigatórios que a Ré estabelecia com os "seus" clientes, estava na sua disponibilidade efetuar outros - pois tinha liberdade para isso mesmo.
49° As declarações do legal representante (em 29:46 a 30:24) servem também para demonstrar que face ao facto de tal área de trabalho ser tão concorrencial, é precisamente toda a formação que a A./Recorrente proporciona aos seus trabalhadores que a distingue das empresas concorrentes, pois que a Recorrente dota os seus trabalhadores de conhecimento muito técnico e específico, de todo um know-how, que diferencia a qualidade do serviço prestado pela A. das demais empresas nesta área.
50° O legal representante da Recorrente revelou declarações sérias, credíveis, claras, objetivas e congruentes, pelo que, no conjunto da prova produzida e de acordo com as regras da experiência comum, o depoimento, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24, serve para demonstrar que os factos considerados como não provados em iii), iv) e vi) deveriam ter sido dados como provados, e ainda para dar como não provado o facto dado como provado sob o número 36).
51° Em suma, da conjugação da prova produzida, e face ao supra exposto, a Recorrente entende que o Tribunal a quo na sua matéria de facto fez incorreta análise de prova, pois ao assim decidir, o douto Tribunal a quo incorreu em errada análise e interpretação da prova testemunhal, violando dessa forma, o disposto nos artigos 413.° do Código de Processo Civil e 341e 362.° do Código Civil.T* amos,
52° Aqui chegados, após a discussão da causa, o Tribunal a quo entendeu que, sendo a Ré ui operadora de call center, ou seja, uma televendedora, não tinha qualquer qualificação de alto nível nem formação particular, pelo que, não se provou que a Ré tivesse acesso a informações específicas sobre a empresa e que tivesse adquirido um know-how próprio da empresa, não detendo, igualmente, qualquer tipo de poder de decisão e assim concluiu o douto Tribunal que não se verifica o requisito a que alude o art. 136.°, n.° 2, alínea b) do Código de Trabalho e, consequentemente, determinou a nulidade da cláusula de não concorrência, nos termos do n.° 1 do referido artigo.
53° Contudo, não pode a Recorrente aceitar tal entendimento, porquanto o douto Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto, nomeadamente do artigo 136.° do Código de Trabalho.
54° Ora, sendo certo que a R. era vendedora, desempenhando funções de comercial, e que geria uma carteira de clientes que rondavam os 600/700, mantendo contactos telefónicos regulares para apresentar aos clientes esses produtos, para realizar vendas, para oferecer promoções, etc, não podia o douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, comparar as funções efetivamente exercidas pela R., e descritas supra, com as funções de uma televendedora/operadora de call center (e até mesmo com as funções de lavadores de janelas) para fundamentar a nulidade da cláusula de concorrência.
55° Tudo porque, as funções de televendedora/operadora de call center, têm na sua base, o apoio ao cliente, a ajuda de resolução de um problema ou de prestação de informação, sempre relacionado com o mesmo objeto de negócio, e de forma quase que automática, e sem grandes especificidades - pense-se nas operadoras de telecomunicações,
55° Ao passo que as funções efetivamente exercidas pela R., mantendo contactos regulares com os clientes, inseria-se numa área de atuação muito específica, de medicina dentária, onde a relação comercial é muito frequente, e que consequentemente obrigava a que a Ré (bem como todos os colaboradores/trabalhadores da aqui Recorrente) fosse possuidora de conhecimentos muito técnicos e específicos desta área de trabalho, como por exemplo conhecer os materiais/produtos comercializados pela Recorrente, com mais de 8.000/10.000 referências diferentes.
56° Por isso, deveria o douto Tribunal atender às funções concretamente exercidas pela R. e se estas lhe permitiam efetivamente ter acesso a informações confidenciais, independentemente da designação formal das funções da trabalhadora, pois tal como decorre da sentença ora recorrida, que passamos a transcrever: "Em certas atividades, o contacto direto do trabalhador com a clientela pode dotá-lo de meios para desviar uma parte significativa desta em detrimento do antigo empregador, devendo atender-se ao contributo pessoal do trabalhador para satisfação do cliente por comparação com a importância dos métodos de trabalho e da organização do empregador.
É assim essencial que o contacto do trabalhador com os clientes seja ativo e permita a criação de um laço efetivo entre a clientela e o trabalhador".
57° Nestes termos, após a cessação da relação laboral existente entre a Recorrente e a R./Recorrida, que teve lugar no dia 12 de Fevereiro de 2021, a aqui Recorrente tomou conhecimento de que a R. assim que cessou o seu vínculo laboral com a Recorrente, iniciou funções junto da Sociedade Comercial A..., Lda, onde se encontra a exercer a sua atividade profissional - factos dados como provados pelo douto Tribunal, em 40), 41) e 42).
58° Sociedade essa que possui como objeto social: comércio por grosso, importação e exportação de material e equipamento médico; comércio por grosso de medicamentos de uso humano e de outros produtos farmacêuticos e que tem exatamente o mesmo CAE da aqui Recorrente, ou seja, o CAE 46690 - Comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos.
59° Decorre do contrato de trabalho celebrado entre a A./Recorrente e a Ré, designadamente da sua cláusula sétima, que a Ré se comprometeu, de acordo com o disposto no art.° 136°, n.° 2 do Código do Trabalho, por um período de dois anos após a cessação do contrato de trabalho, não exercer por conta própria ou de terceiros, qualquer atividade profissional concorrente com a desenvolvida pela A./Recorrida, reconhecendo a elevada aposta na sua formação por parte da Entidade Empregadora e o acesso à informação privilegiada quanto a produtos e clientes fornecida pela A./Recorrida.
60° Esta cláusula foi aposta no contrato de trabalho celebrado com a R., (aliás, o teor de tal cláusula configura em todos os contratos de trabalho celebrados pela Recorrente) pois que, tal como a R. bem sabe, a área de atuação da aqui Recorrente é muito específica, é uma atividade muito concorrente no mercado, obrigando a que todos os seus colaboradores e trabalhadores sejam possuidores de conhecimentos muito técnicos e atuais, o que implica uma forte aposta da Recorrente na formação dos seus vendedores, como foi no caso da Ré.
61° Sempre em cumprimento do disposto no artigo 136.°, n.° 2, alínea a) do Código de Trabalho, a título de compensação pelo pacto de não concorrência supra referido, e conforme consta do ponto dois da cláusula sétima do contrato de trabalho junto aos autos, a Entidade Empregadora, aqui Recorrente, comprometeu-se a pagar à Ré, durante o período de dois anos, 20% do vencimento base auferido pela Ré na data da cessação do contrato, sendo que sobre tal quantia, deveriam ser deduzidas as despesas que a Recorrente suportou com a R., a título de formação.
62° Assim, no caso em apreço, tal cláusula foi inserida no contrato de trabalho celebrado entre A./Recorrente e R./Recorrida, cumprindo-se o disposto na alínea a), do supra referido preceito legal e foi inserida cumprindo com o plasmado na legislação aplicável, concretamente com a limitação temporal de dois anos, para além de que é entendimento da Recorrente estarmos perante uma atividade cujo exercício causa prejuízo à própria Recorrente, visto que a sociedade comercial onde a R. atualmente exerce as suas funções é concorrente direta da Recorrente, verificando-se igualmente cumprido o disposto na ai. b) do n.° 2 do art. 136° do CT.
63° Tendo sido ainda determinada uma compensação a ser atribuída à R., pelo pacto de não concorrência celebrado, que teria efeitos após cessação do contrato, pois que durante o período de dois anos seria pago à R. 20% do vencimento base auferido na data de cessação do contrato de trabalho, logo, auferindo a R. 750,00€ à data da cessação do contrato de trabalho, 20% de tal quantia a ser paga pelo período de dois anos após cessação do contrato, equivale a um total de 3.600,00€ - montante sobre o qual deveriam ser descontadas as quantias auferidas pela R. no exercício de outra atividade profissional, iniciada após a cessação do contrato de trabalho.
64° Além de que, à compensação mencionada supra, seriam ainda deduzidas as despesas que a Recorrente suportou a título de formação ministrada à R., de valor de 697,78€, sendo certo que em caso de incumprimento do pacto de não concorrência por parte da R., como sucedeu in casu, pois que a R. nunca chegou a cumprir com o seu dever de limitação da sua atividade durante o período de dois anos, tal como estipulado no contrato, esta ficaria obrigada a indemnizar a A., aqui Recorrente, por todos os prejuízos e danos causados, bem como reembolsar a Recorrente de todas as despesas suportadas a título de formação.
65° A Ré tinha plena consciência de que se encontrava aposta no contrato de trabalho tal cláusula, pois que foi devidamente informada pela Diretora Geral da A./Recorrente, BB, e por DD, responsável do departamento da contabilidade e dos recursos humanos, em momento anterior ao de assinar o contrato de trabalho, bem como após ter entregue a carta de denuncia do contrato de trabalho - tal como se pode verificar pelos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento (depoimento da testemunha BB, gravado em sistema de MP 4, com relevo para o caso de 04:05 a 04:23; 05:11 a 06:26; 07:07 a 07:30 e 09:52 a 11:06; e depoimento da testemunha DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, com relevo de 08:09 a 11:13 e 13:01 a 13:35).
66° Ora, com a cessação do contrato de trabalho emergem deveres para as partes do próprio ato de cessação do contrato, e que são comuns a todas as modalidades de cessação, e deveres especiais que podem emergir da cessação do contrato, por acordo das partes nesse sentido, como o são os pactos de não concorrência, com eficácia subsequente à cessação do contrato. Mais, o artigo 405°, do CC estabelece o princípio da liberdade contratual, segundo o qual as partes, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código Civil ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
67° A importância dos interesses de gestão ligados ao dever de não concorrência, apesar desta proibição em geral, justificam a admissibilidade deste tipo de pacto, desde que as restrições à liberdade de trabalho do trabalhador se fundamentem em causas objetivas - isto é, tenham uma justificação objetiva e tenham uma limitação temporal, e, assim, considerando que tais pactos representam restrições à liberdade de trabalho, a lei regulamenta, de forma rigorosa, as limitações convencionais ao exercício da atividade profissional por parte do trabalhador impondo, para tanto, o preenchimento cumulativo de determinados requisitos, verificando-se que a jurisprudência tem entendido que as referidas cláusulas de não concorrência apenas são válidas caso sejam indispensáveis à proteção dos interesses da empresa.
68° No caso dos presentes autos, tal como referido supra, constata-se que os requisitos constantes do art. 136° do CT, foram todos preenchidos, com especial relevância, para o facto de que tal cláusula, não resultou de imposição do legislador, mas antes de acordo de vontades das partes, ou seja, entre a A./Recorrente e R., assentando, assim, na autonomia da trabalhadora, que livremente assinou o contrato de trabalho, sem pedir qualquer alteração, estando perfeitamente consciente do que estava a assinar.
69° À semelhança dos demais trabalhadores da Recorrente, a R. levou a minuta do contrato de trabalho para casa durante alguns dias para o analisar e só depois é que efetivamente o assinou - portanto, teve tempo para analisar o contrato de trabalho e, caso realmente fosse essa a sua vontade, podia perfeitamente ter-se manifestado contra a aposição de tal cláusula no contrato, o que nunca aconteceu.
70° E nesse contrato de trabalho, tal como é do perfeito conhecimento da R., foi aposta a cláusula de não concorrência, com eficácia após a cessação do contrato, comprometendo-se a Ré, por um período de dois anos após a referida cessação do contrato, a não exercer por conta própria ou de terceiros, qualquer atividade profissional concorrente com a desenvolvida pela A./Recorrida, reconhecendo a elevada aposta na sua formação por parte da Entidade Empregadora e o acesso à informação privilegiada quanto a produtos e clientes fornecida pela A./Recorrida.
