Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA | ||
Descritores: | QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO DE CAPITAL MUTUADO VENCIMENTO ANTECIPADO PRAZO DE PRESCRIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202411251357/23.0T8LOU-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/25/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Como resulta da jurisprudência fixada pelo AUJ n.º 6/2022, o prazo de prescrição quinquenal (previsto no artigo 310, alínea e) do CC) continua a ser o prazo de prescrição aplicável no caso de vencimento antecipado das quotas de amortização.
(Da responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1357/23.0T8LOU-A.P1 Relator: José Eusébio Almeida Adjuntos: Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo e Teresa Pinto da Silva
Recorrente – A... – Instituição Financeira de Crédito, SA Recorrido – AA
Acordam os juízes subscritores do presente acórdão, da 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório Por apenso à execução comum que A... – Instituição Financeira de Crédito, SA, lhe moveu, veio o executado AA apresentar os presentes embargos de executado, pretendendo a procedência dos mesmos e a consequente extinção da execução.
Notificada para contestar, a exequente fê-lo, e pugna pela improcedência dos embargos, prosseguindo a execução a sua normal tramitação.
O tribunal entendeu que o processo reunia “todos os elementos necessários para ser proferida decisão de mérito uma vez que as partes declararam manter o vertido nos articulados” e, “nos termos do art. 591 n.º 1 al. b) Código de Processo Civil” proferiu a decisão ora recorrida, julgando procedentes os embargos e, consequentemente, declarando extinta a execução.
II – Do Recurso Dessa decisão recorre a exequente, pretendendo que, revogada a mesma, os embargos sejam julgados improcedentes. Conclui, para tanto: A - Vem o recurso da sentença que julgou procedente a prescrição da obrigação e procedentes, por provados, os embargos, determinando a extinção da execução. B - A apelante não pode conceder na decisão proferida. C – Entendeu o tribunal aplicar ao caso concreto a norma do artigo 310 do Código Civil (CC), que estabelece que prescrevem no prazo de cinco anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos (alínea d)), as quotas de amortização do capital pagáveis com juros (alínea e)) e quaisquer outras prestações periodicamente renováveis (alínea g))”, D - E, com base nela, considerou aplicar o prazo de prescrição mais curto, de 5 anos, e julgar verificada a alegada exceção de prescrição. E - Entende a apelante que o tribunal não fez uma correta interpretação e aplicação da lei. F - Pois, embora a obrigação assumida pelo executado, corresponda a um mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal, fracionada, da dívida unitária, a ser paga de acordo com um plano de amortização acordado, onde é potencialmente aplicável a alínea e) do artigo 310 do CC. G - No entanto, se face ao incumprimento do executado, a exequente resolveu o contrato de mútuo, com vencimento de todas as prestações vincendas, artigo 781 do CC, renasceu a dívida inicial global e o plano de pagamento escalonado deixou de estar em vigor. H - Perdendo, assim, campo de aplicação a estatuição da prescrição dos 5 anos e passando a aplicar-se o prazo geral da prescrição de 20 anos, consagrado no artigo 309. I - A alínea e) do artigo 310 do CC, quando refere “As quotas de amortização do capital pagáveis com juros” apenas diz respeito a situações que contemplem prestações periódicas, renováveis e/ou cuja constituição depende do decurso do tempo. J - No caso, estamos perante um único contrato, celebrado entre a exequente e o embargante, no qual se fixou um valor mutuado e a forma como seria reembolsado. K - Nos autos resulta provado o incumprimento do embargante, como também resulta provado que, face ao incumprimento, a exequente resolveu o contrato L - O “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade.” M - Logo, não podemos retirar outra conclusão que não seja estarmos perante uma obrigação única e não, perante quotas de amortização de capital pagáveis com juros. N - O artigo 310 do CC, “opera nos casos em que se tenha convencionado que o próprio capital irá ser pago em prestações, com os juros; numa ocasião pode suceder que por força do contrato, o não pagamento de uma prestação provoque o vencimento das restantes; pois bem: a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos avançar que na eventualidade de vencimento antecipado, já não se trata de ... quotas de amortização.” O - O mútuo não é necessariamente um contrato oneroso, pelo que as prestações fracionadas podem ou não contemplar juros. P - À divida de capital aplica-se o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309; à de juros o prazo excecional da prescrição de 5 anos, previsto na alínea d). Q - Já não é assim, em caso de incumprimento, quando existe apenas uma obrigação fracionada no tempo, como acontece no caso. R - Nestas situações, aplica-se o disposto no artigo 781 do CC, o qual refere que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. S - O credor, para além de exigir o cumprimento das prestações vencidas, exige também o cumprimento das vincendas, pois todas consubstanciam a mesma obrigação, a obrigação única de restituição e/ou reembolso. T - Nas prestações periódicas o credor apenas pode exigir o cumprimento das prestações vencidas e, já não, das prestações vincendas, dado que são obrigações autónomas e diferentes entre si, não constituindo, nem consubstanciando uma obrigação única. U - Face ao disposto no artigo 781 do CC, não faz qualquer sentido aplicar o artigo 310 para proteger os interesses do devedor, motivo pelo qual a ratio da norma não tem qualquer efeito prático no caso das obrigações fracionadas no tempo. V - No caso, temos de concluir que o incumprimento do contrato e a subsequente interpelação para pagamento conferiu à apelante o direito de considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado. W) Voltando os valores em dívida a assumir em pleno a sua natureza original de capital e juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos. X - Assim é, por aplicação do disposto no artigo 781 do CC, o incumprimento de pagamento das prestações determina que o credor possa exigir, na sequência de interpelação, o cumprimento da totalidade da obrigação unitária por cumprir. Y - Renascendo, por esta via, a dívida inicial global e deixando de estar em vigor o plano de pagamento escalonado. Z - Não sendo assim de estatuir a prescrição curta dos 5 anos, mas o prazo geral de prescrição de 20 anos, consagrado no artigo 309 do CC. AA - Entende, assim, a apelante que o prazo de prescrição aplicável ao caso é o prazo ordinário de prescrição de 20 anos. BB - Assim, terá necessariamente de se considerar como não estando prescrita a obrigação de pagamento que impende sobre o embargante, por não se ter quanto àquela obrigação verificado a prescrição. CC - O executado AA, foi declarado insolvente no processo que correu os seus termos sob o n.º ..., no Tribunal Judicial de Felgueiras. DD - A recorrente reclamou, naquele processo, os seus créditos, não tendo, porém, obtido qualquer ressarcimento. EE - O aqui recorrido, não requereu, no identificado processo, a exoneração do passivo restante. FF - O processo de insolvência sido encerrado, por insuficiência da massa insolvente. GG - A atuação da recorrente, não foi violadora dos interesses do credor. HH - E, foi interruptiva, do prazo prescricional. II - Por todo o exposto, a sentença recorrida fez uma incorreta apreciação e aplicação da lei, nomeadamente e entre outros, do disposto nos artigos 309, 310, 781 e 1142, todos do Código Civil.
Não houve resposta ao recurso, que foi recebido nos termos legais. Os autos correram Vistos e nada obsta ao conhecimento da causa. O objeto do recurso, definido pelas conclusões do apelante, consiste em saber se a decisão deve ser revogada, porquanto o prazo prescricional aplicável devia ter sido o (ordinário) de 20 anos e não, como foi, o prazo de 5 anos, previsto na alínea e) do artigo 310 do Código Civil (CC).
III – Fundamentação III.I – Fundamentação de facto A decisão apelada apoiou-se na seguinte factualidade (que não se mostra impugnada): - No dia 9.09.2008, a exequente celebrou com a sociedade B..., Lda., na qualidade de mutuária, e com AA e BB, na qualidade de fiadores e avalistas, o contrato de mútuo n.º ...51, junto com o requerimento executivo. - Por via daquele contrato, foi à mutuária concedido o empréstimo de 13.900,00€. - Que se destinou à aquisição da viatura automóvel da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-AU-.., à sociedade vendedora, C..., LDA. - A mutuária, B..., Lda., obrigou-se a pagar o empréstimo que lhe foi concedido pela exequente em 24 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 694,78€, cada uma, perfazendo o total do financiamento e encargos a quantia de 16.994,22€. - Nem a mutuária, primeiro, nem os fiadores, cumpriram o estipulado, e o incumprimento que se consubstanciou no não pagamento à exequente do valor mutuado e respetivos encargos, nomeadamente não pagando as prestações mensais a que se haviam obrigado, o que motivou a resolução do contrato por parte da exequente, facto que comunicou ao embargante, por carta registada com aviso de receção, datada de 26 de outubro de 2010. - Para além da resolução contratual foi-lhe ainda comunicado que, ao abrigo do pacto de preenchimento constante do sobredito contrato de mútuo, iria também ser preenchida a livrança, pelo valor e de acordo com o discriminado no extrato de conta anexo. - A Livrança exequenda veio a ser preenchida pelo valor do capital em dívida acrescido dos juros contratualmente estabelecidos tudo no total de 6753,93€, tendo como data de vencimento 25.11.2010. - A ação executiva foi instaurada em 13.04.2023. - O executado foi citado a 09.06.2023.
III.II – Fundamentação de Direito A questão a apreciar em recurso foi oportunamente enunciada: traduz-se em saber qual o prazo prescricional aplicável à obrigação subjacente ao título cambiário.
Não estão em causa as questões resolvidas e não impugnadas, nomeadamente a prescrição do próprio título cambiário, e igualmente não está em causa a interrupção da prescrição, que parece estar a ser invocada nas conclusões CC a HH – ainda que não em sede de normas violadas, sublinhe-se -, questão que não tem qualquer suporte na matéria de facto e esta não foi impugnada. Acresce que tal questão – a da eventual interrupção do prazo prescricional – sempre constituiria uma questão nova, e, por isso, uma questão a não poder ser invocada/conhecida em sede recursória.
Relativamente à questão que nos ocupa, o tribunal recorrido entendeu o que, com síntese, transcrevemos: “(...) o artigo 310 do Código Civil, na parte que interessa, estabelece que prescrevem no prazo de cinco anos (...) as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros [alínea e)] (...) Tal como se escreveu no Ac. do TRP de 24.03.2014 ...mas mesmo que se considere incondicionalmente que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros têm natureza de prestações periodicamente renováveis, o enquadramento no artigo 310 do Código Civil não é contrariado pela letra da lei e pela interpretação da mesma; especificamente, não é contrariada pelo ensinamento do Prof. Vaz Serra, citado pelo recorrente. Transcrevendo a citação feita no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (proferido em 8 de Maio de 2007, no processo 3218/03.0TBVIS-A.C1, igualmente disponível na base de dados do IGFEJ – dgsi.pt): «No que respeita às chamadas prescrições de curto prazo sem natureza presuntiva, como é o caso das prestações periódicas renováveis, o Prof. Vaz Serra, no seu Estudo sobre Prescrição Extintiva e Caducidade, in BMJ 106, p.107, explicita assim a sua motivação (...) Assim, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixam de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações. O entendimento assim expendido foi também acolhido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Maio de 1993, publicado na Col. de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, tomo 2/1993, página 82. (...) No mesmo sentido decidiu o Ac. do TRC de 8 Maio de 2007, proc. n.º 3218/03.0TBVIS-A.C1. in dgsi.pt. E sobre os efeitos de resolução do contrato de crédito ao consumo, se operou, na obrigação dos devedores, a transmutação de prazo específico de prescrição em prazo geral de 20 anos, o Ac. do TRP de 09.12.22020 in Proc. 100/19.3T8LOU-A.P1 refere que ... (...) o prazo de prescrição continua a ser o quinquenal; IV - O referido fica a dever-se ao facto de o vencimento, antecipado, de todas as prestações do contrato de mútuo subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido - sempre parte da obrigação una de capital e juros -, nos termos de cláusula do contrato conforme ao estatuído no artigo 781, do Código Civil - na consideração da circunstância de tal vencimento não implicar a obrigação de pagar os juros remuneratórios nelas incorporados, como decidido foi no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência no 7/2009, de 25/3/2009; DR, 1a Série, de 5/5/2009 - não altera a natureza jurídica da obrigação (que contratual continua a ser, apesar da perda do benefício do prazo) e, por isso, também não altera a subsunção jurídica a efetuar, nela baseada”. Na esteira dos citados acórdãos, constata-se que da matéria de facto resulta que o executado deixou de cumprir o contrato em 2010, e em face do incumprimento verificado no Contrato de Empréstimo e assim venceram-se todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora e todas as prestações vincendas. (...) à data da execução já havia decorrido o prazo de 5 anos previsto nos art. 310 al. e) do CC, e a obrigação dos executados então mutuários, na relação subjacente à livrança prescrita, estava de igual forma extinta por prescrição de curto prazo de 5 anos”.
Acompanhamos o entendimento que transparece da decisão recorrida e a jurisprudência aí citada, a qual, permitimo-nos dizê-lo, denota alguma antiguidade, o que, não a tornando ultrapassada, parece olvidar as decisões mais recentes dos tribunais superiores, que, muito maioritariamente, vêm sendo proferidas no mesmo sentido.
Citamos, a título exemplificativo, os acórdãos cujos sumários retirámos da dgsi: - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.11.2021 [Relator, Desembargador Edgar Taborda Lopes, Processo n.º 12754/19.6T8SNT-A.L1-7]: “II–O artigo 310.º, alínea e), do Código Civil estabelece um prazo prescricional de 5 anos, para capital e juros correspondentes que devam ser pagos de forma conjunta. III–Esta alínea abrange as obrigações pecuniárias decorrentes de um plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, a pagar em prestações periódicas e sucessivas e que correspondem a uma fração de capital e uma de juros, em proporções variáveis, mas a pagar conjuntamente. (...) VI–A circunstância do direito de crédito se vencer na sua totalidade em resultado de incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição, uma vez que não se altera a natureza da dívida: o que é devido continua a ser todas as quotas de amortização individualmente consideradas e não a quantia global do capital em dívida”. - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.12.2021 [Relatora, Desembargadora Maria Adelaide Domingos, Processo n.º 2077/20.3T8SLV-A.E1]: “I. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. II. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera a natureza da dívida, não interferindo com o referido prazo prescricional”. - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.03.2022 [Relator, Desembargador Carlos Gil, Processo n.º 22083/20.7T8PRT-A.P1]: “I - Às prestações fracionadas de capital e juros é aplicável o prazo prescricional da alínea e) do artigo 310º do Código Civil e isso mesmo nos casos de vencimento antecipado das prestações acordadas, iniciando-se neste caso o prazo prescricional no momento em que se verifica o vencimento antecipado”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2022 [Relatora, Conselheira Maria Clara Sottomayor, Processo n.º 1708/20.0T8GMR.G1.S1]: “I - Estando em causa um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de conta corrente, por um valor máximo de 20.000 euros, pagável em 63 prestações mensais de 440 euros, o incumprimento de uma das prestações, após interpelação do credor, provoca o vencimento imediato de todas as prestações vincendas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil. II - Aos contratos de mútuo ou financiamento que envolvam um plano de amortização de quotas de capital e juros, durante um determinado período de tempo, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310.º, al. e), do Código Civil, ainda que se verifique o vencimento antecipado de todas as prestações”. - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.10.2022 [Relator, Desembargador Nelson Borges Carneiro, Processo n.º 2047/20.1T8TVD.L1-2]: “I – Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art.º 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos. II – A circunstância de o mutuante haver exercido o direito potestativo de resolução, exigindo o pagamento do crédito concedido na sua totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição, máxime, não impõe a aplicação do prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309º, do CCivil”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2022 [Relatora, Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Processo n.º 12754/19.6T8SNT-A.L1.S1]: “I. Tal como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30 de Junho de 2022, proc. n.º 1736719.8T8AGD-B.P1.S1, o vencimento antecipado de todas as prestações de um mútuo liquidável em prestações, com juros, em consequência da perda do benefício do prazo, não altera o prazo de prescrição aplicável, que é de cinco anos, nos termos do disposto na al. e) do artigo 310.º do Código Civil. II. O prazo conta-se a partir desse vencimento”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2022 [Relator, Conselheiro João Cura Mariano, Processo n.º 448/21.7T8MAI-A.P1.S1]: “De acordo com a recente decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 6/2022), no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.06.2024 [Relatora, Conselheira Paula Leal de Carvalho, Processo n.º 475/22.7T8FNC-A.L1.S1]: “Do AUJ n.º 6/2022 resulta que, verificando-se, nos termos do art. 781º do CC, o vencimento antecipado das quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, o prazo de prescrição, de 5 anos, conta-se a partir da data desse vencimento em relação a todas as quotas assim vencidas”.
Os três últimos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, cujos sumários citámos, fazem referência ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (AUJ) n.º 6/2022, de 30.06.2022, publicado no Diário da República n.º 184/2022 (1.ª Série), de 22.09.2022. Este acórdão, proferido por unanimidade, fixa a seguinte jurisprudência: “I - No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º, al. e), do CC, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art. 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incindindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas”.
E, da sua fundamentação, retiramos o que, em síntese, sustenta a decisão uniformizadora: “A considerar-se, como em diversas decisões das Relações, que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artº 309º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol. 107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant). Esta a forma de respeitar o espírito do legislador que os trabalhos preparatórios espelharam. Para efeitos de prescrição, o vencimento ou exigibilidade imediata das prestações, por força do disposto no art.º 781.º do Código Civil, não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas, isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros. E pese embora devermos considerar que, “no contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento de juros remuneratórios nelas incorporados”, como exarado no Ac. de Uniformização de Jurisprudência do S.T.J., nº 7/2009, de 5/5/2009, a referida desoneração do pagamento dos juros não descaracteriza, em qualquer caso, a “acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor” que a doutrina pretendeu evitar, ou, de outro ângulo, o incentivo à rápida cobrança dos montantes em dívida, por parte do credor. Como se escreveu no Ac. S.T.J. 29/9/2016, n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego), por explicita opção legislativa, o art.º 310.º al. e) do Código Civil considera que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição, situação que foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis. “Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso, o regime prescricional do débito parcelado ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artº 310º”. Pode assim afirmar-se que, na doutrina maioritária, não suscita particular controvérsia a aplicabilidade do prazo curto de prescrição de cinco anos às obrigações, de natureza híbrida, que visam simultaneamente operar a amortização e a remuneração do capital mutuado. A “ratio” das prescrições de curto prazo, se radica na proteção do devedor, protegido contra a acumulação da sua dívida, também visa estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito (assim, Ana Filipa Morais Antunes, Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correia, III, 2010, pg. 47)”.
Pelas razões constantes do AUJ citado, que acompanhamos, temos por correto – e consensual – o entendimento que faz aplicar o prazo quinquenal de prescrição (artigo 310, alínea e) do CC) às “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”, como aqui sucede.
O recorrente, ainda assim, insiste que o vencimento antecipado, transformando as quotas de amortização num capital único, faz com que o prazo de prescrição passe a ser, então, não o referido prazo quinquenal, mas o prazo ordinário, que “é de vinte anos” (artigo 309 do CC).
Entendemos, é certo, que o disposto no artigo 781 do CC está estabelecido em benefício do credor, o qual pode, ou não, provocar o vencimento antecipado – se isso mesmo não estiver prévia e contratualmente previsto – ou, dito de outro modo, o vencimento antecipado “não ocorre automaticamente, sendo apenas concedida ao credor a faculdade de exigir, antecipadamente, o cumprimento de todas as prestações” [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2023, Relator, Conselheiro João Cura Mariano, Processo n.º 4288/21.5T8VNF-A.G1.S1, dgsi]. E, naturalmente, há de ser esse vencimento antecipado – por vontade do credor, comunicada ao devedor – que define o termo inicial da contagem do prazo prescricional.
Simplesmente, no caso em apreço, é inequívoco que o recorrente exerceu o direito ao vencimento antecipado e resolveu o contrato... em 2010; e instaurou a execução... em 2023.
Sendo assim e continuando a aplicar-se o prazo quinquenal perante o vencimento antecipado das quotas de amortização, como se foi sustentando, dúvidas não há que a decisão recorrida deve ser mantida, pois, em razão da prescrição da dívida, a execução tinha que declarar-se extinta.
Improcedendo o recurso, o recorrente, atento o seu decaimento, é responsável pelo pagamento das respetivas custas.
IV – Dispositivo Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso e, em conformidade, confirma-se a sentença recorrida.
Porto, 25.11.2024 José Eusébio Almeida |