Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3294/22.7T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: INCAPACIDADE PARA O TRABALHO
DETERMINAÇÃO DO FATOR DE BONIFICAÇÃO IDADE
Nº do Documento: RP202401153294/22.7T8VLG.P1
Data do Acordão: 01/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Não é aplicável à determinação do factor de bonificação idade, previsto no nº 5 da TNI, a observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3294/22.7T8VLG.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho em que é sinistrada AA, residente na Pct. ..., nº ..., 4º esq., Gondomar, patrocinada pelo Ministério Público, e entidade responsável a A... – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua ..., ..., Lisboa, após infrutífera tentativa de conciliação, veio a seguradora requerer a realização de exame da sinistrada por junta médica, apresentando os respectivos quesitos.
Realizada a junta médica foi elaborada a respectiva acta, fixando os senhores peritos a incapacidade permanente do sinistrado, por unanimidade, em 5%.
Foi proferido despacho, com o seguinte teor:
“Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 3º, nº 3, do CPC, abra vista ao Ministério Público e notifique a responsável seguradora para, querendo, virem aos autos, no prazo de 10 dias, pronunciarem-se acerca da eventualidade de ser aplicada aos presentes autos a bonificação prevista na Instrução nº 5 da TNI, da multiplicação do coeficiente de incapacidade que foi atribuído à sinistrada pela junta médica dos presentes autos pelo factor 1.5, considerando-se ter a sinistrada 50 anos de idade, pela aplicação da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado:
Na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos, observação essa que será aplicável à sinistrada no cálculo do capital de remição da pensão a que tem direito nos presentes autos, e que conduzirá a que seja aplicada à sinistrada a taxa correspondente aos 50 anos de idade (13,636), ao invés da taxa prevista para os 49 anos de idade.”
O Ministério Público referiu “Nada a opor”.
E a seguradora pronunciou-se concluindo: “não deve ser aplicado o fator de bonificação 1.5, incapacidade que foi atribuído à sinistrada pela junta médica dos presentes autos, uma vez que a sinistrada, não tendo 50 anos de idade no momento do acidente, nem ter 50 anos no momento da alta, muito menos, pela aplicação da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado.”
Foi de seguida proferida sentença, na qual se decidiu, a final:
“Pelo exposto, aplicando os citados normativos à matéria de facto apurada, nos termos do disposto no art.140º, nº 1, do C.P.T., observando-se o disposto no nº 3 do artigo 73º do mesmo Código, julgo a ação procedente e em consequência:
A) Decido que a sinistrada AA, no dia 06.10.2021 sofreu um acidente de trabalho, em consequência do qual sofreu uma desvalorização permanente parcial para o trabalho de 7,5% (= 5% x 1,5).
B) Condeno a responsável A... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de € 488,78, devida desde 15/11/2022, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a referida data de vencimento até integral e efectivo pagamento.
C) Condeno a responsável A... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar à sinistrada a quantia de €30,00, a título de despesas com deslocações obrigatórias a este Tribunal e ao INML do Porto, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 27/12/2022 até integral e efectivo pagamento.”
Fixou-se à acção o valor de € 6.695,00.
Inconformada interpôs a seguradora o presente recurso de apelação, concluindo:
1. A Apelante pretende, através do presente recurso, a revogação da douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto se discorda da aplicação do fator de bonificação de 1,5%, considerando-se ter a sinistrada 50 anos de idade pela utilização dos mesmos critérios de cálculo da idade constantes da observação que integra a Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, sendo sua convicção que o Meritíssimo Tribunal “a quo” operou uma incorreta apreciação das normas a aplicar, proferindo, pois, uma decisão que não encontra arrimo no nosso ordenamento jurídico, e que, por força dessa desconformidade, se mostra em verdadeira violação da lei.
2. No que se refere à específica questão da aplicação do fator de bonificação da incapacidade, importa ter em consideração o que resulta da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (TNI), que consta do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, pois que é aplicável, como resulta do seu artigo 6º, alíneas a) e c), aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor e a todas as peritagens de danos corporais efetuadas após a sua entrada em vigor.
3. A TNI, como aliás o legislador deixou expresso no nº 1 das Instruções Gerais (Anexo I), “tem por objectivo fornecer as bases de avaliação do dano corporal ou prejuízo funcional sofrido em consequência de acidente de trabalho ou de doença profissional, com redução da capacidade de ganho”, sendo que, como resulta depois do seu nº 3, “a cada dano corporal ou prejuízo funcional corresponde um coeficiente expresso em percentagem, que traduz a proporção da perda da capacidade de trabalho resultante da disfunção, como sequela final da lesão inicial, sendo a disfunção total, designada como incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, expressa pela unidade”.
4. Resulta ainda expressamente do nº 5 da mesma tabela, com relevância no que ao presente caso importa, que na determinação do valor da incapacidade a atribuir, para além e sem prejuízo das normas que são específicas de cada capítulo ou número, “Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG × 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor” (alínea a).
5. Não relevando para o presente caso as demais situações também previstas no indicado nº 5, debruçando-nos apenas sobre a causa de atribuição da bonificação que nos ocupa, assim a que atende à idade da vítima (quando essa tiver 50 ou mais anos), sem esquecermos, aliás, que a sua aplicação só é possível quando o sinistrado não tiver dessa beneficiado, percebe-se que a razão da sua atribuição reside na própria consideração de que o envelhecimento da pessoa – fenómeno universal, irreversível e inevitável, não obstante diferir em face de diversos fatores de pessoa para pessoa –, enquanto processo biológico progressivo e natural, se caracteriza pela diminuição das funções celulares e pela diminuição da capacidade funcional, sendo que, o que de resto emerge em geral nomeadamente do conhecimento/ciência médica, também é comummente reconhecido que a partir dos cinquenta anos se acentua esse processo, que se vai agravando, progressivamente, com o aumento da idade.
6. Daí que o legislador, na consideração pois daquela realidade, reconhecendo assim que em termos gerais e abstratos a vítima de um acidente de trabalho, que fique com determinada incapacidade permanente, tendo cinquenta ou mais anos de idade, terá por essa razão uma dificuldade acrescida para o desempenho de uma atividade profissional, tenha entendido que deve ser atribuída a bonificação do analisado fator 1.5.
7. No caso sub judice, estando-se em causa um pedido para fixação de incapacidade, não temos dúvidas em afirmar que, na avaliação a efetuar, se imporá, no que ao caso importa, verificar (apenas) se ocorrem ou não os pressupostos que estão na base da atribuição do analisado fator 1.5%.
8. No presente caso temos que a sinistrada à data da alta não tinha 50 anos.
9. A aplicação do fator de bonificação rege-se pela Tabela Nacional de Incapacidade (TNI), a qual, nas instruções gerais, define as regras da sua aplicação – regras que aqui expressamente se invocam.
10. Outra situação é o caso da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado.
11. A Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, que como muito bem é referido, estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo de remição e não à aplicação da IPP, como é pretendido.
12. Estão em causa realidades distintas.
13. Salvo todo o respeito que a douta Sentença recorrida nos merece, não parece que os diplomas legais referidos suscitem grandes dificuldades quanto à sua interpretação, resultando bem claro, quer da sua letra, quer como da sua ratio, que se debruçam sobre realidades distintas, o que, por si só já permite delimitar bem o seu escopo e a que situações se aplicam.
14. A verdade é que, pela natureza dos próprios diplomas, é de esperar que a sua aplicação não levante grandes dificuldades de ordem prática, mormente quanto à interpretação do seu conteúdo.
15. Nesta sede, recorde-se, aliás, que estamos a falar de bases técnicas e de tabelas práticas, cuja aplicação se espera que seja o mais objetiva possível.
16. Ao defender que o legislador, quando elaborou o nº 5 das Instruções gerais da TNI, teve em conta o teor da “observação” constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro ao fixar o cálculo da idade de 50 anos, implicando que o critério constante de tal “observação” tenha de ser atendido na aplicação do disposto no referido nº 5, a douta sentença “a quo” laborou em erro, não podendo a ora recorrente concordar com os fundamentos que a sustentam.
17. Esta interpretação resulta, no nosso modesto entender, demasiado distante do nº 5 das Instruções gerais e é afastada pelos elementos literal e racional de interpretação das normas.
18. O enunciado gramatical ou filológico da lei assume-se como o ponto de partida do intérprete, mas comporta também uma função de limite, já que não pode ser pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, só devendo, pois, ser preterido, quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e direto da letra que deve ser acolhido.
19. Quanto ao nº 5 das Instruções gerais da TNI, constante do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de outubro, o elemento literal afigura-se como suficiente para determinar o sentido e alcance da norma.
20. A situação dos presentes autos encontra-se fora daqueles casos em que a letra da lei é constituída por palavras que apresentam um leque de significações dentro do qual o aplicador se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos de interpretação, sendo que o aplicador ao interpretar a norma para além do seu texto legal, sob não importa que argumentos, encontra-se já inserido num domínio que ultrapassa os limites da interpretação admissível.
21. Não se pode ignorar que, também de acordo com o elemento literal, a “observação” constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, acompanha as tabelas, situando-se não no corpo da portaria, mas como anotação às próprias tabelas. O que demonstra, naturalmente, que se trata de uma indicação a ter em conta na aplicação só e apenas daquelas tabelas.
22. O elemento racional ou teleológico, que consiste na razão de ser da norma (ratio legis), ou seja, no fim visado pelo legislador ao criar a norma, não só não contraria, neste caso, o elemento literal, como reconhece especificidades relevantes no que tange à sua saúde e capacidade de trabalho, àqueles que atingem a idade de 50 anos, em relação aos de idade inferior, ainda que de 49 anos (e meses).
23. Sempre que o legislador lança mão deste tipo de critérios, baseados na idade, é, pela própria ordem natural das coisas, obrigado a escolher um valor – in casu, 50 anos ou mais - que deixará de fora valores muito próximos – 49 anos e 9 meses, 49 anos e 10 meses, entre outros.
24. No entanto, tentar “corrigir” esse valor por via da interpretação nunca é uma boa solução.
25. Isto porque, como o presente caso bem ilustra, não aplicar o regime de bonificação a uma pessoa com 49 anos e alguns meses e atribuí-lo a pessoas com 50 anos, sendo certo que o que as separa são apenas alguns meses, é uma opção legislativa, que foi devidamente ponderada e que se impõe por questões de ordem prática – alguma idade tem de ser o limite.
26. No entanto, a tentativa de fazer uma aproximação casuística por via da interpretação abre lugar à incerteza, sem conseguir alcançar soluções justas, uma vez que vai existir sempre quem veja ser afastado o regime de bonificação por meses. Ou seja, uma pessoa com 49 anos e 8 meses, por exemplo, seria abrangida, enquanto uma pessoa com 49 anos e 4 meses já não seria.
27. Não se pretendendo pôr em causa a bondade da decisão “a quo”, a verdade é que a interpretação proposta nada resolve, limitando-se apenas a tentar alargar, de forma casuística, a aplicação do regime de bonificação em alguns meses.
28. Quanto ao elemento sistemático, sempre se dirá que impõe que a ordem jurídica seja encarada como um sistema, de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições.
29. Aqui, mais uma vez contrariamente ao defendido na douta sentença recorrida, não se vislumbra em que medida é que a unidade do sistema jurídico impõe, ou sequer fundamenta, que o teor da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, deva ser aplicado na interpretação da Instrução nº 5 da TNI.
30. Salvo melhor entendimento em sentido contrário, estão em causa cálculos distintos e, ainda que na prática normalmente se sucedam, a verdade é que são realidades que objetivamente não se confundem.
31. Motivo pelo qual a sua não coordenação não importa qualquer contradição.
32. Aliás, o juízo formulado na sentença “a quo”, prende-se mais com questões da justeza da solução do que propriamente com a sistematização do ordenamento, ignorando, todavia, a incerteza que este tipo de decisões cria no próprio sistema jurídico.
33. A manutenção da decisão “a quo”, na nossa humilde opinião, sempre permitirá ao julgador, na qualidade de interprete, mais do que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. nº 2 do art. 9º do CCiv.), assumir as vestes de legislador, tentando alcançar um sentido “de iure constituto” que só seria possível “de iure constituendo”.
34. Discorda o ora recorrente da aplicação do fator de bonificação de 1,5%, considerando- se ter a sinistrada 50 anos de idade (que não tem), pela utilização dos mesmos critérios de cálculo da idade constantes da observação que integra a Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro.
35. Ao contemplar diverso entendimento, incorreu o Mmo. Tribunal “a quo” em verdadeiro erro de julgamento.
O Ministério Público alegou concluindo:
1. Nos presentes autos, por sentença proferida em 14/09/2023, foi a Seguradora condenada, além do mais e para o que aqui interessa, a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de € 488,78, devida desde 15/11/2022, dia seguinte ao da alta;
2. Sendo que tais cálculos foram efectuados com base na retribuição anual ilíquida auferida pela sinistrada à data do acidente, e integralmente transferida para a Seguradora e com base na IPP fixada pelo Tribunal “a quo” de 7,5% (5% atribuído pela Junta médica e 1,5 de factor de bonificação, em razão da idade).
3. No recurso interposto daquela sentença, a discordância manifestada pela Seguradora responsável cinge-se ao entendimento de que o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento ao decidir pela aplicação do factos de bonificação de 1,5 à situação em apreço, uma vez que a sinistrada, à data da alta, não tinha ainda completado 50 anos de idade.
4. Na situação sub-judice a sinistrada (nascida em .../.../1973) tinha, à data da alta (14/11/2022), 49 anos, 10 meses e 14 dias de idade.
5. Na sentença recorrida o Tribunal decidiu que se impunha também a aplicação do factor de bonificação de 1,5, por consideração da idade da sinistrada, resultante da aplicação dos mesmos critérios de cálculo da idade referidos na observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13/01 – que estabelece as bases técnicas aplicáveis, além do mais, ao cálculo do capital das pensões de acidentes de trabalho – ou seja, tomando-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos;
6. Aplicando, assim, a bonificação prevista no nº 5 da instrução da TNI, de multiplicação do coeficiente de incapacidade que foi atribuído pela junta médica pelo factor 1,5 – por entender que a idade da sinistrada a considerar seria a de 50 anos de idade, por ser a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se refere a referida instrução (idade da alta).
7. E, para o efeito, sustentou que a salvaguarda da unidade do sistema jurídico impõe uma interpretação harmónica e sintonizada das normas jurídicas aplicáveis à mesma realidade jurídica; sendo que, nos termos do disposto no art. 9º, nº 1, do C.Civil “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”;
8. Destacando que a Tabela Nacional de Incapacidades, onde se insere o nº 5 das instruções gerais em causa, foi aprovada e publicada no DL nº 352/2007, de 23/10, muito posteriormente à entrada em vigor da aludida Portaria nº 11/2000, pelo que o legislador teve certamente em conta o teor da aludida Portaria quanto ao cálculo da idade de 50 anos constante do nº 5 das referidas instruções gerais da aludida TNI quando elaborou esse normativo;
9. E que uma interpretação meramente literal do nº 5 das Instruções Gerais da TNI se afigura juridicamente inadmissível não só porque contrária à unidade do sistema jurídico a que o intérprete deverá atender na aplicação das normas, mas também por conduzir a uma manifesta e injustificada desigualdade dos sinistrados com 49 anos e 6 meses ou mais de idade – aos quais, no cálculo do capital de remição da sua pensão, é aplicável o coeficiente previsto para os 50 anos, por o seu 50º aniversário estar mais próximo da data da alta – relativamente aos sinistrados já com 50 anos, sempre beneficiam inquestionavelmente do aludido factor de bonificação de 1,5 previsto no referido nº 5 das Instruções Gerais da TNI.
10. Entendimento expresso na sentença recorrida apresenta-se como o mais favorável à salvaguarda dos direitos da sinistrada, decorrentes do acidente de trabalho participado e pela mesma sofrido.
11. Pelo que entendemos dever a mesma ser confirmada.
O recurso foi admitido com efeito meramente devolutivo.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, não tendo emitido parecer devido ao patrocínio da sinistrada.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas. A questão colocada nos presentes autos prende-se com a aplicação do factor de bonificação idade à incapacidade fixada à sinistrada.

II. Fundamentação de facto:
Considerou-se na sentença sob recurso: “Com relevo para a decisão da presente causa, pelos documentos juntos aos autos e por acordo das partes expresso no auto de tentativa de conciliação, mostram-se provados os seguintes factos:
1- A sinistrada nasceu em .../.../1973.
2- No dia 06.10.2021, cerca das 11:30 horas, em ..., a sinistrada sofreu um acidente de trabalho, quando, com a categoria profissional de gerente, trabalhava, sob as ordens, direcção e fiscalização de “B..., Lda”, com sede na Rua ..., ... ...-Gondomar.
3- O acidente ocorreu quando se encontrava a ajudar a descarregar uma carrinha, uma palete cedeu e caiu, vindo a atingi-la no membro inferior direito e como consequência, directa e necessária, deste acidente resultou-lhe fractura ao nível do tornozelo direito e sofreu as lesões descritas no boletim de exame e alta da seguradora e no relatório do INML, junto a fls 36 a 41 dos autos.
4- A responsabilidade infortunística-laboral encontrava-se integralmente transferida para a seguradora “A... – Companhia de Seguros, S.A.” mediante contrato de seguro titulado pela apólice dos autos, quanto à aqui sinistrada.
5- A sinistrada auferia a retribuição anual de 665,00 € x 14 (total anual de 9.310,00 €).
6- A sinistrada teve alta em 14/11/2022.
7- Foram-lhe pagas todas as indemnizações e demais despesas acessórias que lhe eram devidas até à data da alta.
8- A sinistrada despendeu a quantia de €30,00 em deslocações obrigatórias para comparecer neste Tribunal e ao INML do Porto.

III. O Direito
Consta da sentença sob recurso:
“Aqui chegados importa então apreciar e decidir se deverá haver lugar à aplicação do factor de bonificação de 1,5% considerando-se ter a sinistrada 50 anos de idade, pela aplicação dos mesmos critérios de cálculo da idade constantes da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro.
Com efeito, pela aplicação da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado: Na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos, observação essa que será aplicável ao sinistrado no cálculo do capital de remição da pensão a que tem direito nos presentes autos, e que conduzirá a que seja aplicada à sinistrada a taxa correspondente aos 50 anos de idade (13,636), ao invés da taxa prevista para os 49 anos de idade, (13,851).
Assim sendo, a questão que se suscita é a de saber se a mesma regra não deverá ser também aplicada ao sinistrado quanto à bonificação prevista no no5 da Instrução da TNI, de multiplicação do coeficiente de incapacidade que foi atribuído ao sinistrado pela junta médica dos presentes autos pelo factor 1.5, considerando-se ter o sinistrado 50 anos de idade, por ser a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se refere tal instrução (data da alta).
Recorde-se que o nº 5 das Instruções gerais da TNI prescreve que: “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número: a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0,5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”.
Conforme se referiu apenas a seguradora tomou posição sobre a questão, tendo vindo considerar não ser de aplicar, no presente caso, o fator de bonificação de 1,5, considerando que não deverá ser tida em conta a observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro.
Porém, “a «bonificação» prevista no nº 5 das Instruções gerais da TNI aplica-se, por regra, quando à data da alta o sinistrado tem 50 anos ou mais”, (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016 (www.dgsi.jtrp.pt - Proc. nº 975/08.1TTPNF.P1).
O que significa que, contrariamente ao que parece sustentar a seguradora, para a aplicação do fator de bonificação 1,5, a data que releva não é a data do acidente, mas sim a data da alta.
E assim sendo, conforme acaba por admitir a seguradora, tendo em conta a observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, a taxa correta a aplicar corresponde à prevista para os 50 anos de idade, sendo a data relevante a data da alta.
Com efeito, dúvidas não há de que no cálculo do capital de remição da pensão devida ao autor, é aplicável a observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis, nos termos da qual na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos, e que conduzirá a que seja aplicada à sinistrada a taxa correspondente aos 50 anos de idade (13,636), ao invés da taxa prevista para os 49 anos de idade (13,851).
Assim sendo, e até porque a Tabela Nacional de Incapacidades, onde se insere o nº 5 das instruções gerais em causa, foi aprovada e publicada no Decreto-Lei nº 352/2007, de 23 de Outubro, consequentemente muito posteriormente à entrada em vigor da aludida Portaria 11/2000, o legislador teve certamente em conta o teor da aludida Portaria quanto ao cálculo da idade de 50 anos constante do nº 5 das Instruções gerais da aludida TNI quando elaborou esse normativo.
A tal conclusão conduz-nos a unidade do sistema jurídico, por forma a garantir-se desse modo uma interpretação harmónica e sintonizada das normas jurídicas aplicáveis à mesma realidade jurídica.
Assim não se entendendo, como pretende a seguradora, tal levaria a que se considerasse que a sinistrada tem 49 anos de idade quanto ao factor de bonificação, assim não se aplicando tal factor de 1,5, mas já no cálculo do capital de remição da pensão a que tem direito nos presentes autos a que seja aplicada à sinistrada a taxa correspondente aos 50 anos de idade (13,636) face à observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, não fazendo sentido, salvo o devido respeito, que para efeitos da aplicação do factor 1,5 a sinistrada teria 49 anos de idade mas para efeitos de cálculo do capital de remição da pensão a que tem direito, já teria 50 anos de idade, ficando duplamente prejudicada, pois para além de não beneficiar do factor de bonificação de 1,5 ver-lhe ia aplicada uma taxa inferior à taxa correspondente aos 49 anos de idade.
Com efeito, nos termos do disposto no art. 9º, nº 1, do Código Civil “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
E a unidade do sistema jurídico, ou elemento sistemático da interpretação, apenas nos pode conduzir à conclusão de que na interpretação do segmento normativo do no5 das Instruções gerais da TNI “(...) se a vítima (...) tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”, o cálculo da idade de 50 anos aí prevista seja efectuado atendendo-se à já citada observação da Portaria 11/2000 ou seja, tomando-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos (data da alta).
Só dessa forma se conseguindo uma interpretação harmónica, e de acordo com a unidade do sistema jurídico, do aludido nº 5 das Instruções gerais da TNI tendo em conta a mencionada Portaria nº 11/2000, pois se é certo que a maior proximidade do 50º aniversário do sinistrado aquando da data da alta, conduz o interprete a concluir, por força da aludida observação da referida Portaria, que no cálculo do capital de remição da pensão do sinistrado se tenha em conta a taxa correspondente aos 50 anos de idade (13,636), ao invés da taxa prevista para os 49 anos de idade (13,851), assim se penalizando o sinistrado por se considerar o mesmo para esse efeito com 50 anos de idade e não com 49 anos de idade, não se vislumbra qualquer fundamento, a não ser a sustentação de uma interpretação meramente literal e exegética da lei, para que tal maior proximidade do sinistrado do seu 50º aniversário à data da alta não lhe possa conferir a bonificação da multiplicação da sua IPP pelo factor 1.5, considerando-se igualmente o sinistrado para esse efeito com 50 anos de idade e não com 49 anos de idade.
Assim não sendo, estar-se-ia a penalizar duplamente o sinistrado pela sua maior proximidade do seu 50º aniversário relativamente ao seu 49º aniversário à data da alta, pois:
- no cálculo do capital de remição da pensão do sinistrado tem-se em conta a taxa correspondente aos 50 anos de idade (13,636), ao invés da taxa prevista para os 49 anos de idade (13,851), assim recebendo o sinistrado um capital de remição (decorrente da taxa correspondente aos 50 anos) menor do que receberia se lhe fosse aplicada a taxa correspondente aos 49 anos de idade;
- não beneficiaria da bonificação de 1,5 por o sinistrado apesar de estar mais próximo do seu 50o aniversário do que do seu 49º aniversário à data da alta, ainda não ter literalmente 50 anos de idade e se considerarem tout court os seus 49 anos de idade.
Ou seja, uma interpretação meramente literal e totalmente prisioneira da letra do nº 5 das Instruções Gerais da TNI conduziria a que a mesma realidade de o sinistrado ter à data da alta 49 anos e 6 meses ou 49 anos e 7 meses ou 49 anos e 8 meses ou 49 anos e 9 meses ou 49 anos e 10 meses ou 49 anos e 11 meses ou mesmo 49 anos, 11 meses e 29 dias de idade não lhe conferisse a bonificação de 1,5 prevista no aludido nº 5 das Instruções Gerais da TNI, por se considerar que o sinistrado teria de ter feito 50 anos completos para o efeito, mas a mesma circunstância de o sinistrado ter à data da alta 49 anos e 6 meses ou mais de idade já implicaria, nos termos previstos na Portaria 11/2000 para o cálculo da idade do sinistrado, que lhe fosse aplicada a taxa prevista para os 50 anos e não a taxa aí prevista para os 49 anos, penalizando o sinistrado assim em duplicado:
- não beneficiaria do benefício dos 50 anos de idade de multiplicação do seu coeficiente de incapacidade permanente pelo factor 1,5; e
- o capital de remição da sua pensão seria calculado com base numa taxa mais baixa correspondente aos 50 anos, apesar de o sinistrado ainda não ter os 50 anos de idade completos à data da alta e ter 49 anos e 6 meses ou mais.
Uma interpretação meramente literal do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, que refira-se nem a seguradora sustentou nestes autos, afigura-se assim juridicamente inadmissível não só porque contrária à unidade do sistema jurídico a que o intérprete deverá atender na interpretação das normas (cfr. art. 9º, nº 1, do CCivil), mas também por conduzir a uma situação de manifesta e injustificada desigualdade dos sinistrados com 49 anos e 6 meses ou mais de idade relativamente aos sinistrados já com 50 anos completos (v.g. 50 anos e 1 mês ou 50 anos e 2 meses) pois estes, apesar de também verem de igual forma o capital de remição da sua pensão calculado com base na taxa correspondente aos 50 anos, sempre beneficiariam inquestionavelmente do aludido factor de bonificação de 1,5 previsto no referido nº 5 das Instruções Gerais da TNI (pois literalmente têm 50 anos de idade), impondo-se por isso, a nosso ver, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, que a forma de cálculo da idade de 50 anos do sinistrado para a aplicação da bonificação de 1,5 pelo factor idade tenha de ser a mesma que está prevista para o cálculo do capital de remição das pensões, na já abundantemente aqui já referida observação constante da Portaria 11/2000.
Ou seja, quer no momento de cálculo da IPP do sinistrado (com a aplicação do factor 1,5 à IPP arbitrada ao sinistrado), quer no momento do cálculo da remição da pensão decorrente da aludida IPP deverá observar-se a aludida observação (passe o pleonasmo) constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro: na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos (ou seja, a data da alta).
E dessa forma se é certo que o sinistrado com 49 anos e 6 meses ou mais de idade à data da alta resulta objectivamente prejudicado com a aplicação ao cálculo do seu capital de remição da pensão da taxa prevista para os 50 anos por o seu 50º aniversário estar mais próximo da data da alta, sempre o mesmo já beneficia, por essa mesma circunstância (com efeito, a idade a atender é sempre a mesma), da bonificação de 1,5 exactamente pelo mesmo factor temporal, só assim se conseguindo uma interpretação normativa observando a unidade do sistema jurídico e a interpretação harmónica das aludidas normas de acidente de trabalho, que garante a igualdade de tratamento entre um sinistrado com 49 anos e 6 meses ou mais à data da alta e um sinistrado com 50 anos de idade nessa mesma data da alta, evitando que vendo ambos o seu capital de remição da pensão calculado com base na taxa prevista para os 50 anos, apenas este último beneficiasse do factor 1,5 em função da idade numa clara situação de desigualdade de tratamento relativamente ao primeiro.
Regressando à situação concreta dos presentes autos, resulta da factualidade provada que à data da alta (14/11/2022) a sinistrada, nascida em .../.../1973, tinha 49 anos, 10 meses e 14 dias de idade.
E assim sendo, na aplicação do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, importa tomar-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data da alta, ou seja a idade de 50 anos, considerando-se, por isso, aplicável ao sinistrado a atribuição do factor de bonificação de 1,5 devido ao factor idade.
Sendo certo que «a atribuição do factor de bonificação de 1,5 devido ao facto de o sinistrado ter 50 anos de idade resulta da própria lei e é de conhecimento oficioso, não estando dependente de qualquer juízo técnico dos senhores peritos médicos, pelo que a mesma deve ser realizada pelo juiz independentemente da eventual falta de pronuncia dos peritos sobre essa matéria”, (Ac. RP de 20-09-2021; www.dgsi.jtrp.pt - Proc. nº 96/13.5TTGDM.6.P1).
Destarte, impõe-se concluir pela aplicação do factor de bonificação de 1,5 à IPP de 5% que foi reconhecida à sinistrada na junta médica realizada, o que implica a fixação ao sinistrado da IPP de 7,5% (= 5% x 1,5), o que se decide.”
Alega a recorrente:
“A aplicação do fator de bonificação rege-se pela Tabela Nacional de Incapacidade (TNI), a qual, nas instruções gerais, define as regras da sua aplicação – regras que aqui expressamente se invocam.
Outra situação é o caso da observação constante da Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, que estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado.
A Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro, que como muito bem é referido, estabelece as bases técnicas aplicáveis ao cálculo de remição e não à aplicação da IPP, como é pretendido.
Estão em causa realidades distintas.
Mais, salvo todo o respeito que a douta Sentença recorrida nos merece, não parece que os diplomas legais referidos suscitem grandes dificuldades quanto à sua interpretação.
Assim, se como já se disse, resulta bem claro, quer da sua letra, quer como da sua ratio, que se debruçam sobre realidades distintas, o que, por si só já permite delimitar bem o seu escopo e a que situações se aplicam, a verdade é que, pela natureza dos próprios diplomas, é de esperar que a sua aplicação não levante grandes dificuldades de ordem prática, mormente quanto à interpretação do seu conteúdo.
Isto porque, recorde-se, estamos a falar de bases técnicas e de tabelas práticas, cuja aplicação se espera que seja o mais objetiva possível.
(...)
Assim, se como já se disse, resulta bem claro, quer da sua letra, quer como da sua ratio, que se debruçam sobre realidades distintas, o que, por si só já permite delimitar bem o seu escopo e a que situações se aplicam, a verdade é que, pela natureza dos próprios diplomas, é de esperar que a sua aplicação não levante grandes dificuldades de ordem prática, mormente quanto à interpretação do seu conteúdo.
Isto porque, recorde-se, estamos a falar de bases técnicas e de tabelas práticas, cuja aplicação se espera que seja o mais objetiva possível.”
Respondeu o Ministério Público: “O entendimento expresso na sentença recorrida apresenta-se como o mais favorável à salvaguarda dos direitos da sinistrada, decorrentes do acidente de trabalho participado e pela mesma sofrido. Termos em que entendemos dever a sentença ser confirmada.”
Nos termos do disposto no art. 50º, nº 2, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que “Regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais”, a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
Acrescentando-se no art. 20º que, a determinação da incapacidade é efetuada de acordo com a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, elaborada e atualizada por uma comissão nacional, cuja composição, competência e modo de funcionamento são fixados em diploma próprio.
E no art. 76º, nº 1, que a indemnização em capital é calculada por aplicação das bases técnicas do capital da remição, bem como das respetivas tabelas práticas.
Por seu lado, determina-se no nº 5, al. a), das “Instruções Gerais (anexo I), da Tabela Nacional de Incapacidades, que os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.
No caso, importa ainda considerar que, sob a designação de “Observação”, consta da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro (que aprova as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho e aos valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho a que as entidades empregadoras tenham sido condenadas ou a que se tenham obrigado por acordo homologado), o seguinte: “Na aplicação das tabelas práticas, toma-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data a que se referem os cálculos”.
Com base nesta última, argumenta-se na sentença que “na aplicação do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, importa tomar-se a idade correspondente ao aniversário mais próximo da data da alta”. Por seu lado, sustenta a recorrente que “resulta bem claro, quer da sua letra, quer como da sua ratio, que se debruçam sobre realidades distintas, o que, por si só já permite delimitar bem o seu escopo e a que situações se aplicam”.
Nos termos do art. 9º do Código Civil:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Referem a propósito Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição revista e actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra: Coimbra Editora, 1982, pág. 58, “embora sem grande rigor, o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal (...). Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do nº 3.”
A questão está em determinar se o enquadramento sistemático das normas permite a interpretação feita na sentença, face ao disposto no art. 50º, nº 2, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro.
A resposta é negativa, não obstante se compreender as razões da interpretação preconizada na sentença e sem descurar a qualidade da argumentação aduzida.
Conforme se salienta no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28 de Maio de 2015, processo 744/09.1TTPTM-B.E1, acessível em www.dgsi.pt, quer a Tabela Nacional de Incapacidades, quer (acrescentamos nós) as regras referentes ao cálculo do capital de remição das pensões, da Portaria nº 11/2000, de 13 de Janeiro, têm “natureza meramente instrumental em relação ao regime jurídico substantivo da reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho”, e com este não concorrem. Ou seja, o conteúdo jurídico relevante no regime de reparação dos acidentes é domínio da LAT e do seu regulamento.
Ora, analisando-se a norma do art. 50º, nº 2, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, não se vislumbra que a aludida interpretação (da consideração do factor de bonificação do nº 5, al. a), das “Instruções Gerais (anexo I), da Tabela Nacional de Incapacidades), a sinistrado que perfaça os cinquenta anos nos seis meses seguintes à alta, possa ser acolhida, atenta a limitação do nº 2 do art. 9º do Código Civil.
Ainda que este entendimento possa acarretar situações de injustiça relativa, conforme se salienta no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Setembro de 2017, processo 706/11.9TTVFR.P1, ao que se supõe não publicado, havendo que se presumir que o legislador adotou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3, do Cód. Civil), “a aparente diferença de tratamento, nesta ou em outras situações, não deixa de ser uma consequência normal de soluções legais em que são introduzidos limites aos direitos atribuídos”.
O capital de remissão será, pois, o correspondente a € 325,85, devido pela incapacidade de 5%.
Assim, procede a apelação.

IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que atribuiu à sinistrada o facto de bonificação de 1,5, previsto no nº 5 da TNI, substituindo-se pelo presente acórdão que fixa a IPP da sinistrada em 5%, condenando-se a recorrente a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de € 325,85 (trezentos e vinte e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos), devida desde 15/11/2022, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a referida data de vencimento até integral e efectivo pagamento. No mais mantém-se a sentença recorrida.
Sem custas por delas estar isenta a sinistrada.

Porto, 15 de Janeiro de 2024
Rui Penha
Eugénia Pedro
Germana Ferreira Lopes