Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ARTUR DIONÍSIO OLIVEIRA | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA OPOSIÇÃO FUNDAMENTOS ADMISSÍVEIS | ||
| Nº do Documento: | RP2025093014845/24.2T8PRT-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Ao contrário do que sucede na execução baseada em título diverso da sentença, onde é lícito ao executado contestar a obrigação exequenda sem quaisquer restrições (cfr. artigo 731.º, conjugado com o artigo 571.º, ambos do CPC), na execução baseada em sentença aquele não pode impugnar a constituição da obrigação, não pode invocar factos impeditivos da mesma, tal como não pode invocar factos extintivos ou modificativos da obrigação que não sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração (artigo 729.º, al. g), do CPC). II - Os recursos destinam-se a reapreciar as decisões proferidas e não a analisar questões novas, a não ser que estas sejam de conhecimento oficioso e que o processo contenha os elementos imprescindíveis. III – Na execução para entrega de coisa certa baseada em sentença, para além dos fundamentos especificados no artigo 729.º do CPC, o executado pode ainda fundamentar a oposição em benfeitorias que tenha feito (artigo 860.º, n.º 1, do CPC), desde que o direito a benfeitorias se tenha constituído depois do encerramento da discussão no processo de declaração (artigo 860.º, n.º 3, do CPC). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 14845/24.2T8PRT-A.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Por apenso à execução para entrega de coisa certa que Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, IP (doravante IHRU) move contra AA, com base na sentença proferida no processo n.º ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível, Juiz 2, o executado veio deduzir os presentes embargos de executado, com os fundamentos explanados na respectiva petição inicial. Concluiu pedido: A) Se ordene ao embargado IHRU que se abstenha de impossibilitar ou dificultar a permanência do embargante na casa de morada de família; B) Se notifique o Embargado para dar sem efeito a ordem de despejo marcada no dia 13/02/2025, sendo certo que o embargante não tem outra habitação, tem uma filha menor e não tem onde guardar o canídeo (sem responsabilidade penal). C) Supletivamente, se difira o despejo para um prazo superior a 6 meses após o trânsito em julgado da decisão que venha a recair sobre os presentes embargos, notificando-se a Santa Casa da Misericórdia e a Câmara Municipal ... para atribuírem uma casa condigna ao ora Embargante, sendo que só após tal atribuição efetiva o despejo poderá prosseguir, condenando-se ainda o embargado em custas e condigna procuradoria. * O Tribunal a quo indeferiu liminarmente os embargos de executado, por considerar que o fundamento destes não se ajusta ao disposto nos artigos 729.º a 731.º e que a competência material ficou definitivamente fixada com o trânsito em julgado da sentença que constitui o título executivo.* Inconformado, o executado embargante apelou desta decisão, concluindo assim a sua alegação:«1.ª Em meados de 2019, encontrando-se na posse das chaves que lhe foram atribuídas pela alegada representante da titular do arrendamento. Reside na mesma com carácter de permanência, carecendo a habitação de obras necessárias. 2.ª Entrou em contato com o IHRU, com vista à regularização do arrendamento. Manifestando disponibilidade para pagar imediatamente a renda calculada nos termos legais. O IHRU ficou ciente de que quem reside no locado é o embargante, a companheira, com a filha menor e um canídeo ... que não tem onde guardar. Desconhece o embargante o que terá levado o IHRU a mudar de opinião 4 anos depois de dar o seu assentimento à permanência do mesmo. 3.ª Sendo certo o ter vivido com autorização da titular, antes do óbito, lhe confere o direito a beneficiar da transmissão. Aliás, atenta a data da celebração do contrato de arrendamento, década de 80 /90 aplica-se à transmissão o normativo em vigor do CC. Assistindo ao Embargante o direito de fazer prova de que comparticipava nas despesas de água, luz, alimentação e renda. 4.ª Aliás, prestava cuidados titular que se encontrava muito doente. Recomendaram-lhe que apresentasse uma queixa para poder ter acesso a uma habitação social. Felizmente dava-se bem com a titular. 5.ª O Recorrente não tem qualquer outra habitação, não trabalha; não consegue emprego em nada ajudando a sua origem… O Recorrente vive dependente do RSI, estando “proibido” de trabalhar. 6.