71° Acresce que, caso a Ré, após análise do contrato de trabalho, não concordasse com o teor de tal cláusula, ou ainda, tal como alegado pela R., não lhe tivesse sido dada oportunidade de "manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada", sempre poderia denunciar o respetivo contrato de trabalho durante o período experimental, que ficou estipulado em 15 dias - tal como consta dos factos dados como provados, o que não sucedeu, pois que a R. permaneceu ao serviço da Recorrente desde 02 de Fevereiro de 2018 até 12 de Fevereiro de 2020.
72° Mais se diga que, no início da relação laboral entre a A/Recorrente, e a R., foi ministrada à R. formação especializada por uma Colega de Trabalho, Sra. GG, que necessitou de interromper as suas funções durante toda a semana, de forma a auxiliar a Ré.
73° Perante a suspensão da atividade da referida Colaboradora da Recorrente para acompanhamento, formação e auxílio da R., a Recorrente sofreu um prejuízo/despesas de 10.000,006 semanal, atendo o volume médio mensal das vendas da referida Colaboradora, bem como despesas de 230,806, em virtude da interrupção das funções da referida Colaboradora Sra. GG, para auxiliar a Ré, o que perfaz despesas para a Recorrente que se cifram em 10.230,806.
74° Após a Recorrente ter tomado conhecimento de que a R. tinha iniciado funções junto de sociedade comercial diretamente concorrente, e na pessoa do seu mandatário, enviou à R., a 21 de Fevereiro de 2020, carta registada com aviso de receção dando-lhe conhecimento de que a R. tinha violado o pacto de não concorrência e que não seria paga qualquer quantia a título de indemnização e que em virtude da violação dolosa do referido pacto deveria a R. ser responsabilizada por todos os prejuízos e danos causados, por estar a exercer funções juto de uma concorrente direta da Recorrente (cfr. Doc. 10 junto aos autos em sede de petição inicial).
75° Sendo que, no desempenho dessas novas funções estaria a utilizar todo o know-how adquirido enquanto desempenhava funções para a Recorrente, e toda a informação privilegiada a que teve acesso durante esse período, nomeadamente, todos os contactos e informações referentes a potenciais clientes e produtos, o que por si só consubstancia um prejuízo sério causado na esfera da aqui Recorrente.
76° Sucede que, tal missiva não foi rececionada pela Ré por falta de levantamento na instituição postal, tendo sido devolvida, (cfr. Doc. 11 junto aos autos em sede de petição inicial).
77° No entanto, sempre se diga que a Ré antes de terminar o contrato de trabalho teve uma conversa com a diretora comercial da Recorrente, e com a responsável pelo departamento de contabilidade e recursos humanos, BB e DD, respetivamente, no sentido de perceberem se a Ré tencionava, ou não, ir trabalhar para uma empresa concorrente, de modo a chegarem a algum entendimento, alertando e recordando a Ré do compromisso que esta tinha inicialmente assumido com a Recorrente, e das implicâncias decorrentes desse mesmo compromisso.
78° A Ré garantiu que não iria trabalhar para a concorrência, dizendo que apenas iria trabalhar para uma empresa mais perto do sítio onde morava, e que tinha consciência da existência da cláusula de não concorrência, mas que como iria desenvolver outra profissão, apesar de relacionada com a área de vendas, não seria em nenhuma empresa diretamente concorrente com a Recorrente.
79° Portanto, não tendo a Ré recebido, por sua culpa, a missiva enviada pela Recorrente, o certo é que a Ré desde a outorga do contrato de trabalho e posteriormente desta a conversa referida supra, estava perfeitamente consciente da cláusula de não concorrência e das implicações da mesma, bem como da sua importância para a Recorrente, tendo sido alertada várias vezes disso mesmo.
80° O incumprimento do pacto de não concorrência pelo trabalhador determina responsabilidade civil contratual, nos termos gerais dos artigos 798° e seguintes do CC, sendo que nesta matéria o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n° 1019/09.1TTLRA.C1.S1, de 02-05-2018, é claro ao prever uma obrigação de indemnização por parte do trabalhador, pelo incumprimento dos deveres de concorrência e de confidencialidade, através de celebração de um contrato de trabalho com uma empresa concorrente do antigo empregador.
81º Sabe-se que durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador, ao passo que após a cessação da relação laboral, renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, podendo o mesmo exercer livremente qualquer atividade, mesmo que concorrente com a desenvolvida pelo seu anterior empregador, sendo que as únicas restrições a essa liberdade apenas existem no caso em que essa atividade concorrencial seja desleal ou se haja firmado um pacto de não concorrência.
82° O pacto de não concorrência poderá, então, definir-se como um acordo expresso de vontades entre o empregador e o trabalhador, de natureza sinalagmática e onerosa - isto é, gera uma obrigação de rton facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador e de duração limitada, pelo qual se visa limitar a atividade deste último, após a cessação do contrato, com vista a impedir que concorra com o ex-empregador - vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.°l347/15.7T8PNF.P 1, de 16/12/2015.
83° Portanto, a obrigação de pagamento da compensação à Ré apenas existia se esta cun A sse com o dever de não concorrência, sendo por isso uma obrigação contratual e sinalagmática.
84° Relembre-se, ficou estipulado que seria paga à Ré uma compensação de 20% do vencimento base auferido à data de cessação do contrato, mensalmente, e após o término do contrato de trabalho em contrapartida pelo não exercício, durante dois anos após a cessação do contrato de trabalho, de atividade profissional concorrente com a desenvolvida pela Recorrente.
85° Tal como bem esclareceram as testemunhas BB e DD em sede de audiência de julgamento (depoimento da testemunha BB, gravado em sistema de MP 4, com relevo para o caso de 04:35 a 05:09; e depoimento da testemunha DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, com relevo de 21:39 a 22:35 e 23:20 a 23:45), daí que não se perceba o porquê da Mm.a Juiz a quo que, salvo o devido respeito que é muito, ter entendido, após claras e precisas explicações, que essa cláusula deveria ser acionada no decurso do contrato de trabalho, e não no fim deste, tal como está expressamente previsto no contrato de trabalho.
86° Logo, cessando o contrato de trabalho da Ré e verificando-se que a mesma estaria a desenvolver outra atividade profissional, noutra área que não a da Recorrente, a Ré teria direito a receber, mensalmente, e pelo período de dois anos, 20% da retribuição que auferia enquanto estava ao serviço da Recorrente.
87° Situação diferente seria, no caso de cessação da relação laboral existente entre a Ré e a Recorrente, e em que a Ré iniciou funções, passados poucos dias, junto de sociedade diretamente concorrente com a Recorrente, que até tem o mesmo CAE e o mesmo objeto social, e que daí resulta que a Ré violou o compromisso de não concorrência que assumiu com a Recorrente, não tendo de ser compensada em qualquer quantia pela limitação à sua liberdade de trabalho, visto que simplesmente a R. não restringiu a sua liberdade.
88° Muito pelo contrário, pois se atentarmos aos documentos juntos pelo Instituto da Segurança Social, por requerimento datado de 04/02/2021, ref.a 84643061, como sejam os comprovativos dos registos da remuneração da Ré/Recorrida, a partir de 12/02/2020, data em que cessou o contrato de trabalho com a Recorrente, e que não foram tidos em conta pelo Tribunal a quo, aquando da sua decisão, verificamos que no mês de Fevereiro de 2020 (que teve 20 dias úteis) foram feitos os respetivos descontos, pela Recorrente, de 11 dias, ao passo que nesse mesmo mês, Fevereiro de 2020, foram efetuados descontos à Segurança Social pela sociedade A..., Lda, de 19 dias. Claramente demonstrando que ainda durante o tempo em que a Ré exercia funções para a Recorrente, já esta se encontrava a trabalhar para a empresa concorrente, a A..., Lda.
89° Mais, dispõe o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, supra mencionado que na admissão dos pactos de não concorrência, propõe-se limitar a concorrência pós laboral entre o ex-empregador e o ex- trabalhador, ficando este último impedido, no âmbito da sua livre iniciativa económica, mas também na sua liberdade de trabalho em poder concorrer com o seu empregador.
90° E foi precisamente atenta a esta realidade, aliada ao facto de que no ramo de negócio da Recorrente, existirem poucas empresas em Portugal com a expressão e qualidade desta última (facto dado como provado pelo douto Tribunal em 5)) que a Recorrente celebrou com a Ré tal acordo, o pacto de não concorrência, com efeitos após cessação do contrato de trabalho, de modo a evitar que a R. usasse a capacidade e conhecimentos profissionais adquiridos com a Recorrente, para os colocar ao serviço da concorrência.
91° Visto que, por via do seu trabalho, a Ré adquiriu um determinado conhecimento específico e até formou relações com os clientes e concorrentes de mercado relevantes na área da Recorrente, tudo fruto do investimento em formação da Recorrente que, para conseguir a excelência por que se pauta o seu negócio, dotou e formou a R. para que fosse o rosto da empresa, dando-lhe todo o know-how de que necessitava para fazerem tal trabalho de excelência.
92° Em suma, para que a cláusula de não concorrência seja legítima é necessário que tenha por finalidade impedir que o trabalhador, cessando o seu contrato de trabalho, possa no exercício da sua atividade causar prejuízos ao empregador, pelos conhecimentos e segredos que tenha obtido no exercício da atividade anterior e que possa agora vir a aproveitar no novo trabalho - tal como sucedeu no caso em concreto.
93° Veja-se, no caso dos presentes autos foram ministradas à Ré diversas formações, de fornia a proporcionar-lhe conhecimentos para o exercício da sua profissão, formações que ascenderam ao valor de 697,786 integralmente suportado pela Recorrente.
94° Dessas formações, algumas foram ministradas à Ré quer pela sua Colega Sra. GG, como igualmente por outros colegas da R., com muita experiência no sector e devidamente dotados para o efeito, quer ainda por entidades externas.
95° Tal como já se referiu, na vigência da relação laboral existente entre as partes, a R. teve acesso e informação privilegiada quanto a produtos e clientes da Recorrente, bem como a segredos e a know-how que adquiriu precisamente no exercício da sua atividade, logo, o facto de a Ré, nesta data, se encontrar a exercer atividade profissional junto de uma empresa concorrente da Recorrente, causa a esta enormes prejuízos.
96° Veja-se, a R., nesta data, encontra-se a exercer atividade profissional junto de uma empresa concorrente da Recorrente, atividade essa que, lembre-se, teve início em Fevereiro de 2020, no exato mês em que a R. cessou a relação laboral com a Recorrente, e mais, atividade que iniciou ainda no decorrer do exercício de funções para a Recorrente (cfr. documentos juntos pelo Instituto da Segurança Social),
97° Além de que, a R. teve especial contacto com a clientela da Recorrente, tendo os seus contactos e ainda acesso a informações confidenciais, como sejam as preferências de consumo, o volume de vendas mensais, os acordos dos preços, hábitos de consumo dos clientes, tudo informações importantíssimas nesta área de negócios tao concorrencial (bastando, por exemplo, vir uma outra empresa oferecer o mesmo produto, mas a um preço inferior, que se pode perder o cliente).
98° Mais se diga que, por a Ré conhecer tão bem os "seus" clientes, aliás melhor do que ninguém, tinha dentro das suas tarefas o poder de fazer descontos e certas "atenções" a esses clientes, que rondavam uma média de 600, representando o valor de faturação mensal da Recorrente de 30.000,006.
99° Concluindo, a Ré levou consigo o fruto de dois anos de trabalho na Recorrente para outra empresa concorrente; um trabalho de pesquisa de mercado, de conhecimento dos hábitos dos clientes, um trabalho de conhecimento dos produtos, dos preços de compra e de venda, conhecimento das margens de lucro, que poderá usar estrategicamente na sua nova entidade empregadora, que, sem qualquer investimento em investigação, desenvolvimento e formação irá beneficiar dessa aquisição de formação/conhecimento por parte da Ré e cedida pela Recorrente,
100° Em claro e evidente prejuízo para a Recorrente, colocando a nova entidade empregadora da Ré numa situação mais vantajosa do ponto de vista concorrencial.
101° Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional, n° 256/2004 de 14.04.2004, não basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente; é preciso estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por "concorrência diferencial", isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele.
102° Podendo assim concluir, sem margem para dúvidas que a cláusula de não concorrência inserta em sede do contrato objeto dos autos é válida e lícita, pois que cumpre todos os requisitos de validade, forma e eficácia previstos quer no artigo 136.°, n.° 2 do CT, quer no artigo 280.°, n.° 1 do Código Civil.
103° E assim o é, porquanto, é perfeitamente determinada e determinável no seu objeto, visto constar de contrato escrito, respeitar a atividade cujo exercício causa efetivo prejuízo à Recorrente - pois que os conhecimentos adquiridos pela trabalhadora no decurso do contrato implicam riscos particulares específicos para a Recorrente e é expressamente atribuída ã Ré uma compensação por tal limitação, que é determinável nos termos do artigo 280.° n.° 1 do CC, possuindo a Recorrente um interesse legítimo em evitar a concorrência diferencial, atenta a sua área de atuação, sendo que,
104° A Ré violou de forma grave, reiterada e ilícita, o pacto de não concorrência ínsito no contrato de trabalho, e como consequência, apenas e só por culpa exclusiva da Ré não pôde a Recorrente pagar a compensação acordada, uma vez que a Ré iniciou funções semelhantes numa outra empresa concorrente.
105° Da factualidade alegada, a Ré deve, então, ressarcir a Recorrente em montante nunca inferior a € 3.600,00, a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência inserto no contrato objeto dos presentes autos,
106° Devendo ainda a Ré indemnizar a Recorrente em quantia nunca inferior a 5.000,00€ pelos danos patrimoniais e prejuízos causados a esta última, em virtude do incumprimento do pacto de não concorrência a que se comprometeu e obrigou, uma vez que se encontra a desenvolver atividade profissional junto de uma sociedade comercial concorrente direta da Recorrente, que se traduziu numa enorme quebra de vendas da Recorrente, que rondou os 40/50% de quebra de faturação.
107° E ainda deve a Ré ser condenada no reembolso à Recorrente de todas as quantias despendidas pela Recorrente com a formação ministrada, por referência ao custo da formação inicial, com estadia incluída, despesas com deslocações e custos com os honorários dos formadores, que se contabiliza em 10.928,58€, o que tudo totaliza a quantia global de 19.528,58 € que aqui se reclama, quantia à qual devem acrescer juros legais calculados desde a data de incumprimento até efetivo e integral pagamento.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa... JUSTIÇA!”.
*
A R. apresentou contra-alegações, nos termos que constam a fls. 180 e ss., as quais, terminou com as seguintes, “CONCLUSÕES
1. O Tribunal a quo decidiu, e bem, pela improcedência da presente ação de processo comum intentada pela A., ora Recorrente, absolvendo a Ré, ora Recorrida, de todos os pedidos contra si formulados pela A.
2. É totalmente inconcebível a Recorrente ousar exigir à Recorrida as quantias aqui peticionadas, imputando-lhe uma alegada violação de uma cláusula denominada pacto de concorrência aposta no contrato de trabalho;
3. Salvaguardando-se o devido respeito, não se pode deixar de assinalar a atroz falta de fundamento do recurso de apelação interposto, no âmbito do qual são aliás feitas considerações e vertidas conclusões sem qualquer sustento na prova produzida;
4. Em boa verdade, a Recorrida viu uma cláusula contratual inserta no contrato de trabalho, imposta pela entidade empregadora e sem qualquer possibilidade de se manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada;
5. A Recorrente tem plena consciência que parte de uma premissa que bem sabe estar errada, pois não estão minimamente cumpridos os requisitos a que alude o art.º 136º do Código do Trabalho;
6. A Recorrida viu uma cláusula contratual inserta no contrato de trabalho, imposta pela entidade empregadora e sem qualquer possibilidade de se manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada.
7. A Recorrente usou e abusou da sua posição dominante sobre a Recorrida, impondo cláusulas a seu favor e manifestamente desproporcionais, cláusulas essas que, como muito bem decidiu o Tribunal a quo, são nulas.
8. Ainda que se entenda, por mero exercício de raciocínio, que as alegações da Recorrente são suficientes para o tribunal ad quem se pronunciar acerca das pretensões alegadas por aquela, não se vislumbra que possam estes servir de fundamento suficiente para se proceder à alteração da matéria de facto.
9. O princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente da prova testemunhal, consagrado no artigo 396º do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Estes normativos concedem autonomia ao Tribunal para apreciar livremente as provas segundo a própria convicção e experiência relativamente a cada facto dado à prova, nunca se desviando, porém, do dever de persecução da verdade material.
10. Ora, no caso em apreço, a fundamentação da decisão de facto foi claramente fundamentada e reduzida objetivamente aos critérios sobre os quais criou a sua livre convicção. Da mesma forma que identificou negativamente a omissão de elementos probatórios suficientes para fixar certos factos controvertidos.
11. O Tribunal a quo teve em consideração toda a prova produzida, proferindo uma sentença que, após toda a ponderação, foi fundamentada de forma cabal e considerou numa a cláusula inserta no contrato de trabalho.
12. É unânime que, havendo contradições entre os depoimentos das testemunhas só o juiz de julgamento está habilitado a apreciar livremente a prova testemunhal, de acordo com a sua prudente convicção que tenha formado acerca de cada facto controvertido, segundo o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
13. O Tribunal teve perante si as testemunhas verificando as ações e omissões dos seus dizeres, tiques e outras reações e optou por credibilizar uns depoimentos em detrimento de outros, tal decisão é insindicável e imutável, não se alcançando que da audição das gravações se possa augurar de modo diferente, concluindo-se que a matéria de facto a ajuizar é a que consta da sentença.
14. Não se vislumbrando qualquer omissão da motivação conducente à decisão da matéria de facto do tribunal a quo, concluímos pela correta aplicação do direito, não havendo lugar à dúvida da livre apreciação da prova efetuada, improcedendo o recurso.
15. Não existe qualquer dúvida que os factos 14) e 36) dados como provados o foram corretamente, com a devida fundamentação plasmada na sentença a quo.
16. Não só pelo depoimento de parte da Recorrida, como pelas declarações das testemunhas, incluindo a sócia e diretora financeira da empresa BB, ficou claro que a Recorrida não poderia manifestar-se contra esta cláusula, não só por ter tido conhecimento da mesma apenas após se ter desvinculado do seu emprego anterior, mas também pelo facto de, caso não a aceitasse, não seria contratada.
17. A Recorrente usou e abusou a Recorrida da sua posição dominante sobre a mesma para impor cláusulas a seu favor e manifestamente desproporcionais, que terão que ser consideradas nulas.
18. Cláusula essa que, ademais, não cumpriu. Não resta qualquer dúvida sobre o caráter oneroso e sinalagmático do pacto de não concorrência. Ora, ao longo de toda a prova produzida, resultou evidente que a Recorrente nunca pagou compensação à Recorrida, incumprindo o mais básico dos princípios do pacto de não concorrência.
19. Refira-se, aliás, que este modus operandi da Recorrida não é novo. As testemunhas EE e FF, ex-trabalhadoras da Recorrente, também viram apostas nos seus contratos cláusulas semelhantes, denominadas pacto de não concorrência. Contudo, após a sua saída da Recorrente, nunca lhes foi paga qualquer compensação. Tal modo de atuação foi confirmado não só pelas próprias testemunhas supra identificadas, mas também pela anterior diretora de recursos humanos da Recorrente.
20. No que diz respeito às funções da Recorrida e da sua autonomia, a prova produzida foi, uma vez mais, evidente.
21. A Recorrida era uma mera operadora de call center, sem qualquer poder decisório na sua atuação. Não só tinha que contactar os clientes que lhe eram indicados diariamente pela Recorrente, como não tinha qualquer poder para fazer alterações no preço sem autorização dos seus superiores hierárquicos.
22. Quanto à temática das formações alegadamente ministradas, a prova produzida foi, uma vez mais, cabal. O Tribunal a quo decidiu, e bem, que não foi feita prova de qualquer custo associado a estas formações.
23. As alegadas formações que a Recorrente alega ter ministrado não são mais do que formações obrigatórias e apenas no seu interesse comercial, pois eram adequadas não só ao desempenho da função, mas também à apresentação de produtos que a Recorrente comercializava.
24. A Recorrente nunca logrou demonstrar os alegados custos que peticionou a título de formações ministradas à Recorrida.
25. Quer os factos provados, quer a aplicação do Direito, ambos constituem causa para absolvição da Recorrida de todos os pedidos contra si formulados pela Autora.
26. Uma vez mais e mesmo em sede da avaliação do mérito da ação, não consegue a Recorrente deixar de ceder à omissão da verdade, mesmo perante as mais claras evidências.
27. Face aos factos provados, não podem restar quaisquer dúvidas que a Recorrida era uma mera colaboradora da Recorrente, com funções comerciais no call center da mesma, nunca tendo tido qualquer acesso a informações privilegiadas dos clientes da mesma.
28. A Recorrida nunca teve conhecimento sobre a investigação e desenvolvimento dos produtos e sempre foi uma colaboradora sem qualquer poder decisório no departamento comercial, de marketing ou outro e nunca teve acesso a qualquer tipo de segredo, patente, produto e/ou informação confidencial.
29. Reitere-se que a Recorrida não tinha qualquer tipo de autonomia para fazer descontos nas vendas que efetuava, estando sempre dependente de autorização do superior hierárquico para fazer, como resultou provado nos autos.
30. Ficou percetível que a cláusula denominada pacto de não concorrência inserta no contrato de trabalho era vaga, genérica, ao contrário do que é exigido quando se está perante uma limitação a um direito consagrado constitucionalmente – o direito ao trabalho.
31. Quanto à compensação de 20% prevista, que incidia apenas sobre o salário base da Recorrida, a mesma é manifestamente insuficiente para que possa sequer ser considerada.
32. Se é verdade que a legislação portuguesa não prevê um montante mínimo de compensação, é certo que é facilmente percetível que, no caso em apreço de Euros 150,00 (Euros 750,00 vencimento base*20%) é demasiado baixo para ser imposto uma limitação a um direito fundamental da Recorrida.
33. A título exemplificativo, a lei belga prevê o pagamento de uma "indemnização compensatória que deve ser paga de uma só vez pelo empregador (artigo 65.9, $ 2, al. 4, da ICT), sendo que o empregador pode renunciar, num prazo de quinze dias a partir do momento da cessação do contrato, à aplicação efetiva da cláusula. O montante mínimo da compensação a pagar é igual a metade da remuneração bruta do trabalhador correspondendo à duração de aplicação efetiva da cláusula", como refere Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Vol I, Coimbra Editora, 2007, pág. 616.
34. Por outro lado, a lei alemã "exige o pagamento de uma indemnização, que terá de ser, pelo menos, metade do valor das prestações que o empregador atribuía ao trabalhador, no fim do contrato (não se trata apenas da retribuição mensal, mas também das gratificações, participações nos lucros, etc) ", ainda de acordo com Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Vol I, Coimbra Editora, 2007, pág. 616.
35. Há uma certeza inegável: o montante imposto pela Recorrente no contrato é manifestamente irrisório para ter o poder de limitar a liberdade contratual da Recorrida após a cessação do contrato de trabalho.
36. Face à matéria provada, ter-se-á que ter em consideração que, "em França após um Acórdão de 14 de Maio de 1992 a Cour de cassation tem exigido que a cláusula seja indispensável à proteção de interesses legítimos da empresa. Nesse Acórdão decidiu-se que era ilícita a cláusula do contrato de trabalho celebrado com um trabalhador contratado como lavador de janelas e que o proibia de exercer essa atividade naquele departamento e nos departamentos limítrofes. Também recentemente (11 de Julho de 2001) se decidiu ser ilícita porque desnecessária a cláusula de não concorrência inserida no contrato de trabalho de um televendedor, profissão que não requer uma qualificação de alto nível, nem uma formação particular (cit. Apud KERBOURC'H, ob. cit., págs. 17-18)", in Direito do Trabalho, Vol I, Coimbra Editora, 2007, pág. 612.
37. Ora, o caso apresentado é, em tudo, similar ao caso dos presentes autos.
38. Não resta qualquer dúvida que estamos perante uma verdadeira "galinha de ovos de ouro" para a Recorrente.
39. A Recorrente insere em todos os seus contratos de trabalho uma cláusula denominada pacto de não concorrência. Quando os trabalhadores saem dos seus quadros, não lhes paga qualquer compensação. Se estes continuarem a sua atividade profissional num posto que a Recorrente entenda ser concorrencial, intenta ações judiciais contra os mesmos, numa atitude claramente persecutória e aproveitando-se, uma vez mais, de uma clara posição de força, quer a nível de meios, quer a nível financeiro.
40. A nulidade da cláusula inserida no contrato pela Recorrente é nula, por tudo o que se vem elencando.
41. A decisão proferida a quo veio trazer uma verdadeira sensação de justiça, pois transmite à sociedade, no caso particular à Recorrida, que nem sempre o poderio de meios e financeiros é sinónimo de intimidação, pois com os valores peticionados, a Recorrente bem sabia que iria causar angústia e receio na Recorrida, obrigando-a a despender meios financeiros consideráveis para se defender de uma injustiça atroz.
42. Cumpre ainda referir que não basta a saída de um mero trabalhador para a concorrência para considerarmos uma cláusula de não concorrência. Como se pode ler no Acórdão do TC, processo n.º 256/2004: “Não basta o prejuízo comum de o empregador perder um trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há-de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhador está em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador por ter trabalhado para ele.”
43. A Recorrente não fez qualquer prova dos prejuízos que alegou. Não logrou também estabelecer qualquer nexo causal entre a saída da Recorrida para o seu atual emprego e os alegados prejuízos que diz ter sofrido. Esclareça-se que nem o poderia fazer, pois a atividade que a Recorrida exerce atualmente não causa nenhum prejuízo direto à Recorrente, pois as suas funções são distintas da que exercia anteriormente.
44. Como é natural e já foi anteriormente referido, não são os custos com a formação obrigatória que entram neste conceito de prejuízo.
45. Não deverão ser atendidas as formações suportadas pelo empregador que se apresentem como essenciais para o trabalhador poder exercer as funções para as quais foi contratado ou que sejam exigíveis para o concreto desempenho da sua função ou, ainda, as despesas de formação que o empregador suporte para assegurar requisitos ou qualificações técnicas do trabalhador que são exigíveis para o próprio desempenho da específica atividade do empregador, inerentes, assim, ao normal funcionamento da empresa.
46. Este conceito abrange gastos de cursos dispendiosos, necessários à formação profissional do trabalhador que lhe confere uma nova competência, economicamente valiosa e de que ele se poderá servir aquando da procura de um novo emprego, o que já poderá não acontecer quando apenas recebeu treino para preencher um posto de trabalho específico na organização do empregador, o que não é, de todo, o caso dos autos.
47. Todas as formações que ministrou à Recorrida não foram mais do que formações inerentes às suas funções e funções conexas, insertas no plano de formação legalmente imposto por lei, sem que se encontrem registadas sequer no Sistema Nacional de Qualificações.
48. Não foi produzida qualquer prova quanto à eventual existência de custos com tais formações diretamente suportados pela Recorrente.
49. A Recorrente pretendeu, de forma ilusória, computar custos relacionados com os salários de funcionários seus que terão ministrado formação à Recorrida. Na sua ótica, o facto destes não terem realizado vendas no período em que ministravam formações, seria o bastante para determinar os encargos efetivos da Recorrente com a formação profissional da Recorrida. Muitas vezes, essas ações de formação abrangiam vários elementos e outras vezes a formação era em contexto efetivo de trabalho.
50. A formação é um direito do trabalhador e um dever do empregador!
51. Face a tudo o que foi exposto e provado, não poderia, no modesto entendimento da Recorrida, o Tribunal a quo decidir de outra forma que não fosse pela nulidade da cláusula denominada de pacto de não concorrência aposta no contrato de trabalho celebrado entre as partes, uma vez que não está preenchido o requisito a que alude o art.º 136º, n.º 2, al. b) do Código do Trabalho.
Nestes termos, requer a Vossas Excelências se dignem julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se assim a decisão recorrida.
Assim se decidindo, se fará a devida e inteira JUSTIÇA.”.
*
Nos termos que constam no despacho de fls. 200, a Mª Juíza “a quo” admitiu o recurso, como apelação com subida imediata e efeito devolutivo.
*
Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido da improcedência do recurso, referindo no essencial que, “atento o objecto dos presentes autos, determinado pelas conclusões (desnecessariamente complexas e prolixas, por reproduziram parcialmente as respectivas alegações e a carecerem de simplificação, nos termos do nº. 3 do artº. 639º do CPC., eventualmente), considerando a douta sentença, ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que lhe ser feita, a qual deverá ser integralmente confirmada, ante o rigor e a justeza argumentativa nela expresso, o que afasta qualquer vício ou erro de julgamento”.
Notificadas deste, veio a A. pronunciar-se, nos termos que constam do requerimento junto a fls. 210 e ss., não aceitando o entendimento exposto naquele, requer que sejam, o Recurso e, consequentemente, os pedidos por si interpostos, julgados totalmente procedentes por provados.
*
Os autos foram com vistos aos Ex.mos Adjuntos.
E, após, em 13.01.2022, a relatora proferiu o despacho junto a fls. 227 e 228, convidando a recorrente a sintetizar as conclusões, sob pena de não se conhecer do recurso.
A este a A./recorrente veio responder, nos termos que constam a fls. 230 e ss, apresentando e juntando aos autos o que apelida de “novas conclusões sintetizadas”, nos seguintes termos:
IV - CONCLUSÕES:
1º A Autora, aqui Recorrente, com a presente ação de condenação sob a forma de processo comum emergente de contrato individual de trabalho, peticiona que se reconheça que o incumprimento do pacto de não concorrência se deu por causa unicamente imputável à R., peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 3.600,00 a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência, bem como a pagar à A. a quantia não inferior a € 5.000,00 pelos danos patrimoniais e prejuízos causados à A. em virtude desse incumprimento, e ainda o reembolso das quantias suportadas com a formação ministrada, que se contabilizam em € 10.928,58, no total de € 19.528,58 mais respectivos juros legais desde a data de incumprimento até efetivo e integral pagamento.
2º Por sentença proferida a 02/06/2021, o Tribunal a quo julgou a ação inteiramente improcedente, absolvendo a R. de todos os pedidos contra si formulados pela A, pelo que vem agora a Recorrente interpor recurso de tal decisão, sendo que o mesmo versa tanto sobre matéria de facto como sobre matéria de direito, pois que a decisão proferida fez errada decisão da matéria de facto e incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, encontrando-se verificado o exigido no artigo 81.º n.° 1 do Código de Processo de Trabalho, no que concerne à interposição do presente recurso.
3º O presente recurso é interposto da sentença proferida nos autos, a qual, em suma, considerou como provados os factos 1), 2), 3), 4), 5), 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 16), 17), 18), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40), 41), 42), 43), 44), 45), 46), 47) e 48) e como não provados as alíneas i), ii), iii), iv), v), vi), vii) e viii), sendo certo que não pode a Recorrente conformar-se com a decisão proferida, porquanto a mesma fez errada decisão da matéria de facto e incorreta interpretação do direito ao caso em concreto.
4º Os factos considerados como provados pelo Tribunal a quo sob os números 14) (parte final - "... sem possibilidade da Ré manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada") e 36), deveriam ter sido considerados como não provados, porque na ótica deste recurso, resulta, da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência que impunha decisão diversa da recorrida, nomeadamente:
Número 14) (parte final — "... sem possibilidade da Ré manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada") deveria ter sido valorado: B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4).
Número 36), deveria ter sido valorado: B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24.
5º E, por seu turno, os factos considerados como não provados pelo douto Tribunal a quo sob as alíneas ii), iii), iv), v) e vi), deveriam ter sido considerados como provados, porque na ótica deste recurso, resulta, da circunstância de nos autos existir prova séria, credível, congruente, objetiva, imparcial, competente, com razão de ciência, que impunha decisão inversa da recorrida, nomeadamente: [A Alínea ii), deveria ter sido valorado: B.l) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40; e B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4).
Alínea iii), deveria ter sido valorado: B.l) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40; B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); B.3) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA EE, o qual consta gravado através do sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 14,35 minutos com relevo para este recurso de 06:29 a 06:54; 07:49 a 08:01 e 09:58 a 10:17; B.4) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA FF, o qual consta gravado através do sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 17,35 minutos com relevo para este recurso de 01:30; 04:36 a 04:38; 09:15 a 09:26; 11:49 a 12:09 e 12:26 a 13:06; e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24.
Alínea iv), deveria ter sido valorado: A.l) DEPOIMENTO DE PARTE DA RÉ AA, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26; B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24. Alínea v), deveria ter sido valorado: A.l) DEPOIMENTO DE PARTE DA RÉ AA, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática cm uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26; B.l) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 25.45 minutos, com relevo para este recurso de 02:16 a 03:52; 13:54 a 16:36 e 17:01 a 18:40; e B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4).
Alínea vi), deveria ter sido valorado: A.l) DEPOIMENTO DE PARTE DA RÉ AA, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26; B.2) DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA BB, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital e sistema MP4, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 21/04/2021, com duração de 03,51 minutos e 73,05 minutos, respetivamente, com relevo para este recurso de 00:01.9 a 01:17 (gravado pelo sistema em uso no Tribunal) e 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4); e C.l) DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA, CC, o qual consta gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 25/05/2021, com duração de 38.06 minutos, com relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24.
6º Ao longo do depoimento da Ré, em 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40,verificamos que a mesma confirma que no desempenho das suas funções tinha acesso ao histórico de compras dos clientes, que cruzava com as melhores ofertas, aquando da apresentação de certas campanhas, catálogos e produtos e equipamentos médicos e que tinha também acesso (tal como confirmam a testemunha BB em de 12:22 a 16:07 e o legal representante da A., CC em de 17:01 a 21:17) a informações privilegiadas, diretamente relacionadas com os segredos da empresa e diretamente ligados ao know-how que a Ré adquiriu precisamente por se manter em funções junto da A./Recorrente.
7º Confessa a Ré, em 10:49 a 12:20, que durante a vigência do seu contrato de trabalho, foi-lhe ministrada formação especializada por uma colega de trabalho, Sra. GG, que inclusivamente interrompeu as suas funções durante uma semana para acompanhamento, formação e auxílio da Ré, e que por causa disso, não lhe foi possível ligar aos clientes, o que acabou por se traduzir num grande prejuízo para a A./recorrente, atendo o volume mensal médio de vendas da colaboradora GG (veja-se 12:36 a 12:52).
8º Mais, em 16:18 a 18:03, a Ré afirma que detinha uma carteira de clientes de cerca de 600/700, e que, independentemente de existir um programa que gerava aleatoriamente uma lista de contactos a cumprir diariamente, tinha iniciativa de fazer os seus próprios contactos - pois que bem sabia a Ré quais eram as preferências dos "seus" clientes ou até mesmo os seus hábitos de consumo - podendo, inclusive ligar não só uma, mas mais vezes, para determinado cliente, o que se justifica face à relação que foi desenvolvendo com os "seus" clientes.
9º Já em 21:29 a 22:20 do depoimento da Ré, a mesma confirma que no exercício das suas funções, e por causa delas, tinha acesso a informação privilegiada, reconhecendo, em 23:03 a 23:09, que lhe foram ministradas outras formações por entidades externas, servindo o seu depoimento, com duração de 26.36 minutos, com relevo para este recurso de 03:04; 04:16 a 05:05; 09:14 a 09:40; 10:49 a 12:20; 12:36 a 12:52; 16:18 a 18:03; 18:31 a 19:35; 20:51 a 21:10:0; 21:29 a 22:20; 23:03 a 23:09 e 23:20:8 a 24:26, serve para demonstrar que os factos considerados como não provados sob as alíneas iv), v) e vi) deveriam ter sido dados como provados.
10° Por sua vez, a testemunha DD, em 02:16 a 03:52, confirma que para além dos contactos programados para aquele dia, a Ré podia de livre vontade efetuar contactos adicionais com os clientes, confirmando o já alegado alegado pela A./Recorrente, de que a Ré podia gerir autonomamente os seus contactos, fazendo mais do que uma chamada por cliente, cruzando o histórico de compras com as melhores ofertas disponíveis, sendo certo que teria de cumprir, dentro do possível, com a lista gerada pelo programa informático.
11° A testemunha DD confirma, em 13:54 a 16:36 e 1:01:34 a 1:04:55, que a A./Recorrente sempre ministrou a devida formação à Ré (paralelamente às formações externas que foram também ministradas), enfatizando que a formação específica ministrada pela colega Sra. GG teve a duração de uma semana, e que é dada exclusivamente aos trabalhadores que exercem as funções de comerciais (como é o caso da Ré), sendo que a colega GG ficou, de certa forma, impossibilitada de exercer as suas funções nesse período - servindo o seu depoimento para demonstrar que os factos considerados como não provados sob as alíneas ii), iii) e v) deveriam ter sido dados como provados pelo douto Tribunal.
12° Já a testemunha BB, Diretora Comercial da Recorrente, em 00:01.9 a 01:17; 01:28 a 02:47; e 04:05 a 07:41.2, e contrariamente ao alegado pela Ré, afirma que é falso que a Ré não tenha tido possibilidade de se manifestar contra a cláusula de não concorrência, uma vez que foi entregue em mão à Ré, na primeira reunião, o contrato e foi-lhe explicado todo o teor do mesmo, com ênfase para essa cláusula, referindo ainda a testemunha que no final dessa reunião a Ré levou o contrato de trabalho para casa e só depois é que o devolveu, assinado.
13° Mais, a testemunha BB, em 12:22 a 16:07, é clara ao afirmar que apesar de os contactos telefónicos com os clientes estarem pré-determinados, nada obstava a que a Ré contactasse livremente os "seus" clientes, por iniciativa própria, uma vez que detinha maior noção das alturas certas para os contactar e, portanto, esclarece que a Ré não estava limitada à tal lista pré-definida.
14° Em 12:22 a 16:07, a testemunha BB confirma que a Ré, no exercício das suas funções tinha acesso a informação privilegiada da A./Recorrente, visto que para além de trabalhar diretamente com o sistema informático implementado na sede da A./Recorrente, tinha também livre acesso ao armazém e demais informação lá guardada - note-se, informação confidencial (como produtos, clientes, estratégia comercial, fornecedores estratégicos, preço de custos de artigos e histórico de relatórios/ações comerciais/preços/condições de pagamento dos clientes, entre outras).
15º A Ré tinha, sim, autonomia para fazer descontos e "atenções" aos clientes, tal como afirmado pela testemunha BB, em 16:22 a 17:52 (e pelo legal representante da A./Recorrente CC, em 17:01 a 21:17, das suas declarações), porquanto tinha acesso ao sistema de faturação e ao sistema de gestão, o que lhe permitia fazer, dentro de certa margem logística, os tais descontos e atenções aos clientes, considerando-se assim, uma colaboradora com poder decisório.
16° Relativamente à formação, a testemunha BB, em 21:36 a 26:24, confirma que foi ministrada à Ré formação intensiva pelo período de uma semana, pela colega GG que se dedicou exclusivamente ao acompanhamento da Ré, não conseguindo executar, por causa disso, as suas funções enquanto comercial, esclarecendo em 21:36 a 26:24, que é hábito da A./Recorrente, isto é, que faz parte do investimento desta, colocar os melhores comerciais e os mais competentes recursos a favor dos comerciais em que estão a investir, mesmo que isso implique uma redução de vendas, causando prejuízos e despesas à empresa (como sucedeu).
17º Em 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; e 34:44 a 37:29 do depoimento da testemunha BB, esta confirma que a empresa sofreu um prejuízo/despesas de 10.000,006 semanal, atento o volume médio mensal de vendas da referida colaboradora GG, bem como despesas de 230,80€, em virtude da interrupção das funções da referida colaboradora para acompanhamento, formação e auxílio da Ré em todo este processo de formação específica.
18º Para estes cálculos, esclarece a testemunha, em 34:44 a 37:29, que se se a colaboradora GG faturava um total de 60.000,00€ por mês, dividindo-se esse montante por quatro semanas e aplicando-se-lhe a margem média de lucro final de 30%, obtém-se o quantitativo da despesa que a A. teve de suportar com a formação com a Ré, valores aos quais devem acrescer, e utilizando o mesmo raciocínio descrito pela testemunha, o equivalente às 40 horas semanais de formação ministrada.
19° Ficou ainda perfeitamente esclarecido pela testemunha BB, em 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55, que a saída da Ré para a concorrência traduziu-se, para além da perda de clientes e de vendas, numa quebra de faturação da Recorrente, na ordem de 40 a 50%, atendendo ao valor da faturação da Ré na média de € 30.000,00 mensais, e ainda que o valor de € 697,78 a título de despesas com formação, foi calculado com base no custo-hora que a Recorrente teve com o formando, compreendendo o valor horário da retribuição da Ré a multiplicar pelas horas de formação que a Ré efetivamente recebeu, acrescendo as despesas com estadia incluída, despesas com deslocação e custos com os honorários dos formadores.
20° Através do depoimento desta testemunha, com duração 73,05 minutos, e relevo para este recurso de 01:28 a 02:47; 04:05 a 07:41.2; 12:22 a 16:07; 16:22 a 17:52; 21:36 a 26:24; 26:49 a 29:24; 31:48 a 33:05; 34:44 a 37:29; 46:08 a 48:18 e 1:01:34 a 1:04:55 (gravado em sistema MP4), demonstra-se que os factos considerados como não provados em ii), iii), iv), v) e vi) deveriam ter sido dados como provados, e ainda para dar como não provados os factos dados como provados sob os números 14) (última parte - "... sem possibilidade da Ré manifestar-se contra, sob pena de não vir a ser contratada") e 36).
21° No que concerne ao depoimento da testemunha EE, de 06:29 a 06:54, serve o mesmo para demonstrar que independentemente de cada comercial ter a sua carteira de clientes, podiam contactar periodicamente os seus clientes, não desmentindo que a par dos clientes constantes da listagem diária, a Ré, ou outro vendedor, poderia ligar livremente a um cliente que, naquele dia em específico, não constasse da lista de contactos a efetuar.
22° Em 07:49 a 08:01; e 09:58 a 10:17 do depoimento da testemunha EE, fica demonstrado que a Recorrente proporcionava formações profissionais necessárias a todos os seus colaboradores, dotando-os de conhecimentos muito técnicos e específicos (atendendo à sua área de atuação), sendo inclusive afirmado pela própria testemunha que a Ré esteve presente em várias formações profissionais, pelo que serve o seu depoimento para demonstrar que o facto considerado como não provado sob a alínea iii) deveria ter sido dado como provado pelo doutro Tribunal.
23° Quanto ao depoimento da testemunha FF, em 04:36 a 04:38, constata-se que esta não nega que para além dos clientes constantes em lista de contactos a efetuar, poderiam ser efetuados, voluntariamente, outros contactos, quando a Ré (ou outro comercial) bem entendesse, demonstrando que apesar de terem de cumprir com o Excel de chamadas, que discriminava os contactos a serem feitos naquele dia, a par desses, poderiam ser feitos outros.
24° Ainda do seu depoimento, em 09:15 a 09:26; 11:49 a 12:09; e 12:26 a 13:06, resulta que foi dada formação específica à Ré e que, além da colega GG, mais colaboradoras da A./Recorrente deram formação inicial à Ré que, enquanto teve lugar, impossibilitou as formadoras de cumprirem com as suas funções, tendo sido igualmente ministradas mais formações à Ré, de caracter muito específico, nomeadamente sobre produtos anestésicos, servindo o seu depoimento para demonstrar que o facto considerado como não provado sob a alínea iii) deveria ter sido dado como provado pelo doutro Tribunal.
25° Finalmente, e no que diz respeito às declarações de parte do legal representante da A./Recorrente, CC, em 06:42 a 12:03 e 06:42 a 12:03, as mesmas traduzem a grande aposta que a Recorrente faz na formação de todos os seus colaboradores, não olhando a custos para proporcionar essa formação, sendo precisamente esse know-how que distingue a A. das restantes empresas nesta área de negócio, pois que proporciona formação na questão protocolar e de processo, por exemplo saber a quem se pode, ou não, vender determinado medicamento, bem como proporciona uma formação mais técnica, e mais exigente, direcionada para os produtos e equipamentos vendidos pela A./Recorrente.
26° Todas as formações foram ministradas, ainda que de forma gradual, à Ré, tal como confirma CC em 06:42 a 12:03, sendo ainda afirmado pelo mesmo (em 17:01 a 21:17; e 27:15 a 28:04) que a Ré, no desempenho das suas funções teve acesso a informações confidenciais, como por exemplo segredos comerciais, estratégia comercial, promoções, identidade dos clientes, acordos de preços, preços de custos de artigos, históricos de condições de pagamento.
27° Pelo mesmo é dito, em 27:15 a 28:04 das suas declarações, que dada a relação que a Ré tinha com os "seus" clientes, e por os conhecer tão bem, esta detinha efetivamente poder decisório no departamento comercial, pois que sabia perfeitamente que tinha liberdade e autonomia para fazer descontos e "atenções" aos clientes, sem ter que pedir, caso a caso, autorização para tal, sendo certo que apenas teria de cumprir com o escalonamento das chamadas previamente marcadas (veja-se, em 27:15 a 28:04), podendo depois estabelecer mais.
28° Assim, verifica-se pelas declarações, em 29:46 a 30:24, que sendo a área de atividade da Recorrente uma área tao concorrencial, é precisamente toda a formação que a Recorrente proporciona aos seus trabalhadores que a distingue das demais empresas nesta área, servindo as suas declarações, com duração de 38.06 minutos e relevo para este recurso de 06:42 a 12:03; 17:01 a 21:17; 27:15 a 28:04 e 29:46 a 30:24, para demonstrar que os factos considerados como não provados em iii), iv) e vi) deveriam ter sido dados como provados, e ainda para dar como não provado o facto dado como provado sob o número 36).
29° Aqui chegados, entende a Recorrente que da conjugação da prova produzida, o Tribunal a quo na sua matéria de facto fez incorreta análise de prova, pois ao assim decidir, incorreu em errada análise e interpretação da prova testemunhal, violando dessa forma, o disposto nos artigos 413.° do Código de Processo Civil e 341.° e 362.° do Código Civil, bem como fez incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto, nomeadamente do artigo 136.° do Código de Trabalho.
30° Tudo porque, sendo a Ré uma vendedora, desempenhando funções de comercial, e que geria uma carteira de clientes que rondavam os 600/700, não podia o douto Tribunal a quo, salvo o devido respeito, comparar as funções efetivamente exercidas pela Ré com as funções de uma televendedora/operadora de call center (e até mesmo com as funções de lavadores de janelas) para fundamentar a nulidade da cláusula de concorrência.
31° Vejamos, nada têm a ver uma função com a outra: as funções de televendedora/operadora de call center (pense-se no exemplo das operadoras de telecomunicações) têm na sua base, o apoio ao cliente, a ajuda de resolução de um problema ou de prestação de informação; ao passo que as funções exercidas pela Ré, que mantinha contacto regular com os clientes, inserem-se numa área de atuação de medicina dentária muito especifica, tornando-se essencial, para o desempenho dessas funções, ser possuidora de conhecimentos técnicos e possuidora de mais de 8.000/10.000 referencias de matérias/produtos.
32° Ora, após a cessação da relação laboral, ocorrida a 12 de Fevereiro de 2021, a Recorrente tomou conhecimento de que a Ré havia iniciado funções junto da Sociedade Comercial A..., Lda - factos dados como provados pelo douto Tribunal, em 40), 41) e 42) - e cuja sociedade possui o mesmo objeto social e CAE da aqui Recorrente. Sucede que, decorre do contrato de trabalho celebrado entre a Ré e a Recorrente, na cláusula sétima, que, de acordo com o art.° 136°, n.° 2 do Código do Trabalho, por um período de dois anos após a cessação do contrato de trabalho, não podia a Ré exercer qualquer atividade profissional concorrente com a desenvolvida pela A./Recorrida, reconhecendo a elevada aposta na sua formação por parte da Entidade Empregadora e o acesso à informação privilegiada quanto a produtos e clientes fornecida por esta última.
33° Ainda no cumprimento do disposto no referido preceito legal, ficou estipulado que, a título de compensação pelo pacto de não concorrência, a Recorrente pagaria à Ré, durante o período de dois anos, 20% do vencimento base auferido à data da cessação do contrato, sendo que sobre tal quantia, deveriam ser deduzidas as despesas que a Recorrente suportou com a R., a título de formação. Ou seja, esta cláusula foi aposta no contrato de trabalho, cumprindo-se com todos os requisitos exigidos pelo art. 136.° do CT (quer do 280.°, n.° 1 do Código Civil), nomeadamente a limitação temporal, compensação devida pela limitação da atividade e com efeitos após a cessação do contrato e o facto de se tratar de atividade cujo exercício causa prejuízo à própria Recorrente, visto que a Ré passou a exercer funções em sociedade diretamente concorrente com a Recorrente.
34° À compensação mencionada supra, seriam deduzidas as despesas que a Recorrente suportou a título de formação ministrada à Ré, e de valor de 697,78€, sendo certo que em caso de incumprimento do pacto de não concorrência por parte da R., como sucedeu in casu, pois que a R. nunca chegou a cumprir com o seu dever de limitação da sua atividade durante o período de dois anos, tal como estipulado no contrato, esta ficaria obrigada a indemnizar a A./Recorrente por todos os prejuízos e danos causados, bem como reembolsar a Recorrente de todas as despesas suportadas a título de formação.
35° Diga-se que a Ré tinha plena consciência da existência da cláusula de não concorrência, pois que foi devidamente informada pela Diretora Geral da A./Recorrente, BB, e por DD, responsável do departamento da contabilidade e dos recursos humanos, em momento anterior ao de assinar o contrato de trabalho, e também na altura em que a própria denunciou o contrato (o que se pode verificar pelos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento (depoimento da testemunha BB, gravado em sistema de MP 4, com relevo para o caso de 04:05 a 04:23; 05:11 a 06:26; 07:07 a 07:30 e 09:52 ali :06; e depoimento da testemunha DD, gravado através do sistema integrado de gravação digital, com relevo de 08:09 a 11:13 e 13:01 a 13:35).
36° Como se sabe, da cessação do contrato de trabalho emergem deveres para as partes do próprio ato de cessação e deveres especiais que podem emergir da cessação do contrato, por acordo das partes nesse sentido, como o são os pactos de não concorrência, com eficácia subsequente à cessação do contrato. Sendo certo que, nos termos do 405°, do CC, as partes, dentro dos limites da lei, têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos ou, inclusive, incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver.
37° Ora, a jurisprudência tem entendido que as cláusulas de não concorrência apenas são válidas caso sejam indispensáveis à proteção dos interesses da empresa, verificando-se que, in casu, como já foi sito, os requisitos constantes do art. 136° do CT, foram todos preenchidos, com especial relevância, para o facto de que tal cláusula, não resultou de imposição do legislador, mas antes de acordo de vontades das partes, isto é, entre a A./Recorrente e Ré, assentando, assim, na autonomia da trabalhadora, que livremente assinou o contrato de trabalho, sem pedir qualquer alteração, estando perfeitamente consciente do que estava a assinar,
38° Pois que, à semelhança dos demais trabalhadores da Recorrente, a Ré levou a minuta do contrato de trabalho para casa, durante alguns dias, para o analisar e só depois é que o assinou, tendo tido mais do que tempo suficiente para o analisar e, não concordando, sempre poderia ter-se manifestado contra a aposição de tal cláusula no contrato - o que nunca aconteceu. Assim, assinando livremente o contrato de trabalho, a Ré comprometeu-se a, durante um período de dois anos após a cessação do contrato, não exercer por conta própria ou de terceiros, qualquer atividade profissional concorrente com a desenvolvida pela A./Recorrida.
39° Mas mais se diga que, caso a Ré não concordasse com o teor de tal cláusula de não concorrência (para a qual estava devidamente informada) sempre poderia ter denunciado o contrato durante o período experimental, o que não aconteceu, visto ter-se mantido ao serviço da Recorrente desde 02 de Fevereiro de 2018 até 12 de Fevereiro de 2020 - perfeitamente ciente, durante esse tempo, da existência da referida cláusula.
40° Agora, relativamente à formação profissional, desde o início da relação laboral, que foi ministrada à Ré formação especializada por uma Colega de Trabalho, Sra. GG, que necessitou de interromper as suas funções durante toda a semana, de forma a auxiliar e acompanhar a Ré, cuja suspensão da atividade configurou um prejuízo/despesas de € 10.000,00 semanal que a Recorrente teve de suportar, atendo o volume médio mensal das vendas da referida Colaboradora, bem como despesas de € 230,80, cifrando-se tais despesas num total de € 10.230,80.
41° Assim, após a Recorrente ter tomado conhecimento de que a Ré tinha iniciado funções junto de sociedade comercial diretamente concorrente, e na pessoa do seu mandatário, enviou-lhe carta registada com aviso de receção dando-lhe conhecimento de que tinha violado o pacto de não concorrência e que não seria paga qualquer quantia a título de indemnização e ainda que em virtude da violação dolosa do referido pacto deveria a Ré ser responsabilizada por todos os prejuízos e danos causados, por estar a exercer funções juto de uma concorrente direta da Recorrente (cfr. Doe. 10 junto aos autos em sede de petição inicial) - no entanto, tal missiva não foi rececionada pela Ré por falta de levantamento na instituição postal, tendo sido devolvida, (cfr. Doe. 11 junto com a PI).
42° Mesmo assim, a Ré, antes de denunciar o contrato de trabalho chegou a ter uma conversa com a diretora comercial da Recorrente, e com a responsável pelo departamento de contabilidade e recursos humanos, BB e DD, respetivamente, na qual foi mais uma vez alertada para o compromisso que havia assumido e das implicações decorrentes desse compromisso. Mesmo assim, nessa reunião, a Ré assegurou que não iria trabalhar para a concorrência e que tinha consciência da existência da cláusula de não concorrência, logo, mesmo não tendo recebido a carta (por sua culpa, diga- se), o certo é que a Ré desde a outorga do contrato e, posteriormente, desde esta conversa, que estava consciente da cláusula de não concorrência e das suas consequências em caso de não cumprimento.
43° Ora, esclarecera-se que, durante a execução do contrato de trabalho impera a obrigação de não concorrência por parte do trabalhador, como corolário do dever de lealdade deste para com o empregador, e, ao invés, após a cessação do contrato renasce a liberdade de emprego e de trabalho do trabalhador, podendo este exercer livremente qualquer atividade, sendo que as únicas restrições a essa liberdade apenas existem em caso de ser aposta uma cláusula de não concorrência no contrato previamente celebrado.
44° O pacto de não concorrência define-se como um acordo expresso de vontades entre o empregador e o trabalhador, de natureza sinalagmática e onerosa - isto é, gera uma obrigação de non facere para o trabalhador e uma obrigação compensatória para o empregador e de duração limitada, pelo qual se visa limitar a atividade deste último, após a cessação do contrato, com vista a impedir que concorra com o ex-empregador - vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.°1347/15.7T8PNF.Pl, de 16/12/2015.
45° Verificamos que a obrigação de pagamento da compensação à Ré apenas existia, primeiro, após término do contrato e, segundo, só se esta cumprisse com o dever de não concorrência, como aliás bem esclareceram as testemunhas BB e DD em sede de audiência de julgamento, daí que não se entenda o porquê da Mm.a Juiz a quo que, salvo o devido respeito que é muito, ter entendido, após claras e precisas explicações, que essa cláusula deveria ser acionada no decurso do contrato de trabalho, e não no fim deste, tal como está expressamente previsto no contrato de trabalho.
46° Isto é, cessando o contrato de trabalho da Ré e verificando-se que a mesma estaria a desenvolver outra atividade profissional, noutra área que não a da Recorrente, a Ré teria direito a receber, mensalmente, e pelo período de dois anos, 20% da retribuição que auferia enquanto estava ao serviço da Recorrente.
47° Situação diferente seria, no caso de cessação da relação laboral existente entre a Ré e a Recorrente, e em que a Ré iniciou funções, passados poucos dias, junto de sociedade diretamente concorrente com a Recorrente, que até tem o mesmo CAE e o mesmo objeto social, e que daí resulta que a Ré violou o compromisso de não concorrência que assumiu com a Recorrente, não tendo de ser compensada em qualquer quantia pela limitação à sua liberdade de trabalho, visto que simplesmente a R. não restringiu a sua liberdade.
