Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS | ||
| Descritores: | SEGURO DE VIDA CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS COMUNICAÇÃO DEVER DE INFORMAÇÃO CONDIÇÕES ESPECIAIS CLÁUSULA SURPRESA INVALIDEZ | ||
| Nº do Documento: | RP201402272334/10.7TBGDM.P1 | ||
| Data do Acordão: | 02/27/2014 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Como condição necessária à aprovação de mútuo contraído junto de instituição bancária, o autor e a mulher subscreveram um seguro de vida (Ramo – Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, de modo a garantir, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos, de acordo com as condições gerais e especiais da apólice, ficando cobertos os seguintes riscos: falecimento da pessoa segura; invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura; invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura. II - De acordo com as condições especiais da apólice desse seguro, “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”. III - Nos termos do artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável aos contratos não negociados, «consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo». IV - A obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008), informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”, tem uma eficácia confinada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, que a desresponsabilize perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada. V - A parte da cláusula que, figurando nas condições especiais do seguro, faz depender a verificação do estado de invalidez absoluta e definitiva, em consequência de doença, não só da incapacidade definitiva de exercer qualquer profissão, mas também da necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, pelo seu carácter anómalo, atento o tipo de contrato e os interesses que lhe subjazem, bem como o figurar em local pouco explícito do mesmo, surge num contexto em que qualquer mutuário só dificilmente se aperceberia das suas virtualidades descaracterizadoras, pelo que deve ser considerada uma cláusula-supresa, a excluir do contrato, conforme à previsão da alínea c) do artigo 8º do DL nº 446/85. VI - A alusão desta alínea c) ao “contexto em que surjam” abarca circunstâncias de toda a ordem (que não só as referentes à conformação e aparência externa das cláusulas) que passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real, nomeadamente as atinentes ao sentido da cláusula, ao conteúdo do contrato e aos condicionalismos que rodearam a adesão ao mesmo. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | 2ª SECÇÃO CÍVEL – Processo nº 2334/10.7TBGDM.P1 Tribunal Judicial de Gondomar – 1º Juízo Cível SUMÁRIO (artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) I - Como condição necessária à aprovação de mútuo contraído junto de instituição bancária, o autor e a mulher subscreveram um seguro de vida (Ramo – Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, de modo a garantir, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos, de acordo com as condições gerais e especiais da apólice, ficando cobertos os seguintes riscos: falecimento da pessoa segura; invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura; invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura II - De acordo com as condições especiais da apólice desse seguro, “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária” III - Nos termos do artigo 8º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, aplicável aos contratos não negociados, «consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo». IV - A obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008), informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”, tem uma eficácia confinada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, que a desresponsabilize perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada V - A parte da cláusula que, figurando nas condições especiais do seguro, faz depender a verificação do estado de invalidez absoluta e definitiva, em consequência de doença, não só da incapacidade definitiva de exercer qualquer profissão, mas também da necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, pelo seu carácter anómalo, atento o tipo de contrato e os interesses que lhe subjazem, bem como o figurar em local pouco explícito do mesmo, surge num contexto em que qualquer mutuário só dificilmente se aperceberia das suas virtualidades descaracterizadoras, pelo que deve ser considerada uma cláusula-supresa, a excluir do contrato, conforme à previsão da alínea c) do artigo 8º do DL nº 446/85. VI - A alusão desta alínea c) ao “contexto em que surjam” abarca circunstâncias de toda a ordem (que não só as referentes à conformação e aparência externa das cláusulas) que passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real, nomeadamente as atinentes ao sentido da cláusula, ao conteúdo do contrato e aos condicionalismos que rodearam a adesão ao mesmo. Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto I B… intentou contra C…, SA, e D… – Companhia de Seguros, SA, acção declarativa comum de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que:RELATÓRIO - seja reconhecida pelas rés a validade do acordo (contrato de adesão) estabelecido com o autor aquando da formalização do contrato de mútuo, bem como a reconhecerem a invalidez do autor com efeitos desde Maio de 2006; - sejam as rés condenadas a indemnizar o autor, nos termos contratuais, nomeadamente entregando à instituição de crédito beneficiária do seguro o capital em dívida, na quantia de 53.683,03 euros; - sejam as rés condenadas, solidariamente, a reembolsarem o autor das importâncias que entretanto lhe foram (e venham a ser) debitadas, ao mesmo título, na respectiva conta bancária, com efeitos a partir de Maio de 2006; - sejam as rés condenadas, solidariamente, a pagar ao autor os juros moratórios calculados (a liquidar em execução de sentença), à taxa legal, sobre as prestações entretanto debitadas e acima referidas (a partir de Maio de 2006), e contados até efectivo pagamento. Fundamentou o seu pedido, em síntese, no faço de ter, conjuntamente com sua mulher, contraído um empréstimo perante a 1ª ré, para aquisição de um prédio, com hipoteca deste, e, na mesma altura, como condição necessária à aprovação do referido mútuo, autor e mulher terem subscrito um seguro de vida (ramo Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, sendo o autor e a mulher os seus beneficiários, de modo a garantir, em caso de morte ou invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos. Este seguro foi-lhes apresentado pela 1ª ré como uma proposta de adesão daqueles a uma apólice de seguro de vida de grupo. Tendo o autor sido afectado por doença que o incapacitou total e definitivamente para o trabalho, viu todavia recusada pelas rés o accionamento do dito contrato, entendendo que, por força de cláusula do mesmo, para a verificação da situação de invalidez seria necessário que a pessoa segurada necessitasse de recorrer de modo contínuo à assistência de uma 3ª pessoa, por forma a realizar os actos normais da vida diária. Regularmente citadas, apresentaram-se as rés a contestar. A ré D… impugnou parte dos factos, aceitando todavia o contrato e os seus precisos termos, cujo conteúdo teria sido oportunamente comunicado e explicado ao autor. Recusou a pretensão do autor, que segundo ela não está em condições de beneficiar do seguro. A ré C…, impugnando também parte dos factos, declinou qualquer responsabilidade na satisfação do pedido do autor. Proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância, e instruído o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento. Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, reconhecendo a validade e eficácia do contrato de seguro do ramo vida titulado pela apólice nº ………., estabelecido com o autor (e mulher) aquando da formalização do contrato de mútuo a que se reportam os pontos 1º a 3º dos factos provados, e, no mais, absolvendo as rés do pedido, com custas a cargo do autor. Inconformado, veio este interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Juntou as respectivas alegações. A ré D… contra-alegou. Foram colhidos os vistos legais. II 1.FACTOSFUNDAMENTAÇÃO 1. Por escritura notarial de mútuo com hipoteca, outorgada em 29 de Julho de 1998, o autor e a mulher (E…) confessaram-se devedores do então “F…”, hoje “C…”, da quantia global de 13.500.000$00 (€67.337,72), tendo tal quantia sido creditada na conta do autor e da mulher junto da 1ª ré, na agência do “F…” …, no Porto, com o nº ………….., pelo produto do valor mutuado. 2. O empréstimo concedido pela 1ª ré ao autor e à mulher destinou-se à aquisição de habitação própria e permanente, pelo montante de 10.900.000$00, hoje €54.500,00, bem como à realização de obras de beneficiação no imóvel adquirido, no valor de 2.600.000$00, hoje €13.000,00, tendo o referido mútuo sido efectuado pelo prazo de 30 (trinta) anos, a liquidar em 360 (trezentas e sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas (al. B) da matéria assente). 3. Para garantia do pagamento da quantia mutuada, dos juros e das despesas que a 1ª ré houvesse de fazer, o autor e a mulher constituíram uma hipoteca voluntária sobre o imóvel objecto do referido financiamento (al. C) da matéria assente). 4. Como condição necessária à aprovação do referido mútuo, o autor e a mulher subscreveram um “seguro de vida” (Ramo – Vida Grupo), com capital seguro igual ao do empréstimo, sendo o autor e a mulher seus beneficiários, de modo a garantir, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos. 5. Esse “seguro de vida” foi apresentado pela 1ª ré ao autor e à mulher e foi contratado com a aqui 2ª ré, subscrevendo os autores o contrato a que foi atribuído o nº ……….. 6. Em 19 de Maio de 2009 constava como capital de garantia (capital seguro) o valor de €54.133,50. 7. A subscrição do dito “contrato de seguro” ocorreu nas instalações da 1ª ré. 8. De acordo com as condições gerais e especiais da apólice nº 5.000.500, ficaram cobertos os seguintes riscos: - falecimento da pessoa segura; - invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura; - invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura. 9. De acordo com as condições especiais da apólice, por doença entende-se o seguinte: “entende-se por doença toda a alteração involuntária do estado de saúde da pessoa segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva”. 10. Também de acordo com as condições especiais da apólice, por invalidez absoluta e definitiva por doença entende-se “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”. 11. De acordo com as condições especiais da apólice …......, para que se considere que existe uma situação de invalidez absoluta e definitiva da pessoa segura, por doença, é necessário que se verifiquem cumulativamente aquelas três situações referidas no ponto precedente. 12. Ainda segundo as condições particulares da apólice, o beneficiário do seguro é o respectivo tomador do seguro, ou seja, a “C…, SA”, considerando-se como pessoas seguras os clientes do segurado que recorram ao sistema de crédito à habitação – regime geral de empréstimos, que tenham idade inferior a 65 anos e que tenham preenchido o boletim de participante e satisfaçam as condições exigidas no quadro de provas básicas de selecção médica e outras provas adicionais que a seguradora exija para mais completo esclarecimento do risco proposto. 13. O autor encontra-se reformado por invalidez desde 22 de Julho de 2009. 14. A partir daquela data passou a informar sucessivamente a 1ª ré da sua condição de invalidez. 15. A 1ª ré aconselhou o autor no sentido de este comunicar à 2ª ré o seu estado de invalidez (por virtude da sua doença cardíaca), resultante de doença reportada ao ano de 2007. 16. Em sede de junta médica foi fixado ao autor uma incapacidade permanente global de 72% (então) susceptível de variações futuras. 17. Após a comunicação à ré “C…” da situação de invalidez do autor, aquela continuou a debitar na sua conta à ordem as prestações mensais relativas à amortização do empréstimo (capital e juros), bem como os sucessivos prémios de seguro em causa. 18. A 2ª ré teve conhecimento da invalidez do autor por carta datada de 17 de Julho de 2009, recebida pela ré em 06 de Agosto de 2009. 19. Em 17 de Julho de 2009, enviou à (2ª) ré a participação do sinistro – a qual foi recebida em 06 de Agosto de 2009 - a fim de fazer funcionar a garantia de invalidez absoluta e definitiva do aludido “contrato de seguro”. 20. Após o descrito no ponto 18º, a 2ª ré recusou a pretensão do autor, informando que, para ser activada a cobertura de invalidez, seria necessário que a pessoa segura necessitasse de recorrer de modo contínuo à assistência de uma terceira pessoa por forma a realizar os actos normais da vida diária. 21. O autor foi presente a Junta Médica em 22 de Julho de 2009. 22. O autor é seguido na Consulta Externa de Cardiologia no Centro Hospitalar do Porto por taquicardia ventricular que degenerou em fibrilhação ventricular, sendo certo que a 1ª manifestação da doença ocorreu em Maio de 2006. 23. Foi implantado ao autor um cardioversor – desfribilhador, para prevenção da morte súbita, no internamento ocorrido entre Maio e Junho de 2006. 24. Desde essa data o autor sofreu episódios de taquidisritmias ventriculares, ao longo dos anos de 2006 e 2007, que foram tratadas com choque por desfibrilhador. 25. Em meados de Maio do ano de 2006 e na sequência de se ter sentido muito mal, com intensas palpitações, o autor viu-se forçado a recorrer ao Serviço de Urgência do Hospital de Santo António, onde foi assistido pelos respectivos clínicos, tendo na altura apresentado um quadro clínico compatível com taquicardia ventricular que degenerou em fibrilhação ventricular. 26. Nesse internamento realizou cataterismo cardíaco que evidenciou uma alteração da fracção de ejecção do ventrículo esquerdo (FE 39%) e ausência de doença coronária. 27. Posteriormente o autor implantou um cardioversor-desfibrilhador para prevenção de morte súbita cardíaca. 28. Após vários meses ocorreram vários episódios de taquidisritmias ventriculares, que conduziram a terapêuticas com choque pelo desfibrilhador. 29. Em consequência do descrito nos pontos 22º a 25º foram realizados internamentos, intervenções cirúrgicas, consultas e exames cardiovasculares. 30. A partir de então o autor passou a viver com um aparelho designado por “CDI”. 31. Tendo implantado “CDI” com pacemaker. 32. Em consequência da doença, devido ao risco de morte súbita em caso de ocorrência de episódio de taquidisritmia ventricular e sobretudo de tempestade arrítmica (mais do que três episódios de taquidisritmia ventricular em 24 horas), risco esse potenciado quando o autor faz esforços, passou a ser acompanhado no seu dia-a-dia quando toma banho (tarefa que executa pelos seus próprios meios). 33. …Quando se desloca ao supermercado (o que faz pelos seus próprios meios), tendo de ser auxiliado a transportar um saco de compras. 34. …E sempre que se desloca para qualquer lado. 35. O autor vive preocupado que lhe aconteça uma crise. 36. E sem aquele acompanhamento por terceiro viverá sobressaltado. 37. Em consequência da mencionada doença, o autor deixou de poder levar o filho à escola, por receio de ser acometido de qualquer ataque cardíaco durante esse percurso e, por outro lado, porque se sente muito cansado quando realiza qualquer trajecto de automóvel, por mais curto que seja. 38. A partir da data em que ocorreu a doença, o autor passou a não conduzir mais do que 15 km seguidos. 39. Por esse motivo, o filho do autor passou a viver em casa da avó, aí dormindo e tomando as refeições. 40. Por forma, também, a que a mulher do autor tenha mais disponibilidade para tratar daquele, em virtude das crises de que é alvo surgirem com especial incidência durante a noite. 41. Então raramente conduzia, sendo certo que em Março de 2013 foi considerado inapto para o exercício da condução. 42. O autor não consegue realizar percursos a pé em passo acelerado ou caminhadas com alguma duração. 43. Para além de que nunca sai de casa acompanhado, com receio de que ocorra um episódio de taquidisritmia ventricular. 44. A partir do momento em que lhe foi detectada doença do foro cardíaco, o autor ficou totalmente incapacitado para o desenvolvimento da sua actividade ou de quaisquer outras compatíveis com as suas habilitações (6º ano), conhecimentos e experiência. 45. A 1ª ré, anteriormente à realização da escritura pública referida no ponto 1º e do contrato referido no ponto 4º, explicou o sentido e alcance da cláusula 13ª do documento complementar. 46. Juntamente com a carta remetida pelo autor à 2ª ré, datada de 17.07.2009, aquele enviou a esta os documentos constantes de fls 88 a 91. 2. CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DE RECURSO 1.ª A parte final da cláusula constante das condições especiais do contrato de seguro – artigo 2.º, n.3 – ao qual o Autor aderiu, é contrária ao princípio da boa-fé, na parte em que refere que a pessoa segura só é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária), porquanto impõe uma limitação excessiva das garantias do segurado, padecendo, por isso, de NULIDADE, que aqui expressamente se argui (a qual é invocável a todo tempo e de conhecimento oficioso – art. 286.º, do CC); 2.ª Face à prova produzida nos autos (documental e testemunhal), decidiu-se na douta sentença, ora recorrida, que a incapacidade do Autor, resultante de doença do foro cardíaco de que padece, o torna incapaz para o exercício de qualquer profissão, naturalmente que de acordo com as suas capacidades e habilitações literárias (é com referência à pessoa do segurado que o art. 2.º, n.º 3, das “Condições Especiais” deve ser perspectivado, sob pena de se esvaziar o conteúdo); no entanto, apesar de ficar demonstrada nos autos aquela incapacidade, concluiu-se que a matéria de facto, dada como provada, não foi suficiente para se demonstrar que a invalidez do Autor é absoluta e definitiva, na acepção prevista no artigo 2.º, n.º 3, das “Condições Especiais” da apólice, porquanto, o mesmo não estará dependente de uma terceira pessoa para efectuar os “actos normais da vida diária”, motivo pelo qual foi a acção julgada improcedente. 3.ª Tal como se decidiu nos autos, o contrato de seguro celebrado é um contrato de seguro de grupo (ramo vida) a que o ora recorrente se limitou pura e simplesmente a aderir, já que as cláusulas contratuais foram apresentadas pela seguradora, com todos os formulários necessários à contratação do seguro, inclusive a proposta contratual. 4.ª Nos contratos de adesão, o cliente não tem a menor participação na elaboração das respectivas cláusulas, limitando-se a aceitar a proposta do contrato e só vir a tomar conhecimento do seu conteúdo quando se verifica o risco cuja liberação se quis garantir. 5.ª Assim sendo, aplica-se ao contrato dos autos o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, previsto no DL 446/85, de 25 de Outubro. 6.ª Dispõe o art. 15.º do DL. n.º 446/85, de 25/10, que são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé. 7.ª Dispõe ainda o seu art. 16.º que na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: c) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; d) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado. 8.ª Resulta, também, do art. 21.º, do mesmo diploma legal, que são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que: (…) b) Limitem ou de qualquer modo alterem obrigações assumidas, na contratação, directamente por quem as predisponha ou pelo seu representante. 9.ª Sendo que a mencionada proibição visa acautelar que o utilizador das cláusulas contratuais gerais, violando o princípio da boa-fé, consiga por intermédio delas frustrar o objecto que as partes visaram atingir com o tipo de contrato utilizado. 10.ª Daqui decorre que o critério a seguir radica no princípio da boa-fé, do qual flui a necessidade de averiguar se existe um desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa-fé. 11.ª Decorre do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil estipula: “ a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. 12.ª Concluindo, é de entender que o estipulado naquela parte final da cláusula – art. 2.º, n.º 3, das condições especiais – limita excessivamente as obrigações assumidas na contratação pela 2.ª Ré (Seguradora), violando, por isso, o princípio da boa-fé contratual, estando, nessa parte, ferida de NULIDADE, nos termos do disposto nos artigos 12.º e 15.º do DL. 446/85, de 25/10, sendo de manter, apenas, a primeira parte da mencionada cláusula. Acaso assim não se entenda, 13.ª Impõe-se a modificação da decisão do tribunal “a quo” sobre matéria de facto, a qual se impugna; MATÉRIA DE FACTO QUE O RECORRENTE CONSIDERA INCORRECTAMENTE JULGADA -Quesitos 1 e 30 (Análise dos depoimentos das testemunhas da 1.ª Ré, G… e do Autor E…) 14.ª Impunham decisão diversa da recorrida, aqueles depoimentos prestados em audiência de julgamento, que foram transcritos conforme transcrição integral que vão em anexo, e que acima, na motivação, vão devidamente especificados por referência ao respectivo suporte técnico. 15.ª A prova referida na conclusão anterior impunha se desse por não provada a resposta dada ao quesito 30.º da Base Instrutória, e por PROVADA a resposta dada ao quesito 1.º da Base Instrutória, e, em consequência, julgando-se, assim, a acção totalmente procedente, por provada. *** 3. DISCUSSÃO 3.1. Começaremos por apreciar a impugnação que o recorrente faz da decisão em sede de facto. Como preceituado no artigo 712º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação nas seguintes situações «se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida». Dispõe, por sua vez, o nº 1 do artigo 685º-B que «quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida». Sendo que no nº 2 se esclarece que «no caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição». O recorrente cumpriu o imposto pelos referidos preceitos. Sustenta o recorrente que os depoimentos das testemunhas G… e E… impunham decisão contrária à da sentença recorrida, que julgou não provado o quesito 1º (o autor celebrou o contrato na convicção de que no caso de ele, ou a autora mulher, falecerem ou passarem à invalidez ficava ele ou os herdeiros desobrigados do pagamento do mútuo concedido pela ré C…?) e provado o quesito 30º (a 1ª ré, anteriormente à realização da escritura pública referida no ponto 1º e do contrato referido no ponto 4º, explicou o sentido e alcance da cláusula 13ª do documento complementar?). Compulsemos os motivos em que essa decisão se estribou, a fls 725 e 726. Aí se diz, em súmula. A G…, funcionária da 1ª ré, afirmou que as esclarecia sempre as dúvidas que lhe eram colocadas sobre os contratos. Assim, como a testemunha E…, mulher do autor, referiu que foram colocadas dúvidas, “não é plausível que a testemunha G… tenha transmitido uma informação não consentânea com o teor da apólice, tanto mais que o respectivo prémio varia, como é normal, consoante o âmbito da respectiva cobertura”. Concluindo que “é por isso que não nos pareceu plausível o teor do item 1º e plausível o teor do item 30º da BI”. Em anotação de fim de página refere-se que, “tudo somado e subtraído”, se imporia essa conclusão, tendo em devida conta a dificuldade de prova que se deparava à 1ª ré e desvalorizando o naturalmente interessado depoimento da testemunha E…, mulher do autor. Com todo o respeito por tal visão, a nossa sensibilidade conduz-nos a outras paragens. Desde logo, nunca poderemos apreciar nenhum depoimento com justeza, se não situarmos as testemunhas perante os factos que relatam. No presente caso, é de curial importância o tipo de contrato que se discute, a forma como as testemunhas perante ele se posicionaram e, sobretudo, o papel que a cláusula de que se trata desempenha naquele. Estamos perante um seguro de vida, com capital igual ao do empréstimo, sendo o autor e a mulher seus beneficiários, o qual garante, em caso de morte e invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) a liquidação à mutuante do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos. Este contrato foi previamente redigido pela seguradora 2ª ré, tendo sido apresentado ao autor e sua mulher, mutuários, pela 1ª ré, mutuante e sua principal beneficiária. Trata-se, pois, de um típico contrato de adesão. Importa fazer ressaltar qual o escopo específico desse contrato. Interessa aos segurados que, caso um deles morra ou se veja incapacitado de trabalhar, esteja assegurado o pagamento do montante em dívida, libertando-os desse encargo. Já o interesse da 1ª ré, mutuante, é o de ver reforçada a garantia de que o montante emprestado e respectivos juros vai ser restituído. Daí o ter imposto aos mutuários a subscrição de tal seguro. Trata-se, em suma, de um seguro que acautela as situações em que os mutuários possam ter dificuldades em restituir a quantia mutuada. Quais sejam as decorrentes de morte ou de incapacidade total. Daí a cláusula onde se explicita que “ficam cobertos os seguintes riscos: falecimento da pessoa segura; invalidez absoluta e definitiva por doença da pessoa segura; invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura”. Note-se, portanto, que a invalidez absoluta e definitiva por doença releva como facto que afecta a capacidade de os mutuários auferirem rendimentos que lhes permitam pagar a dívida que assumem. Sendo esse o risco que se pretende precaver com o seguro. Nessa medida se compreendendo a cláusula complementar constante das condições especiais da apólice, onde se explicita que “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão”. Mas já está completamente fora da referida lógica contratual a segunda parte dessa mesma cláusula, que exige ainda que o segurado “necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”. Mais tarde analisaremos até que ponto se deve aceitar a validade desta cláusula, face à legislação que rege as cláusulas contratuais gerais. Por ora, o que supra se realça apenas será considerado em termos de pressuposto de ponderação da prova. Na verdade, a parte da cláusula que dispõe que só seja considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quem “necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária” não encaixa no alcance normal daquele conceito. Sobretudo se integrada num contrato em que se quer reforçar a garantia de um pagamento. Pois o que relevará para o beneficiário do seguro será a certeza de que o empréstimo será pago, mesmo que o mutuário deixe de auferir rendimentos em virtude de ter ficado inválido. Sendo, nessa perspectiva, totalmente irrelevante que ele necessite ou não de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da sua vida. Ora, se está fora da lógica dos interesses que são visados no contrato, é naturalíssimo que aquele a quem este é apresentado nem sequer atente nela. Pelo que é perfeitamente compreensível o depoimento da testemunha E…, que refere insistentemente que nunca se apercebeu dessa cláusula. No contraponto, parece que tal natureza anómala sempre exigiria de quem apresentasse o contrato de seguro aos mutuários um particular dever de para ela chamar a atenção. Ou, pelo menos, que a cláusula fosse no contrato bem destacada, ao invés de ser remetida para as suas condições especiais. E a verdade é que, no presente caso, nem sequer a 1ª ré se tinha apercebido da mesma, pois só numa fase tardia da apresentação da pretensão do autor veio esta a ser negada, quando a 2ª ré chamou a atenção para tal insólito pressuposto do conceito de invalidez. Não se pode, portanto, aceitar sequer como princípio de prova (de que a 1ª ré explicou o sentido e alcance da cláusula 13ª do documento complementar) o depoimento da funcionária G…, quando diz que apenas se lembra que costumava esclarecer as dúvidas que lhe eram apresentadas. Por outro lado, com base no impressivo depoimento da mulher do autor, na actuação deste após a verificação da sua doença, na da própria 1ª ré, em uma fase inicial, no tipo de contrato efectuado e nos interesses que lhe subjaziam, bem como na forma como a cláusula se encontrava inserida no contrato, não temos qualquer hesitação em considerar que o autor, quando celebrou o contrato, pensou que o conceito de invalidez nele considerado era o comum, relativo à incapacidade de exercício de uma profissão. Não havendo outrossim prova nenhuma de que lhe tenha sido explicado o sentido e alcance da cláusula 13ª, que o restringia aos casos em que necessitasse de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária. Assim sendo, altera-se a matéria de facto, julgando-se provada a questionada sob 1º e não provada a questionada sob 30º. * 3.2. Extraiamos da modificação operada em sede de facto as necessárias consequências de direito. Dispõe o artigo 5º do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, sob a epígrafe “comunicação”: «1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las; 2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência; 3 - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais». E o artigo 6º, sob a epígrafe “dever de informação”: «1 - O contratante determinado que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique; 2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados». Sendo que, nos termos do artigo 8º do mesmo diploma, «consideram-se excluídas dos contratos singulares: a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º; b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo». Assim, face à não prova da matéria questionada em 30º, terá de ser considerada inexistente a cláusula em que as rés se estribam para pretenderem negar ao autor a sua pretensão. Sem cuja restrição, tendo-se provado que o autor ficou em estado de invalidez absoluta e definitiva, em consequência de doença, constatada, que o incapacitou total e definitivamente de exercer qualquer profissão, terá de proceder a pretensão do autor. Cumpre uma achega. Na sentença recorrida, explica-se a razão pela qual se reformulou o quesito 30º. Nos seguros de grupo, as obrigações de comunicação e de informação recairiam sobre a tomadora do seguro e não sobre a seguradora, como decidido no acórdão do STJ de 21.02.1013 (Silva Gonçalves), in www.dgsi.pt, com o argumento de que o DL nº 176/95, de 26 de Julho, bem como o actual DL nº 72/2008, de 16 de Abril, estabelece tal disciplina, diferente do regime geral previsto no DL nº 446/85. Assim, existindo lei especial para os contratos de seguro, não haveria que lançar mão do regime geral do referenciado neste último diploma. Acórdão que tem um voto de vencido, do senhor conselheiro Pires da Rosa, sucinto mas expressivo – “uma coisa é a sua exclusão - que se verifica - outra a responsabilidade perante a seguradora do tomador de seguro - o Banco Mais - por não cumprir o dever de informação”. Efectivamente, aquele aresto incorre em evidente equívoco. O preceito do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 não colide com o regime do DL nº 446/85, quanto à obrigação de informação. Na verdade, o seu alcance restringe-se às relações entre o segurador e o tomador. Como decorre claramente do preâmbulo desse diploma, em trecho aliás recorrentemente citado no texto do acórdão, mas cujas implicações não parecem ter sido correctamente apreendidas – “Pretende-se, assim, definir algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais e tarifárias, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua actividade em Portugal. Pretende-se igualmente com esta nova regulamentação reduzir o potencial de conflito entre as seguradoras e os tomadores de seguro, minimizando as suas principais causas e clarificando direitos e obrigações”. O dever de informação impende inequivocamente sobre a seguradora. Mas, para reduzir o potencial conflito entre tomadores e seguradoras, clarificaram-se os direitos e obrigações. Nas relações entre estes, como é óbvio. Pelo que, com esse necessariamente restrito âmbito, a obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008), informar “os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”, nunca poderá valer como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, a este validamente oponível pela seguradora, perante o mesmo a isentando desse dever. Com este entendimento, que temos por devido, além daquele voto de vencido, os acórdãos desta Relação do Porto de 11.09.2008 (Fernando Batista) – “embora, numa primeira análise, seja o tomador do seguro (o banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação do teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando, assim, a seguradora com as respectivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Ou seja, responde perante o segurado, sem prejuízo de poder (eventualmente), depois, vir a accionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado” - e da Relação de Lisboa de 5.03.2009 (Catarina Manso) – “tendo o Banco, tomador do seguro se limitado a entregar ao segurado o boletim de adesão, a culpa de falta de informação cabe-lhe a ele e às seguradoras que se foram sucedendo”, ambos in dgsi.pt. Ver todavia em sentido contrário, ibidem, os acórdãos desta Relação do Porto de 31.01.2007 (Amaral Ferreira) e do STJ de 22.01.2009 (Custódio Montes). Pelo exposto, concluímos que a exclusão da cláusula em apreço do contrato tem eficácia que se estende também à seguradora. * 3.3. O recorrente alude ainda à nulidade dessa cláusula, por força dos preceitos dos artigos 12º e 15º daquele DL nº 446/85, que tal prescrevem para as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé. Nos termos do artigo 21º, alínea b), desse diploma, estaríamos perante uma cláusula absolutamente proibida, por limitar obrigação assumida na contratação por parte de quem a predispôs. Não consideraremos sequer a questão, que em uma análise perfunctória nos parece assentar em classificação duvidosa, porque entendemos dever sujeitar a consideração dessa cláusula a um crivo necessariamente anterior a esse. Na verdade, julgamos que ela constitui uma cláusula-surpresa, já que, pelo contexto em que surge e pela forma como é apresentada, passa tendencialmente despercebida a uma contratante normal, colocado na posição do contratante real, in casu, o autor. A qual, como preceituado na alínea c) do artigo 8º daquele diploma, será de excluir do contrato. Retomemos as considerações já supra aduzidas, por ocasião da ponderação que se fez da prova, com vista à reformulação das respostas aos quesitos 1º e 30º. Atentemos no tipo de contrato que se discute e no papel que a cláusula de que se trata nele desempenha. Estamos perante um seguro, pactuado conjuntamente com um mútuo, que garante, em caso de morte ou invalidez (total ou permanente por doença ou acidente) dos mutuários, a liquidação à mutuante do montante em dívida, do capital e dos juros vencidos. Buscando o escopo específico desse contrato de seguro, verifica-se que o interesse dos segurados é que, caso um deles morra ou se veja incapacitado de trabalhar, fique assegurado o pagamento do montante em dívida, libertando o outro desse encargo. Já o interesse da 1ª ré, mutuante, consiste em ver reforçada a garantia de que o montante emprestado e respectivos juros vai ser pago, acautelando as situações em que os mutuários possam ter acrescidas dificuldades em o restituir. Riscos que tipifica: falecimento, invalidez absoluta e definitiva por doença ou invalidez total e permanente por acidente da pessoa segura. Frise-se que tais eventos relevam na medida em que afectam a capacidade de os mutuários auferirem rendimentos que lhes permitam pagar a dívida que assumiram. Assim, no que particularmente concerne ao estado de invalidez absoluta e definitiva, compreende-se a cláusula complementar constante das condições especiais da apólice, onde se explicita que “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão”. O que já nada tem a ver com a referida lógica contratual é a segunda parte dessa mesma cláusula, que exige ainda que o segurado “necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”. Atente-se todavia que um tal acrescento vai excluir do âmbito do seguro a maior parte dos casos de incapacidade absoluta. Que só em situações extremas correspondem a situações de completa dependência de terceiros para o exercício das tarefas do dia a dia. Assim, colhendo de surpresa os que, como o autor, após a sua incapacitação se vêm a deparar com esse artificioso acrescento, arredio dos interesses de garantia que ditaram o contrato. Já que a capacidade de o segurado cumprir o contrato de mútuo em nada é afectada pelo facto de o segurado necessitar ou não de uma terceira pessoa para o ajudar nos actos normais da sua vida. Podemos, pois, concluir que aquela parte da cláusula que, figurando nas condições especiais do seguro, faz depender a verificação do estado de invalidez absoluta e definitiva, em consequência de doença, não só da incapacidade definitiva de exercer qualquer profissão, mas também da necessidade de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, mais não é do que um artifício pelo qual a seguradora, predisponente da cláusula, intenta sub-reptícia e encapotadamente restringir o alcance da cobertura do seguro. Surgindo num contexto em que qualquer mutuário dificilmente se aperceberia das suas virtualidades descaracterizadores, tal cláusula deve considerar-se abarcada pela previsão da referida alínea c) do artigo 8º do DL nº 446/85. Anote-se que, ao contrário do que sustenta Sousa Ribeiro, in O Problema do Contrato – as Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, Almedina, 2003, págs. 405 e sgs. e 572, entendemos que a alusão deste preceito “ao contexto em que surjam” abarca circunstâncias de toda a ordem (que não só as referentes à conformação e apresentação das cláusulas), que passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real. Nomeadamente as atinentes ao sentido da cláusula, ao conteúdo do contrato e aos condicionalismos que rodearam a adesão ao mesmo. Em nada diferindo o seu regime do das Überraschende Klauseln, tal como definidas no correspondente preceito do § 3 da AGB-Gesetzt alemã, de 9.12.76 (actual § 305C do BGB) - «não se tornam parte integrante do contrato as cláusulas incluídas em condições gerais de contratos que, de acordo com as circunstâncias, e especialmente segundo a aparência externa do contrato, são tão invulgares que a contraparte do predisponente não deve contar com elas». Não é, na verdade, líquido que a lei portuguesa divirja da solução alemã. Afigurando-se-nos ser demasiado restritiva a interpretação que aquele ilustre professor dá ao segmento do preceito da alínea c) do artigo 8º “pelo contexto em que surjam”, ao pretender que o mesmo se reporta tão só à “aparência externa do contrato”, que não já ao seu conteúdo, por si e em conexão com as circunstâncias em que o contrato foi celebrado. O legislador português foi um pouco mais longe do que o alemão, ao nomear casos de desconformidades formais que tenham por consequência a menor perceptibilidade da cláusula (contexto; epígrafe; apresentação gráfica), correndo o risco de interpretações como a já referida, no sentido de que a “aparência externa da cláusula” esgota a previsão legal, deixando de ser uma espécie (se bem que a mais marcante) do género “notoriedade da cláusula”. Parece, muito pelo contrário, que este preceito abarca as cláusulas que, atentas circunstâncias de toda a ordem, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real. E, não obstante a enumeração da sua primeira parte poder apontar naqueloutro sentido, julgamos ser necessária a extensão do alcance da passagem “contexto em que surjam”, por referência a todas as circunstâncias (que não só as formais) que condicionem a percepção das cláusulas. De outro modo, atentar-se-ia contra a diferenciação, que é trave mestra do regime das cláusulas contratuais gerais, entre controlo de inclusão e controlo do conteúdo. Efectivamente, aquele primeiro controlo visa fiscalizar a efectiva recepção e percepção das cláusulas por parte do destinatário, a quem elas devem ser devidamente comunicadas e explicadas. Já o segundo reporta-se à avaliação do teor das próprias cláusulas, que não pode ser abusivo. Daí, estabelecerem-se diferentes consectários para as respectivas patologias. As cláusulas não (ou deficientemente) comunicadas ou informadas consideram-se excluídas dos contratos (artigo 8º). As cláusulas abusivas são nulas (artigo 12º). Aquelas são tratadas como realidade alheia ao contrato; como se nunca tivessem existido na esfera contratual. Estas são uma censura a posteriori ao desequilíbrio que se gerou, não obstante a conjunção de vontades, em proveito da parte que dominava a relação contratual. Toda esta lógica será desrespeitada se pretendermos que uma cláusula, que não está em condições de ser apercebida por um contratante normal, colocado na posição do contratante real, quando tal se dever a circunstâncias não atinentes à sua aparência externa, seja incluída no rol das cláusulas abusivas. E, como tal, nula. Assim, teríamos um mesmo fenómeno com tratamento jurídico diverso, exclusão ou nulidade, consoante a não percepção das cláusulas resultasse do seu aspecto externo ou de outras circunstâncias. Esta interpretação consubstanciaria intolerável atentado ao princípio da unidade do sistema jurídico, que é um dos pilares da função interpretativa, tal como consagrada no artigo 9º do Código Civil. Por outro lado, não se vê como se possa identificar a não percepção do teor de uma cláusula por parte do seu destinatário com censura ao próprio teor da cláusula, nesta medida a taxando de nula por contrária à boa-fé. Que acaba por ser o que aquele ilustre professor pretende ao integrar tal patologia (o não conhecimento de cláusulas decorrente de circunstâncias não conexas com a sua aparência externa) na previsão dos artigos 12º, 15º e 16º. Aliás, do próprio texto daquela alínea c) do artigo 8º se terá de inferir que a mesma visa obrigatoriamente também o desfasamento entre o conteúdo da cláusula e aquilo que um contratante normal naquela situação esperaria. Na verdade, fala-se na exclusão da cláusula que “passe despercebida a um contratante normal, colocado na posição do contratante real”. Ora, a aceitar a tese de que o contexto das cláusulas se reporta tão só à aparência externa do contrato, não se vislumbra como relevaria a “posição do contratante real”. Ou será que o legislador, ao referir-se a “posição” se quereria reportar ao facto de o contratante poder ler o contrato de longe, de perto, de frente, de esguelha ou (permitam a ironia) quiçá de costas? Estamos em crer que não. É, pois, imperioso concluir que aquele contexto abarca o conjunto das circunstâncias que contribuíram para que o aderente assumisse a sua posição contratual, nelas incluindo indefectivelmente a percepção que este teve do conteúdo das cláusulas em conexão com o interesse que o moveu. Assim, o preceito da alínea c) do artigo 8º não pode deixar de ser tido como uma previsão não taxativa, na qual, o conceito indeterminado definidor do “passar despercebido” se concretizará relevantemente atendendo ao “contexto” (conjunto de circunstâncias) em que a cláusula surja. Aliás, tendo sido aquela AGB-Gesetzt a grande inspiradora do DL nº 446/85, muito se estranharia que este dela divergisse em uma faceta tão estruturante, sem qualquer fundamento plausível. Por tudo o exposto, também por esta via, deverá o referido trecho da aludida cláusula ser excluído do contrato. Essencialmente porque, atentos os interesses que justificam a contratação do seguro, na explicitação constante de uma cláusula complementar, apresentada nas condições especiais da apólice, onde além de se afirmar que “a pessoa segura é considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença susceptível de constatação médica objectiva, fique total ou definitivamente incapacitada de exercer qualquer profissão” se exige ainda que o segurado “necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária”, este segundo termo foge à lógica contratual ditada por aqueles interesses. Tal carácter anómalo e não expectável, aliado ao facto de se apresentar como parte de uma disposição que figura em local secundário do contrato, impõe a sua consideração como uma verdadeira cláusula surpresa. Do que no presente caso colhemos, aliás, prova real. Já que a própria 1ª ré, em um primeiro momento, aceitou a pretensão do autor, aparentemente também ela desconhecendo essa cláusula. Só vindo a recuar na sua posição quando a 2ª ré se recusou a fazer funcionar o seguro. Daí decorrendo que, como preceituado na alínea c) do artigo 8º daquele diploma, também por esse motivo seja de excluir do contrato, julgando-se verificado, em virtude da doença que incapacitou o autor total e definitivamente para o exercício de qualquer profissão, o circunstancialismo necessário ao accionamento da garantia do seguro. III Na procedência do recurso, condenam-se as rés C…, SA, e D… – Companhia de Seguros, SA:DISPOSITIVO - a reconhecerem a validade do acordo (contrato de adesão) estabelecido com o autor B.., aquando da formalização do contrato de mútuo, reconhecendo a ocorrência de invalidez do autor como factor de caracterização de situação contemplada no seguro por aquele pactuado, com efeitos desde Maio de 2006; - a que pela ré seguradora seja assegurada, nos termos contratuais, a restituição à primeira ré, instituição de crédito beneficiária do seguro, do capital em dívida do referido contrato, no montante de 53.683,03 euros; - a, solidariamente, reembolsarem o autor das importâncias que entretanto lhe foram (e venham a ser) debitadas, ao mesmo título, na respectiva conta bancária, com efeitos a partir de Maio de 2006; - a pagarem ao autor os juros moratórios calculados (a liquidar em execução de sentença), à taxa legal, sobre as prestações entretanto debitadas e a cima referidas (a partir de Maio de 2006), e contados até efectivo pagamento. Custas pelas rés e recorridas, nas duas instâncias - artigo 527º do Código de Processo Civil. Notifique. Porto, 27 de Fevereiro de 2014 José Manuel de Araújo Barros Pedro Martins Judite Pires |