Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
80/21.5PHVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LÍGIA TROVÃO
Descritores: LEI DA AMNISTIA
LEI N.º 38-A/2023
DE 2 DE AGOSTO
PENA SUSPENSA
EXCLUSÃO DO PERDÃO
PENA ÚNICA
PERDÃO CONDICIONAL
Nº do Documento: RP2024050880/21.5PHVNG.P2
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Na medida em que nos termos do nº 2 do art. 3º da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto o perdão é aplicado diretamente às penas de substituição de uma pena de prisão, não pode ser objeto do perdão a pena de substituição da suspensão de execução da pena singular fixada na decisão condenatória que tenha ficado condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta (ou acompanhada de regime de prova), por a tanto se opor o disposto no nº 2 d) do art. 3ºda referida Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto.
II- Idêntica regra vale também quanto à pena de substituição da suspensão de execução da pena única de prisão (em caso de cúmulo jurídico de penas parcelares) e da “nova” pena única de prisão que tenha ficado condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta (ou acompanhada de regime de prova), na segunda hipótese, resultante da reformulação do cúmulo jurídico por força da amnistia declarada quanto a condenação que aí vinha englobada, em consequência da qual resultou alterada a moldura abstrata do concurso de penas no seu limite máximo (cfr. art. 77º nº 2 do Cód. Penal e nºs 2 d) e 4 do art. 3º da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto).
III - A pena a ter conta para decidir sobre a suspensão da sua execução é a pena efectivamente aplicada ao condenado e não a pena residual resultante de aplicação de perdão.
IV - A decisão sobre se deve ou não ser suspensa a execução da pena de prisão tem de ser proferida antes da aplicação do perdão.
V – Em caso de condenação em pena de prisão em medida igual ou inferior a 5 anos, suspensa na sua execução mediante subordinação ao cumprimento de deveres e regras de conduta, o perdão de pena só poderá se aplicado caso se venha a verificar a revogação da suspensão (cfr. art. 3º nºs 2 d), 3 e 4 da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto).

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 80/21.5PHVNG.P2

Comarca do Porto

Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

No âmbito do processo nº 80/21.5PHVNG, a correr termos no Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2, por acórdão proferido em 29/11/2022 (referência 442766708), transitado em julgado em 11/01/2023 (referência 446340745), foi decidido, entre o mais:

“H) Condenar a arguida AA pela prática, em autoria e co-autoria material de:

- (Caso I em 12/09/2019) – 1 crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

- (Caso II em data anterior a 23/01/2020) – 1 crime de receptação, p. e p. pelo art.231º nº2 do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão;

- (Caso IV em 23/02/2021) – 1 crime de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão;

- (Caso V em 23/05/2021) – 2 crimes de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão para cada um deles;

- (Caso V em 23/05/2021 – 1 crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 203.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), desqualificado nos termos do nº4 do art.204º, todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;

Absolvendo-se dos restantes crimes de que vinha acusada.
b) Passando agora ao cúmulo das penas parcelares, ora impostas à arguida AA, atento o disposto no art.77º nº2 Código Penal, condena-se a mesma na pena unitária de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

J) Decreta-se a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art.50º do C. Penal, mediante a imposição dos deveres e regras de conduta indicados:

a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social, no prazo de 3 meses;

b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.


*

Por despacho proferido em 27/09/2023 (referência 452107644), o Tribunal de 1ª Instância declarou amnistiado o crime de crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231° n° 2, do Código Penal pelo qual a arguida fora condenada, nos termos do disposto no artigo 4º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto e designou data para a realização da audiência de cúmulo, com vista à reformulação do anteriormente realizado.

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Após ter sido realizada tal audiência, por acórdão de 19/10/2023, foi reformulado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos nºs 788/19.5PIVNG, 143/20.4PAVNG, 80/21.5PHVNG e 584/21.0PAVNG à arguida AA e a mesma condenada nos seguintes termos:

“Face ao exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo, ponderados todos os factos e a personalidade do agente e ao abrigo do disposto nos arts. 77º do Código Penal, em cúmulo jurídico:

A) Condenar AA, em reformulação do cúmulo jurídico das penas em que a mesma foi condenada nos presentes autos, na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão;

B) Declarar perdoado na pena única aplicada a AA, 7 (sete) meses de prisão, sob condição resolutiva de a mesma não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, passando a mesma a cumprir a pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada dos seguintes deveres e regras de conduta:

a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social;

b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.

C) Sem custas, por não serem devidas, na medida em que o presente não constitui incidente requerido pela arguida, em que este tenha ficado vencida ou tenha deduzido oposição – n° 1 do artigo 522° do Código do Processo Penal”.


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Não se conformando, o Ministério Público em 24/10/2023, interpôs recurso da decisão, finalizando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O presente recurso versa o acórdão que, por força da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, e da amnistia anteriormente decretada, procedeu à reformulação do cúmulo jurídico de penas aplicadas à condenada AA e a condenou na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão e declarou perdoados 7 (sete) meses de prisão, sob condição resolutiva de a mesma não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, passando a mesma a cumprir a pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, que, após, suspendeu na sua execução por igual período, acompanhada dos seguintes deveres e regras de conduta:

a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social; b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.

2. Com todo o respeito pela decisão recorrida, não podemos deixar de discordar do teor do mencionado acórdão, porquanto, mal andou o tribunal ao perdoar 7 (sete) meses de prisão à pena única aplicada - 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses – e, só após, determinar quanto ao remanescente a suspensão da execução da pena.

3. O Tribunal, após promoção do M.P., decidiu por despacho de 27.09.2023 amnistiar o crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º, n.º 2 do C.P. em que AA havia sido condenada.

4. Uma vez que AA havia sido anteriormente condenada, em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no nº 1, do art. 77º do Código Penal, pela prática desse e de outros crimes, na pena única de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, tendo sido decretada a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art.50º do C. Penal, mediante a imposição dos deveres e regras de conduta, importava, pois, proceder à reformulação do cúmulo jurídico, atenta a alteração da moldura penal abstracta – limite máximo – visando encontrar uma “nova” pena única, resultante da amnistia declarada.

5. Razão pela qual o tribunal recorrido designou data para a realização da audiência de cúmulo, com vista à reformulação do anteriormente realizado e decidiu, em sede de acórdão e depois de encontrar a “nova” moldura penal abstracta resultante da amnistia declarada – agora entre os 1 ano e 3 meses de prisão, como limite mínimo, e os 4 anos e 11 meses de prisão, como limite máximo - considerando os factos no seu conjunto, a sua natureza, a personalidade da arguida, espelhada nos factos provados, aplicar-lhe a pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

6. Encontrada a “nova” pena, resultante da reformulação do cúmulo jurídico, era este o momento em que o tribunal devia ter ponderado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e, só depois, sendo o caso, aplicar o perdão.

7. Sucede que, encontrada a nova pena de dois anos e cinco meses de prisão e decidindo o tribunal suspender a sua execução, sujeita a determinados deveres, nunca poderia ser aplicado o perdão, atento disposto no artigo 3º n.º 2, al. d) da Lei n.º 38- A/2023 de 2.08.

8.. Mas o tribunal inverteu essa ordem: aplicou primeiro o perdão e só depois, perante o remanescente resultante dessa aplicação, decidiu suspender a execução da pena de prisão.

9. O tribunal decidiu, pois (mal), que, relativamente ao remanescente da pena de prisão resultante da aplicação do perdão, importava ponderar sobre a suspensão da sua execução, nos termos do disposto no artigo 50º do C.P..

10. E, após tal ponderação, considerou ser de suspender a execução do remanescente da pena de prisão fixada – 1 ano e 10 meses de prisão – sujeita ao cumprimento de injunções, nos termos do disposto nos artigos 50º e 53º do C.P..

11. É a pena efectivamente aplicada que se terá de ter em conta para decidir sobre a sua eventual substituição por outra e não o remanescente resultante do perdão, sendo a decisão quanto à aplicação da pena de substituição necessariamente anterior à decisão sobre a aplicação do perdão.

12. Ou seja, o momento para se decidir sobre se a pena a aplicar à condenada haveria de ser substituída por outra ou não é anterior ao da aplicação do perdão e não posterior à sua aplicação.

13. Encontrada a “nova” pena única, haveria de ponderar a suspensão da execução da pena e, sendo o caso, suspender a pena e só depois verificar se estavam preenchidos os requisitos legais para a aplicação do perdão, o que, no caso, não se verificava.

14. Mas o que o tribunal fez foi reduzir a pena aplicada em 7 meses, por força do perdão, e, depois, ponderar a suspensão da execução do remanescente da pena de prisão resultante da aplicação do perdão.

15. A pena a ter conta para decidir sobre a suspensão da sua execução é a pena efectivamente aplicada e não a pena residual resultante de aplicação de perdão, pelo que, a ponderação do tribunal sobre a suspensão da execução teria de ser feita sobre a pena única aplicada - de 2 anos e 5 meses de prisão – e não sobre o remanescente da pena, por força do perdão.

16. A aplicação do perdão só pode ser decidida após a fixação da medida da respectiva pena, pelo que, a decisão sobre se deve ou não ser suspensa a execução da pena de prisão tem de ser proferida antes da aplicação do perdão.

17. A ponderação da substituição da pena encontrada após a aplicação da lei do perdão, não é legalmente admissível, tratando-se de uma decisão errada, do ponto de vista jurídico.

18. No caso, não havia lugar à aplicação do perdão, porquanto, a pena suspensa condicionada a deveres e regras de conduta mostra-se excluída da aplicação da mencionada lei, tal como resulta do disposto no artigo 3º, n.º 2, al. d).

19. Violou, assim, o tribunal o disposto nos artigos 50º, 71º e 77º, todos do C.P. e a Lei n.º 38º-A/2023 de 2.08. (artigos 2º e 3º).

Pelo exposto, deverá o acórdão recorrido ser revogado, substituindo-se por outro que, em sede de reformulação de cúmulo jurídico (por força da amnistia declarada), aplique à condenada a pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada dos deveres e regras de conduta assinalados no acórdão, anulando-se o demais aí determinado no que ao perdão se refere, com o que se fará, JUSTIÇA “.


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Em 07/12/2023, o recurso foi admitido.

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A arguida não apresentou resposta.

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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta, em 08/03/2024 emitiu parecer no qual acompanhou a argumentação do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, defendendo o provimento do recurso.

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Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do CPP, não tendo havido resposta.

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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi realizada a conferência.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respetiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso, como sejam os vícios da decisão indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

São duas as questões que o recorrente submete à apreciação deste Tribunal ad quem:

de saber se, ao abrigo do disposto no art. 3º da Lei nº 38º-A/2023, é possível aplicar o perdão à pena de substituição da suspensão de execução de uma pena única de prisão que tenha ficado subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta;

2ª  de saber, uma vez reformulado o cúmulo jurídico de penas (por entre as penas parcelares figurar crime abrangido pela amnistia e, consequentemente haver alteração do limite máximo da moldura penal abstrata do concurso) e encontrada a “nova” pena, que pena se deve ter em conta para decidir sobre a suspensão da sua execução: se a pena aplicada à recorrente; se a pena residual resultante da aplicação do perdão.


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O acórdão recorrido tem o seguinte teor (transcrição parcial):

FACTOS PROVADOS

Dos elementos carreados para os autos resulta, com relevância para o presente cúmulo jurídico, que o arguida foi aqui julgado e condenado pelos factos, nas circunstâncias e penas a seguir descriminadas:

CASO I

NUIPC 788/19.5PIVNG:

1º  No dia 12.09.2019, pelas 15h50, no apeadeiro dos Comboios de Portugal de ..., sito na Avenida ..., zona de ..., Vila Nova de Gaia, os arguidos BB e AA, na companhia de pessoa não identificada e de CC, à data menor, dirigiram-se a um grupo de seis jovens amigos, DD, EE, FF, GG, HH e II que ali se encontravam a ouvir música, e logo decidiram fazer seus os objectos que estes tivessem na sua posse.

2º Para tal, em execução de tal desígnio, a arguida AA, de comum acordo com o arguido BB e com os demais acompanhantes, pegou numa coluna de som JBL, extreme 2, ali pousada, cor vermelha, com valor declarado de 300,00€ (trezentos euros), pertença de DD.

3º Ato contínuo, o arguido BB retirou da bainha das suas calças um objecto, de caraterísticas não apuradas, e apontou-a ao grupo, nomeadamente ao II dizendo: «se não te calas fodo-te aqui»; com medo de serem agredidos com tal instrumento, ninguém no grupo ofereceu mais resistência, tendo os arguidos e os restantes se ausentado dali com o referido bem.

4º O ofendido DD ainda foi no seu alcanço duranta algum tempo, a tentar demovê-los de levar tal objecto, tendo desistido quando o arguido BB abandonou o local de bicicleta, para local não concretamente apurado, levando consigo a referida coluna.

5º O ofendido DD voltou então para junto do seu grupo no que foi acompanhado pela arguida AA.

6º Minutos depois, no local, já na presença das autoridades, a arguida AA ligou ao arguido BB e este regressou ao local e devolveu ao seu proprietário a coluna em causa, apelando a que se não o fizesse teria problemas.

7º Ao praticar os factos descritos, os arguidos BB e AA agiram de comum acordo entre si e com os seus acompanhantes, com o propósito concretizado de se apoderarem da coluna de som JBL, extreme 2, bem sabendo que a mesma não lhes pertencia e atuavam contra a vontade do respetivo dono, mais sabendo que através de ameaça um objecto semelhante a uma faca, iriam constranger o ofendido a deixá-los levar a referida coluna, o que sucedeu.

8º Os arguidos atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

CASO II

NUIPC 143/20.4PAVNG

1º Em data não concretamente apurada, mas posterior a 23.01.2020, a arguida AA, foi contactada por individuo não concretamente determinado, propondo-lhe vender um telemóvel Samsung, ..., com o IMEI ..., com o valor declarado de 169€ (cento e sessenta e nove euros), propriedade de JJ, menor de 10 anos, filho de KK, e que àquele tinha sido subtraído, tendo a arguida AA, não obstante admitir a hipótese de que não pertencia ao seu legitimo proprietário, nem estava a ser vendido por alguém autorizado a tal, de imediato comprando-o ao referido individuo pelo valor de 15,00€, e tendo o utilizado pelo menos por um período de 6 meses.

2º A arguida AA agiu do modo descrito admitindo a proveniência ilícita do telemóvel, bem como não ser pertença do referido individuo, admitindo que tivesse sido retirado ao legitimo proprietário, sem autorização e conhecimento deste.

3º Com a actuação descrita, a arguida AA pretendeu obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, o que conseguiu.

4º Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

(…)

CASO IV

NUIPC 80/21.5PHVNG:

1º No dia 23.02.2021, pelas 17h17, os arguidos AA, BB e LL, encontravam-se no estabelecimento comercial «A...», sito na rua ..., Vila Nova de Gaia.

2º No referido local, o arguido BB dirigiu-se, na companhia da arguida AA, para a zona de pastelaria, de onde retirou um saco, com um artigo não concretamente identificado, e colocou-o no bolso do seu casaco.

3º A arguida AA, seguiu em direção ao corredor central do referido estabelecimento, e de maneira não concretamente apurada, colocou uma máscara ..., no valor de 3,49€ (três euros e quarenta e nove cêntimos), no bolso direito do casaco que trajava e, após, juntou-se aos arguidos BB e LL na zona das bebidas.

4º Neste local, o arguido LL, com BB e AA na sua retaguarda, pegou numa lata «...», no valor de 1,49€ (um euro e quarenta e nove cêntimos).

5º Neste momento, os arguidos LL, BB e AA visualizaram o vigilante MM a passar por eles, tendo o primeiro voltado a pousar a referida bebida na prateleira.

6º Após, seguiram para o fim do corredor, onde se encontram as caixas de pagamento, tendo os arguidos BB e AA permanecido nesse local de passagem de funcionários, enquanto o arguido LL regressou à zona onde previamente tinha deixado a referida lata, pegou nela e colocou-a dentro do casaco, no lado esquerdo.

7º Seguidamente, o arguido LL, sempre com o braço esquerdo a apoiar o lado esquerdo do seu casaco, regressou para junto dos arguidos BB e AA, passam pelos pórticos de pagamento e seguem em direção à porta do estabelecimento.

8º Os arguidos guardaram tais bens no interior do saco e casaco que levavam e passaram as linhas de caixas sem efectuar o respectivo pagamento, logo os integrando no seu património, como se fossem deles, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que contrariavam, com tal conduta, a vontade do legitimo proprietário.

9º Quando se encontravam a chegar à porta do estabelecimento, na posse de tais bens, a arguida AA é abordada por NN, que a questiona sobre o facto de levar, no seu bolso direito, um objeto não pago.

10º Ao deparar-se com a oposição do vigilante à retirada dos bens descritos, na posse de objectos que haviam acabado de subtrair, o arguido BB respondeu «tu não tens nada a ver com isso, deixa a minha namorada» e, com a mão direita, desferiu um estalo na nuca e na parte lateral esquerda da cabeça de NN, atirando ao chão o telemóvel, máscara e óculos deste.

11º De seguida, o arguido BB, com o punho direito fechado, desferiu um murro a NN acertando-lhe na sua face, na parte lateral esquerda.

12º Após, na posse dos bens, os arguidos LL, BB e AA ausentaram-se do local para local não concretamente apurado.

13º NN sofreu dores na face, bem como medo e inquietação pelo comportamento dos arguidos.

14º Os arguidos actuaram como descrito com o propósito, concretizado, de fazer seus os bens de que se apropriaram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que contrariavam, com tal conduta, a vontade do seu legítimo proprietário.

15º Actuaram ainda com o propósito, concretizado, de molestar fisicamente o ofendido NN e de o atingir na sua integridade física, provocando-lhe dores e as lesões descritas, de molde a impedi-lo, através da violência física com que se lhe opuseram, de os manter detidos até à chegada das autoridades e de recuperar os objectos que haviam acabado de subtrair, colocando-se em fuga na posse dos mesmos.

16º Os arguidos LL, BB e AA atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas, concertadamente delineadas e executadas, eram proibidas e punidas por lei.

CASO V

NUIPC 584/21.0PAVNG:

1º No dia 23.05.2021, pelas 12h47, no estabelecimento comercial «B...», sito na Rua ..., Vila Nova de Gaia, as arguidas AA e OO encontravam-se junto às prateleiras da zona de bebidas alcoólicas.

2º Neste circunstancialismo, a arguida AA retirou das respetivas prateleiras uma garrafa de ..., no valor de 22,99€ (vinte e dois euros e noventa e nove cêntimos) e quatro garrafas de ..., no valor total de 57,96€ (cinquenta e sete euros e noventa e seis cêntimos) e colocou-as na mala que OO trazia ao ombro.

Depois de colocaram as garrafas na mala, dirigiram-se para a zona dos expositores de águas e retiram duas garrafas de água, de marca e valor não concretamente apurado.

3º Seguidamente, as arguidas AA e OO encaminharam-se para a zona das caixas registadoras, onde efetuaram o pagamento apenas das duas garrafas de água, e dirigiram-se para a porta do estabelecimento.

4º As arguidas guardaram as garrafas de bebidas alcoólicas no interior da mala que levavam e passaram as linhas de caixas sem efectuar o respectivo pagamento, logo as integrando no seu património, como se fossem delas, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que contrariavam, com tal conduta, a vontade do legitimo proprietário.

5º Quando se encontravam a chegar à porta do estabelecimento, na posse de tais garrafas, as arguidas foram abordadas pelo segurança PP, que as interpelou sobre as garrafas que estavam na mala.

6º Ao depararem-se com a oposição do vigilante à retirada dos bens descritos, na posse de objectos que haviam acabado de subtrair, as arguidas responderam que já traziam as referidas garrafas antes de entrarem na loja e, de imediato, empurraram PP.

7º Não obstante o empurrão, PP consegui puxar para si a mala onde estavam as bebidas e, nesse momento, a arguida OO, com a mão esquerda, puxou para si a mala e com a mão direita empurrou o tronco de PP.

8º Ato seguido, a arguida AA, com o capacete que tinha na mão direita, desferiu um golpe em PP atingindo-o na face lateral esquerda.

9º Após, as arguidas OO e AA empurram e desferiram vários socos na zona do tronco de PP.

10º De seguida, a arguida OO agarrou o braço direito de PP enquanto a arguida AA lhe desferiu, com o capacete que tinha na mão direita, uma pancada na face lateral esquerda.

11º Visualizando as agressões, QQ, funcionário do estabelecimento, foi em auxílio de PP.

12º Após as agressões, as arguidas OO e AA tentaram encetar fuga, mas são agarradas nos braços por PP e QQ.

13º Com a ajuda de QQ, o vigilante PP retirou as garrafas que estavam na mala de OO e, durante este processo, a arguida AA disse: «não sabes com quem te estás a meter», «vou trazer um grupo para te dar nos olhos», «és um otário», «vais pagar por isto».

14º Após a retirada da última garrafa da mala, a arguida AA desferiu outra pancada com o capacete que tinha na mão direita na face esquerda de PP, baixando o braço, e, num movimento ascendente, desferiu mais uma pancada no nariz de QQ.

15º De seguida, as arguidas AA e OO saíram do estabelecimento, em direção a dois ciclomotores, de marcas, modelos e matrículas não concretamente apurados, e seguiram para local não concretamente apurado.

16º Nesse mesmo dia, no mesmo local, pelas 14h18, após alguns minutos após a PSP se ausentar do local, as arguidas AA e OO regressaram ao local acompanhadas pelos arguidos BB e LL e dois acompanhantes não identificados e dirigiram-se para a entrada do escritório do estabelecimento, onde perguntaram a RR sobre o paradeiro de PP.

17º A arguida OO, visualizando PP, correu na direção do mesmo e disse: «está ali», indo no seu encalço os restantes membros do grupo.

18º Uma vez na presença de PP, a arguida OO imediatamente lhe desferiu dois socos nos braços e um soco, com a mão esquerda, no peito, e um dos acompanhantes desferiu um soco com a mão direita na face lateral esquerda de PP provocando a sua queda no chão.

19º Seguidamente, os arguidos OO, BB e os outros dois sujeitos não identificados, começam a pontapear PP com este no chão, enquanto AA e LL ficaram na retaguarda, não se aproximando deste.

20º Finda a agressão, a arguida AA dirigiu-se para o escritório do referido estabelecimento e pegou nas garrafas que estavam em cima da mesa e foi ao encontro dos demais arguidos.

21º Após, os arguidos OO, BB, LL, AA seguiram em direção à porta do estabelecimento, sendo que esta última, durante o trajeto, atirou para o chão as referidas garrafas, partindo a de ..., no valor de 22,99€ (vinte e dois euros e noventa e nove cêntimos).

22º Como consequência directa do comportamento dos arguidos, PP sofreu lesões no crânio, nomeadamente cicatriz linear com 1 cm de comprimento coberta pela sobrancelha, esquerda (ao nível da causa), dolorosa à apalpação, ainda não consolidadas, recebendo tratamento no Centro Hospitalar ....

Estas lesões determinaram ainda uma baixa médica de 23/05/2021 a 31/05/2021.

23º Por sua vez, as condutas dos arguidos, de forma directa, causaram a QQ lesões na face, nomeadamente no dorso do nariz, escoriação puntiforme com crosta hemática, sem crepitação dos ossos do nariz, lesões essas que determinaram 5 dias de doença sem afetação da capacidade de trabalho.

24º As arguidas OO e AA actuaram como descrito com o propósito, concretizado, de fazer seus os bens de que se apropriaram, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que contrariavam, com tal conduta, a vontade do seu legítimo proprietário.

(…)

27º A arguida AA, agiu com o propósito de fazer suas as garrafas de ... e ..., entrando em local de acesso interdito ao público, bem sabendo que as mesmas não lhes pertenciam e que agia contra a vontade do proprietário.

28º Os arguidos OO, AA e BB, juntamente com outros dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas, concertadamente delineadas e executadas, eram proibidas e punidas por lei.

Das condições socioeconómicas da arguida:

(…)

À data dos factos de que vem acusada no presente processo AA mantinha o enquadramento habitacional atual, correspondente ao domicílio do agregado de origem, residindo numa casa térrea, em Vila Nova de Gaia, com boas condições de habitabilidade, prevalecendo entre estes elementos familiares uma relação de cordialidade. Nessa altura a mãe referiu que a subsistência do agregado era assegurada pelo valor que auferiam referente ao Rendimento Social de Inserção e abono do filho menor no montante global de 417€ mensais, acrescido do valor de cerca de 250€ mensais que obtinha enquanto cuidadora informal de pessoa idosa, bem como de 450€ que o pai da arguida recebia como empregado da construção civil, também em regime informal. As despesas mais significativas eram, e ainda são, com as despesas inerentes à habitação, no valor de 200€, tais como eletricidade e comunicações.

AA desenvolvia atividade laboral num estabelecimento de bebidas, em horário das 8:00h às 20:00h, onde auferia o montante de 500€ mensais, funções que manteve até Outubro de 2021, sendo que a situação pandémica vivenciada à data terá condicionado posteriormente o reinicio de atividade profissional. Durante aquele período refere que manteve um quotidiano centrado na atividade profissional, com relacionamentos circunscritos a amigos e familiares, ainda que refira associações a outros grupos de pares, alguns dos quais coarguidos nos presentes autos. Referiu igualmente nessa fase o consumo de bebidas alcoólicas, referindo-o essencialmente em contexto social, não tendo atribuído gravidade ou ilicitude, afirmando que não condicionava o seu quotidiano em termos familiares, sociais ou laborais.

A arguida tinha estado inscrita num curso profissional de Informática, suspendendo a sua frequência também no âmbito da situação pandémica, não perspetivando por agora o seu reinício.

O percurso escolar de AA decorreu com parco investimento, tendo frequentado o sistema oficial de ensino de forma regular até ao 9ºano de escolaridade, referindo paralelamente, ainda que de forma titubeante, algumas experiencias profissionais, designadamente com funções na empresa C... e outros estabelecimentos da área da restauração.

O agregado atual sustenta a sua subsistência através dos montantes acima descritos, sem que tenham acontecido alterações de relevo no seio familiar da arguida.

Esta perspetiva, caso a sua situação jurídica o venha a permitir, exercer funções num café, cujos proprietários são amigos/conhecidos da família.

A arguida parece reconhecer, em abstrato, a dimensão ilícita de factos pelos quais está acusada, bem como a existência de danos a vítimas, ainda que com tendência para remeter para o convívio com grupo de pares, os fatores que culminaram com a atual conjuntura processual. Cumpre a atual medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica de modo positivo, permanecendo confinada ao espaço habitacional e evidenciando uma conduta compatível com as obrigações e regras inerentes, adotando uma atitude colaborante com este serviço.

Em caso de condenação, a arguida manifestou a sua adesão a uma medida de execução na comunidade, bem como a eventuais condições/injunções que venham a integrar a mesma.

Não tem antecedentes criminais conhecidos.

Confessou parcialmente os factos.


*

Por tais factos, através de acórdão transitado em julgado em 11-01-2023, foi decidido:

Condenar a arguida AA pela prática, em autoria e co-autoria material de:

- 1 crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do C. Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

– 1 crime de receptação, p. e p. pelo art. 231º n.º 2 do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de prisão;

- 1 crime de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano de prisão;

- 2 crimes de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão para cada um deles;

- 1 crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 203.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), desqualificado nos termos do nº4 do art.204º, todos do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;

Absolvendo-se dos restantes crimes de que vinha acusada.

- Em cúmulo das penas parcelares, condenar a mesma na pena unitária de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art.50º do C. Penal, mediante a imposição dos deveres e regras de conduta:

a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social;

b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.


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MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

O tribunal, para dar como provada a matéria que antecede, considerou o teor do acórdão proferido nestes autos já devidamente transitado em julgado quanto a esta arguida em 11-01-2023.


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III - ENQUADRAMENTO JURÍDICO

III1. Da aplicabilidade da amnistia de infrações introduzida pela Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

Em 1 de Setembro de 2023 entrou em vigor a Lei n.º 38-A/2023, de 02/08, que estabeleceu um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.

Nos termos do seu art. 2º, n.º 1, estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º.

Prescreve o seu artigo 4.º - Amnistia de infrações penais – são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa.

Para o crime de crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231°, n.° 2 do Código Penal, acha-se prevista uma moldura penal abstracta de pena de prisão até 6 meses ou pena de multa até 120 dias.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 4º da mencionada Lei - São amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa -, pelo que terá, antes de mais, de se considerar amnistiado tal crime.

Uma vez que tal pena fazia parte de um conjunto de penas não abrangidas pela amnistia ou perdão deve proceder-se à reformulação do cúmulo jurídico efetuado.

Preceitua o art. 77º, n.º 1 do C.P.- que regula o concurso de crimes, que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”

No nº 2 estabelece-se, por sua vez, a moldura penal do concurso, definindo-se que a pena aplicável ao mesmo tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de penas de prisão, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Neste preceito consagra-se a regra de que a condenação em pena única só é possível quando o agente pratica vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles.

A pena de concurso tem como limite mínimo a pena mais elevada das parcelares e a máxima, sem exceder 25 anos, a soma aritmética de todas elas - art.° 77.° n.° 2, do CP, que tanto pode resultar de uma mera acumulação material, em exacerbação dela, pelas circunstâncias do caso, como de uma sua redução, quedando-se na parcelar mais elevada ou num distanciamento desta, mas sempre, sobretudo na pequena e média criminalidade, evitando-se que se atinja aquele limite máximo, de 25 anos.

A jurisprudência maioritária tem entendido tal por forma a que se introduza uma” compressão” às penas parcelares residuais, remanescentes, decidindo-se até, como critério possível, caminho de solução, até porque não está inscrito no texto legal, descer-se ao nível de 1/3 -cfr. Ac. do STJ de 9.2.2006 , Rec.° n.° 109/06 , da 5.° Sec., ou, pelo menos, tomar tal nível como referência, sendo certo que, depois, caso a caso, consideradas as circunstâncias específicas de cada situação sub judice, é que se decidirá da concreta medida da pena única.

Assim, são as seguintes as penas parcelares a considerar para o presente cúmulo jurídico:

- 1 crime de roubo p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do C. Penal, a pena de 10 (dez) meses de prisão;

- 1 crime de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal, a pena de 1 (um) ano de prisão;

- 1 crime de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal, a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;

- 1 crime de violência depois da subtração, previsto no artigo 211.º com referência ao artigo 203.º, n.º 1 e 210.º, nº 1, todos do Código Penal, a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses;

- 1 crime de furto simples, previsto e punido pelos artigos 203.º 1 e 204.º, n.º 1, alínea f), desqualificado nos termos do nº4 do art.204º, todos do Código Penal, a pena de 7 (sete) meses de prisão.

Assim, a pena única a aplicar à arguida, deverá situar-se nos seguintes limites:

Entre 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão, como limite mínimo (pena parcelar mais elevada), e os 4 (quatro) anos e 11 (onze) meses de prisão, como limite máximo.

Ora, considerando os factos no seu conjunto, a sua natureza e a personalidade da arguida, espelhada nos factos provados, decide-se cominar-lhe a:

- pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

III.2 - Da aplicabilidade do perdão de penas introduzido pela Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

Dos crimes acima descritos porque foi condenada AA, o crime de roubo e os crimes de violência depois subtração estão excluídos da aplicabilidade da mencionada lei.

Na verdade, numa primeira análise, tendo em conta o artigo 7.º, n.º 1, al. b), i) da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, o crime de roubo, p. e p. pelo n.º 1 do art. 210.º do Código Penal não fará parte das exceções previstas no artigo 7.º da referida Lei. Porém, resulta claro que o legislador excluiu da aplicabilidade do perdão/amnistia tipos de crimes mas também tipos de vítimas. Assim, a al. g) do artigo supra referido, remete, expressamente, para o art. 68.º-A do Código de Processo Penal. Ora, nos termos do art. 67.º-A do Código de Processo Penal, n.º 3, as vítimas de criminalidade violenta, de criminalidade especialmente violenta e de terrorismo são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1. Por seu turno, dispõe o artigo 1.ºdo Código de Processo Penal (definições legais): al. j) 'Criminalidade violenta' as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos; al. l) 'Criminalidade especialmente violenta' as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos.

Portanto, torna-se claro que o legislador excluiu os crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, ou seja, as que foram vítimas, entre o mais, de criminalidade violenta. E não há qualquer dúvida que o crime de roubo, p. e p. pelo n.º1 do art. 210.º do Código Penal, se incluiu na criminalidade violenta. Neste sentido, leia-se o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-03-2008, relator Rodrigues da Costa: 1 -O crime de roubo, do art. 210.º, n.º 1 do CP, integra-se na criminalidade violenta definida no art. 1.º, alínea j) doCPP, pois é crime doloso e dirige-se contra a liberdade das pessoas e a sua integridade física, sendo punível com pena de máximo superior a 5 anos.

Idêntico raciocínio se efetua relativamente ao crime de violência depois da subtração pois que neste crime, também denominado de roubo impróprio, protegem-se os mesmos bens jurídicos tutelados no crime de roubo e prevê-se a aplicabilidade das mesmas penas. De facto, entendeu-se que se deviam equiparar as situações em que a violência (em sentido amplo) é meio para subtrair ou constranger à entrega de uma coisa móvel alheia e aquelas em que constitui meio para conservar ou não restituir o objecto. Trata-se, assim, da defesa do bem furtado através dos meios do roubo. O presente tipo legal consome o furto praticado e a coacção (violência, ameaça ou colocação na impossibilidade de resistir para se conservar o objecto furtado), unindo o conteúdo do ilícito dos dois crimes (neste sentido S/S/Eser § 252 1); consome ainda as ofensas corporais ínsitas na violência, as ofensas corporais graves e o homicídio negligente, nos mesmos moldes que o crime de roubo (Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, pág. 193).

Face ao exposto, por não se encontrarem verificados os respetivos pressupostos, não será de aplicar o perdão previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, relativamente aos crimes de roubo e aos crimes de violência depois da subtração praticados pela arguida.

Beneficia, contudo, a condenada do perdão previsto no art. 3º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, uma vez que o crime de furto simples porque foi condenada não se encontram excluído pelo diploma legal citado.

Pelo exposto, deve declarar-se perdoado na pena única aplicada à condenada AA, 7 (sete) meses de prisão, sob condição resolutiva de a mesma não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei 38-A/2023, de 2 de agosto, pelo que a pena única se fixa agora em 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.

Na verdade, como defende Pedro José Esteves de Brito, Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, in pág. 38 da Julgar online, agosto de 2023, seria ilógico aplicar um perdão na pena única em medida superior à medida da pena parcelar aplicada pelo único crime que demanda a aplicação de tal benefício.

III.3 Da suspensão da pena de prisão

O tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, sempre que, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - artigo 50°, n.° 1, do Código Penal

Consabido que as finalidades da punição se circunscrevem à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade - artigo 40°, n.° 1, do Código Penal -, é em função de considerações exclusivamente preventivas, prevenção geral e especial, que o julgador tem de se orientar na opção pela suspensão de execução da pena de prisão.

Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a suspensão da execução da pena de prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos.

Por outro lado, o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.

Em relação a esta arguida, se tivermos em linha de conta a falta de antecedentes criminais, o facto de se encontrar medianamente socialmente inserida, estarmos perante pessoa muito jovem e pese embora a gravidade dos factos em questão, não se pode olvidar que os valores subtraidos não foram de montante muito elevado, o que diminui em muito a repercussão que este caso poderia ter na sociedade.

De realçar que o relatório social da arguida é favorável relativamente à aplicação de uma pena de execução em comunidade.

Nesta medida e não obstante as manifestas exigências de prevenção geral ínsitas ao tipo de criminalidade praticadas pela arguida, entendemos que a mesma não resulta afectada pela suspensão da pena de prisão, face ao juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento da condenada, tendo em atenção ainda que beneficia de apoio familiar.

Assim, entendemos que a simples censura do facto e a ameaça da pena são suficientes para o afastar a arguida da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção dos crimes, pelo que a execução da pena em que irá ser condenada será suspensa, entendendo-se ser a medida mais adequada que ao caso concreto é aplicável, afastando-se outras penas substitutivas, que não se afiguram como mais adequadas aos fins das penas.

Nestes termos, entende-se ser adequado suspender a pena de prisão imposta à arguida por igual período ao da pena de prisão aplicada.

A suspensão será acompanhada dos seguintes deveres e regras de conduta:

a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social;

b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões “.


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Análise do mérito do recurso

1ª questão: de saber se, ao abrigo do disposto no art. 3º da Lei nº 38º-A/2023, é possível aplicar o perdão a uma pena única de prisão cuja execução tenha ficado suspensa por igual período, subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta.

Na situação presente, a arguida AA havia sido condenada por acórdão transitado em julgado em 11/01/2023, numa pena única de 2 anos e 6 meses de prisão (determinada de acordo com as regras estabelecidas no art. 77º do Cód. Penal), suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, nos termos do disposto no art. 50º do C. Penal, mediante a imposição dos seguintes deveres e regras de conduta:

a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social;

b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.

Tal pena única englobava uma condenação por crime abrangido pela amnistia (45 dias de prisão pela prática de 1 crime de recetação p. e p. pelo art. 232º nº 2 do Cód. Penal) nos termos do art. 4º da Lei nº 38-A/2023 de 02 de Agosto.

Nessa sequência, sob promoção do MºPº, por despacho datado de 27/09/2023, o Tribunal declarou amnistiado o referido crime.

Por consequência, resultou alterado o limite máximo da moldura geral abstrata do concurso, já que o art. 77º do Cód. Penal, prescreve que “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (…); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes “.

Em função disso, foi designada audiência para reformulação do cúmulo jurídico de penas parcelares, o qual englobava penas parcelares de prisão por crimes excluídos do perdão e uma pena parcelar de prisão aplicada por crime dele não excluído.

Foi então proferido o acórdão recorrido, datado de 19/10/2023, no qual, reformulado o cúmulo, condenou a arguida AA  na pena única de 2 anos e cinco meses de prisão; a essa “nova” pena única (resultante da amnistia declarada), declarou perdoado 7 meses de prisão, sob a condição resolutiva de a mesma não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei nº 38º-A/2023 de 02 de agosto, passando a condenada a cumprir a pena única de 1 ano e 10 meses de prisão e só após, suspendeu esta pena residual na sua execução por igual período, acompanhada de deveres  e regras de conduta, a saber: a) Obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social; b) Exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.

O recorrente discorda de tal decisão, entendendo que a mesma viola o disposto na Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto.

Com razão.

A primeira questão que então se coloca é a de saber se é permitido, face ao disposto na Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto, aplicar o perdão de penas (de 1 ano de prisão) à pena de substituição da suspensão de execução de uma pena única de prisão fixada em medida inferior ou igual a 05 anos (assim como de uma pena singular), que tenha ficado condicionada ao cumprimento de deveres e regras de conduta

O disposto no art. 3º da referida Lei nº 38º-A/2023 de 02 de agosto é taxativo:

“1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
2 - São ainda perdoadas: d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta (…).
3 - O perdão previsto no nº 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena“– destacado e sublinhado da nossa autoria.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição em sentido próprio, uma vez que que o seu cumprimento é feito em liberdade e pressupõe a prévia determinação da pena de prisão, em lugar da qual é aplicada e executada([1]).

A nova Lei da Amnistia e Perdão de Penas (Lei nº 38º-A/2023 de 02 de agosto) no seu art. 3º nº 2 d), excluiu do perdão a pena de substituição da suspensão de execução da pena principal de prisão concretamente aplicada em medida igual ou inferior a 5 anos (art. 50º do Cód. Penal), que tenha ficado suspensa, se a suspensão tiver ficado subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta (art. 52º do Cód. Penal) ou acompanhada de regime de prova (art. 53º do Cód. Penal).

Conforme ensina Pedro José Esteves de Brito([2]), “Não tendo sido estabelecido o perdão da pena de substituição da suspensão entre 1 e 5 anos da execução da pena de prisão até 5 anos (cfr. art. 50º do C.P.) que tenha ficado subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime (cfr. art. 51º do C.P.) e/ou de regras de conduta (cfr. art. 52º do C.P.) e/ou acompanhada de regime de prova (cfr. art. 53º do C.P.), neste caso, o perdão só poderá ser aplicado uma vez revogada a referida suspensão da execução da pena de prisão, na pena de prisão fixada na decisão condenatória (cfr. art.º 56.º do C.P.) e com o limite de 1 ano de prisão estabelecido no nº 1, do preceito em apreço, para onde expressamente remete o nº 3, do art. 3º, da Lei em análise “.

E de acordo com a jurisprudência constante dos tribunais superiores, “I - O texto da Lei n.º 38-A/2023, de 2/08, assim como os das demais anteriores leis de amnistia, como providências de excepção, devem interpretar-se e aplicar-se nos seus precisos termos, sem ampliações ou restrições que nelas não venham expressas, não admitindo, por isso, interpretação extensiva, restritiva ou analógica”([3]).

Deste modo, em conformidade com o prescrito nos nºs 3 e 4 do art. 3º da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto, só poderá aplicar-se o perdão previsto no nº 1 do mesmo preceito, (também) em caso de cúmulo jurídico de penas parcelares, se for revogada a suspensão da execução da pena (única) de prisão, na pena (única) de prisão fixada na decisão condenatória (cfr. art. 56º do Cód. Penal) e com o limite de 1 ano de prisão estabelecido no nº 1 do preceito, para o qual expressamente remete o nº 3 do art. 3º (tendo em atenção que, em face do disposto nos arts. 3º nº 4 e 7º nº 3, a medida do perdão a incidir sobre a pena única de prisão não pode ser superior à pena parcelar de prisão aplicada pelo único crime que determina a aplicação do perdão; conforme assinala Pedro Brito([4]), “seria ilógico aplicar um perdão na pena única de prisão em medida superior à pena parcelar de prisão aplicada pelo único crime que demanda a aplicação de tal benefício”).

Assim sendo e vendo a questão unicamente na perspetiva da aplicação do perdão de penas previsto nos nºs 1 e 2 do art. 3º, concluímos que não pode ser objeto do perdão a pena de substituição da suspensão da execução da pena singular ou da pena única de prisão (em caso de cúmulo jurídico de penas parcelares) fixada na decisão condenatória que tenha ficado  subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, por a tanto se opor o disposto no nº 2 d) do art. 3º, conjugado com o nº 4,  da referida Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto. 

Procede, assim, este primeiro fundamento do recurso.


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2ª questão: de saber, uma vez reformulado o cúmulo jurídico de penas (por entre as penas parcelares figurar crime abrangido pela amnistia e, consequentemente haver alteração da moldura penal abstrata do concurso) e encontrada a “nova” pena, que pena se deve ter em conta para decidir sobre a suspensão da sua execução: se a pena aplicada à recorrente; se a pena residual resultante da aplicação do perdão.

O Tribunal a quo, uma vez reformulado o cúmulo jurídico de penas aplicadas à condenada AA ( em resultado da amnistia declarada do único crime por esta abrangido) e a condenou na nova pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco meses) de prisão, declarou perdoados 7 (sete) meses de prisão, sob condição resolutiva de a arguida não praticar infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto, passando a mesma  a cumprir a pena única de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão; após, decidiu suspender o remanescente da pena na sua execução por igual período, acompanhada dos seguintes deveres e regras de conduta: a) obedecer a um plano individual de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social; b) exercer ou manter ocupação profissional compatível com as suas qualificações a aptidões.

O recorrente discorda do decidido por carecer de fundamento legal, uma vez que, em seu entender, encontrada a nova pena, resultante da reformulação do cúmulo jurídico (por força da amnistia declarada), era este o momento em que o tribunal devia ter ponderado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos termos do art. 50º do Cód. Penal e, só depois, sendo o caso, aplicar o perdão. Mas o Tribunal a quo inverteu essa ordem: aplicou primeiro o perdão e só depois, perante o remanescente resultante dessa aplicação, decidiu suspender a execução da pena de prisão. 

Cumpre decidir.

Mais uma vez assiste razão ao MP recorrente.

Como bem refere o recorrente, “Encontrada a “nova” pena, resultante da reformulação do cúmulo jurídico, era este o momento em que o tribunal devia ter ponderado a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e, só depois, sendo o caso, aplicar o perdão “ (como deixámos já explanado supra quanto à questão anterior e na medida em que o perdão é aplicado diretamente às penas de substituição de uma pena de prisão([5])  - cfr. nº 2 do art. 3º -, uma vez encontrada a nova pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão e suspendendo-se na sua execução tal prisão, sujeita a determinados deveres, nunca poderia ter sido aplicado o perdão, porque a tanto obsta o disposto no art. 3º nº 2 d) da Lei nº 38-A/2023 de 02 de agosto). 

É a pena efectivamente aplicada que se terá de ter em conta para decidir sobre a sua eventual substituição por outra e não o remanescente resultante do perdão, sendo a decisão quanto à aplicação da pena de substituição necessariamente anterior à decisão sobre a aplicação do perdão (neste sentido, Pedro Brito, in Revista Julgar, online, agosto de 2023, páginas 19 e 20) “.

A propósito, pode ler-se no Ac. do STJ de 19/04/2006([6]) citado pelo recorrente, “A suspensão da execução da prisão não constitui um incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, sendo antes uma pena autónoma, um meio autónomo de reacção jurídico-penal (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 339, e Jescheck, Tratado de Derecho Penal - Parte General, 4.ª ed., pág. 759), cuja aplicação está dependente de um pressuposto de natureza formal, traduzido na duração da pena que é objecto da mesma.

Deste modo, o que justifica e pode determinar a suspensão da execução de qualquer pena é a sua natureza ou espécie (só a de prisão é susceptível de suspensão na sua execução) e a sua medida (quantum da prisão) “.

Ou seja, o momento para se decidir sobre se a pena a aplicar à condenada haveria de ser substituída por outra ou não é anterior ao da aplicação do perdão e não posterior à sua aplicação.

Isto é, encontrada a “nova” pena única, haveria de ponderar a suspensão da execução da pena e, sendo o caso, suspender a pena e só depois verificar se estavam preenchidos os requisitos legais para a aplicação do perdão, o que, no caso, não se verificava.

Mas o que o tribunal fez foi reduzir a pena aplicada em 7 meses, por força do perdão, e, depois, ponderar a suspensão da execução do remanescente da pena de prisão resultante da aplicação do perdão “. 

Na verdade, como bem observa a Sra. PGA, quando o tribunal, por acórdão já transitado (em 11/01/2023), entendeu ser de determinar a suspensão da execução da pena à arguida, fixando o período em que aquela suspensão vigoraria, bem como os deveres e regras de conduta a que a mesma se ficaria sujeita durante tal período, tomou tal decisão por que reputou que o período fixado, acompanhado das regras e deveres fixados, como sendo aquele que se mostrava necessário para que a arguida invertesse, de modo consistente, a vivência desconforme ao direito que vinha levando, e passasse a pautar-se pelos valores, e a cumprir as regras, que a vida em sociedade pressupõe e impõe.

Deste modo, encurtar o período da suspensão anteriormente fixado, não é indiferente para a obtenção do resultado que se visa alcançar, para além de contrariar juízo e decisão já transitada em julgado.

Sobre esta matéria, conjugando o que acima já se deixou dito com o decidido no Ac. do STJ de 19/04/2006 atrás citado e no Ac. do STJ 26/09/1990 para onde remete, de que se socorre o recorrente, extraem-se as seguintes regras:

- a pena a ter conta para decidir sobre a suspensão da sua execução é a pena efectivamente aplicada e não a pena residual resultante de aplicação de perdão([7]);

- só a pena de prisão é susceptível de suspensão na sua execução (art. 50º do Cód. Penal);

 - a decisão sobre se deve ou não ser suspensa a execução da pena de prisão tem de ser proferida antes da aplicação do perdão([8]);

- a concluir-se no sentido de que é a pena cominada, em face do disposto no art. 3º nº 2 d) da Lei nº 38-a/2023 de 02 de agosto, fica afastada, sem mais, a possibilidade de aplicação do instituto da suspensão;

- o perdão de pena, como medida de clemência que é, limita-se a reduzir a pena aplicada, ou seja, a pena adequada, não tendo a virtualidade de alterar a espécie (por exemplo na sua suspensão) e a medida da pena cominada ao condenado;

- transpondo para o caso destes autos, é a (nova) pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão em que foi condenada a arguida AA, que deve ter-se em conta para efeitos do disposto no art. 50º nº 1 do Cód. Penal (e já não o remanescente da pena, por força do perdão);

- a eventual suspensão da execução de uma pena de prisão após aplicação de um perdão implicaria, no caso de condenação definitiva, a violação do caso julgado.

Aqui chegados, há que concluir que a decisão recorrida não pode manter-se.

Procede, pois, o recurso interposto.


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III – DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto decide conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o acórdão recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, em sede de reformulação de cúmulo jurídico (por força da amnistia declarada), aplique à condenada a pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada dos deveres e regras de conduta assinalados no acórdão, anulando-se o demais aí determinado no que ao perdão se refere.

Sem custas – cfr. art. 522º nº 1 do CPP.

Notifique – cfr. art. 425º nº 6 do CPP.


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Sumário:

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Porto, 08/05/2024
Lígia Trovão
José Quaresma
Nuno Pires Salpico
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[1] Cfr. Ac. da R.C. de 24/01/2018, no proc. nº 50/17.8GBTCS.C1, relatado por Helena Bolieiro, acedido in www.dgsi.pt
[2] Cfr. “Notas práticas referentes à Lei nº 38º-A/2023, de 2 de agosto, que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude”, Revista Julgar Online, agosto de 2023, página 15.
[3] Cfr. Ac. da R.L. de 22/02/2024, no proc. nº 163/09.0PBPVC-A.L1-9, relatado por Fernanda Sintra Amaral, acedido in www.dgsi.pt, na mesma senda dos Acs. da R.E. de 16/12/2023, proc.º 401/12.1TAFAR-E.E1, relatado por Jorge Antunes, Acs. da R.G. de 09/01/2024, no proc. nº 75/20.6GCGMR-K.G1, relatado por Florbela Sebastião e Silva e de 23/01/2024 no proc. nº 438/07.2PBVCT-AE.G1, relatado Anabela Varizo Martins, Ac. da R.P. de 24/02/2024, no proc. nº 628/08.0PAPVZ-C.P1, relatado por Raúl Esteves, entre outros.
[4] Cfr. “Mais algumas notas práticas referentes à Lei nº 38º-A/2023 de 2 de agosto…”, pág. 9.
[5] Cfr. Pedro José Esteves de Bito in ob. cit., pág. 14.
[6] Cfr. proc. nº 06P655, relatado por Oliveira Mendes, acedido in www.dgsi.pt, citado pelo MP recorrente.
[7] Cfr. Ac. do STJ de 09/11/1994, no proc. nº 46600, relatado por Amado Gomes, acedido in www.dgsi.pt: “IV -A pena a ter em conta para efeitos da possibilidade de ser suspensa é a aplicada e não a residual, por efeito de eventuais perdões”.
[8] Cfr. Ac. da R.P. de 07/11/2001, no proc. nº 0140715, relatado por Agostinho Freitas, acedido in www.dgsi.pt: “Condenado o arguido na pena única de quatro anos de prisão, a posterior redução desta pena para três anos de prisão, por efeito do perdão concedido pela Lei n.29/99, de 12 de Maio, que a transformou em pena residual ou remanescente, não pode ser tomada em consideração para efeitos de suspensão de execução da pena, por não se verificarem os pressupostos do artigo 50 nº 1 do Código Penal, desde logo o pressuposto formal de pena não superior a três anos, o qual se reporta à pena aplicada e não à pena residual. Por outro lado, a verificação do pressuposto material, ou seja, o prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente, só teria cabimento em sede de julgamento e não na decisão incidental de aplicação do perdão de pena. A suspensão de execução da pena de prisão é uma pena de substituição “.