48° Vejam-se os documentos juntos pelo Instituto da Segurança Social, por requerimento datado de 04/02/2021, ref.a 84643061, e que não foram tidos em conta pelo Douto Tribunal, pois que fica demonstrado que no mês de Fevereiro de 2020 (que teve 20 dias úteis) foram feitos os descontos, pela Recorrente, de 11 dias, ao passo que nesse mesmo mês, Fevereiro de 2020, foram efetuados descontos à Segurança Social pela sociedade A..., Lda, de 19 dias, o que serve para dizer que durante o tempo em que a Ré exercia funções para a Recorrente, já esta se encontrava a trabalhar para a empresa concorrente, a A....
49° Deste modo, e atendendo ao facto de que no ramo de negócio da Recorrente, existem poucas empresas em Portugal com a expressão e qualidade desta última (facto dado como provado pelo douto Tribunal em 5)), celebrou com a Ré um acordo com efeitos após a cessação do contrato de trabalho, de maneira a evitar que a Ré usasse a capacidade e conhecimentos profissionais adquiridos com a Recorrente, para os colocar ao serviço da concorrência, pois é inegável que esses conhecimentos adquiridos o foram fruto do investimento em formação da Recorrente, que proporcionou todo o know-how de que necessitava para a Ré, e os demais colegas, fazerem tal trabalho de excelência.
50° Verifica-se que a Ré levou consigo o fruto de dois anos de trabalho na Recorrente para outra empresa concorrente, que, sem qualquer investimento em investigação, desenvolvimento e formação irá beneficiar dessa aquisição de formação/conhecimento por parte da Ré e cedida pela Recorrente, em claro prejuízo para a Recorrente, colocando a nova entidade empregadora da Ré numa situação mais vantajosa do ponto de vista concorrencial.
51° A Ré violou de forma grave, reiterada e ilícita, o pacto de não concorrência ínsito no contrato de trabalho, devendo ressarcir a Recorrente em montante nunca inferior a € 3.600,00, a título de indemnização por violação dolosa do pacto de não concorrência inserto no contrato objeto dos presentes autos,
52° Deve ainda a Ré indemnizar a Recorrente em quantia nunca inferior a 5.000,006 pelos danos patrimoniais e prejuízos causados a esta última, em virtude do incumprimento do pacto de não concorrência a que se comprometeu e obrigou, uma vez que se encontra a desenvolver atividade profissional junto de uma sociedade comercial concorrente direta da Recorrente, que se traduziu numa enorme quebra de vendas da Recorrente, que rondou os 40/50% de quebra de faturação.
53° E ser a Ré condenada no reembolso à Recorrente de todas as quantias despendidas pela Recorrente com a formação ministrada, por referência ao custo da formação inicial, com estadia incluída, despesas com deslocações e custos com os honorários dos formadores, que se contabiliza em 10.928,586, o que tudo totaliza a quantia global de 19.528,58 6 que aqui se reclama, quantia à qual devem acrescer juros legais calculados desde a data de incumprimento até efetivo e integral pagamento.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, em consequência, deve a sentença recorrida ser revogada, substituindo-a por outra que determine a procedência do presente recurso, conforme alegado e concluído, assim se fazendo a costumada e boa...
JUSTIÇA!”.
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A R./recorrida, não respondeu a estas.
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Há que apreciar e decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Questão prévia
Do não conhecimento do recurso.
A factualidade a considerar para apreciação desta questão, é a que decorre, do relatório que antecede.
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A apreciação desta questão, decorre do facto de o Ex.mo Procurador ter emitido parecer, referindo carecerem de simplificação as conclusões do recurso, que apelida de complexas e prolixas e por reproduzirem parcialmente as respectivas alegações e, verificando que tal acontecia, em 13.01.2022, a relatora ter proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes autos de recurso, ainda que mal se compreenda que seja desse modo, pois que, a recorrente se encontra representada por mandatário, como não poderia deixar de ser, verifica-se que as 107 conclusões daquele, ao longo de 22 páginas, onde em cada uma procedeu à junção de diversos parágrafos do texto não numerado que as antecede, são elas a reprodução quase “ipsis verbis” do contexto das alegações, com excepção da transcrição dos factos que resultaram provados na decisão recorrida, indicando nestas apenas os seus números e da repetição dos depoimentos que transcreveu naquelas, em violação do art. 639, nº s 1 e 2, do CPC, o que implica que não possamos, imediatamente, proceder à apreciação daquele.
Explicando.
Dispõe o art. 637º, nº2 do CPC (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem) que, “O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade”.
E, nos termos do art. 641º, nº2, al. b) “ex vi” do art. 652º, nº1, al. b), o requerimento do recurso é indeferido quando “Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões”.
Sobre o ónus de alegar e formular conclusões, o art. 639º, nº 1 dispõe que: “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sublinhado nosso.
Referindo-se aquele dispositivo, art. 641º, nº2, al. b), no que às conclusões respeita, à sua falta, ou seja, quando a alegação do recorrente “não tenha conclusões”, o que tem de ser entendido, como não existindo, uma falta absoluta e total.
No caso, da comparação que efectuámos entre as alegações apresentadas e as apelidadas “conclusões” verificámos que elas são quase idênticas (correspondendo os 107 pontos constantes das mesmas, como já dissemos, à quase totalidade do teor das alegações). Ou seja, a recorrente praticamente limitou-se a epigrafar de “Conclusões” a repetição do texto que, antes, escreveu nas alegações de recurso.
Ora, sendo desse modo, é evidente que a apelante não concluiu as suas alegações, na forma sintética, a que alude o art. 639º, nem as epigrafadas “conclusões”, de modo algum, se podem considerar as “proposições sintéticas” de que falou Alberto do Reis, cujo escopo deveria ser o de indicar de modo claro, objectivo e sucinto os fundamentos da discordância da decisão recorrida assim simplificando não só a tarefa do tribunal “ad quem” como dos recorridos.
Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos: “As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal “ad quem”, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
É claro, assim, que as conclusões da apelação da recorrente, não obedecem ao formalismo que, a lei prescreve, deve ser observado na formulação das conclusões. A apelante não cumpriu, manifestamente, com a obrigação que a mesma tem de as sintetizar, como determina o referido art. 639º, nº1. Apresentou, como bem referiu o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, conclusões complexas e prolixas.
Deste modo, como já referido, impõe-se que a apelante proceda ao aperfeiçoamento das por si apelidadas “conclusões” das suas alegações.
Assim, atento o exposto, por se nos afigurar, não só possível, mas também necessária, a sintetização das conclusões do recurso que são, sem dúvida, complexas, sem que com isso se perca o sentido e o objecto do mesmo, ao abrigo do disposto no art. 639º, nº 3, convida-se a recorrente a sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de não se conhecer do recurso.
Notifique.».
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A este, veio a recorrente responder, nos termos que constam do requerimento de 18.01.2022, apresentando o que apelida de “novas conclusões sintetizadas”, nos termos que se deixaram supra transcritas.
Vejamos.
Cumpre apreciar se a recorrente sintetizou as conclusões inicialmente apresentadas, observando os requisitos legais e o que lhe foi ordenado, nos termos previstos nos nºs 1 e 3 do art. 639º do CPC (diploma a que pertencerão os demais artigos citados, sem outra indicação de origem).
Pois, analisando o que antecede verifica-se que, através do despacho de 13.01.2022, foi a recorrente convidada, (atento o disposto no nº 3 daquele art. 639º, a sintetizar o que designou de conclusões, de modo que elas cumpram a sua função legal, designadamente por, como então se deixou expresso, as apelidadas “conclusões” serem complexas e prolixas, quase idênticas à totalidade do teor das alegações, este, sem qualquer identificação, não cumprindo desse modo, manifestamente, o ónus estabelecido no nº 1 do mesmo normativo), no seguimento daquilo que tem sido o entendimento do STJ, nomeadamente da 4ª sessão, (veja-se o Ac. de 27.11.2018, Proc. nº 28107/15.2T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, lugar da internet onde se encontrarão todos os acórdãos a seguir citados, sem outra indicação de origem) do que deve acontecer, como é o caso, quando as conclusões de um recurso são a mera reprodução, ainda que parcial, do corpo das alegações, lendo-se no sumário daquele que “II. Em tal circunstância não há que rejeitar imediatamente o recurso, podendo convidar-se ao seu aperfeiçoamento, por força do disposto no n.º 1 do artigo 659.º do CPC:”.
Veja-se, em idêntico sentido, também, o sumário do (Acórdão de 06.04.2017, proferido no Proc. nº 297/13.6TTTMR.E1.S1) onde se lê que “a reprodução nas conclusões do recurso da respetiva alegação não equivale a uma situação de falta de conclusões, estando-se antes perante um caso de conclusões complexas por o recorrente não ter cumprido as exigências de sintetização impostas pelo n.º 1 do artigo 639.º do CPC” e “assim, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme resulta do n.º 3 do artigo 639.º do mesmo compêndio legal”.
Ainda, no mesmo sentido lê-se, no sumário do (Acórdão de 09.07.2015, Proc. nº 818/07.3TBAMD.L1.S1), que “a reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641.º, n.º 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639.º, n.º 3, do NCPC.”.
Foi, assim, acolhendo o entendimento enunciado, nos termos daquele despacho, supra transcrito, que se proferiu o convite feito à recorrente, na convicção de que a mesma, alertada da inadequação das “conclusões” apresentadas, teria especiais cautelas no sentido de apresentar, no cumprimento daquele, outras que cumprissem os requisitos estabelecidos na lei.
No entanto, sempre com o devido respeito, podemos adiantar, desde já, não logrou fazê-lo.
Pois, analisando umas e outras, o que se verifica é que, no essencial, a recorrente nada alterou, de modo a poder considerar-se que cumpriu o que lhe foi ordenado, não se compreendendo de modo algum, o que afirma ao dizer que apresenta “novas conclusões sintetizadas”.
Comparando-as, é impossível notar qualquer sintetização, na medida em que o que se pretendia e devia ser apresentado por aquela eram novas conclusões que cumprissem com o que, nos termos do nº1, do art. 639º, se exige sejam aquelas, ou seja, um resumo das alegações, “um quadro sintético”, dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.
E se é certo que dessa forma não o eram as primeiras que apresentou, de igual modo, as segundas, apelidadas de “novas conclusões sintetizadas” são praticamente idênticas às primeiras, não tendo a redução do número, das primeiras (107) para o número das últimas (53), a virtualidade de configurar o resumo das iniciais, padecendo dos mesmos vícios que justificaram a formulação do convite, donde só podermos concluir, que a recorrente não cumpriu o que lhe foi ordenado.
Sem dúvida, não obstante a oportunidade que lhe foi dada para que apresentasse conclusões que dessem real cumprimento ao ónus estabelecido no normativo supra citado, a recorrente não aproveitou o convite que lhe foi feito nesse sentido, porque as “novas conclusões sintetizadas” continuam a ser, tão complexas como as primeiras, reproduzindo estas, idênticas à quase totalidade das alegações. Ou seja, padecem dos mesmos vícios das anteriormente apresentadas, continuando a traduzir-se em mera repetição do que consta do corpo das alegações, sem qualquer correspondência com a exigência legal de concluir a alegação “de forma sintética”.
Aliás, não conseguimos perceber em que se traduziu o cumprimento do que lhe foi ordenado, já que a alegada “sintetização” que diz configurarem as “conclusões” que, agora, apresentou, jamais desse modo pode ser considerada. Aquelas não configuram qualquer resumo da sua alegação e em comparação com as anteriores conclusões o que se verifica é que a recorrente, apenas, reduziu o seu número, o que não é possível, no caso, ser apelidado de conclusões sintetizadas.
A recorrente não deu cumprimento ao ordenado, sem dúvida, a mesma mantém, a reprodução nas conclusões das alegações inicialmente produzidas, não efectuando qualquer síntese ou resumo do teor destas.
Efectivamente, o que se verifica é que a recorrente, apenas, não englobou, de uma forma explícita, nas agora apresentadas 14 das iniciais, respectivamente, a 56, 75, 80, 89, 92 a 98 e 101 a 103, que correspondem a argumentos constantes da motivação (ali identificados com aqueles números).
Nas “novas conclusões” juntou (daí resultando o menor número destas), nomeadamente, as anteriores conclusões 3º e 4º, na 3º, as 7º e 8º, na 6º, a 9º e 10º na 7º, a 12º e 13º, na 9º, as 15º, 16º e 17º, na 11º, as 18º e 19º, na 12º, as 20º e 21º, na 13º, as 23º, 24º e 25º, na 15º, as 26º e 27º, na 16º, as 30 e 31º, na 19º, as 33º, 34º, 35º, na 21º, as 36º e 37º, na 22º, as 39º, 40 e 41º, na 24º, as 42º, 43º e 44º, na 25º, as 46º, 47º e 48º, na 27º, as 49º e 50º, na 28º, as 51º, 52º e 53º, na 29º, as 55º e 55º, na 31º, as 57º, 58º e 59º, na 32º, as 60º, 61º, 62º e 63º, na 33º, as 67º e 68º, na 37º, as 69º parte e 70º, na 38º, a 69º parte e 71º na 39º, as 72º e 73º, na 40º, as 74º e 76º, na 41º, as 77º, 78º e 79º, na 42º, as 83º, 84º e 85º, na 45º, as 90º e 91º na 49º, as 99º e 100º, na 50º, as 104º e 105º na 51º, fazendo-o através das diferentes proposições com que iniciou algumas delas, poucas, e pela junção que fez da sua maioria, apenas, em algumas, poucas, retirando alguma argumentação, já repetida e substituindo, as expressões, entre outras, de: “Deve ainda”, na nova 52º por “Devendo ainda”, da anterior 106º, “Isto é, cessando...” na nova 46º por “Logo, cessando...”, da anterior 86º, substituindo “Mas mais se diga que, caso...” por “Acresce que, caso...” da nova 39º e da anterior 71º, substituindo “Como se sabe, da cessação...” por “Ora, com a cessação...”, da nova 36º com a anterior 66º, “Pois que, à semelhança...” por “À semelhança...”, na nova 38º com a anterior 69º, etc. e procedendo a alterações de algumas expressões de ligação, derivadas do englobamento referido, mas sem qualquer alteração no significado das apresentadas, inicialmente, em separado.
Nem se diga, que as “novas conclusões sintetizadas” no número de 53, têm algo de diferente das primeiras, 107, já que, não é a alteração de uma ou outra expressão de ligação por outra com idêntico significado, ou o agrupamento do teor das conclusões, inicialmente separadas, numa única conclusão que tudo igualmente reproduz, ou até a aparente eliminação de algumas daquelas, que espelha o legal dever de síntese, que referimos.
Donde, só podermos afirmar que as “novas conclusões” são a reprodução das primeiras apresentadas, nada alteram. Efectivamente, as “conclusões”, agora, apresentadas mais não são do que a duplicação das primeiras e, consequentemente, a quase triplicação das alegações, formando um estranho e repetitivo procedimento, apenas tendo sido excluídas expressões (todas sem qualquer relevância, decorrentes do englobamento das conclusões anteriores, supra referido) e em alguns casos, muito poucos, meras substituições cirúrgicas de palavras, como enunciámos.
Em suma a repetição das conclusões, primeiramente apresentadas, ainda que alguns dos seus parágrafos, nas segundas se apresentem iniciados por diferente expressão, mas de significado idêntico ao das primeiras e em menor número, porque se procedeu ao englobamento de algumas das iniciais, não podem, jamais, ser consideradas conclusões aperfeiçoadas.
Salvaguardando o devido respeito, apenas demonstra, em nosso entender, que a recorrente não cumpriu de modo algum o que lhe foi ordenado, sintetizando as conclusões inicialmente apresentadas.
As, agora, epigrafadas “conclusões aperfeiçoadas”, são apenas a reprodução das primeiras, com aquelas poucas diferenças, supra referidas, não relevantes porque, totalmente idênticas no seu conteúdo.
E a recorrente fê-lo, pese embora, ter sido advertida de que, não satisfazendo o convite que lhe foi efectuado, a consequência seria não se conhecer do recurso.
Não há, assim, dúvida alguma que a recorrente não logrou dar cumprimento ao que dispõe o art. 639º nº1, nem ao convite que lhe foi efectuado, nos termos prescritos no nº 3, do mesmo artigo.
Traduzindo, assim, a apresentação das últimas conclusões, desrespeito, quer pelo comando legal quer pelo despacho supra transcrito, já que não têm elas a virtualidade de se mostrarem diferentes, sem as irregularidades que motivaram o convite ao aperfeiçoamento das iniciais e susceptíveis de afastar a cominação gravosa do art. 639º, nº 3 que, como se viu, foi devidamente comunicada à recorrente.
E, quando, assim é, como se lê, no (Acórdão do STJ de 29.10.2019, Proc. nº 738/03.0TBSTR.E1.S3) “a cominação gravosa do art. 639º, 3, será justificada se as circunstâncias concretas do comportamento processual quanto ao ónus recursivo revelarem como inevitável decretar um juízo de especial censura à parte inadimplente à luz dos princípios processuais mais pertinentes para tal regime (a tutela da igualdade das partes, a protecção do exercício do contraditório, a cooperação e a boa fé processual assim como o princípio da auto-responsabilidade das partes). Nessa hipótese de actuação intolerável em face da expressão desses princípios, individual ou coligadamente analisados em concreto, poderemos estar nas referidas situações extremas de afastamento do conhecimento do mérito do recurso.
(...). Trata-se, antes disso e previsivelmente a montante de chegarmos ao conteúdo da peça (até porque pode não haver peça), de saber se a conduta processual em face do convite ao aperfeiçoamento revela uma particular indiferença para com o comando legal em sede de ónus de alegação recursiva – apreciação da forma de cumprimento no exercício do meio de impugnação da decisão recorrida. Se esta apreciação, concreta e referida aos princípios aplicáveis, conduzir positivamente a uma imputação de censura à parte, então estaremos em condições de fazer funcionar o princípio da preclusão do exercício de direitos ou da satisfação de pretensões adjectivas, em particular quando inerente ao não cumprimento do ónus da prática de certos actos processuais dentro dos prazos (considerados) peremptórios ou resolutivos cominados por lei[14], também plasmado, por isso, no art. 639º, 3, do CPC.”.
Ora, regressando ao caso, o modo como a recorrente respondeu ao que lhe foi notificado, só pode ser equiparado, reiterando o necessário respeito, ao incumprimento do despacho judicial, como se tivesse omitido a resposta ao convite, colocando-se igualmente na situação de não ver apreciado o objecto do seu recurso, como foi advertida que poderia acontecer.
A conduta processual da recorrente que, se encontra devidamente representada por advogado, leva-nos a referir dois princípios que se lhe impõem.
Citando, novamente, aquele Acórdão do STJ, “Por um lado, o princípio da cooperação, que, tendo consagração legal no art. 7º do CPC, aspira e exige a colaboração reciprocamente leal e razoável dos diversos intervenientes processuais para a realização da função do processo em cada uma das suas fases. O convite ao completamento, esclarecimento, sintetização ou concretização das conclusões da alegação de recurso pode ser visto como reflexo desse princípio, enquanto manifestação, na doutrina de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, de um poder-dever de prevenção assistencial do juiz, destinado a instar as partes à clarificação dos respectivas posições jurídicas e ao suprimento das deficiências ou insuficiências das suas alegações e pedidos[15]. Mas é óbvio que a boa fé processual exigirá que o cumprimento desse poder-dever seja correspondido com lealdade e lisura pela parte que dele beneficia e dele se aproveita para melhor concretizar o resultado pretendido com a impugnação recursiva.
Por outro lado, o princípio da auto-responsabilidade das partes, que, sendo intervenientes no processo e estando nele disponíveis os meios de ataque e defesa no litígio, incluindo os meios de impugnação das decisões judiciais, terão que suportar as consequências adversas de uma conduta processual “inconsiderada, omissiva ou inconclusiva, em suma ineficaz”[16], tendo em vista a necessidade de obter decisões favoráveis no desenvolvimento da instância (também a recursiva). Sentenciava MANUEL DE ANDRADE: “As partes é que conduzem o processo a seu próprio risco. Elas é que têm de deduzir e fazer valer os meios de ataque e de defesa que lhes correspondam (incluídas as provas), suportando uma decisão adversa, caso omitam algum. A negligência ou inépcia das partes redunda inevitavelmente em prejuízo delas porque não pode ser suprida pela iniciativa e actividade do juiz.”[17]”.
Resta-nos, assim, concluir que as conclusões, agora, apresentadas, alegadamente “sintetizadas”, não podem ser atendidas por este Tribunal.
“O vício detectado, sempre com o devido respeito por opinião diversa, envolve, do nosso ponto de vista, a preterição do disposto naquele art. 639º, o qual impõe um acrescido ónus à parte recorrente, derivado da auto-responsabilidade que, aqui, opera e cujo incumprimento é gerador de gravosos efeitos.
A parte recorrente não pode ser alheia a estes efeitos, mais quando, dos mesmos foi avisada.
E, este facto obsta ao conhecimento do objecto do recurso.”. Neste mesmo sentido, decidiu-se, no Acórdão desta secção de 18.11.2019, Proc. nº 10167/18.6T8VNG.P1, com intervenção das, agora, relatora e 1ª Adjunta.
Ainda, em termos de conclusão e por o considerarmos relevante, voltamos a transcrever, o final daquele citado Ac. do STJ, onde se lê: “Não tendo os Recorrentes cumprido tempestivamente o despacho de aperfeiçoamento e, de tal modo, sido confrontados com a decisão de rejeição do recurso, não se vislumbra que possam invocar a inconstitucionalidade da norma do n.º 3 do art. 639º do CPC, por violação dos princípios consagrados nos n.os 2 e 4 do art. 20º da CRP – desde logo quando estes preceitos, invocados pelos Recorrentes, se referem aos direitos à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário, a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade e, finalmente, a «que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo».
Como é entendimento aceite, o legislador tem um poder de conformação amplo em matéria processual, neste caso aplicado ao regime dos meios impugnatórios recursivos, sem que com que ele brigue um suposto direito ilimitado ao recurso. Antes a CRP garante um direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, que não foi de todo comprimido ou negado. Porém, para que ele se concretize efectiva e plenamente, também as partes devem seguir a aparelhagem legalmente constituída com a cooperação e a auto-responsabilidade exigíveis. Assim, ao invés, todo o circunstancialismo processual ocorrido e acima descrito, finalizado com a rejeição de recurso assim sancionada por lei, não configura qualquer ablação ou limitação dos direitos dos recorrentes em desconformidade com preceito constitucional.”.
Razões, porque, não tendo a recorrente, não obstante o convite formulado, dado efectivo cumprimento, ao ónus estabelecido no art. 639º, no que se refere ao que indica como sendo as conclusões do recurso, tanto as iniciais, como as apelidadas de sintetizadas, considera-se não poder conhecer-se deste, o que se decide.
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III - DECISÃO
Em conformidade, com o exposto, acordam os Juízes desta Secção, em não conhecer do recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
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Porto, 14 de Março de 2022
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão