Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
301/21.4T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL FERREIRA
Descritores: CONCLUSÕES DO RECURSO
CONCLUSÕES DEFICIENTES
NULIDADE POR OPOSIÇÃO ENTRE A DECISÃO E SEUS FUNDAMENTOS
PROVA GRAVADA
MATÉRIA CONCLUSIVA
Nº do Documento: RP20240710301/21.4T8OAZ.P1
Data do Acordão: 07/10/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A reprodução do texto da motivação do recurso nas respectivas conclusões não é equiparável a uma situação de falta de conclusões, mas de conclusões deficientes (no caso devido à sua prolixidade e excessividade).
II – Se, apesar da referida deficiência das conclusões (serem repetição da motivação), estas cumprem, ainda assim, a sua função de delimitação do objecto do recurso, pois enunciam de forma individualizada as questões suscitadas pela recorrente e foram correctamente percepcionadas pela recorrida, que exerceu o seu contraditório de forma cabal, pronunciando-se nos termos que entendeu sobre aquelas, não se mostra necessário existir despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
III – A eventual contradição entre a decisão da matéria de facto e a sua fundamentação não integra a nulidade por “oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela repousa”, mas antes erro de julgamento quanto à matéria de facto.
IV – À recorrente incumbe identificar e concretizar os meios de prova e os excertos da prova gravada que directamente contendem com os factos que impugna, cabendo ao tribunal de recurso, se o entender, apreciar da conveniência de ouvir a totalidade da prova gravada (não para fazer uma reapreciação global, mas apenas na medida em que o entenda necessário para contextualizar as passagens indicadas quanto aos pontos de facto impugnados).
V – No elenco dos factos provados e não provados apenas devem constar “factos” e não matéria conclusiva e/ou de direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 301/21.4T8OAZ.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis)



Relatora: Isabel Rebelo Ferreira
1ª Adjunta: Maria Manuela Machado
2º Adjunto: Aristides Rodrigues de Almeida


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:


I “Clínica Médica, Fisioterapia, A..., Lda.” intentou, no Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, acção declarativa, com processo comum, contra “B..., S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 47.408,34, acrescida de juros vincendos, a partir da citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tal que celebrou um contrato de prestação de serviços com a R., no âmbito do qual a A. prestava cuidados médicos a utentes que beneficiavam de contrato de seguro de saúde com a R., havendo um valor pago pelo utente e um valor a pagar pela R., e que esta, até ao momento, não pagou a quantia de € 47.408,34, conforme saldo da conta-corrente onde eram lançados os débitos da R. e os pagamentos por esta efectuados.
A R. contestou, alegando que o contrato foi “objecto de rescisão” em Dezembro de 2020, por facturações indevidas de actos médicos aos seus clientes, que já havia comunicado à A. a suspensão, desde 13 de Agosto de 2020, dos pagamentos relativos a facturas por esta apresentadas, e que, a 4 de Novembro de 2020, foi realizada uma reunião presencial entre as partes, visando a resolução extrajudicial do diferendo que as opunha (a R. concluiu, no âmbito de uma auditoria realizada internamente, pela violação das obrigações contratuais assumidas pela A., a qual implicou a facturação indevida e respectivo pagamento da quantia de € 68.078,83), sem sucesso, e impugnando os factos alegados pela A. como fundamento da acção, afirmando nada dever a esta.
Por despacho de 04/06/2021, suscitando-se dúvidas sobre se a A. queria invocar contrato de conta-corrente ou fazer mero apelo da conta-corrente como documento contabilístico, foi a A. convidada a apresentar nova petição inicial corrigida, suprindo as insuficiências assinaladas quanto à caracterização do contrato de conta-corrente ou, não sendo essa a causa de pedir que pretende invocar, concretizando os serviços prestados e respectivos valores individuais que lhe permitiram alcançar o saldo indicado.
A A. apresentou nova petição inicial corrigida, alegando que, após as consultas e perante a exibição do cartão de saúde, eram facturados à R. as consultas e os cuidados médicos prestados pela A., que, entre Julho e Dezembro de 2020, foram efectuados os procedimentos médicos constantes das facturas que juntou e que A. e R. acordaram desde o início que os movimentos de facturas e pagamentos seriam lançados numa conta-corrente onde seriam lançadas as facturas dos serviços prestados pela A. e lançados os pagamentos efectuados pela R., que neste momento apresenta o saldo favorável à A. de € 47.408,34, tendo a R. enviado uma carta “denunciando” o contrato em 11/12/2020. Como a A. efectuou serviços aos utentes que possuíam seguro B..., de imediato suspendeu tais serviços, facturando os que havia prestado entre Julho de 2020 e Dezembro de 2020, que a R. recusa pagar, apesar de diversas vezes instada a fazê-lo.
