Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
586/17.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA CECÍLIA AGANTE
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CONVOCATÓRIA
PRAZO
Nº do Documento: RP20190910586/17.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º907, FLS.201-210)
Área Temática: .
Sumário: O prazo legal de convocação da assembleia de condóminos, a que alude o artigo 1432.º/1 do Código Civil, tem o seu termo inicial na data da receção da carta registada remetida ao condómino e não na data da sua expedição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 586/17.0T8PVZ
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível da Póvoa do Varzim - Juiz 1
Acórdão
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. Relatório
B…, residente na Rua …, n.º …, freguesia, …, concelho de Póvoa de Varzim, intentou a presente ação declarativa constitutiva, sob a forma de processo comum, contra:
1. “Condomínio do Edifício C…”, com sede na Avenida …, n.º ... e …, Póvoa do Varzim, representado por Condomínio D…, L.da, com sede na Rua …, n.º .., …. - … Póvoa de Varzim;
2. E…, residente na Avenida …, n.º …, …. - … Amares;
3. F…, residente na Avenida …, n.º …., …. - … Barcelos;
4. G…, residente na Rua …, n.º .., …. Gondomar;
5. H…, residente na Avenida …, n.º .. - …, …. Póvoa de Varzim;
6. I…, residente na Rua …, n.º .., …. …;
7. J…, residente na Rua …, n.º …, …. …;
8. K…, residente na Avenida …, n.º .. – …, …. - … Póvoa de Varzim;
9. L…, residente na Rua …, n.º …, …. Braga;
10. M…, residente na Rua …, n.º … - …, …. Póvoa de Varzim;
11. N…, residente na Rua …, n.º .., …. … - Póvoa de Varzim;
12. Herança de O…, sedeada na Rua …, n.º .. - …, …. Póvoa de Varzim;
13. P…, com residência residente na Avenida …, n.º .. - …, …. Póvoa de Varzim;
14. Q…, residente na Rua …, n.º .., …. - Vila do Conde;
15. S…, residente na Avenida …, n.º .. - …, …. - … Póvoa de Varzim;
16. T…, residente na Avenida …, n.º .. - …, …. - … Póvoa de Varzim;
17. U…, residente na Avenida …, n.º .. - …, …. - … Póvoa de Varzim.
Formulou os seguintes pedidos:
a) a declaração de nulidade da assembleia realizada no dia 11 de fevereiro de 2017, por não terem sido cumpridas as formalidades de convocatória e de quórum constitutivo para a tomada de deliberações.
b) Caso assim não seja entendido, a declaração de nulidade da deliberação constante do ponto sexto da ordem de trabalhos da mesma assembleia de 11 de fevereiro de 2017, por ser contrária à lei e enfermar de nulidade insanável de quórum deliberativo.
c) E ainda, caso assim não entenda, a declaração de nulidade d deliberação constante do ponto primeiro da ordem de trabalhos dessa assembleia de 11 de fevereiro de 2017, por reproduzir em ata deliberação nula por decisão judicial.
Alegou, para tanto e em síntese, que é proprietário das frações autónomas identificadas e, na qualidade de condómino do referido edifício, foi notificado das decisões da Assembleia de Condóminos realizada no dia 11 de fevereiro de 2017, pelas 14:30 horas, em segunda convocatória, quando a carta de convocatória da referida Assembleia foi rececionada apenas em 01 de fevereiro de 2017, dando azo a que a notificação ocorresse a menos de 10 dias de antecedência exigidos por lei. Para além disso, a deliberação configura aprovação de arrecadação de fundos para um fim indeterminado, com um vencimento indeterminado, o que transporta a sua nulidade. Para efeitos de beneficiação de obras do edifício devia estar especificada a comparticipação de cada condómino, e, tratando-se de uma reabilitação de edifício, estarão em causa inovações, que carecem de aprovação por maioria de dois terços do valor total do prédio. Acresce que o primeiro ponto da ordem de trabalhos alicerça os valores apresentados numa ata cuja deliberação foi declarada nula por decisão judicial, o que transporta a sua inexistência.

Por si e em representação dos demais réus, contestou o réu “Condomínio do Edifício C…”, invocando a caducidade do direito de ação e impugnando parte da factualidade invocada pelo autor. Sustentou que o prazo relevante para efeito de contagem da antecedência da convocatória é o do envio da carta e não o seu recebimento. Pugnou, ainda, pela validade material e formal das deliberações tomadas na referida Assembleia, sustentando que a deliberação que aprovou o fundo para as obras não constitui deliberação sobre inovação. E a deliberação de aprovação de contas não padece de nulidade por as mesmas terem sido aprovadas pela unanimidade dos condóminos presentes ou representados. Peticionou a condenação do autor como litigante de má fé.

Na audiência prévia, foi o autor convidado a concretizar a sua alegação factual e a juntar documentos.

Em sede de despacho saneador foi declarada a ilegitimidade do réu Condomínio e a improcedência da exceção de caducidade do direito de ação. Conhecendo do mérito da causa, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo a acção procedente, por provada e, em consequência anulo as deliberações da Assembleia de Condóminos do Condomínio do Edifício C… realizada no dia 11 de Fevereiro de 2017, por não ter sido cumprida formalidade da convocatória do autor. Mais se decide absolver o autor do pedido de condenação como litigante de má fé».

Inconformados com a sentença proferida, os réus dela apelaram, apresentando as subsequentes conclusões alegatórias:
«1. O presente recurso visa atacar a decisão de 1ª instância que anulou as deliberações da Assembleia de Condóminos do Condomínio do Edifício C…, realizada no dia 11 de Fevereiro de 2017, por alegadamente não ter sido cumprida formalidade da convocatória do autor.
2. Não se conforma o recorrente com o segmento da decisão que anula a deliberação da assembleia do condomínio C…, com fundamento de que a antecedência a que alude o artigo 1432º do Código Civil – 10 dias – não foi observada, e não tendo sido observada, tal determinaria a anulabilidade das deliberações aí tomadas, nos termos do disposto no artigo 1433º n.º 1 do CC.
3. Deste modo o presente recurso de apelação incidirá sobre a seguinte questão: saber se tendo a convocatória para a Assembleia sido enviada mediante carta registada a 30 de janeiro de 2017, rececionada pelo autor a 01 de fevereiro de 2017, e realizada a 11 de fevereiro de 2017 pode ser considerada inválida, por falta de formalismo legal, para efeitos do artigo 1432º do CC, abordando questões, tidas por necessárias para concluir em sentido oposto ao Tribunal a quo.
4. A interpretação literal do n.º1 do artigo 1.432.º do C.C. não deixa qualquer margem de dúvida sobre o inicio da contagem do prazo para efeitos de notificação aos condóminos da data de realização da assembleia: 10 dias de antecedência sobre o envio da convocatória.
5. A alternativa “ou” da segunda parte do n.º1 do artigo 1432.º respeita exclusivamente aos avisos convocatórios que são colhidos manualmente junto dos condóminos e que, por isso, não observam as regras da remessa postal.
6. Por tal motivo, rejeita-se liminarmente a interpretação colhida pela douta sentença, segundo a qual a segunda parte do n.º1 do referido preceito completaria ou restringiria a aplicação e interpretação da primeira parte, no sentido de se dever considerar que o prazo de 10 dias de antecedência se inicia com a receção e não com o envio.
7. Assim, ao decidir como decidiu, violou a Mma. Juíz do Tribunal a quo o disposto ao artigo 1.432.º, n.º1, primeira parte, do C.C..
8. Da materialidade fática dada como provada, como se transcreve infra, que 3. No dia 11 de Fevereiro de 2017, pelas 14h30, realizou-se Assembleia de Condóminos do “Condomínio do Edifício C…”, na qual foram tomadas as deliberações constantes da acta de fls. 12 a 16 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
4. O autor foi notificado das decisões da Assembleia de Condóminos realizada no dia 11 de Fevereiro de 2017, pelas 14h30, em segunda convocatória.
5. A convocatória para a referida Assembleia foi enviada mediante carta registada remetida em 30 de Janeiro de 2017.
6. A referida carta foi recepcionada pelo autor em 01 de Fevereiro de 2017.”
9. Entende o Recorrente que é irrelevante juridicamente a teoria do conhecimento, no âmbito do artigo 1432º n.º 1 do CC e existe declaração de inconstitucionalidade da interpretação do preceito naquele sentido, de acordo com o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 80/2005.
10. As declarações recipiendas (teoria da receção) pressupõem, a existência de um declaratário, por quem devem ser recebidas, ou seja, a cuja esfera de conhecimento devem ser levadas (cfr. Rui Alarcão, in Confirmação dos Negócios Anuláveis, pág. 179).
11. Conforme refere o Prof. Pires de Lima, in anotação a este artigo do C.Civ.: «O legislador consagra aqui uma teoria mista, ou seja, o declaratário ficará vinculado logo que conheça o conteúdo da declaração ainda que o texto ou o documento que lhe foi dirigido não lhe tenha sido entregue, mas, ficará igualmente vinculado – nos termos da teoria da recepção – logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, ainda que não tome conhecimento dela. O que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, que esse seja posto em condições de só com a sua actividade, conhecer o seu conteúdo».
12. Da materialidade fáctica apurada, consta que o Recorrente comunicou ao Requerido por carta registada, datada de 30-01-2017 que no dia 11 de fevereiro de 2017 se iria realizar uma assembleia de condomínio.
13. Resulta, claro, que o Recorrido/Autor tomou efetivo conhecimento da convocatória em 01.02.2017, quando recepciona a missiva (carta registada com aviso de recepção), isto é, antes 10 dias da realização da assembleia, podendo, materialmente, preparar-se para a mesma, cumprindo-se, deste modo, a rácio legis da existência daquele prazo.
14. O artigo 1432º n.º 1 do CC basta-se com o envio (prévio) de convocatória, respeitando-se o prazo de 10 dias (de conhecimento antes da convocatória).
15. É que o artigo 1432º n.º 1 do CC consagra a teoria do envio – envio da convocatória 10 dias antes da realização – considerando que a missiva (convocatória) foi enviada a 30 de janeiro de 2017, a convocatória respeitou, integralmente, o formalismo exigido pelo n.º 1 do artigo 1432º n.º 1 do CC.
16. Sendo enviada a 30 de janeiro de 2017, a convocatória foi enviada com antecedência de 11 dias, desconsiderando da contabilidade do prazo o dia do envio (30.01.2017) e o dia da assembleia (11.02.2017):
- 30 de janeiro de 2017; DIA DO ENVIO DA CARTA/CONVOCATÓRIA
- 31 de janeiro de 2017; 1.º dia de antecedência
- 01 de fevereiro de 2017; 2.º dia de antecedência
- 02 de fevereiro de 2017; 3.º dia de antecedência
- 03 de fevereiro de 2017; 4.º dia de antecedência
- 04 de fevereiro de 2017; 5.º dia de antecedência
- 05 de fevereiro de 2017; 6.º dia de antecedência
- 06 de fevereiro de 2017; 7.º dia de antecedência
- 07 de fevereiro de 2017; 8.º dia de antecedência
- 08 de fevereiro de 2017; 9.º dia de antecedência
- 09 de fevereiro de 2017; 10.º dia de antecedência
- 10 de fevereiro de 2017; 11.º dia de antecedência
- 11 de fevereiro de 2017 DIA DA ASSEMBLEIA
17. É a partir do envio da convocatória, e não da receção desta, que se deve contar o prazo de 10 dias de antecedência em relação à data fixada para a realização da assembleia de condóminos, neste sentido, também, Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal”, 2ª ed., pg. 171.
18. E no mesmo sentido se pronunciou Aragão Seia e alguma jurisprudência, com os argumentos segundo os quais o n.º 6 do artigo 1432º se aplica genericamente às deliberações da assembleia de condóminos; e que outra solução poderia impedir o condómino ausente de saber qual a deliberação tomada (bastaria ao administrador nunca lhe comunicar a deliberação ou comunicar-lha expirados os 60 dias do prazo para a acção de anulação).
19. No caso dos autos a convocatória da assembleia geral de condóminos que se realizou em segunda data a 11 de fevereiro de 2017, foi enviada em 30 de janeiro de 2017 e, por isso, com a antecedência de dez dias sobre a data designada para a realização da assembleia.
20. O Autor/Recorrido procurou agarrar-se a argumentos formais, mas sem qualquer fundamento, para anular as deliberações validamente tomadas pela assembleia geral de condóminos, embora o Tribunal a quo lhe tivesse, erradamente, atribuído êxito na sua pretensão.
21. Esta questão não é nova e foi alvo de muita celeuma jurisprudencial, atualmente cristalizada pelo Acórdão 80/2005 do Tribunal Constitucional, todavia a busílis da questão está pacificada desde 2005.
22. Não é, portanto, de se estranhar que inexiste jurisprudência sobre o prazo de 10 dias a que alude o artigo 1432º n.º 1 do CC, desde então.
23. É que o acórdão n.º 80/2005 e a doutrina anterior cristalizaram e sacramentaram esta solução – que foi contrariada pelo douto tribunal a quo.
24. Analisada a questão jurisprudencialmente verificamos que não existe mais divergência, tendo a questão assumido a estabilidade almejada.
25. Para além de o prazo de dez dias de antecedência ser contado sobre o envio e não o recebimento, conforme resulta da interpretação da letra do artigo, sempre seria absurdo contar-se tal prazo da data do recebimento da convocatória, quando o mesmo não está na dependência do convocante.
26. Inexiste, por isso, qualquer ilegalidade ou irregularidade na convocatória.
27. As deliberações tomadas na assembleia de 11.02.2017 são materialmente e formalmente válidas.
28. O tribunal a quo enuncia, acerca do prazo estipulado no preceituado art.º 1432º n.º 1 do CC – 10 dias – a existência de um conflito (aparente) entre a denominada tese do envio da convocatória para assembleia e a tese da recepção, concluindo pelo apoio à segunda (tese da receção – ou conhecimento).
29. Salvo o devido respeito, as decisões judiciais visam aplicar a justiça ao caso, a justiça material, o que não sucede no caso dos autos.
30. Ora, sendo a convocatória ENVIADA no dia 30 de janeiro de 2017 e realizada a Assembleia de Condóminos a 11 de Fevereiro, constatamos foi respeitado o prazo de 10 dias a que alude o artigo 1432º n.º 1 do CC.
31. Os fundamentos que sustentam os argumentos contra a tese do envio, caem, UM A UM, no caso dos autos.
32. Concretizemos:
33. A rácio legis do prazo de 10 dias estabelecidos no preceituado artigo 1432º n.º 1 do CC assenta em dois critérios, um é o de que todos os condóminos devem estar informados sobre a realização de assembleia, outro é o de que aqueles (condóminos) – naquele prazo se devem preparar para a sua realização:
1. Quanto à questão de estar informado da data da realização da assembleia, cremos que, sendo a convocatória enviada a 30 de janeiro de 2017, comunicando que a assembleia se realizaria a 11 de fevereiro, está preenchido este critério;
2. Quanto ao ponto de só com o prazo de 10 dias o condómino se pode preparar para a sua realização, não colhe, no caso dos autos. – Compulsados estes autos (e em sintonia com outros processos abertos por iniciativa do Recorrido/Autor) concluímos que não foi por falta de preparação material que o Recorrido não participou na assembleia.
34. Assim, não poderia, a decisão a quo desaguar num resultado materialmente injusto e desadequado às circunstâncias concretas do caso.
35. A decisão a quo culminou nesta perversidade:
- o recorrido informado validamente sobre a realização da assembleia, com antecedência de 10 dias , obstaculizou a decisão dos seus vizinhos condóminos.
Mas mais.
36. Suponhamos, que o recorrido/autor tendo recebido, dentro do prazo de envio de 10 dias se furta à realização da assembleia e vai passar férias ao estrangeiro? Aplicar-se-ia a teoria do conhecimento? E se fosse trabalhar no estrangeiro? Não seria subverter o seu fundamento?
37. Recordemos que já antes de o legislador do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, ter flexibilizado a forma de proceder à convocação das assembleias de condóminos, entendia a doutrina “que o modo de convocação prescrito (carta registada com aviso de receção) não tem de ser observado sacramentalmente.
38. Desde que aos condóminos se entregue um aviso convocatório e por eles seja passado recibo, com indicação da data da respetiva entrega (v.g., num livro de protocolo), ficam perfeitamente acautelados os interesses que a lei visa salvaguardar” (Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2ª ed. revista e atualizada, 1987, p. 445, anotação 3 ao artigo 1432º).
39. Foi essa flexibilização que o legislador quis alcançar, parecendo mesmo que o n.º 9 do artigo 1432º, sobre convocação da assembleia (“Os condóminos não residentes devem comunicar, por escrito, ao administrador o seu domicílio ou o do seu representante”), visa também possibilitar a convocatória, e, portanto, inculca um critério óbvio para a opção pela convocatória por carta registada: a não residência no prédio em propriedade horizontal.
40. Exige-se ao douto tribunal a quo uma interpretação sistemática do n.º 1 do artigo 1432º do CC.
41. O tribunal a quo, sabe, e não pode desconsiderar que a aplicação que faz da lei, obedece a elementos de interpretação, de que faz jus, uma verdadeira justiça material.
42. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.
43. A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
44. O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente, denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
45. O douto tribunal desconsidera estes elementos, colocando-se em clara colisão com os elementos literal, histórico e teleológico, e, pacificamente, pelo elemento da evolução do direito nesta, e noutras matérias.
46. A evolução do direito (adjectivo e substantivo), em geral, e no particular, e concluímos que a flexibilização dos processos e procedimentos é evidente.
47. É o que se passa, globalmente, com as matérias da insolvência, dos inventários, das execuções, arrendamento, (…) enfim, nenhuma matéria “escapa” aos princípios norteadores do direito atual, em conjugação com as diretivas europeias, nestas matérias.
48. O que sucede no caso dos autos é que a decisão ignora os progressos nesta matéria, invocando argumentos de 1996, que surgiram como uma crítica ao diploma de 94, entretanto cristalizado, embora numa obra republicada de 2001!!
49. Esta matéria foi “renovada” e “arrumada”, (em especifico) quer pelo DL 267/94, quer pelo Acórdão do Tribunal Constitucional 80/2005 de 2005, os quais fundamentam a sua posição nos doutos sábios entendimentos de Aragão Seia e Pires de Lima e Antunes Varela!!
50. O presente erro de interpretação do douto tribunal a quo prejudicou os direitos e expectativas dos Réus, vizinhos, condóminos, do recorrido, ao passo que para ele (recorrido/autor) não resultaram quaisquer danos, pois que a convocatória foi enviada com a antecedência a que alude o n.º 1 do artigo 1432º do CC.
51. Violou, por isso, a Mma. Juíz do Tribunal a quo, na sua interpretação e aplicação, o disposto aos artigos 1.432.º, n.º1 do C.C e alínea b) do artigo 279 do mesmo diploma legal».

Não consta dos autos a resposta do autor.
II. Objeto recursivo
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, doravante designado “CPC”), cabe decidir se a convocatória para a Assembleia de Condóminos, realizada em 11 de fevereiro de 2017, observou ou não o prazo legal estabelecido.
III. Fundamentação de facto
A. Factos Provados (por ausência de impugnação dos factos dados por assentes na sentença apelada)
1. Encontra-se inscrita através da Ap. 1 de 1990/05/30, a aquisição a favor do autor da fração autónoma designada pela letra “J” correspondente a estabelecimento comercial, sito no R/C do prédio constituído em propriedade horizontal, com entrada pela referida Avenida …, da freguesia …, concelho de Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 293.
2. Encontra-se inscrita através da Ap. 1 de 1990/05/30, a aquisição a favor do autor da fração autónoma designada pela letra “L” correspondente a estabelecimento comercial, sito no R/C do prédio constituído em propriedade horizontal, com entrada pela referida Avenida …, da freguesia…, concelho de Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o n.º 293.
3. No dia 11 de fevereiro de 2017, pelas 14:30 horas, realizou-se Assembleia de Condóminos do “Condomínio do Edifício C…”, na qual foram tomadas as deliberações constantes da ata de fls. 12 a 16, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
4. O autor foi notificado das decisões da Assembleia de Condóminos realizada no dia 11 de fevereiro de 2017, pelas 14:30 horas, em segunda convocatória.
5. A convocatória para a referida Assembleia foi enviada mediante carta registada, remetida ao autor em 30 de janeiro de 2017.
6. A referida carta foi rececionada pelo autor em 01 de fevereiro de 2017.
7. Na ação n.º 546/16.9T8PVZ, do Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim, J3, foi proferida sentença transitada, em julgado em 20-03-2017, nos termos constantes de fls. 135 a 139 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
IV. Fundamentação de direito
A decisão recorrida, colocada perante a irregularidade da convocatória do autor para a Assembleia de Condóminos realizada no dia 11/02/2017 por não ter sido efetuada com a antecedência de dez dias prevista pelo artigo 1432.º/1 do Código Civil, diploma a que pertencerão todas as normas que indicarmos sem menção de proveniência, julgou inobservada tal antecedência. É, pois, essa questão que afrontaremos.
A norma em causa estatui que «a assembleia é convocada por meio de carta registada, enviada com 10 dias de antecedência, ou mediante aviso convocatório feito com a mesma antecedência, desde que haja recibo de recepção assinado pelos condóminos».
Esta redação foi introduzida pelo decreto-lei 267/1994, de 25 de outubro, com vigência em 01/10/1995, e, eliminando a exigência do aviso de receção, aditou o aviso convocatório, dando mostras de flexibilizar o regime de convocação dos condóminos para a assembleia. Já no domínio desta alteração normativa, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 15/06/2004[1], decidiu que é a partir do envio da convocatória, e não da receção desta, que se deve contar o prazo de dez dias de antecedência em relação à data fixada para a realização da assembleia de condóminos. Entendeu, na senda de Aragão Seia[2], que o preceito é expresso em determinar que é a partir do envio da convocatória, e não da receção desta, que se deve contar o prazo de 10 dias de antecedência em relação à data fixada para a realização da assembleia de condóminos. Aliás, Aragão Seia afirma que «[A] carta registada tem de ser enviada com dez dias de antecedência, o que pressupõe que o condómino a receberá com uma antecedência, relativamente ao dia para que foi convocada a assembleia, inferior a dez dias», não opondo quaisquer dúvidas interpretativas ao teor literal da norma que admite duas formas de convocação dos condóminos para a assembleia: a carta registada simples e o aviso convocatório, em livro de protocolo, e, neste caso, com a antecedência mínima de dez dias, a sugerir que o condómino tem de ter conhecimento da convocação com uma antecedência nunca inferior a dez dias.
Suscitada a inconstitucionalidade de tal interpretação, o Tribunal Constitucional pronunciou acórdão que, na linha da defesa dos recorrentes, não julgou inconstitucional a norma do artigo 1432º/1 quando interpretada no sentido de que o prazo de dez dias de antecedência previsto para a convocação para a assembleia de condomínio se conta, no caso de convocação por meio de carta registada, a partir do envio da carta, entendendo que “não é a possibilidade de quem efectua a convocação da assembleia de condóminos optar por uma das duas formas de convocação - carta registada ou aviso convocatório – que conduz, só por si ou conjugada com a possível diferença de antecedência legalmente imposta para as duas formas de convocação, a qualquer violação do princípio da igualdade. É que, evidentemente, a diversa antecedência tem aqui uma justificação objectiva: resulta das demoras, em relação a outras formas de convocação (designadamente, mediante aviso), que são concomitantes ao recurso à via postal”[3]. Nessa medida, não obstante a notificação por carta registada ter chegado ao conhecimento de um dos demandantes no décimo dia anterior à assembleia, não encontrou qualquer fundamento para questionar o tratamento diferenciado em relação aos condóminos que foram convocados por meio de aviso. E clarificou que, mesmo que o houvesse, “não poderia concluir-se pela inconstitucionalidade sem apurar as razões que o determinaram, sendo que podem existir critérios, recondutíveis à conveniência do autor da convocatória ou a outros motivos, que justifiquem a realização da convocatória por métodos diferenciados” e (…) “não é do facto de a norma em questão permitir a quem efectua a convocação da assembleia de condóminos a opção por uma das duas formas de convocação – carta registada ou aviso convocatório – que resulta qualquer violação do princípio da igualdade”. Porém, tal como aduz a sentença apelada, a (des)conformidade constitucional de uma determinada interpretação normativa, salvo os casos de inconstitucionalidade geral obrigatória, não se impõe aos tribunais e, ainda mais relevante, é que ao Tribunal Constitucional não compete eleger, de entre as interpretações possíveis e constitucionalmente neutras, aquela que considera adequada. Daí que do citado Acórdão do Tribunal Constitucional apenas podemos extrair o juízo de constitucionalidade da interpretação do artigo 1432º/1 no sentido da antecedência nele estabelecida ter o seu termo inicial na data do envio da carta registada.
Aceitamos que a exigência de recibo de receção assinado pelos condóminos que sejam convocados por aviso convocatório, à luz da unidade do sistema jurídico, conduz a que, prima facie, se conclua que a essência da convocatória reside na comunicação da data e da ordem de trabalhos da assembleia, para permitir ao condómino a preparação para o exercício dos seus direitos. Na verdade, tal desiderato só será atingido se a antecedência da convocatória for reportada ao seu recebimento pelo condómino; de outro modo, a convocatória surtiria os seus efeitos mesmo chegando ao seu conhecimento no dia anterior ao da assembleia[4]. Daí que seja o sentido interpretativo acolhido pela decisão apelada o que melhor se coaduna com a finalidade da convocatória dirigida aos condóminos e melhor acautela os seus interesses. Efetivamente, a circunstância do fundamento deste prazo mínimo de 10 dias previsto na lei para a convocação da assembleia assentar na possibilidade dos condóminos conhecerem antecipadamente a ordem de trabalhos, para que possam preparar-se para a discussão e votação, justifica que a contagem do prazo coincida com o conhecimento do condómino visado, pois, de outro modo, fica coartado o seu direito a adequada preparação e “plena formação duma opinião dos condóminos sobre os pontos agendados para essa reunião magna”[5]. Neste sentido, aderimos à posição da sentença recorrida, entendendo que os dias de antecedência referidos no artigo 1432.º/1 são contados, não a partir da data da expedição da convocatória, mas sim a partir da data da receção desta[6]. Não faz sentido que o legislador exija uma antecedência de 10 dias relativamente ao recebimento do condómino que receba aviso convocatório e se baste com uma antecedência inferior quando lhe dirija carta registada. Donde nos pareça que a segunda parte da norma relativa ao aviso convocatório confere à primeira parte respeitante à carta registada o sentido interpretativo que sufragamos, concedendo aos condóminos, independentemente do meio de convocação usado, uma efetiva antecedência mínima de 10 dias para preparação da ordem de trabalhos da assembleia, relevando a data da receção como o termo inicial do prazo[7]. É que a ratio legis do predito artigo 1432.º visa garantir aos condóminos o direito à informação das matérias objeto da convocatória a fim de assegurar uma participação esclarecida na discussão e votação[8]. Os princípios fundamentais de interpretação da lei, embora impondo um mínimo de correspondência verbal à letra da lei, dispõem que “ (...) o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9º).
Concordamos com os recorrentes quando atribuem à convocatória a natureza de declaração receptícia, que intima o disposto no artigo 224.º/1 ao estipular que a declaração que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida. Vale por dizer que a eficácia da declaração negocial depende do seu recebimento pelo destinatário, ao qual equivale a situação em que a declaração entra na sua esfera de influência, numa combinação entre a teoria da receção e do conhecimento[9]. Mas o legislador também atribui eficácia à declaração remetida, nos casos em que só por culpa do destinatário não foi por este oportunamente recebida (artigo 224.º/2), previsão se aproxima da chamada teoria da expedição[10]. Estes conceitos não aportam, contudo, qualquer clarificação ao caso que apreciamos, pois não está em causa indagar da eficácia da declaração emitida pelo Condomínio, que realmente se tornou eficaz, mas apenas averiguar a mens legis acerca do termo inicial do prazo especificado pelo predito artigo 1432.º/1. Aqui temos a prova da receção da comunicação da assembleia e apenas necessitamos de definir se foi observada a antecedência mínima de 10 dias em relação à data da assembleia.
A assembleia reuniu em 11-02-2017 e o autor não compareceu, nem se fez representar. Como recebeu a respetiva convocatória em 01-02-2017, à luz do disposto no artigo 279.º para o cômputo do termo, não se inclui o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr, e, por isso, o primeiro dia do prazo recai no dia 02-02-2017. Ora, tendo a assembleia lugar no subsequente dia 11, não foi observada a legal antecedência.
O não cumprimento de uma formalidade legalmente prescrita reconduz-se a uma anulabilidade (artigo 1433.º/1)[11]. Com efeito, a regra quanto a deliberações da assembleia dos condóminos contrárias à lei e regulamentos aprovados é a da sua anulabilidade e apenas será um caso de nulidade quando estiver em causa a violação de normas de interesse e ordem pública[12]. É assim que “(…) as eventuais irregularidades do procedimento da convocação – e, em particular, as atinentes à observância do prazo e à iniciativa da convocação (das assembleias de condóminos) – não podem dar lugar senão a deliberações contrárias à lei e, como tal, sujeitas a anulação”[13]. Contudo, o vício da irregularidade da convocação contamina as deliberações assumidas pelos condóminos presentes, impondo-se a sua tempestiva impugnação sob pena de impugnação do vício.
Em suma, aderimos à tese propugnada pelo tribunal a quo, o que nos determina a confirmar a declarada anulabilidade das deliberações impugnadas.
Regime de custas: as custas da apelação ficam a cargo dos recorrentes (artigo 527º/1 do CPC).
V. Dispositivo
Na defluência do exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, por conseguinte, em confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
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Porto, 10 de setembro de 2019.
Maria Cecília Agante
José Carvalho
Rodrigues Pires
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[1] Proferido no processo 04A1966, consultável in www.dgsi.pt.
[2] Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª ed., pág. 171.
[3] In www.tribunalconstitucional, acórdão n.º 80/2005, de 15/02/2005.
[4] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 28/02/2005, processo n.º 0453755.
[5] In www.dgsi.pt: Ac. RL 20/03/2013, processo 2074/10.7YXLSB.L1-8.
[6] Moitinho de Almeida, Propriedade Horizontal, Almedina, 1996, pág. 82.
[7] Ana Sardinha e F. Cabral Metelo, Manual do Condomínio, Almedina, 4.ª ed., pág. 150.
[8] In www.dgsi.pt. Ac. do STJ de 04/10/2011, processo 1872/07.3TVLSB.L1.S1.
[9] Heirich Hörster, in Revista de Direito e Economia, nº 9, pág. 135.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista e atualizada, pág. 214.
[11] In www.dgsi.pt: Acs. RG 03/04/2014, processo 1360/10.0TBVCT.G1; RC 06/12/2016, processo n.º 473/13.1TBLMG-A.C1; RP de 05/12/2016, processo 469/14.6T8MAI.P1.
[12] Moitinho de Almeida, ibidem, pág. 98.
[13] Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 3ª reimpressão da 2ª edição, página 222.