ª Alegou ainda que efetuou obras necessárias, que são do conhecimento do IHRU, através de várias visitas e até de deslocações do Recorrente ao IHRU para regularização da situação. 7.ª O Recorrente, tomou conhecimento informar que iria ser despejado no dia 13 de Fevereiro de 2025, através de carta do Agente de Execução, pelo que demonstrou a legitimidade e tempestividade dos presentes embargos, tudo em conformidade com o disposto nos artº 729º a 731º do CPC. 8.ª Mais, alegou ainda que para ser compensada do valor gasto teria de receber a competente indemnização ou ver pagas as rendas vincendas até ao montante da indemnização. 9.ª No presente caso afigura-se incontornável a existência de conexão objetiva entre as duas ações, sendo que o pedido reconvencional emerge do fato jurídico que serve de fundamento à defesa. 10.ª A celeridade processual não pode fazer perigar nem o direito de defesa nem o contraditório tanto mais que a segurança na habitação prevalece sobre o interesse económico relativo ao despejo. 11.ª Aliás, como pode ser salvaguardado o direito à extinção da obrigação de pagamento das rendas com base na invocada compensação com base na realização das obras necessárias se a reconvenção não for admitida, tanto mais que a cada direito corresponde uma ação destinada a fazê-lo valer em juízo. 12.ª Tanto o possuidor de boa-fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela. 2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. 13.ª As decisões judiciais sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição. 14.ª A falta de fundamentação gera a nulidade do despacho ou da sentença. Tratando-se da decisão sobre a matéria de facto, pode determinar-se em recurso a baixa do processo a fim de que o tribunal da 1.ª instância a fundamente. 15.ª Por outro lado, o douto despacho não faz uma análise crítica, nem completa nem mínima, da versão apresentada pela A, limitando-se a reproduzir um conjunto de considerações que são válidas para “N” ações, mas que não consubstanciam minimamente o cumprimento do imposto. 16.ª Prescreve, então e no que ora nos interessa, o artigo 334.º do C.C., primeira fonte do instituto do Abuso de Direito, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. 17.ª Quer-se, pois, tutelar ou permitir uma válvula de escape perante um determinado modo de exercício de direito ou direitos, que, apresentando-se formal e aparentemente admissível, redunda em manifesta contrariedade à ordem jurídica. 18.ª Há abuso de direito quando um determinado direito – em si mesmo válido –, é exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social (Ac. RL, de 16 de Maio 1996, processo nº 0012472, sumário em dgsi.pt). 19.ª Promover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazer prova de que efetuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas reveste objetivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido, desde logo com base no instituto do abuso de direito, o qual se invoca para todos os efeitos. Termos em que deve o presente Recurso ser admitido, com efeito suspensivo, por se tratar de habitação, subindo nos próprios autos, e julgado procedente, revogando-se a decisão Recorrida e ordenando-se a baixa do processo para julgamento dos embargos de executado se fará justiça». * Não foi apresentada resposta à alegação de recurso.* II. FundamentaçãoA. Objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, como decorre do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC). Não obstante, o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do citado diploma legal). Tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo recorrente, importa decidir se a decisão recorrida parece de nulidade (por falta de fundamentação e/ou por contradição entre a decisão e os seus fundamentos) e se os embargos de executado deviam ter sido recebidos. * B. Os FactosSão os seguintes os factos julgados provados pelo tribunal de primeira instância: 1. O título dado à execução é uma sentença proferida no âmbito do processo n.º ..., do Juízo Local Cível do Porto - Juiz 2, em 22.04.2022, transitada em julgado a 07.12.2023, foi o Requerido, doravante, Executado, condenado a: a) entregar ao Autor, doravante Exequente, livre de pessoas e bens, a fração autónoma, sito na Praceta ..., ..., casa ..., Bairro ..., ... Porto correspondente à fração autónoma, regime de propriedade horizontal, designado por letra I, 1.º andar, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto o n.º ..., freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art.º n.º .... 2. O executado não entregou a fração autónoma ao exequente livre de pessoas e bens, sito na Praceta ..., ..., casa ..., Bairro ..., ... Porto correspondente à fração autónoma, regime de propriedade horizontal, designado por letra I, 1.º andar, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto o n.º ..., freguesia ... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o art.º n.º ... - uma vez que reocupou logo após entrega feita nos autos de providência cautelar, ou seja em 09.05.2023. * C. O Direito 1. O apelante afirma que a decisão recorrida é nula, por falta de fundamentação, pois não faz uma análise crítica nem completa da versão por si apresentada (cfr. conclusões 13.ª a 15.ª). Nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A jurisprudência e a doutrina nacionais vêm reiteradamente alertando para a necessidade de distinguir entre falta de fundamentação, fundamentação insuficiente e fundamentação errada ou divergente da pretendida. E vêm defendendo uniformemente que a norma acima citada inclui apenas a falta de fundamentação, não se aplicando às situações de insuficiência da fundamentação ou erro de julgamento, que, deste modo, não geram a nulidade da decisão. É, assim, entendimento unânime que só a absoluta falta de fundamentação, de facto ou de direito, pode gerar a nulidade da sentença, na medida em que, por se traduzir na inobservância das regras de elaboração da mesma, configura um vício formal, um error in procedendo que afecta a validade da sentença. Neste sentido, a título de mero exemplo, vide, na doutrina, Alberto os Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra 1981, Vol. V, p. 140; A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687; Tomé Gomes, Da Sentença Cível, in O novo processo civil, caderno V, e-book publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, pág. 370; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra 2019, pp. 736 a 738; Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª ed., Coimbra 2014, pp. 602 e s, esclarecendo estes últimos que a própria falta absoluta de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se inclui na previsão da al. b), desde que da sentença constem os factos que sustentam a decisão e os respectivos fundamentos de direito (admitindo que aquela falta de motivação pode enquadrar-se na previsão da alínea c), nos casos limite em que gere a ininteligibilidade da sentença). Na jurisprudência, igualmente a título de mero exemplo, vide o acórdão do STJ, de 03.03.2021 (proferido no proc. n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se pode encontrar a demais jurisprudência citada sem indicação da origem), em cujo sumário se escreve o seguinte: «I. Há que distinguir as nulidades da decisão do erro de julgamento seja de facto seja de direito. As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual – nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma – ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil». No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos do TRG, de o2.11.2017 (proc. n.º 42/14.9TBMDB.G1), do TRL, de 07.12.2021 (proc. n.º 8513/09.2YYLSB-B.L2-7) e do TRP, de 24.09.2020 (proc. n.º 173/20.6YRPRT). Perante esta uniformidade, não deixa de surpreender a frequência com que este vício formal é invocado com base na insuficiência ou no erro da fundamentação, de facto e/ou de direito. No caso vertente, é apodíctico que não ocorre o apontado vício. Por um lado, a decisão recorrida contém a discriminação dos factos julgados provados e dos fundamentos de direito em que se baseia. Por outro lado, a opção de não apreciar os factos em que o recorrente baseou a sua oposição está alicerçada em dois argumentos essenciais: (1) no entendimento segundo o qual, fundando-se a execução em sentença, o executado apenas pode opor à execução factos extintivos ou modificativos da obrigação posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, que se provem por documento, o que não sucede com os factos alegados pelo embargante, que são anteriores à instauração da acção declarativa; (2) na circunstância de a competência material ter ficado definitivamente fixada com o trânsito em julgado da sentença que serve de base à execução. Independentemente do mérito desta decisão, a mesma está fundamentada de modo inteiramente inteligível, pelo que é manifestamente improcedente a arguição da sua nulidade por falta de fundamentação. 2. Afirma também o apelante que «[p]romover o despejo sem dar a possibilidade ao arrendatário de alegar e fazer prova de que efetuou obras necessárias e tais valores são adequados a fazer extinguir a obrigação de pagar as rendas reveste objetivamente uma contradição com os fundamentos inquinando de nulidade o despacho recorrido, desde logo com base no instituto do abuso de direito, o qual se invoca para todos os efeitos» (cfr. conclusão 19.ª). A alegação não é clara, sendo duvidoso se o recorrente pretende alegar a nulidade da sentença que serve de título à execução ou a nulidade da decisão que indeferiu liminarmente os embargos de executado. Começaremos por analisar esta última situação. Nos termos do disposto na al. c), do n.º 1, do artigo 615.º, do CPC, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Este preceito lega é aplicável aos despacho, por força do artigo 613.º, n.º 3, do CPC. A contradição a que se refere a norma em apreço ocorre entre o segmento decisório da sentença ou despacho e os fundamentos aí esgrimidos e afecta a regularidade do silogismo judiciário. Enquanto vício formal, a sua verificação não depende da aferição de quaisquer elementos externos ao próprio texto da decisão, nem se confunde com o mérito da mesma. No caso concreto, é manifesta a consonância da decisão (de indeferir liminarmente os embargos de executado) com os fundamentes que a sustentam, já antes enunciados (a circunstância de o executado apenas poder opor à execução factos extintivos ou modificativos da obrigação posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração e de apenas ter alegado factos anteriores à instauração da acção declarativa; a circunstância de a competência material ter ficado definitivamente fixada com o trânsito em julgado da sentença que serve de base à execução). De resto, da própria alegação da recorrente decorre que a “contradição” por si invocada apenas traduz o seu desacordo relativamente a esta fundamentação, por entender que lhe devia ter sido dada a oportunidade de demonstrar os factos que alegou (entre os quais não consta a realização de benfeitorias, como veremos melhor mais adiante). O que alega é, portanto, um erro de julgamento e não um erro de procedimento susceptível de gerar a nulidade do despacho de indeferimento liminar. Pelas razões expostas, sem necessidade de outros desenvolvimentos, julga-se improcedente a invocada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão. 3. Na alegação de recurso, reiterando os argumentos que já havia expendido na petição de embargos, o apelante argumenta, em síntese, o seguinte: reside em permanência na casa cuja entrega é objecto dos autos de execução, desde meados de 2019, com a autorização da titular do arrendamento e com o conhecimento e assentimento do exequente, desconhecendo o que terá levado este último a mudar de opinião ao fim de 4 anos; o facto de ter aí vivido com a autorização da titular, antes do óbito desta, comparticipando nas despesas de água, luz, alimentação e renda e prestando cuidados à referida titular, que se encontrava doente, confere-lhe o direito a beneficiar da transmissão do arrendamento; não tem qualquer outra habitação, vive do RSI e não tem condições para arrendar ou comprar casa; o IHRU não permitiu que fosse ouvido antes do decretamento da providência cautelar, sendo essa a regra geral; o Tribunal judicial não tem competência para ordenar o despejo de uma casa abrangida pelo parque habitacional de cariz social que se encontre sob a gestão do IHRU, como sucede neste caso, sendo essa uma competência exclusiva dos Tribunais Administrativos; o IHRU não alegou nem demonstrou que cumpriu a sua obrigação de encaminhar o agregado do recorrente para soluções legais de acesso à habitação ou para prestação de apoios habitacionais, pelo que a presente execução devia ser suspensa. Na mesma alegação de recurso acrescenta que realizou obras necessárias no imóvel em questão, como é do conhecimento do exequente, e que, para ser compensado do valor gasto com essas benfeitorias, teria de receber a competente indemnização ou ver pagas as rendas vincendas até ao montante da indemnização, o que não é possível se a reconvenção não for admitida. O Tribunal a quo indeferiu liminarmente os embargos de executado por considerar que os respectivos fundamentos não se enquadram no artigo 729.º do CPC, designadamente na sua al. g), visto que se baseiam em factos anteriores à instauração do processo de declaração e que a competência material ficou definitivamente fixada com o trânsito em julgado da sentença que constitui o título executivo. O referido artigo 729.º, inserido no regime jurídico da execução para pagamento de quantia certa, estipula o seguinte: Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos. Por sua vez, o artigo 860.º do CPC, inserido no regime jurídico da execução para entrega de coisa certa, dispõe assim: 1 – O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729.º a 731.º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias a que tenha direito. 2 – Se o exequente caucionar a quantia pedida a título de benfeitorias, o recebimento da oposição não suspende o prosseguimento da execução. 3 – A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas O embargante/recorrente não esclarece, seja na petição de embargos ou na alegação do recurso, em qual ou quais destas previsões normativas baseia a sua oposição. Mas facilmente se verifica que os fundamentos por si invocados não são subsumíveis a nenhuma delas. Como vimos, o alegante invocou na petição de embargos – e reiterou na alegação de recurso – que a providência cautelar foi decretada antes da sua audição, ao contrário do que é a regra geral. Invocou ainda a falta de competência dos tribunais comuns para ordenar o despejo de uma casa abrangida pelo parque habitacional de cariz social que se encontre sob a gestão do IHRU, como sucede neste caso. Mas nem a eventual incompetência material do tribunal para a acção declarativa (que, no caso, não configurou uma acção de despejo, mas antes um procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, com inversão do contencioso, isto é, com dispensa da propositura da acção possessória principal), nem o vício que possa decorrer do decretamento da providência sem prévio exercício do contraditório (dispensa do contraditório que está prevista como excepção no âmbito do procedimento cautelar comum e como regra no âmbito do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse, de acordo com o disposto nos artigos 366.º, n.º 1, e 378.º, do CPC) se enquadram nalguma das referidas alíneas, designadamente na al. c) – pois não foi invocada a falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, mas antes a falta de competência material para a acção declarativa – ou na al. d) – pois o embargante não alegou a sua falta de intervenção no procedimento cautelar por alguma das razões enunciadas no artigo 696.º, al. e), do CPC; alegou apenas que “o despejo” foi decretado sem que tenha sido previamente ouvido, mas sem pôr em causa que pôde intervir no processo e exercer o contraditório depois do decretamento da providência de restituição da posse. Os demais fundamentos da oposição à execução invocados pelo recorrente na petição de embargos configuram excepções peremptórias, ou seja, factos impeditivos, extintivos ou modificativos da obrigação exequenda (de entrega do imóvel), pelo que apenas poderão subsumir-se à previsão da al. g), do artigo 729.º do CPC. De acordo com essa previsão normativa, fundando-se a execução em sentença, a oposição pode ter por fundamento qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento (acrescentando, porém, que a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio). Deste modo, ao contrário do que sucede na execução baseada em título diverso da sentença, onde é lícito ao executado contestar a obrigação exequenda sem quaisquer restrições (cfr. artigo 731.º, conjugado com o artigo 571.º, ambos do CPC), na execução baseada em sentença aquele não pode impugnar a constituição da obrigação, não pode invocar factos impeditivos da mesma, tal como não pode invocar factos extintivos ou modificativos da obrigação que não sejam posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração. Compreende-se a exigência da superveniência e a irrelevância dos factos impeditivos, atento o princípio da preclusão da defesa consagrado no artigo 573.º e o valor do caso julgado da sentença regulado no artigo 619.º, n.º 1, ambos do CPC. Nas palavras de Rui Pinto (A Ação Executiva, AAFDL, 2020, p. 392), a ponderação de factos supervenientes «configura uma excecional reabertura de contraditório quanto a uma decisão já transitada em julgado ou com aptidão para transitar em julgado (cf. artigo 704.º n.º 1)». Assim, como acrescenta o mesmo autor, «não podem ser opostos factos que, quanto à existência e conteúdo da obrigação exequenda, foram alegados e já julgados na sentença condenatória que serve de título executivo ou que, embora pudessem ter sido alegados, não o foram, pelo que a sua apresentação foi precludida pelo caso julgado. Recorde-se que a alegação dos factos pelas partes está sujeita ao princípio da concentração temporal da defesa ao momento da contestação (cf. artigo 573° n° 1) ou, sendo os factos supervenientes a esse momento, ao momento do encerramento da discussão (cf. artigo 588° n° 1)». Compreende-se igualmente a exigência de prova documental, atento o princípio da segurança jurídica. Novamente nas palavras de Rui Pinto (loc. cit.), «o afastamento da eficácia de uma decisão nas condições do artigo 704.º n.º 1 exige prova dotada de formalidade suficiente, à semelhança do disposto no artigo 696.º al. c)». Em suma, a norma em análise afasta a possibilidade de alegação, em sede de embargos de executado, de factos que já foram ou que podiam ter sido alegados na acção declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução, de forma a obstar a que aqueles embargos se convertam numa renovação do litígio decidido nesta sentença, ou seja, numa renovação da instância declarativa (cfr. Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, Coimbra, 1985, p. 28). No caso concreto, como se refere na decisão recorrida e não foi questionado pelo recorrente, os factos invocados por este remontam ao ano de 2019, ou seja, são anteriores à decisão e à própria instauração do procedimento cautelar de restituição provisória da posse, pelo que não são subsumíveis à norma do artigo 729.º, al. g), do CPC. Mas mesmo que se entendesse que a alegação do embargante não é clara quanto à data de alguns dos factos em causa, nomeadamente quanto à ocorrência das condições sócio-económicas invocadas na petição de embargos, a conclusão sempre seria a mesma, visto que cabe ao embargante o ónus da alegação e da prova da superveniência, sendo inequívoco que tal superveniência não foi alegada. Por fim, o embargante não apresentou nem requereu a produção de qualquer prova documental da sua alegação, sedo esta, como vimos, uma das exigências legais para que a oposição à execução de sentença se possa fundar em factos extintivo ou modificativo da obrigação. Em suma, os presentes embargos de executado não encontram respaldo no artigo 729.º, al. g), do CPC, pois os fundamentos aí alegados não integram a respectiva previsão. Vimos também que, já em sede de alegação de recurso, o recorrente invocou a realização de benfeitorias no imóvel cuja entrega é objecto da execução, o que nos remete para o artigo 860.º do CPC, acima transcrito. Sucede que, embora a petição de embargos aborde o regime legal das benfeitorias, aí apenas se alega que a habitação em litígio carecia de obras (cfr. artigo 2.º), nada se dizendo sobre a realização de benfeitorias por parte do embargante. Tal alegação surge, pela primeira vez, na alegação de recurso. Por isso, esta questão extravasa os poderes de cognição deste Tribunal de recurso. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, 2020, p. 139-140), «os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando (…) estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Teixeira de Sousa, podemos concluir que tradicionalmente temos seguido um modelo de reponderação, que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame no sentido da repetição da instância no tribunal de recurso». Não tendo o recorrente suscitado perante o tribunal a quo a questão das benfeitorias por si realizadas e não sendo essa questão de conhecimento oficioso, a mesma não pode ser conhecida em sede de recurso. Em todo o caso, sempre se dirá que, mais uma vez, o recorrente não cumpriu o ónus da alegação da superveniência das benfeitorias, pois limitou-se a alegar que reside no prédio desde 2019 e que aí realizou benfeitorias, sem especificar em que data ou datas. Ora, como escreve Rui Pinto (cit., p. 990), este fundamento especial de oposição à execução para entrega de coisa certa «não é admitido quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas, na contestação, como reconvenção (cf. artigo 266° n° 2 al. b)), ou como facto extintivo superveniente (cf. artigos 576° nºs l e 3 e 588° n° 1). Dito de outro modo, o direito a benfeitorias há de se ter constituído depois do encerramento da audiência de discussão e julgamento da causa (cf. artigo 729° al. g))». No mesmo sentido, vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 299). 4. Pelas razões expostas, concluímos que os fundamentos dos embargos deduzidos pelo recorrente não se ajustam ao disposto nos artigos 729.º e 860.º do CPC, pelo que, nos termos do disposto no artigo 732.º, al. b), do mesmo código, se impõe confirmar o seu indeferimento liminar. Na total improcedência da apelação, as respectivas custas são da responsabilidade do recorrente, nos termos do disposto no artigo 527.º do CPC. * Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… * IV. DecisãoPelo exposto, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto julgam improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida. Custas pelo recorrente. Registe e notifique. * Porto, 30 de Setembro de 2025Artur Dionísio Oliveira Maria do Céu Silva Raquel Correia de Lima |