A R. contestou, invocando que quanto à matéria alegada nos arts. 22º e 23º da nova petição inicial a A. extravasou o âmbito do convite ao aperfeiçoamento, que a A. se limitou a invocar as facturas emitidas, o que não cumpre com o ónus de invocação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, e impugnando a factualidade alegada.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio, como sendo “o direito de crédito da autora ancorado em responsabilidade contratual da ré”, elencaram-se os factos assentes (por acordo das partes nos articulados ou prova documental) e enunciaram-se os temas da prova.
Procedeu-se seguidamente a julgamento.
Após, foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver a R. do pedido.
De tal sentença veio a A. interpor recurso, tendo, na sequência da respectiva motivação, apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1 - Existe uma contradição insanável entre a prova documental e testemunhal produzida em audiência e os factos dados como não provados que determinaram a [improcederia][improcedência] da ação de que ora se recorre.
-2 Com efeito da prova produzida em audiência resultaram provados os seguintes factos conforme pode[e]mos verificar pelos depoimentos abaixo transcritos e que são:
a) A ré não comunicou e esclareceu a autora, no momento da celebração do contrato de prestação de serviços, o conteúdo das cláusulas 5ª, 6ª e 10ª.
b) Após as consultas e perante a exibição do cartão de saúde, era faturado à B... a consulta e os cuidados médicos prestados.
c) Entre Julho e Dezembro de 2020 foram efectuados os procedimentos médicos constantes de facturas juntas aos autos em anexo a petição inicial, corrigida e apresentada a 18.06.2021, que foram remetidas à ré que não contestou o seu teor.
d) Autora e ré acordaram desde o inicio da sua relação comercial que os movimentos de faturas e pagamentos seriam lançados numa conta-corrente onde seriam lançadas as faturas dos serviços prestados pela autora e lançados os pagamentos efetuados pela ré.
e) A ré deve à autora a quantia de € 47.408,34.
3 - DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA:
4 - Com interesse para o recurso, procedeu-se à audição da prova gravada, registando-se nas Alegações supra o depoimento gravado que sustenta o presente recurso e impõe a alteração da sentença proferida, dando como provados os pedidos formulados pela A.
Assim o Tribunal recorrido ao não dar como provados os fa[c]tos alegados pela Autora na sua petição inicial, impunham de per si uma decisão diferente da proferida, o que com este recurso se requer, violou deste modo o disposto no artigo 607º nº 4 do CPC.
5 - Com efeito, desde o inicio do contrato entre A. e R., o procedimento, a faturação e o pagamento foi sempre o mesmo.
6 - Nunca a Ré contestou qualquer valor e nunca a A. foi convidada a proceder doutra forma.
7 - Os serviços médicos e os respetivos procedimentos e exames não foram nunca inventados
8 - Como muito bem refere a legal representante da A. nas suas declarações gravadas e acima transcritas.
(…)
9 - Por estas declarações e com base nas mesmas prestadas com isenção e imparcialidade nunca o Sr. Juiz poderia dar como não provado que:
a) A ré não comunicou e esclareceu a autora, no momento da celebração do contrato de prestação de serviços, o conteúdo das cláusulas 5ª, 6ª e 10ª.
b) Após as consultas e p[are][era]nte a exibição do cartão de saúde, era faturado à B... a consulta e os cuidados médicos prestados.
c) Entre Julho e Dezembro de 2020 foram efectuados os procedimentos médicos constantes de facturas juntas aos autos em anexo a petição inicial, corrigida e apresentada a 18.06.2021, que foram remetidas à ré que não contestou o seu teor.
d) Autora e ré acordaram desde o inicio da sua relação comercial que os movimentos de faturas e pagamentos seriam lançados numa conta-corrente onde seriam lançadas as faturas dos serviços prestados pela autora e lançados os pagamentos efetuados pela ré.
e) A ré deve à autora a quantia de €47.408,34.
10 - Estamos alias em presença de um caso estranho, senão vejamos:
11 - A A. demanda da Ré a quantia de €:47.408,34.
12 - A Ré por sua vez, quebra o contrato e reclama sem nunca o demonstrar a quantia de 60.000,00 indevidamente pagos à A.
13 - Se a R. tem tanto essa certeza porque não o fez em Reconvenção? Antes procurou o caminho fácil da queixa-crime que corre termos no DIAP de Santa Maria da Feira – 1ª Secção - sob o bº 2269/21.8T9VFR?
14 - Venerandos Desembargadores, a presente acção de que se recorre não pode deixar de dar razão à A. Isto por que em nosso modesto entender trat[5]a-se de um verdadeiro abuso de direito.
15 - O contrato subscrito entre as partes foi um verdadeiro contrato de adesão.
16 - A Ré nunca impôs condições, quer à A. quer aos seus segurados.
17 - Todos temos seguros de saúde e quando algo corre mal os segurados são chamados a uma Junta Médica ou a exibir exames complementares de diagnostico.
Veja-se o caso do depoimento da testemunha. AA para ilustrar o que acabamos de referir:
(…)
18 - Venerandos Desembargadores a questão é simples: quem tem seguro de saúde usufrui do plafond sem restrições, acabando o plafond, paga do seu bolso.
19 - Não existe aqui qualquer ilegalidade.
20 - Não existe aqui simulação.
21 - Não existe má-fé.
22 - Quanto à principal testemunha da Ré, Dr. BB o mesmo não adiantou nada em relação a este processo, apenas referiu que não existiu nenhuma auditoria à A.:
(…)
23 - Ou seja a Ré não demonstrou qualquer ilegalidade efetuada pela A., antes a A. procedeu como sempre o fez.

Termos em que dando provimento ao presente recurso, revogando a douta sentença e em consequência condenar a R. nos pedidos formulados pela A., V. Excias. farão a costumada JUSTIÇA!.».
A R. apresentou contra-alegações, invocando que o recurso não deve ser admitido, pois a recorrente incumpriu o ónus de alegação e de conclusão, porque as conclusões, expurgadas das transcrições de depoimentos, “são uma reprodução integral da alegação, limitando-se a numerar os respectivos parágrafos”, o que se assemelha à total ausência de conclusões, e porque se verifica a “total ausência de explanação das normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas que constituem a fundamentação jurídica da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ou a norma jurídica desaplicada que deveria tê-lo sido”; e que deve ser rejeitado o recurso na parte da impugnação da matéria de facto, porque a recorrente incumpriu com o ónus de especificação em sede de impugnação da matéria de facto, não identificando “quais os concretos meios de prova documental em que baseia a sua discordância”, nem “com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, ainda que proceda, aparentemente, a uma transcrição integral dos depoimentos prestados, pelo menos em sede de alegação, a que acresce a circunstância de os meios de prova gravada transcritos na alegação não corresponderem àqueles constantes das conclusões”; defendendo ainda a manifesta improcedência do recurso, ao qual deve ser negado provimento, mantendo-se a sentença recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), e tendo ainda em conta que “as questões que integram o objeto do recurso e que devem ser objeto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor”, cabendo ao tribunal de recurso “apreciar as questões solicitadas, sob pena de omissão de pronúncia”, mas não “responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado para a sua sustentação” (cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7ª ed. actualizada, 2022, págs. 135 e 136), são as seguintes as questões a tratar, por ordem lógica de precedência:
a) admissibilidade do recurso;
b) nulidade da sentença;
c) impugnação da matéria de facto;
d) procedência da pretensão formulada pela A..
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Vejamos a primeira questão.
Insurge-se a recorrida pelo facto de a recorrente, no requerimento de recurso, ter apresentado nas conclusões a reprodução integral da alegação, unicamente com excepção das transcrições dos depoimentos, defendendo que tal consubstancia uma situação de ausência de conclusões.
Na verdade, compulsado todo o teor do requerimento de recurso verifica-se que a recorrente se limitou a copiar nas conclusões tudo quanto já havia escrito na motivação, unicamente com excepção das transcrições dos depoimentos, sem qualquer alteração, inclusivamente mantendo-se os erros ortográficos e os lapsos de escrita!
Nos termos do disposto no art. 639º, nº 1, do C.P.C., o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
“Cumpre ao recorrente enunciar os fundamentos da sua pretensão no sentido da alteração, anulação ou revogação da decisão, rematando com as conclusões que representarão a síntese das questões que integram o objecto do recurso”.
“Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares”. “Apesar de a lei adjetiva impor a constituição de advogado, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objecto do processo e a apreciação, pelo tribunal ad quem, de todas as questões suscitadas”.
“Embora seja claramente errada a reprodução no segmento das conclusões do teor da motivação, tal não corresponde a uma situação de “falta de conclusões”. Mais se ajusta considerar que se trata de conclusões excessivas ou prolixas, dirigindo ao recorrente um despacho de convite ao aperfeiçoamento, sem embargo da aplicação de alguma sanção sustentada na violação clara de um ónus processual” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 182, 186 e 187, nota 321).
No caso, a recorrente não só reproduziu os argumentos da motivação nas conclusões, mas reproduziu todo o texto daquela, como se disse, sem nada retirar, unicamente com excepção das transcrições dos depoimentos.
Portanto, não efectuou, realmente, a síntese das questões que constituem o objecto do recurso.
Tal situação, como se viu, não é equiparável a uma situação de falta de conclusões, mas de conclusões deficientes (no caso devido à sua prolixidade e excessividade), podendo ser necessário, se tal afectar de tal ordem a respectiva compreensão, nomeadamente em termos de pôr em causa a resposta da parte contrária, proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do nº 3 do aludido art. 639º do C.P.C..
No presente caso, porém, apesar da referida deficiência das conclusões (serem total repetição da motivação), estas cumprem, ainda assim, a sua função de delimitação do objecto do recurso, pois enunciam de forma individualizada as questões suscitadas pela recorrente (a sua discordância em relação à matéria de facto decidida na sentença recorrida) e, como se vê das contra-alegações da recorrida, foram correctamente percepcionadas por esta, que exerceu o seu contraditório de forma cabal, pronunciando-se nos termos que entendeu sobre aquelas.
Donde, nem sequer se mostrou necessário existir despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.
Não se coloca, assim, esta objecção apresentada pela recorrida.
A recorrida defende ainda que o recurso não é admissível por se verificar a “total ausência de explanação das normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas que constituem a fundamentação jurídica da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas ou a norma jurídica desaplicada que deveria tê-lo sido”.
As exigências a que se refere a recorrida constam do art. 639º, nº 2, do C.P.C., no qual se diz que as conclusões devem conter tais indicações, versando o recurso sobre matéria de direito.
Quer dizer, as exigências de incluir nas conclusões as normas jurídicas violadas, o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas e/ou a norma jurídica que deveria ter sido indicada respeitam apenas aos recursos em matéria de direito, não sendo de aplicar aos recursos da matéria de facto.
No caso, como resulta do teor da alegação e das conclusões do recurso, verifica-se que o mesmo versa apenas matéria de facto (e não matéria de direito), sendo a pretensão de procedência da acção, no entender da recorrente, decorrência da prova dos factos que a mesma entende que estão provados, ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida.
Portanto, sem necessidade de mais considerações, e independentemente da verificação da existência ou não das referidas indicações, é de concluir que também não colhe esta objecção levantada pela recorrida, não sendo o recurso inadmissível por este motivo.
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Vejamos a segunda questão.
Embora não aluda expressamente a uma situação de nulidade, a recorrente alega que “existe uma contradição insanável entre a prova documental e testemunhal produzida em audiência e os factos dados como não provados”, podendo eventualmente questionar-se a invocação da nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do C.P.C..
Está aqui em causa a situação de “oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela repousa”, referindo-se a lei “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão”. Há aqui “um vício real no raciocínio do julgador”, pois “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. revista e actualizada, 1985, págs. 689 e 690).
Como se diz no Ac. da R.P. de 18/09/2023, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 708/20.4T8VNG.P1, “a contradição lógica susceptível de inquinar a decisão à luz do art. 615º, nº 1, c) do CPC é a que se verifica entre a fundamentação de direito e a decisão final, não uma, eventual, contradição entre os factos julgados provados e o direito tido por aplicável”.
Com efeito, o aludido vício de nulidade “só ocorre quando os fundamentos de facto e ou de direito invocados no acórdão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que integra o respectivo segmento decisório”, pelo que “o erro de interpretação dos factos e ou do direito ou na aplicação deste constitui erro de julgamento, e não o vício de nulidade decorrente de contradição entre os fundamentos e a decisão” (cfr. Ac. do S.T.J. de 11/10/2005, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 05B3035).
No caso concreto, invoca a recorrente uma contradição entre a prova documental e testemunhal produzida e os factos não provados (embora sem concretizar essa contradição).
Como resulta do que se disse supra, a eventual contradição entre a decisão da matéria de facto e a sua fundamentação (a motivação da matéria de facto decorre da análise da prova produzida) não integra a nulidade por “oposição entre a decisão e os fundamentos em que ela repousa”, mas antes erro de julgamento quanto à matéria de facto, o que, aliás, foi invocado pela recorrente, tendo sido impugnada a matéria de facto quanto aos referidos factos não provados, o que será de conhecer aquando do tratamento da terceira questão enunciada.
Ademais, vista a sentença recorrida verifica-se que a fundamentação (de facto e de direito) e a decisão não estão em contradição, pois que da primeira resulta que o tribunal a quo entende que a pretensão dos AA. não pode proceder e na decisão julga-se precisamente improcedente a acção, em consonância com o que se disse na fundamentação.
Pode-se concordar ou não com a decisão e/ou com os fundamentos, pode-se entender que existiu erro de julgamento (como está também invocado no recurso) ou que a decisão não é correcta e é injusta, mas isso não significa que exista contradição entre os fundamentos e a decisão.
Independentemente da concordância ou não com a decisão, da leitura da sentença percebe-se o motivo pelo qual não foi a acção julgada procedente.
É de concluir, pois, que não ocorre a nulidade em questão.
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Passemos à terceira questão.
O recurso pode ter como objecto a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada (cfr. art. 638º, nº 7, e 640º do C.P.C.).
Neste caso, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição (nº 1 do art. 640º):
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
No que respeita à alínea b) do nº 1, e de acordo com o previsto na alínea a) do nº 2 da mesma norma, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Uma vez que a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, a lei impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente, embora invoque o que considera ser matéria de facto incorrectamente julgada e a decisão que deve ser proferida (ainda que não da forma mais escorreita), percebendo-se que pretende pôr em causa os factos não provados das alíneas a) a e) e que os mesmos sejam considerados provados, não enuncia os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa sobre aquela matéria e, tratando-se de depoimentos gravados, não indica as passagens da gravação em que funda o recurso.
Com efeito, a recorrente, começando por referir, genericamente, que a apreciação da prova “não teve em consideração os depoimentos das testemunhas da A., bem como o seu depoimento de parte, assim como toda a prova documental”, limita-se a aduzir que os factos em crise resultaram provados “da prova produzida em audiência”, “conforme poderemos verificar pelos depoimentos abaixo transcritos”, e que “procedeu-se à audição da prova gravada, registando-se nas Alegações supra o depoimento gravado que sustenta o presente recurso e impõe a alteração da sentença proferida”, bem como a transcrever todos os depoimentos prestados na audiência de julgamento, com excepção apenas de uma testemunha arrolada pela R. (depoimento de parte de um legal representante da A., declarações de parte de outra (!) legal representante da A., depoimentos de todas as seis testemunhas arroladas pela A. e de uma das duas testemunhas arroladas pela R.), na sua totalidade e a concluir que “assim o Tribunal recorrido ao não dar como provados os fa[c]tos alegados pela Autora na sua petição inicial, impunham de per si uma decisão diferente da proferida, o que com este recurso se requer”, não indicando quais daqueles depoimentos fundamentam a sua pretensão de alteração da matéria de facto nem discriminando as concretas e específicas passagens da gravação em que funda o recurso, nem indicando qualquer prova documental (da vasta que se encontra nos autos) em benefício da sua pretensão, sendo certo que pelo menos a alínea c) dos factos não provados convocaria prova documental em conjugação com prova testemunhal para a sua apreciação.
De seguida, a recorrente volta a reproduzir a quase totalidade (apenas com excepção da parte inicial) das declarações de parte da legal representante da A., na parte em que respondeu às instâncias do mandatário da A., aduzindo que “por estas declarações e com base nas mesmas prestadas com isenção e imparcialidade nunca o Sr. Juiz poderia dar como não provado” as alíneas dos factos não provados, uma parte do depoimento da testemunha AA, a instâncias do mandatário da A., sublinhando declarações respeitantes ao pagamento de serviços médicos nos casos em que o “plafond” do seguro já estava esgotado (matéria que não faz parte da causa de pedir dos presentes autos e não consta de qualquer facto alegado nos articulados), e uma parte do depoimento da testemunha BB, que sublinha na totalidade, aduzindo embora que “o mesmo não adiantou nada em r[a][e]lação a este processo, apenas referiu que não existiu nenhuma auditoria à A.” (ou seja, é a própria recorrente quem assume que este depoimento não tem interesse para a resolução da impugnação da matéria de facto que apresentou).
Perante a situação exposta, nem com muito boa vontade, nem fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade [não exacerbar os requisitos formais a tal ponto que tal se traduza numa denegação/recusa da reapreciação da matéria de facto, ao arrepio do que foi a intenção do legislador e do que consta claramente da letra da lei (neste sentido, cfr. Ac. do S.T.J. de uniformização de jurisprudência nº 12/2023, de 14/11, D.R. n.º 220/2023, Série I, págs. 44 a 65, e António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7ª edição actualizada, págs. 202 a 207)], se pode considerar que esteja minimamente cumprido o especial ónus de alegação que incumbia à recorrente quanto às matérias previstas no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C..
Ou seja, a recorrente não cumpriu com esse especial ónus de alegação.
Na verdade, à recorrente incumbe identificar e concretizar os meios de prova e os excertos da prova gravada que directamente contendem com os factos que impugna (como se disse, a impugnação da decisão de facto não se destina a que o tribunal de recurso reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância) – cabendo ao tribunal de recurso, se o entender, apreciar da conveniência de ouvir a totalidade da prova gravada (não para fazer uma reapreciação global, mas apenas na medida em que o entenda necessário para contextualizar as passagens indicadas quanto aos pontos de facto impugnados).
“A especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação” (cfr. Ac. do S.T.J. citado por António Santos Abrantes Geraldes na nota 353 da pág. 207 da ob. cit.).
A consequência do incumprimento das especificações previstas no art. 640º, nºs 1 e 2, do C.P.C. é a rejeição do recurso na parte respeitante à impugnação da matéria de facto.
Assim, em conformidade com o disposto nesta disposição legal, rejeita-se o recurso no que respeita à impugnação da matéria de facto, por incumprimento da recorrente do exigido no art. 640º, nº 1, al. b), e nº 2, al. a), do C.P.C..
Anote-se que, ainda que assim não fosse, sempre a impugnação estaria votada ao insucesso, na medida em que, das declarações transcritas na totalidade pela recorrente, como já referido, o depoente de parte CC e as testemunhas DD, EE, FF, GG e BB nada disseram ou souberam dizer sobre os factos impugnados (como se vê logo da simples leitura das transcrições efectuadas), a testemunha AA apenas referiu que fez tratamentos na clínica (fisioterapia, consultas médicas, exames, ecografias), onde já vai há muitos anos, tendo feito muitos, pelo que agora não pode precisar “propriamente” o que fez, e a testemunha HH apenas explicou que havia situações em que aproveitava para fazer diferentes consultas e/ou fisioterapia no mesmo dia, com horários diferentes, por ser uma pessoa com “muitas patologias” e “portadora do atestado multiusos” – o que não permite dar como provado qualquer um dos factos impugnados, designadamente o (mais relevante para a pretensão da A.) da alínea c) dos factos não provados.
Anote-se ainda que as declarações de parte de uma das legais representantes da A. (que não foi a mesma que prestou depoimento de parte), para além de serem declarações de parte, necessitando de corroboração de outra prova mais imparcial, também nada permitiam esclarecer quanto ao facto essencial em causa, posto que a mesma apenas referiu que as facturas foram todas emitidas porque não houve pagamentos e apenas disse que “sim” à pergunta genérica do mandatário da A. sobre se “continuaram a prestar serviços em Agosto, Setembro, Outubro e Novembro, até à chegada da carta da companhia e isto reflecte toda essa faturação”, e que as facturas em causa apenas indicam genericamente “serviços prestados fisioterapia/exames médicos/consultas”, ou “serviços prestados fisioterapia/consultas médicas/exames médicos”, ou “serviços prestados fisioterapia/exames médicos/consultas médicas”, ou “serviços prestados fisioterapia/consultas médicas/exames médicos referente aos sinistros …” (seguindo-se a indicação de vários números, sem mais), ou tão-só “serviços prestados referente aos sinistros …” (com a mesma indicação de números), e uma delas (a que constitui o documento 114) nem sequer tem alguma das referidas indicações, limitando-se a elencar 13 números, sem qualquer identificação.
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Não obstante a rejeição da impugnação da matéria de facto, há que conhecer oficiosamente das seguintes questões que se levantam quanto à matéria elencada nos factos provados e nos factos não provados, atento o que decorre do art. 607º, nº 4, aplicável aos acórdãos por força do art. 663º, nº 2, ambos do C.P.C.:
1) o ponto 2 dos factos provados [Autora e ré celebraram acordo, por escrito, denominado contrato de prestação de serviços – rede B... – unidade clínica, constante de doc. nº1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.] remete para o teor do documento 1 junto com a petição inicial, cujo teor reproduz. Porém, o doc. 1 junto com a petição inicial não está completo, posto que apenas contém 48 de um total de 54 páginas (o que sucede quer com a cópia junta com a petição inicial, quer com a cópia junta com a petição inicial corrigida), sendo que o documento completo, com as 54 páginas, é o que se encontra junto com a contestação como documento 1. Assim, há que rectificar em conformidade a redacção deste ponto, a qual passa a ser: Autora e ré celebraram acordo, por escrito, denominado contrato de prestação de serviços – rede B... – unidade clínica, constante do doc. nº 1 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2) a alínea a) dos factos não provados [A ré não comunicou e esclareceu a autora, no momento da celebração do contrato de prestação de serviços, o conteúdo das cláusulas 5º, 6º e 10º.] contém matéria não alegada e matéria que apenas foi alegada a propósito da “questão prévia” da competência do tribunal.
Com efeito, os artigos iniciais da petição inicial respeitam à invocação da referida questão, pois a autora pôs em causa a cláusula 10ª do contrato, que previa o recurso à arbitragem particular em caso de conflito, alegando violação dos deveres de comunicação e informação previstos nas normas dos arts. 5º e 6º do D.L. nº 446/85, de 25/10 (a alusão do D.L. 220/95 deve-se a lapso manifesto, pois este diploma legal respeita apenas a uma alteração legal do D.L. 446/85), defendendo assim a competência dos tribunais judiciais.
Ou seja, nada foi alegado quanto às cláusulas 5ª e 6ª do contrato, que, aliás, nada relevam para o que se discute nos autos (devendo-se a sua referência nesta alínea dos factos não provados seguramente a confusão com a invocação dos arts. 5º e 6º do D.L. nº 446/85) e quanto à cláusula 10ª, o alegado respeitava à questão da competência do tribunal, que não está em causa, posto que a R., na contestação, aceitou a competência dos tribunais judiciais para dirimir este conflito (e nada tem que ver com a causa de pedir da acção).
E de todo o modo, acaso estivesse em causa a cláusula, o ónus da prova da comunicação incumbe ao contraente que se socorre das cláusulas contratuais gerais (que, no caso, seria a R.), não cabendo ao aderente provar que não houve comunicação. Logo o facto relevante, que poderia resultar provado ou não provado, era o de que a “a R. comunicou e esclareceu a A. …” e não o facto negativo de que “não comunicou e não esclareceu …”.
Portanto, o referido facto será eliminado do elenco dos factos não provados, não tendo que constar nem deste, nem do elenco dos factos provados.
3) o facto da alínea b) dos factos não provados [Após as consultas e perante a exibição do cartão de saúde, era facturado à B... a consulta e os cuidados médicos prestados.] foi alegado no art. 15º da petição inicial corrigida e encontra-se expressamente aceite pela R. no art. 12º da nova contestação, pelo que, estando aceite por acordo das partes nos articulados, tem de constar do elenco dos factos provados e não dos factos não provados.
Assim, este facto passa para os factos provados e passa a ser o ponto 4.
4) o facto da alínea d) dos factos não provados [Autora e ré acordaram desde o início da sua relação comercial que os movimentos de facturas e pagamentos seriam lançados numa conta-corrente onde seriam lançadas as facturas dos serviços prestados pela autora e lançados os pagamentos efetuados pela ré.] foi alegado no art. 19º da petição inicial corrigida e encontra-se expressamente aceite pela R. no art. 12º da nova contestação, pelo que, estando aceite por acordo das partes nos articulados, tem de constar do elenco dos factos provados e não dos factos não provados.
Assim, este facto passa para os factos provados e passa a ser o ponto 5.
5) a alínea e) dos factos não provados [A ré deve à autora a quantia de €47.408,34.] não contém matéria de facto, mas matéria conclusiva. Efectivamente, dizer que alguém deve a outrem uma determinada quantia é uma conclusão a retirar de factos concretos, como sendo (tendo em conta a causa de pedir dos autos) a prestação de serviços específicos e concretizados à R. e o seu respectivo preço ou valor.
Ora, no elenco dos factos provados e não provados apenas devem constar “factos” e não matéria conclusiva e/ou de direito. No sentido da exclusão da matéria conclusiva do elenco dos factos provados da sentença, por via do disposto no art. 607º, nº 4, do C.P.C., cfr. o Ac. do STJ de 29/04/2015, publicado em www.dgsi.pt, com o nº de proc. 306/12.6TTCVL.C1.S1, e o Ac. da R.E. de 28/06/2018, publicado no mesmo sítio da Internet, com o nº de proc. 170/16.6T8MMN.E1. Como se refere neste último acórdão, “na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito”, pelo que, “mesmo no âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada” dessas afirmações, devendo ser eliminado qualquer ponto da matéria de facto que “integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões”.
Assim, porque tal matéria não deve constar nem do elenco dos factos provados nem do elenco dos factos não provados, elimina-se a mesma do elenco dos factos não provados onde constava.
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Resta apreciar a quarta questão.
Tendo em conta o resultado do tratamento da questão anterior, a factualidade a ter em conta para apreciação da pretensão dos recorrentes é a que consta dos factos dados como provados na sentença recorrida, com as alterações acabadas de efectuar, conforme se passa a descrever:
1) A autora dedica-se à actividade de prática de medicina especializada em ambulatório nomeadamente de: ortopedia/traumatologia; neurologia; reumatologia; ginecologia/obstetrícia; radiologia; psiquiatria; cirurgia geral; psicologia; neuropsicologia; cardiologia; endocrinologia; podologia; medicina interna; cirurgia plástica/estética/reconstrutiva; oftalmologia; medicina dentária e ortodontia; higienista; otorrinolaringologia; neurofisiologia; pediatria; anestesiologia; medicina da dor; neurocirurgia; gastroenterologia; cirurgia vascular; cardiopneumologia; pneumologia; imunoalergologia; dermatologia/venereologia/andrologia; urologia; oncologia; hematologia, nutrição; pedopsiquiatria; audiologia; nefrologia; cirurgia maxilofacial; consulta do viajante, medicina física e reabilitação; osteopatia; acupunctura; homeopatia; psicoterapia; terapia da fala; consultas de avaliação dano corporal/relatórios médicos; teleconsultas; cirurgias de ambulatório; procedimentos em consultas de ambulatório; consultas/fisioterapia/enfermagem e cuidados a idosos na clínica e ao domicílio; enfermagem – geral e reabilitação; realização de análises clínicas. Exames de diagnóstico: gastro; imagiologia; eletrofisiologia; eletroencefalografia; ecografias; RX; eco doppler; ecocardiograma; ECG, holter, mapa, prova de esforço; eletromiografia; eletroencefalogramas; polis sonografia (estudo do sono); exames ginecológicos e obstétricos; laser vascular/dermatológico; anatomia patológica. Ginásio de Reabilitação e Desporto: serviços de higiene e segurança no trabalho; transporte de idosos; hidroterapia. Instituto de beleza, estética/SPA, laser estético. Cabeleireiros;
2) Autora e ré celebraram acordo, por escrito, denominado contrato de prestação de serviços – rede B... – unidade clínica, constante do doc. nº 1 junto com a contestação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
3) Por missiva enviada pela ré a 11.12.2020 à autora, foi o contrato de prestação serviços “rescindido”;
4) Após as consultas e perante a exibição do cartão de saúde, era facturado à B... a consulta e os cuidados médicos prestados;
5) Autora e ré acordaram desde o início da sua relação comercial que os movimentos de facturas e pagamentos seriam lançados numa conta-corrente onde seriam lançadas as facturas dos serviços prestados pela autora e lançados os pagamentos efetuados pela ré.
Há que ter em conta também o facto (agora único) constante dos factos não provados: Entre Julho e Dezembro de 2020 foram efectuados os procedimentos médicos constantes de facturas juntas aos autos em anexo a petição inicial, corrigida e apresentada a 18.06.2021, que foram remetidas à ré que não contestou o seu teor.
Será que esta alteração factual altera a solução de improcedência da acção da sentença recorrida?
Desde já adiantamos que não.
Na sequência do convite ao aperfeiçoamento realizado pelo tribunal, a A. apresentou nova petição inicial corrigida, onde, embora de forma não completamente perfeita, invocou a prestação de serviços à R. que esta não pagou, alegando que se tratava dos procedimentos médicos constantes das facturas (mais de 100) juntas com o novo articulado, que tiveram lugar entre Julho e Dezembro de 2020. E nada alegou quanto a qualquer contrato de conta-corrente, designadamente não alegou quaisquer factos que permitissem caracterizar os seus elementos essenciais previstos no art. 344º do Código Comercial.
Aliás, tal até se mostra infirmado pelo teor do contrato celebrado e que as partes aceitam, sendo o acordo referido no ponto 5 apenas uma forma de controlar a emissão dos serviços prestados e os pagamentos que fossem sendo efectuados pela R. (ou seja, tendo apenas uma motivação de fiscalização e de prova).
Assente, pois, na sequência da correcção que foi efectuada à petição inicial, que a causa de pedir eram os concretos serviços prestados pela A. e a responsabilidade da R. pelo seu pagamento, temos que concluir que a pretensão que a A. pretendeu acautelar nos presentes autos foi o direito de crédito que alega deter sobre a R., derivado do contrato de prestação de serviços entre ambas celebrado, isto é, está em causa a responsabilidade contratual e um alegado incumprimento por parte da R. da sua obrigação de pagamento dos serviços prestados.
Portanto, tendo em conta as regras do ónus da prova constantes do art. 342º, nº 1, do Código Civil (àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado), à A. cabia provar a prestação dos concretos serviços que alegou terem sido prestados entre Julho e Dezembro de 2020 e os preços de tais serviços.
Provados estes, caberia depois à R. provar que os serviços efectuados estavam pagos, atentas regras do ónus da prova do art. 342º, nº 2, do Código Civil (a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita).
No caso, como se concluiu na sentença recorrida, a A. não logrou provar os factos constitutivos do seu alegado direito de crédito, pelo que o resultado da acção não poderia ser outro senão a sua improcedência.
Perante o exposto, conclui-se que não merece, assim, acolhimento a pretensão da recorrente no sentido da procedência da acção.
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Em face do resultado do tratamento das questões analisadas, é de concluir pela não obtenção de provimento do recurso interposto pela A. e, com excepção das alterações oficiosas à matéria de facto conforme referido, pela consequente confirmação da decisão recorrida.
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III - Por tudo o exposto, acorda-se em:
a) alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto, nos termos supra referidos;
b) no mais, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela recorrente (art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Notifique.
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Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora - art. 663º, nº 7, do C.P.C.):
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datado e assinado electronicamente.
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Porto, 10/7/2024.

Isabel Ferreira
Manuela Machado
Aristides Rodrigues de Almeida