Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
264/14.2TTSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: INCAPACIDADE PARCIAL ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
FACTOR DE BONIFICAÇÃO 1.5
Nº do Documento: RP20221003264/14.2TTSTS.P1
Data do Acordão: 10/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.
II - Os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
III - Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, relativo a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 264/14.2TTSTS.P1

SECÇÃO SOCIAL


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I.RELATÓRIO
I.1 Na presente acção especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado AA e entidade responsável Companhia de Seguros G... S.A., realizada a tentativa de conciliação não se logrou obter o acordo em virtude de Seguradora, pese embora ter aceite a IPP com IPATH de 35,6% fixada no exame médico legal, não aceitou a aplicação do factor de bonificação 1,5, nem a atribuição de subsídio para frequência de formação profissional, nem a atribuição de veículo automóvel automático ou valor correspondente.
O sinistrado apresentou petição inicial, dando assim início à fase litigiosa, concluindo tal articulado pedindo seja reconhecido que, em consequência do acidente, ficou afectado de uma IPP de 53,40%, com IPATH, em consequência reclamando:
A) a condenação da R. a prestar ao A. as seguintes ajudas técnicas:
1- assegurar a renovação ou reparação da ortotese do pé direito, bem como da duas canadianas vitaliciamente;
2- Atribuição de um banco para banheira;
3- Atribuição de veiculo automóvel automático ou adaptado à condição física e funcional do A.;
B) A condenação da R. a liquidar o valor de 20,00€, que o A. despendeu em deslocações ao INML e ao Tribunal;
C) A condenação da R. a pagar ao A. um subsídio para frequência de acções de reabilitação profissional, nos montantes e condições do art.º 69º nº 3 e 4 da Lei 98/2009;
D) A condenação da Ré a pagar ao A. uma pensão anual de €7.136,14, devida desde 20.02.2015, em 1/14 até ao 3º dia de cada mês e ainda os subsídios de férias e Natal de idêntico montante, a serem pagos em Junho e Novembro, nos termos art.º 72º da Lei 98/2009, acrescida dos juros de mora à taxa legal, devidos desde data de vencimento em 20.02.2015, sobre cada uma das prestações até efetivo e integral pagamento;
E) Ser a R. condenada a pagar ao A. o subsidio por situação de elevada incapacidade, no montante de €.4760,10, acrescido dos juros legais, desde 20.02.2015 até efetivo e integral pagamento.
F) Ser a R. condenada quanto a custas, honorários do advogado, procuradoria e demais encargos.
A R. Seguradora apresentou contestação, pugnando pela improcedência parcial do pedido, alegando que se encontra a liquidar pensão provisória desde o dia .../.../2015, a ser descontada a final na pensão que venha a ser fixada, tendo igualmente liquidado em excesso o valor de 209,47€ a título de indemnização por incapacidades temporárias, cujo desconto também requer.
Por despacho datado de 11-7-2017, após exercício do contraditório, ao abrigo do princípio da adequação formal, pelo Tribunal a quo foi determinado que a fase contenciosa dos presentes autos seguisse os seus termos com a realização de perícia médica ao sinistrado, na consideração de que as questões controvertidas revestiam carácter médico (atribuição de automóvel automático adaptado e subsídio para frequência de formação no âmbito da requalificação profissional), e as demais questões reconduziam-se a questões de direito (possibilidade de aplicação do factor 1,5 numa situação em que já está reconhecida a atribuição de IPATH e a atribuição de subsídio de elevada incapacidade).
I.2 Findos os articulados e realizadas as diligências periciais determinadas, o Tribunal a quo procedeu ao saneamento dos autos e proferiu sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
Pelo exposto, nos termos das citadas disposições legais declaro que, em virtude do acidente de trabalho objecto dos presentes autos o sinistrado AA se encontra afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 53,40%, com IPATH desde 14-2-2015, e em consequência, condeno a entidade responsável Companhia de Seguros G... S.A.:
i) no pagamento ao sinistrado de uma pensão anual, vitalícia e actualizável no montante de 7.136,14€ (sete mil cento e trinta e seis euros e catorze cêntimos) a partir de 14-2-2015, acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde o dia seguinte à data da alta, até efectivo e integral pagamento;
ii) no pagamento ao sinistrado um subsídio por elevada incapacidade permanente correspondente a 4.760,09€ (quatro mil setecentos e sessenta euros e nove cêntimos), acrescida de juros, à taxa anual de 4%, desde o dia seguinte à data da alta, até efectivo e integral pagamento;
iii) no fornecimento ao sinistrado de um veículo, equipado com caixa de velocidades automática, direcção assistida, travão adaptado ao pé esquerdo, acelerador manual, com a mesma antiguidade ou próxima do veículo do sinistrado, que se enquadre no mesmo segmento e com características técnicas similares, funcional e em condições de segurança, até ao limite de 5.533,70€ (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos);
iv) na reparação ou renovação das ajudas técnicas já fornecidas ao sinistrado, ortótese do pé direito, e duas canadianas, nos termos gerais (art. 43º, nºs 3 e 4, 45º e 46º da Lei 98/2009 de 4/9);
v) no fornecimento de ajuda técnica ao sinistrado, banco para duche/banheira;
vi) no pagamento ao sinistrado das despesas de transportes no valor de 20,00€ (vinte euros), acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data da tentativa de conciliação, 6-3-2017, até integral e efetivo pagamento.
*
vii) Absolvo a R. Seguradora do demais peticionado pelo sinistrado;
viii) Concedo à R. o prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da presente sentença, para comprovar nos autos o montante total efectivamente pago a título de pensão provisória até à presente data que, a acrescer ao montante de 209,85€, será tomado em consideração para efeito de pagamento da pensão ora fixada.
*
Custas a cargo da entidade responsável – art. 527º, nºs 1 e 2 do NCPC.
Valor da acção: 124.599,07€ = [7.136,14€ x 16,015] + 20,00€ + 5.533,70€ + 4.760,09€ - art. 120º, nº1 do CPT.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta decisão a seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença recorrida no que concerne à atribuição do fator de bonificação de 1,5;
2. Realizado o exame médico na fase graciosa do processo, o Senhor Perito concluiu estar o Sinistrado afetado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 53,40% com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual [IPATH];
3. O Senhor Perito atribuiu a desvalorização de 53,40% por aplicação do fator de bonificação de 1,5 sobre a IPP de 35,60%;
4. Os serviços clínicos da Recorrente consideraram o Sinistrado portador de desvalorização de 35,60% com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual [IPATH];
5. Invocando o facto de o Sinistrado não poder retomar as funções de operário de banho e químicos que então exercia, por força do acidente de trabalho, o Tribunal "a quo" entende que tal não é reconvertível em relação ao mesmo posto de trabalho e que, por conseguinte, justifica a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5, previsto no ponto 5 das instruções gerais da Tabela Nacional de Incapacidades;
6. O fator de bonificação 1,5 não é aplicável quando se atribui IPATH, sendo certo que a IPATH atribuída é para a sua atividade profissional habitual [operário de banho e químicos] e a capacidade funcional residual para outra profissão é de 64,40%;
7. A IPATH significa uma incapacidade de 100 para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho de uma função especifica, atividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, dependendo do grau de incapacidade permanente parcial [IPP] que lhe for atribuído, que, no caso concreto é de 35,60%;
8. Essa IPP não é parte integrante da IPATH, nem a ela acresce, pois serve apenas para determinar a capacidade funcional residual, a qual é considerada equivalente à capacidade restante, que no caso é de 64,40%;
9. Refere o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8.2.2012 [Proc. 270/03.2TTVFX.L1-4] que: "Afigura-se-nos que existe uma diferença de grau (quantitativo e qualitativo) entre uma e outra situação, achando-se a situação prevista na alínea a) da 5ª Instrução Geral consumida ou absorvida por aquela, mais gravosa e global da IPATH ao privar, em termos imediatos e definitivos, o trabalhador da possibilidade de desenvolver a profissão que até aí desempenhava, ao passo que as hipóteses contempladas pela dita Instrução Geral estão aquém de tal possibilidade, ainda que os sinistrados afectados e pela mesma abrangidos, tenham perdido ou visto diminuída uma função inerente ou imprescindível ao desempenho do seu posto de trabalho, que lhes dificulta seriamente o seu exercício mas não impede a continuação no e do mesmo, ainda que noutras condições (reconversão daquele)";
10. Concluindo aquele Acórdão "Logo, tendo sido reconhecida ao sinistrado uma IPATH, não se justifica cumular com tal incapacidade absoluta a aplicação do factor de bonificação de 1,5 à IPP de 10% já acima determinada";
11. O Acórdão da Relação de Lisboa, de 18.5.2011 [Proc. 4589/03.4TTLSB.L2-4] faz referência ao aresto da Relação do Porto de 05-12-2005 [Processo: 0513917, nº Convencional JTRP00038593, Relator: Domingos Morais, documento nº. RP200512050513917 acessível em www.dgsi.pt] que refere: "1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada eas condições especificas do tempo em que é aplicada" - para encontrar a solução interpretativa que melhor satisfaça a unidade do regime jurídico dos acidentes de trabalho, nomeadamente, no que à aplicação da instrução nº 5 da TNI respeita";
12. Acrescentando," ... os textos legais que, actualmente, importa referenciar são a Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT) e a Tabela Nacional de Incapacidades (TNI). O artigo 17º., nº.1 da LAT prevê três tipos de incapacidades permanentes: a incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA), a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e a incapacidade parcial (IPP), sendo cada uma delas uma categoria própria, no sentido de que não há incapacidades de natureza mista”;
13. E que "No que respeita à IPATH, trata-se de uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua especifica função, actividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra actividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, dependendo do grau de incapacidade permanente parcial (IPP) que lhe for atribuído (cfr. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág.96)”;
14. E ainda "Essa IPP não é parte integrante da IPATH, nem a ela acresce (na IPATH verifica-se o limite máximo da incapacidade, expressa na unidade - 100), pois, serve apenas para determinar a capacidade funcional residual, a qual é considerada equivalente à capacidade restante";
15. E que "Após a entrada em vigor da TNI surgiu uma corrente interpretativa que, pura e simplesmente, substituía a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual pela simples aplicação do factor 1,5 à incapacidade permanente parcial que fosse atribuída ao sinistrado";
16. Contudo, refere "Essa tese não tinha e não tem, a nosso ver, qualquer suporte jurídico, mais que não seja pela simples circunstância de que uma lei de grau inferior - o Decreto-Lei nº. 341/93, de 30-9 que aprovou a TNI - não pode sobrepor-se a outra de grau superior, como era o caso da Lei nº. 2127 de 1969, Base XVL b), e é o caso da actual Lei nº. 100/97, que prevê expressamente a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, no nº 1, alínea b) do artigo 17º";
17. E "Temos, assim, por seguro o entendimento de que se a perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho implicar incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atenta a natureza das sequelas, é esta a incapacidade que deve ser atribuída ao sinistrado";
18. E "Se o caso não for de IPATH, mas apenas de IPP, o sinistrado retomará ao seu posto de trabalho, situação de retorno essa que justificará a bonificação pelo factor 1,5, o qual será aplicado apenas sobre o(s) coeficiente(s) que se relaciona(m) com a função inerente ou prescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente e não sobre o coeficiente global pela regra da capacidade restante.";
19. Conclui então o Tribunal da Relação do Porto: "lI – A multiplicação pelo factor de 1,5, referida no ponto anterior, não é aplicável quando a vítima sofra de incapacidade permanente para o trabalho habitual/IPTH), caso em que se aplicará o regime previsto no artigo 17º., nº 1, al. b) da Lei 100/97";
20. O raciocínio ali expendido a propósito do teor do Decreto-Lei 341/93, 30.09 e do teor da Lei 100/97, 13.09 vale, mutatis mutandis, para o disposto no Decreto-Lei 352/2007, 23.10 e na Lei 98/2009, 04.09.
21. Tendo sido reconhecida ao sinistrado uma IPATH, não é de cumular com tal incapacidade absoluta a aplicação do factor de bonificação de 1,5 à IPP de 35,60% fixada em exame médico;
22. Ainda que o Sinistrado tenha perdido ou visto diminuída uma função inerente ou imprescindível ao desempenho do seu posto de trabalho, que lhe dificulta o seu exercício, tal não impede a continuação no e do mesmo, ainda que noutras condições [reconversão daquele];
23. A IPATH atribuída ao sinistrado é para a sua atividade profissional habitual, sendo certo que a capacidade funcional residual para outra profissão ou para outras funções é de 64,40%;
24. Deverá a douta Sentença recorrida ser revogada, e, consequentemente, ser ordenado que, estando fixada ao sinistrado uma IPP de 35,60% com IPATH, não deve este beneficiar da bonificação pelo fator 1,5 previsto no ponto 5 das Instruções Gerais da TNI.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se, em conformidade, a douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, pois só assim se fará a tão costuma JUSTIÇA.
I.4 O Recorrido Sinistrado apresentou contra alegações, mas sem as sintetizar em conclusões.
Defende, no essencial, que a recorrente nem pode suscitar esta questão, porquanto, em ata de tentativa de conciliação, de 12.09.2019, aceitou a aplicação do factor de bonificação de 1,5%, e resulta da matéria de facto assente que o sinistrado ficou afectado de 53,40% com IPATH desde 14.02.2015, não tendo aquela impugnado a matéria assente.
Mais defende, que o Tribunal a quo decidiu bem, servindo-se a recorrente de jurisprudência data anterior ao ano de 2014, ano em que a jurisprudência foi uniformizada, com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, invocado na sentença.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso.
I.5 Discordando igualmente da sentença na parte que lhe foi desfavorável, o sinistrado apresentou recurso de apelação. Contudo, o mesmo não foi admitido pelo Tribunal a quo por intempestivo, não tendo o sinistrado reclamado dessa decisão nos termos do artº 643.º do CCC.
I.6 O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º 3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso, referindo, no essencial o seguinte:
-«[..]
Porém, salvo sempre melhor opinião, cremos ser diferente o sentido da jurisprudência.
Na verdade, assim se decidiu nos Ac. do STJ, de, 25.11.2020, 288/16.5, T8OAZ.P1.S1,…
“Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do n.o 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidade”, no Ac. do STJ, de 03.03.2016, proc. 447/15.8T8VFX.S1, “A expressão «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho» contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.o 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”, entendendo-se este não “como mera job description prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial“. 2 – Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do no 5 das Instruções Gerais da TNI. 3 –Não tendo a sinistrada, por via das lesões sofridas, retomado o exercício das concretas funções que efetivamente exercia na mesma organização empresarial em que ocorreu o acidente, tendo passado e executar tarefas diversas e noutro posto de trabalho, deve ser atribuída a bonificação estabelecida na al. a) do no 5 das Instruções Gerais da TNI, e, ainda, no Ac. do STJ, de 28.01.2015, 22956/10.5T2SNT.L1.S1, “I - A força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos dos artigos 389o do CC e 489o do CPC, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto dada como assente no acórdão recorrido, com base no resultado das perícias médicas efetivadas no processo. II - Não há incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º1 do artigo 17.o da Lei n.o 100/97, de 13 de Setembro (IPATH), e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo DL n.o 352/2007, de 23 de Outubro, que consagra o fator de bonificação 1,5, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.».
I.7 Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 657.º n.º2, CPC e determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.8 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] a questão suscitada pela recorrente para apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou ao ter aplicado ao caso concreto o factor de bonificação consagrado na alínea a) do Ponto 5 da Tabela Nacional de Incapacidades [TNI], aprovada pelo Decreto-Lei 352/2007, de 23.10.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo pronunciou-se quanto à matéria de facto nos termos que se passam a transcrever:
-Na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória (fls. 145ss) e da diligência realizada na fase contenciosa (fls. 253 e 278ss), e dos articulados apresentados (PI a fls. 173ss e contestação a fls. 190ss), sinistrado e seguradora acordaram nos seguintes factos que se consideram assentes – art. 131º, nº 1 c) e 135º do CPT:
i) A existência e caracterização do acidente em causa como de trabalho (no dia 12-8- 2013, pela 16h20, quando o sinistrado exercia as suas funções de operário de fábrica de ferro sob as ordens, direcção e fiscalização de I... S.A., com sede na ..., foi atingido por uma barra de ferro maciço no pé direito, que lhe causou traumatismo no pé direito.);
ii) Em virtude do acidente objecto dos autos ficou o sinistrado afectado de 53,40% [IPP= 35,6% x 1,5] com IPATH desde 14-2-2015 (cfr. rectificação determinada por despacho datado de 2-6-2021);
iii) A retribuição anual auferida pelo sinistrado à data do acidente era de 11.760,28€ (524,00€ x 14 + 368,69€ x 12);
iv) À data do acidente em causa nos autos, a responsabilidade da entidade empregadora encontrava-se transferida para a Seguradora pela totalidade da remuneração supra referida;
v) O sinistrado encontra-se pago pela totalidade da indemnização relativa a incapacidades temporárias, tendo recebido em excesso a quantia de 209,85€;
vi) O sinistrado despendeu a quantia de 20,00€, em transportes e alimentação referentes a diligências obrigatórias a Tribunal e ao Gabinete de Medicina Legal.
vii) A R. seguradora pagou ao sinistrado mensalmente desde a data da alta pensão provisória que até ao dia 31-3-2017 ascendia ao montante de 14.154,63€, que foi actualizada para o valor de 6.824,95€ a partir de 1-1-2019 (fls. 254);
viii) O sinistrado não requereu a frequência de acção ou curso, nem aceitou proposta do IEFP ou de outra instituição por este certificada, mantendo o vínculo laboral com a empresa I....
ix) As lesões sofridas pelo A. determinaram a necessidade de uso de uma ortótese no pé direito (sapato) e duas canadianas para poio a caminhar, que já foram fornecidas pela R..
*
x) O sinistrado nasceu a .../.../1984 – cfr. assento de nascimento do sinistrado junto a fls. 55.
*
Pelo Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, foi realizado Relatório de Avaliação dos Impactos dos Acidentes na funcionalidade e das necessidades de Reabilitação constante de fls. 223 ss, na sequência de solicitação unânime por parte dos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica (fls. 217).
Foi realizada avaliação e consulta pela Unidade de Saúde Pública da Autoridade de Saúde da ARS Norte, na sequência do que foi emitido atestado médico de aptidão para a condução com as restrições descritas a fls. 243, que não mereceu reparo das partes, pelo que se considera provado o seguinte facto:
xi) O sinistrado mostra-se apto para a condução, mediante reavaliação de aptidão no prazo de 3 anos, limitada a veículos do grupo 1 categoria B, a deslocações num raio de 50 km e a velocidade inferior a 100Km /h, em veículo dotado de caixa automática, pedal do travão adaptado à utilização pelo pé esquerdo, acelerador manual, e direcção assistida.
*
Reaberta a Junta Médica, foram os Srs. Peritos Médicos unânimes a subscrever o parecer multidisciplinar realizado pelo CRPGaia – fls. 245 e 246. Atenta a resposta aos quesitos e respectiva fundamentação que, oportunamente notificada, não mereceu oposição das partes, bem como os demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o Tribunal a discordar da conclusão a que aqueles chegaram, sendo de subscrever as conclusões alcançadas na junta médica. Assim, consideram-se provados os seguintes factos resultantes da perícia colegial:
xii) O sinistrado pode ser reabilitado para a vida activa, não estando as funções compatíveis com o estado funcional dependentes da utilização de veículo automóvel, mas ficando condicionado à existência de transporte público para deslocação entre residência e emprego.
xiii) O sinistrado tem capacidade e aptidão para desempenhar outras profissões compatíveis com o seu estado funcional, podendo beneficiar de um plano de reintegração profissional.
xiv) O sinistrado beneficiaria de banco adequado para a realização de duche com segurança.
*
Foi, então, requerida e determinada a realização de perícia técnica ao veículo propriedade do sinistrado (certificado de matrícula a fls. 290, caracterizado a fls. 307) com vista a ponderar a viabilidade técnica da adaptação e os custos/benefícios da mesma - cfr. despacho de fls. 298 e 300.
Notificadas as partes da junção aos autos do parecer técnico pela entidade A..., Lda. (fls. 357), nada foi requerido, pelo que resultam provados os seguintes factos:
xv) O veículo pertença do sinistrado é um Volkswagen, ..., ..., matrícula ..- ..-OP, motor 1.4 cc a gasolina, ano de produção de 1999.
xvi) Não se mostra tecnicamente possível a adaptação da transmissão automática e direcção assistida ao veículo pertença do sinistrado.
xvii) A adaptação de um veículo equiparado com aproximadamente 7 anos de utilização, com instalação eléctrica de caixa automática, direcção assistida, teria o custo estimado de 16.500,00€, acrescido de despesas de montagem e homologação no valor estimado de 3.100,00€.
xviii) Um veículo da mesma marca e modelo, com caixa de velocidades automática e direcção assistida de origem, no estado de usado com menos de 5 anos, poderá custar entre 18.000,00€ e 21.000,00€.
xix) A adaptação do travão de serviço ao pé esquerdo e do acelerador manual custam entre 1.028,20€ e 2.684,98€.

II.2 MOTIVAÇÃO de DIREITO
A recorrente insurge-se contra a sentença por ter aplicado o factor de bonificação de 1,5, previso na alínea a) do nº 5 do Anexo I da TNI, defendendo que tendo sido reconhecida ao sinistrado uma IPATH, não é de cumular com tal incapacidade absoluta para o trabalho habitual a aplicação do aludido factor.
Na fundamentação da sentença recorrida, quanto a este ponto, encontra-se o seguinte:
-«Da cumulação da IPATH com a atribuição do factor 1,5
A questão jurídica da possibilidade de cumulação da IPATH com a atribuição do factor de bonificação de 1,5, foi já objecto de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, estável e reiterada no sentido de que nada impede tal cumulação – cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19.03.2009, proferido no processo 08S3920, datado de 29.03.2012 proferido no Processo 307/09.1TTCTB.C1.S1, e datado de 05.03.2013 proferido no processo 270/03.2TTVFX.1.L1.S1, todos in www.dgsi.pt.
Ademais, haverá que ter em conta que o Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão nº 10/2014, de 28.05.2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.».
Com efeito, para que se verifique a bonificação, a par da perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho ou que tenha 50 anos de idade ou mais.
Concretizando os conceitos do preceito em causa, ensina o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 27-04-2020, proferido no processo 329/11.2TTPRT, in www.dgsi.pt: “A atribuição do fator de bonificação de 1,5, previsto no n.º 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI é cumulável com uma IPATH (incidindo o referido fator sobre o coeficiente de desvalorização de IPP para o exercício de outra profissão). (…) Não existe incompatibilidade entre a atribuição de IPATH e do fator de bonificação, sendo aquela uma das situações típicas em que, precisamente, deverá ser atribuído tal fator. (…) a irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”
Com efeito, como bem se salienta no citado acórdão, não se alcança motivo válido para se tratar diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar.
No caso vertente, resulta da factualidade apurada nos autos que o sinistrado, em consequência das lesões sofridas no acidente, ficou afectado de IPP com IPATH, pelo que a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho resulta da reconhecida incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, atentas as sequelas resultantes do acidente de trabalho que sofreu. Justifica-se, pois, a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5 previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, a incidir sobre o coeficiente da IPP para o exercício de outra profissão pelo sinistrado, qual seja IPP = 35,6% x 1,5 = 53,40% com IPATH».
A recorrente estriba a sua posição nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8.2.2012 [Proc. 270/03.2TTVFX.L1-4] e de 18.5.2011 [Proc. 4589/03.4TTLSB.L2-4], mas essencialmente no aresto desta Relação do Porto de 05-12-2005 [Processo: 0513917], do qual transcreve os extractos que corporizam o essencial das conclusões acima transcritas.
Contrapõe o recorrido, desde logo, que a recorrente nem pode suscitar esta questão, alegando que aquela aceitou a aplicação do factor de bonificação de 1,5% na tentativa de conciliação e não impugnou o facto assente, onde consta que o sinistrado ficou afectado de 53,40% com IPATH desde 14.02.2015. Mais defende, que a recorrente serve-se de jurisprudência anterior ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ, de 2014, invocado na sentença, não merecendo esta censura.
Por seu turno, o Digno Procurador Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, invocando os acórdãos do STJ de 28.01.2015 [proc.º, 22956/10.5T2SNT.L1.S1] e de 25.11.2020, [proc.º 288/16.5, T8OAZ.P1.S1].
Por se assumir como questão prévia, importa apreciar e decidir já a primeira objeção suscitada pelo recorrido.
Atentando no auto de tentativa de conciliação, constata-se que o recorrido não tem razão quando afirma que a seguradora recorrente aceitou a aplicação do factor 1.5. Com efeito, no que aqui releva, da posição assumida pela legal representante da seguradora, dele consta consignado o seguinte:
-«[..]
Aceita a IPP com IPATH de 35,6% fixada ao sinistrado em resultado do exame médico-legal.
Porém não aceita que lhe seja aplicável o factor de bonificação de 1,5. Só por esta razão, não se concilia com o mesmo.
[..]».
A declaração é inequívoca, dela resultando com certeza e objectividade que a seguradora não aceitou a aplicação do factor de bonificação 1.5. De resto, como o recorrido não pode ignorar, a Ré seguradora na contestação reiterou essa posição, defendendo-a nos artigos 11.º a 19.º, começando por dizer que “(..) ante a atribuição de uma IPATH ao sinistrado, não deverá aplicar-se a bonificação de 1.5 sobre a IPP aí estabelecida”, para depois prosseguir usando argumentos ancorados na jurisprudência que agora volta a invocar no recurso.
Porventura o recorrido procura arrimo no erro do Tribunal a quo, a que de seguida aludiremos, mas mal, pois descura o conteúdo o auto de conciliação e a posição reiterada pela seguradora no seu articulado. Como se retira da transcrição da decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo, refere-se o seguinte:
- “Na tentativa de conciliação realizada na fase conciliatória (fls. 145ss) e da diligência realizada na fase contenciosa (fls. 253 e 278ss), e dos articulados apresentados (PI a fls. 173ss e contestação a fls. 190ss), sinistrado e seguradora acordaram nos seguintes factos que se consideram assentes – art. 131º, nº 1 c) e 135º do CPT:
i) [..];
ii) Em virtude do acidente objecto dos autos ficou o sinistrado afectado de 53,40% [IPP= 35,6% x 1,5] com IPATH desde 14-2-2015 (cfr. rectificação determinada por despacho datado de 2-6-2021);
Em face do que se explicou quanto à posição assumida pela seguradora – quer na tentativa de conciliação quer na sua contestação -, resulta claro que o Tribunal a quo não podia dar como assente o que consta daquela alínea ii, mas apenas que aquela responsável pela reparação aceitou “ a IPP com IPATH de 35,6% fixada ao sinistrado em resultado do exame médico-legal”. Na verdade, nos termos do art.º 131.º, n.º 1, al. c), no despacho saneador o Juiz não só deve, como só pode considerar assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação e nos articulados, princípio que se mantém intocável quando conheça imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo o permita, como foi o caso. Daí que, em coerência, o art.º 135.º começa por dizer que “Na sentença final o juiz considera definitivamente assentes as questões que não tenham sido discutidas na fase contenciosa”.
Por conseguinte, o Tribunal a quo errou ao fixar a matéria da alínea ii), naqueles termos. Admite-se que tal terá decorrido de lapso, pois de outro modo, ou seja, se o Tribunal a quo tivesse partido do princípio (errado) que houve esse acordo, não teria sentido lógico depois vir a pronunciar-se, como o fez nos termos acima transcritos, sobre a questão “Da cumulação da IPATH com a atribuição do factor 1,5”.
Seja como for, nessa parte aquela matéria não pode ser considerada assente, por não ter havido acordo. Para além disso, importa também assinalar, a atribuição do factor de bonificação 1.5, ainda que dependa da verificação dos factos que consubstanciem as situações de que depende a sua aplicação em concreto – no caso, a não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao posto de trabalho -, é matéria de direito e não de facto.
Significa isso, por essa ordem de razões, que este Tribunal de recurso deve desconsiderar aquela afirmação.
Assim, o facto da recorrente não se ter insurgido expressa e directamente contra o conteúdo da alínea ii da fundamentação da matéria de facto não pode importar as consequências que o recorrido reclama, tanto mais que o Tribunal a quo, fazendo a aplicação do direito aos factos, veio a pronunciar-se sobre essa questão, o que vale por dizer que a assumiu como controvertida.
II.2 Dirimido aquele ponto e avançando para a questão fulcral, mostra-se útil começar por deixar as notas essenciais sobre o factor de bonificação 1.5.
A Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais consta do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, com entrada em vigor 90 dias após a data da sua publicação (art.º 7.º), aplicando-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor e a todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor [art.º 6.º alíneas a) e c)].
Conforme expresso no n.º 1, das Instruções Gerais (Anexo I) a Tabela Nacional de Incapacidades, usualmente designada por TNI “(..) tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho».
Por seu turno o n.º3, estabelece que “A cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade.
Releva ainda assinalar o disposto no n.º10:
Na determinação da incapacidade global a atribuir devem ser ponderadas as efectivas possibilidades de reabilitação profissional do sinistrado, face às suas aptidões e às suas capacidades restantes.
Para tanto, sempre que seja considerado adequado ou conveniente, podem as partes interessadas ou o Tribunal solicitar parecer às entidades competentes nas áreas do emprego e formação profissional, sobre as efectivas possibilidades de reabilitação do sinistrado”.
O ponto controvertido consta do n.º5, onde se lê, no que aqui interessa, o seguinte:
-[5] «Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
b) A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior;
(..)».
Deste número 5 das Instruções Gerais da TNI resulta, assim, que a atribuição do factor de bonificação 1.5 ocorre em três situações distintas:
i) “Se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”;
ii) Se a vitima “tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”, sendo a idade do sinistrado que impõe a bonificação, quando esta não tenha ocorrido pelos motivos previstos na 1.ª parte daquela norma.
iii) Quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho [al. b)], sendo que não será atribuída caso a vitima já beneficie da bonificação com um dos fundamentos da alínea anterior, isto é, funciona de forma subsidiária em relação à mesma.
No caso concreto cabe apenas atentar sobre a primeira causa de atribuição da bonificação do factor 1.5, nomeadamente, quando “a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”.
É certo, como invoca a recorrente, que houve uma linha jurisprudencial, ilustrada pelos arestos que invoca, que defendeu a não aplicabilidade do factor de bonificação 1,5, nos casos em que à vitima do acidente de trabalho era atribuída uma IPP com incapacidade permanente para o trabalho habitual/IPTH.
Diga-se, porém, que não era entendimento pacífico. A título de exemplo, no acórdão do STJ de 05-03-2013 [proc.º 270/03.2TTVFX.1.L1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], afirmou-se, como sintetizado no sumário, o seguinte:
I - Não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções.
II - Destarte, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos”
A divergência quanto à interpretação da expressão “a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” suscitou a necessidade de intervenção do STJ, para no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 30 de Junho [disponível em www.dgsi.pt], fixar que a mesma deve ser interpretada no sentido de se referir “(..) às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”. Como melhor elucida a fundamentação do citado aresto:
- «(..) aquele segmento normativo “não reconvertível em relação ao posto de trabalho”, como pressuposto da bonificação prevista naquela alínea, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
A reconversão em relação ao posto de trabalho prevista naquela norma materializa-se no regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram.
Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido. Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é susceptível de reconversão nesse posto de trabalho.
Aliás, já na vigência da TNI aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, em vigor, TERESA MAGALHÃES e Outros, abordaram o conteúdo daquele segmento normativo, referindo que «em lado algum se define o conceito de reconvertível, bem assim como as circunstâncias da reconversão ou o tipo de actividade para a qual essa reconversão é considerada (para a actividade específica habitual – avaliação teórica -, ou no seu posto de trabalho – avaliação concreta? Não corresponderá antes a situação de não reconversão a um caso de IPATH?)»11.
Adite-se que na linha da jurisprudência definida nesta secção12 os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
Tudo para concluir que, à luz da actual redacção da alínea a) do n.º 5 da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais aprovada pelo Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, para aplicação do factor de bonificação 1,5, nela previsto, exige-se que a vítima não seja reconvertível em relação ao posto de trabalho, sem prejuízo das situações em que a bonificação em causa depende da idade do sinistrado».
Por seu turno, no Ac. STJ de 28-01-2015 [Proc.º 28/12.8TTCBR.C1.S1, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS, disponível em www.dgsi.pt], para além de se reafirmar aquele entendimento, toma-se ainda posição concreta quanto à aplicação do facto1.5 nos casos de IPATH, constando do respectivo sumário o seguinte:
1 – A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente;
2 – Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, relativo a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.
3 – Encontrando-se o sinistrado afectado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual e não sendo reconvertível em relação ao seu anterior posto de trabalho de montador de tectos falsos, deve o respectivo coeficiente global de incapacidade ser objecto da bonificação de 1,5, prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.
No mesmo sentido veja-se, ainda, o Ac. do STJ, também de 28-01-2015, proferido no processo n.º 22956/10.5T2SNT.L1.S1 [Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
No que concerne à jurisprudência desta Relação e Secção, deve assinalar-se que pelo menos desde a publicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2014, de 30 de Junho, é unânime o acolhimento da doutrina ai afirmada, como o demonstram os sumários dos acórdãos seguintes:
- Ac. TRP de 22-09-2014 [Proc.º 8320/09.9TTOAZ.P1 , Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
«I - O Acórdão do STJ nº 10/2014, in DR, I Série, de 30.06.2014, uniformizou jurisprudência no sentido de que «[a] expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.»,
II - A irreconvertibilidade no posto de trabalho é a consequência ou corolário inevitável da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), não existindo incompatibilidade entre esta e a atribuição do fator de bonificação de 1,5 previsto no nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI.»
- Ac. TRP de 09-03-2015 [proc.º 569/13.0TTBRG.P1, Desembargadora Maria José Costa Pinto] «A aplicação do factor 1,5, previsto na alínea a) do ponto 5 das Instruções Gerais da TNI, deve ser efectuada, também, nos casos de IPATH».
- Ac. TRP de 10-10-2016 [proc.º n.º 1025/08.3TTPNF.8.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
«[..]
IV - O fator de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5, alínea a), das Instruções Gerais da TNI é aplicável a situação em que o sinistrado se encontra afetado de IPATH.»
- Ac. TRP de 13-02-2017 [proc.º 261/10.7TTMAI.P2, Desembargadora Paula Leal de Carvalho]
« [..]
II - A atribuição do fator de bonificação de 1,5 previsto nº nº 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI é cumulável com uma IPATH (incidindo o referido fator sobre o coeficiente de desvalorização de IPP para o exercício de outra profissão)».
- Ac. de 21 Janeiro de 2018 [proc.º n.º 1113/17.5T8VNG.P1, relatado pelo aqui relator, com intervenção deste mesmo colectivo]
«1. O segmento normativo “não reconvertível em relação ao posto de trabalho”, da al. a), do n.º5, do Anexo I, da TNI como pressuposto da bonificação por aplicação do factor 1.5 ai previsto, refere-se às situações em que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente.
2. Os casos de IPATH são situações típicas de não reconvertibilidade do sinistrado em relação ao seu anterior posto de trabalho.
[..]»
- Ac. TRP de 30-05-2018 [proc.º 624/12.3TTVFR.P1, Desembargadora Fernanda Soares]
«[..]
III - E, assim, estando afectada de IPATH, não sendo reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava na data do acidente – na medida em que se não provou ter retomado o exercício das funções correspondentes ao posto de trabalho que desempenhava antes do acidente – é de aplicar o factor 1,5».
-Ac. TRP de 27-04-2020 [proc.º 329/11.2TTPRT.3.P1, Desembargador Nelson Fernandes]
-« [..].
II- A atribuição do fator de bonificação de 1,5, previsto no n.º 5, al. a), das Instruções Gerais da TNI é cumulável com uma IPATH (incidindo o referido fator sobre o coeficiente de desvalorização de IPP para o exercício de outra profissão).».
Mais se diga, que tanto quanto é do nosso conhecimento, esta linha de entendimento é actualmente uniforme e pacífica na jurisprudência dos Tribunais superiores.
A recorrente insurge-se contra a sentença exclusivamente na consideração do entendimento oposto e já ultrapassado, ou seja, que tendo sido reconhecida ao sinistrado uma IPATH, não é de cumular com tal incapacidade absoluta a aplicação do factor de bonificação 1.5.
Assim, como já se percebeu, tendo o Tribunal a quo seguido o entendimento que se entende ser o correcto, necessariamente sucumbe o recurso, devendo ser confirmada a sentença recorrida.
III. DECISÃO
- Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando a sentença.

- Custas do recurso a cargo da recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).


Porto, 3 de Outubro de 2022
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira