Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ PIEDADE | ||
Descritores: | RECURSO PENAL TRIBUNAL DA RELAÇÃO AUDIÊNCIA PRESSUPOSTOS INCUMPRIMENTO CONFERÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RP20231129836/20.6PBMTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/29/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADA IMPROCEDENTE A RECLAMAÇÃO DO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O pedido de realização de audiência em Processo Penal não constitui um direito processual potestativo, mas um direito sujeito a um ónus. II - Assim, se quiser que a audiência tenha lugar, o recorrente tem de o requerer com a interposição do recurso, sujeito ao ónus de especificação das questões, levadas às conclusões, que pretende ver debatidas. III - Especificar, significa indicar, com a necessária concretização, quais as questões suscitadas que se pretende ver debatidas. IV - Na falta dessa especificação não há audiência e o recurso é julgado em conferência, não se tratando de uma sanção, mas de uma consequência do incumprimento daquele ónus. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. 836/20.6PBMTS.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos - JL Criminal - Juiz 3 Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Matosinhos - JL Criminal - Juiz 3, processo supra referido, foi julgado AA, tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo: “a) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelos previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, al. a), do Código Penal na pena parcelar de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão. b) Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), por referência aos artigos 3.º, n.º 2, alíneas j) e g), todos da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena parcelar de 6 (seis) meses de prisão. c) Efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em a) e b) e, consequentemente, condenar o arguido AA na pena única de 3 (três) anos de prisão efetiva. d) Condenar o arguido AA, nas seguintes penas acessórias, previstas no artigo 152.º, n.ºs 4 e 5 do Código Penal: a proibição de contacto, por qualquer meio, com a vítima, incluindo o afastamento da residência ou do local de trabalho desta, pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses; b. proibição de uso e porte de armas, pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses. e) Absolver o arguido AA, pela prática de uma contraordenação de detenção ilegal de arma, prevista e punida, pelo artigo 97.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro. f) Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido por BB, condenando o arguido AA a pagar a quantia de 5000,00€ (cinco mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor para os juros civis, contados desde a data da presente decisão, absolvendo-o do demais peticionado. g) Condenar o arguido nas custas da parte criminal dos autos, fixando a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta. h) Condenar o arguido AA no pagamento das custas relativas ao pedido cível na proporção de 10%. i) Condenar a assistente BB no pagamento das custas relativas ao pedido cível na proporção de 90%. j) Declarar a perda a favor do Estado das armas apreendidas a fls. 268 a 270 dos autos, conforme o artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal”. * Desta Sentença foi interposto recurso em representação do Arguido/Condenado AA.No início do requerimento de recurso surgia a seguinte frase: “Mais se requer que seja realizada audiência neste Tribunal de recurso tendo por base os vícios do artº 410º do CPP e a nulidade insanável arguida”. * Em Exame Preliminar, esse pedido de Audiência foi indeferido, pelas seguintes razões: “No início do requerimento de recurso surge: “Mais se requer que seja realizada audiência neste Tribunal de recurso tendo por base os vícios do artº 410º do CPP e a nulidade insanável arguida”. No final surge apenas: “deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, o arguido absolvido dos crimes pelos quais foi condenado”. Vejamos: No actual regime de recursos em Processo-Penal, a Audiência oral constitui uma excepção ─ sendo a regra a decisão em Conferência ─ apenas tendo lugar se requerida, nos termos do nº 5 do artº 411º, do C.P.P., com especificação dos pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos. Assim é que essa Audiência é iniciada com uma exposição sumária do relator, enunciando as questões concretas que merecem ser debatidas ─ 423º, nº 1, do C.P.P., e que serão as devidamente especificadas no recurso. Esta referência a “questões concretas” significa que a Audiência não poderá servir para uma discussão genérica sobre todo o processo, ou sobre toda a decisão, mas apenas para debate das questões concretamente suscitadas. No caso, e como resulta da transcrição a que acima se procedeu, a realização da Audiência não se mostra validamente requerida. Das extensas conclusões formuladas resulta que foram suscitadas ─ como se irá ver no momento próprio ─ as mais variadas questões, não satisfazendo a exigência de especificação das mesmas, a genérica alusão a “vícios do artº 410º do CPP” (são aludidos pelas mais diversas razões, e em vários locais do recurso), e a “nulidade insanável arguida” (também é alegada mais do que uma, e em diferentes partes do recurso). Tal como resulta das normas referidas, especificar significa, para o efeito em causa, indicar com a necessária concretização quais as questões suscitadas na motivação – e levadas às conclusões – que se pretendem ver debatidas. Na falta dessa especificação, o pedido de Audiência não pode ser satisfeito. Não será, por outro lado, um caso de “convite ao aperfeiçoamento”, uma vez que a deficiência é do próprio requerimento de recurso, e não apenas das suas conclusões. Tal como se anota no CPP Comentado, STJ, pág. 1377: “esta disposição exige que o recorrente, se quiser que a audiência oral tenha lugar, o requeira logo com a interposição do recurso, devendo ainda especificar os pontos da sua motivação que pretenda ver debatidos”. Na falta de requerimento com essas especificações, não há audiência oral e o recurso é julgado em Conferência ─ art. 419º, nº 3, al. c), do C.P.P. Consequentemente, o recurso do AA, porque não é caso de rejeição por manifesta improcedência, será conhecido em Conferência”. * Foi interposto em seguida requerimento, arguindo a irregularidade do despacho proferido em Exame Preliminar.Esse requerimento foi indeferido, dizendo-se não haver qualquer irregularidade no despacho, nem no procedimento subsequente que tivesse de ser reparada. * Entretanto, o Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal, emitiu parecer, com o seguinte teor:“Notificado da decisão que indeferiu a realização da audiência no processo acima referenciado bem como do requerimento apresentado pelo requerente da referida audiência, o Ministério Público vem dar nota da sua posição sobre a decisão e as questões suscitadas pelo requerente. Em primeiro lugar, entendemos devidamente fundamentada a decisão de indeferir a realização da audiência pretendida, daí nada termos requerido sobre essa decisão. No que se refere ao requerido pelo interessado, em segundo lugar, diremos que o Ministério Público teve vista para emitir o seu parecer no processo e manifestou a sua posição sob a forma de visto. Aliás, caso tivesse tido lugar a audiência a nossa posição seria a de aderir in totum aos termos da resposta apresentada pelo Ministério Público junto da primeira instância que se pronunciou de forma proficiente sobre o recurso, defendendo a sua improcedência. Neste contexto, reconhecemos que a fundamentação da decisão é esclarecedora mostra-se apoiada na Lei e não vislumbramos nela qualquer vício que deva ser considerado”. * Ainda em tempo, pelo recorrente foi formulada reclamação para a Conferência do despacho proferido em Exame Preliminar, com o seguinte teor:“No despacho reclamado afirma-se que o recorrente não satisfez a exigência de especificação dos pontos da motivação que pretendia ver discutidos em audiência, uma vez que faz uma alusão genérica a vícios do artigo 410º do CPP e são aludidos pelas mais diversas razões, e em vários locais do recurso e a “nulidade insanável arguida”, sendo que também é alegada mais do que uma e em diferentes partes do recurso. Acrescenta que não é caso para convite ao aperfeiçoamento uma vez que a deficiência é do próprio requerimento de recurso e não apenas das suas conclusões. É entendimento do reclamante que especificou suficientemente o objecto da audiência nesta 2ª instância. Na verdade, lidas as conclusões do recurso, apesar de extensas, certo é que o recorrente arguiu apenas uma nulidade insanável (conclusões 2 a 5), invocou o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto nas conclusões 25 a 38 e 39 a 55, o vício de contradição insanável nas conclusões 57 a 66 e o erro notório na apreciação da prova nas conclusões 67 a 74. Mas, ainda que assim não fosse, o facto de não se especificar no requerimento de interposição de recurso os pontos da motivação que pretende ver debatidos não é causa de indeferimento do requerido. De facto, nos termos do disposto no artº 412º nº1 do CPP o recorrente deve terminar a motivação do recurso pela apresentação de conclusões em que o recorrente resume as razões do seu pedido. Tais conclusões como é jurisprudência assente fixam o objecto do recurso, sendo certo que “(...) havendo questões discutidas na motivação, mas não resumidas nas conclusões, elas não integram o objecto do recurso e, por isso, não podem ser conhecidas pelo tribunal de recurso” - Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 1ª edição, Lisboa 2007, pag. 1136. Ora, nos termos do disposto no artº 411º nº5 do CPP no requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende que sejam debatidos. Quer isto dizer que seguindo uma interpretação literal do disposto no artº411 do nº5 do CPP, no requerimento de interposição de recurso, o recorrente pode requerer que na audiência se discutam questões que não constem das conclusões, mas na motivação e, como tal, não façam parte do objecto do recurso, porquanto nessa norma se alude a pontos da motivação do recurso e não às conclusões apresentadas. Ou seja, seguindo-se tal interpretação literal o objecto de audiência pode ser mais alargado que o objecto do recurso. Tal entendimento não pode, como é evidente, ser sufragado, a menos que o recorrente tenha suscitado uma qualquer questão na motivação que não conste das conclusões e que seja matéria do conhecimento do oficioso do tribunal de recurso, designadamente os vícios constantes do artº 410º do CPP. De facto, nos termos do disposto no artº423, nº1 do CPP, após o Presidente ter declarada aberta a audiência, o relator introduz os debates com uma exposição sumária sobre o objecto do recurso, na qual enuncia as questões que o Tribunal entende merecerem em exame especial. Ora, tais questões podem constar das conclusões do recurso ou não. Sendo certo que o Tribunal, ou neste caso o relator, pode entender que outras questões do conhecimento do oficioso merecem exame especial, quais sejam um vício constante do artº 410º do CPP, uma alteração não substancial dos factos ou qualificação jurídica constantes da sentença ou acórdão recorrido (cfr. o artº 424º nº3 do CPP) ou ainda qualquer questão colocada nas contra motivações apresentadas por outros recorrentes ou no parecer a que alude o artº 417º nº2 do CPP. Neste sentido, acompanhando Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2ª edição, 2000, tomo III, pag. 362 pode-se dizer que “A audiência de julgamento do recurso tem sido muito criticada por magistrados e advogados, considerando-a inútil, mas trata-se de incompreensão do sistema, agravada pela má prática frequente. Frequentemente se confunde a função da motivação com a das alegações, mas são diferentes. A audiência não se destina a repetir o conteúdo da motivação; esse já foi analisado pelo Tribunal. Também não se destina a alterar o âmbito do recurso já fixado pelas conclusões da motivação do recurso, mas essencialmente a analisar as questões que o Tribunal entende merecerem exame especial. (…) Com dizer-se que as alegações se destinam essencialmente a analisar as questões que o Tribunal entende merecerem exame especial não se significa a sua limitação; as alegações podem abarcar todas as questões suscitadas no recurso e que constituem o seu objecto. Questão é apenas a da sua utilidade quando se limitam a repetir o que já foi escrito na motivação ou na resposta à motivação, mas mesmo a repetição pode ser útil, dependendo muito da forma como se repete.” – sublinhado nosso. E isto é assim, como diz Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, pag. 1141, porquanto o direito de requerer que o recurso seja julgado em audiência “é um direito discricionário do recorrente: nem o recorrido se pode opor ao pedido, nem o tribunal de recurso pode negar a pretensão do recorrente. Este é um direito vinculado, cujo exercício é controlado pelo relator no exame preliminar, com reclamação para a conferência (artº 417º nº7 al. b) e nº8).” Importante é, aqui, a manifestação de vontade do recorrente no sentido de pretender a audiência. Só esta interpretação é condizente com os princípios estruturantes do processo penal e responde, ainda que apenas parcialmente, à dificuldade de interpretação aludida por Germano Marques da Silva in “Sobre recursos em processo penal” constante do livro “A reforma do sistema penal de 2007 - Garantias e eficácia”, no âmbito do programa de formação avançada Justiça XXI, pag. 55. Com efeito, diz o citado autor que uma das dificuldades de interpretação do artº 411º nº5 do CPP “(...) respeita à necessidade de especificar logo no requerimento os pontos da motivação do recurso que o requerente pretende ver debatidos.” E continua: “É claro que são as conclusões do recorrente que delimitam o âmbito do recurso e por isso que a especificação dos pontos se deva fazer por referência à motivação do recurso, mas segundo cremos, essa delimitação nada tem que ver com a discussão do respectivo conteúdo, cuja conveniência não pode ser reservada apenas ao recorrente. Parece-nos, aliás, que o requerimento para a realização da audiência, sendo essa a opção do legislador, deveria ser remetido para requerimento posterior, depois de apresentada a resposta ao recurso. Só então, recorrente e recorrido poderão ajuizar com mais informação da conveniência da audiência. Não foi, porém, essa a opção do legislador, embora sem justificação, mesmo em termos de celeridade.” Balizado o objecto do recurso através das suas conclusões, balizado se encontra, por consequência o objecto da audiência de recurso, tal como o objecto do processo baliza o objecto da audiência em 1ª instância. Tal objecto da audiência pode ser restringido pelo recorrente, no entanto, não é obrigatório que este o faça. Como supra se disse, o Relator, por um lado, pode sempre seleccionar as questões que merecem exame especial de entre aquelas suscitadas pelo recorrente nas conclusões do recurso e até aditar outras, , e por outro o disposto no artº 423º nº1 do CPP não se destina, nem nunca se destinou a restringir o objecto da audiência, destina-se a que o Relator explicite quais as questões a merecerem exame especial, o que não afasta o debate em audiência de quaisquer outras. Assim, a falta de especificação dos pontos da motivação que o recorrente pretende ver debatidos não constitui fundamento de indeferimento do requerimento do recorrente para que o recurso seja julgado em audiência, nem o artº 411º nº5 ou o artº 419º nº3 do Código de Processo Penal o afirmam. Acresce que, o Tribunal não pode basear o entendimento de que o recurso deve ser julgado em conferência na al. c) do nº3 do artº 419º do Código de Processo Penal. De facto, aí se diz – tão-só – que o recurso é julgado em conferência quando não tiver sido requerida a realização da audiência. Ora, a realização da audiência foi requerida. Não se diga também que o que aqui se defende é que basta o requerimento para afastar esse normativo pois, a ser assim, teria que se admitir a audiência em todos os recursos mesmo naqueles em que o legislador não a admite, como é o caso do julgamento de reclamação de decisão sumária (salvo se for necessária renovação da prova) e os recursos de decisão não final. Ou também as situações de intempestividade. Nestas últimas situações a lei é clara no sentido de o julgamento do recurso ser efectuado em conferência (cfr. o nº3 do artº 419º do CPP), no entanto na al. c) do nº3 do artº 419º do CPP, diz-se que o recurso é julgado em conferência quando não seja requerida a realização da audiência, omitindo-se qualquer referência à realização do julgamento em conferência como “sanção” para a omissão da especificação dos pontos da motivação que o recorrente pretende ver debatidos no requerimento de interposição do recurso. Mas, ainda que assim não se entendesse, sempre o recorrente havia de ser notificado para aperfeiçoar o seu requerimento especificando quais os pontos do recurso que queria ver debatidos em audiência. Neste sentido, Vinício Ribeiro, in Código de Processo Penal – Notas e Comentários, 3ª edição, Quid Juris Editora, pag. 991 “O julgamento em audiência pressupõe requerimento expresso nesse sentido, com especificação dos pontos que pretende ver debatidos. A falta de tal especificação poderá levar o relator a convidar, à semelhança do que se prevê no nº3 do artº 417º, o recorrente a fazê-lo”. Com efeito, pode o recorrente entender que a sua motivação de recurso constitui peça bastante e elucidativa da sua razão e, após a apresentação da(s) resposta(s) ao recurso, verificar da conveniência na realização da audiência por forma a que, em alegações, chamar a atenção do tribunal para algum aspecto que lhe possa escapar (cfr. neste sentido Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal anotado, 16ª edição, pag.921). Acresce que, várias foram as autorizadas vozes que se levantaram contra a alteração legal em causa. Simas Santos defende que a presente alteração no sistema de recursos constitui um rude golpe para a oralidade enquanto o elemento relevante na construção dos recursos - cfr. Simas Santos, revisão de Processo Penal: os recursos, in Que futuro para o Direito Processual Penal? – Simpósio em homenagem a Jorge Figueiredo Dias. Isto porque “no programa assumido pelo Legislador do Código e expresso no Preambulo do diploma que o aprovou, o recurso penal foi concebido como uma via moderna de impugnação, de «estrutura acusatória, com a consequente exigência de uma audiência onde seja respeitada a máxima da oralidade». “E na exposição de motivos respeitante à Revisão de 1988 continuava-se a referir a manutenção da oralidade nos recursos, na crença de que os poderes de iniciativa do Tribunal e os princípios do acusatório e do contraditório só podem razoavelmente efectivar-se, nesta fase, em audiência; bem como a manutenção da autonomia entre a motivação (formatada, destinada a definir e fundamentar o objecto do recurso, com vista ao seu recebimento) e alegações (destinadas à justificação e à discussão do mérito recurso). Oralidade em audiência a que se refere o Tribunal Constitucional, no sentido da conformidade Constitucional da «revista alargada»: «há acrescentar ainda que, no recurso de revista alargada (…), sendo, também ele, de estrutura acusatória, há lugar a uma audiência; e, nesta, pode haver alegações orais» cfr. ob. cit. página 181. Acrescenta ainda Simas Santos na sua exposição que: “No já referido relatório do GPLP era proposta a inversão da regra (oralidade) passava a ser a excepção (requerida). Escrevemos a propósito que a «compreensão de que as finalidades do efectivo funcionamento da oralidade nas audiências penais, não nos devem afastar desse princípio que o próprio relatório reconhece que é apontado pelo direito comparado e pelos compromissos assumidos pelo Estado Português. A solução de substituir a regra da oralidade pela excepção: alegações escritas, não partiu da análise da forma como decorrem as audiências e procura antes responder aprioristicamente a essa dificuldade. Pode-se agir sobre a qualidade da intervenção oral e pode-se, perante a falta quase sistemática dos advogados às audiências, tomar um de dois caminhos: cominação de desistência no caso de segunda falta do advogado, ou dispensa das alegações orais, prosseguindo o processo imediatamente para decisão em conferência». Mas nunca se procurou agir sobre aquelas regras, permitindo o prolongar e aprofundar das dificuldades. Empobrece-se assim a oralidade que, de regra no julgamento dos recursos, passa a excepção, passando as alegações orais a actos processuais supérfluos e a audiência no tribunal de recurso a um direito renunciável, invocação dogmaticamente anódina pois já antes o era e não obstante a regra era a da oralidade. Mas, do mesmo passo, mesmo no caso em que há audiência com alegações orais o seu objectivo é mudado, numa mudança não explicada e que não se compreende imediatamente.” (…) Por outro lado, inverte-se a relação regra (oralidade) versus excepção (alegações escritas): mas também se extinguem as alegações escritas, apelidadas agora de «pura repetição das motivações», quando anteriormente, como se viu, se afirmava a «manutenção da autonomia entre motivação (formatada, destinada a definir e fundamentar o objecto do recurso, com vista ao seu recebimento) e alegações (destinadas à justificação e a discussão do mérito do recurso)». Deve notar-se que estas alterações alargam o espaço de tramitação unitária dos recursos nas Relações e no STJ, aproximando-os, reforçando uma das linhas de orientação do Código. De todo o modo, a audiência oral, uma trave mestra dos recursos no Código sai ferida deste confronto.” Também Germano Marques da Silva levantou dúvidas quanto à alteração legal em causa, sendo que António Henriques Gaspar no Seminário final sobre as garantias e eficácia no quadro da nova reforma penal - publicado in “A reforma do Sistema Penal de 2007 - Garantias e eficácia, pag. 153 termina a sua intervenção dizendo que “o modelo de julgamento do recurso, em que a audiência passa de regra a excepção, pode ser considerado como um retrocesso na modernidade dos sistemas comparados, e a alteração não está assumida como resultado de uma reflexão fundada.” Pelo exposto, não se pode cortar cerce um direito do recorrente que tantas dúvidas tem levantado quanto à sua legalidade pela doutrina e jurisprudência mais avisadas. Assim, o arguido tem direito a ser julgado em audiência no Tribunal da Relação e a ser representado por advogado nessa fase processual que não se cinge, nem se pode cingir a um mero trabalho sobre papéis. A defesa do arguido, nos dizeres de Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vil I, 4ª edição, 2000, pag. 308 e 309 pode ser pessoal ou técnica; “aquela é a que é exercida pessoalmente pelo arguido, esta através ou com a assistência de defensor.” Na actuação do defensor costuma distinguir-se também os actos de assistência dos actos de representação. A distinção não é muito clara. Parece-nos, porém, que a fronteira se estabelece entre os actos que o arguido tem de praticar pessoalmente e relativamente aos quais o defensor apenas o auxilia, o assiste, e os que são por lei reservados ao defensor, por uma parte, e aqueles outros em que o acto pode ser praticado pelo arguido ou pelo defensor, em sua substituição, por outra parte. Nestes, nos actos de representação, o defensor substitui-se ao arguido, manifestando uma vontade que aquele pertence e, por isso, o arguido pode retirar-lhes eficácia, nos termos do artº 63º nº2 do Código de Processo Penal.” Aliás, deve sublinhar-se que o caminho que se trilha é o de passar a existir audiência oral em todos os processos, veja-se neste sentido o artº 681º do Código de Processo Civil e antes dele o artº 727º-A, introduzido pelo DL 303/07 de 24 de Agosto, tendo em conta que o Código de Processo Civil é legislação subsidiária para todos os processos, designadamente o laboral e o administrativo. Deve, assim, ser julgada procedente a presente reclamação e, em consequência determinar-se a realização da audiência requerida. Termos em que deve ser julgada procedente a presente reclamação e, em consequência, determinar-se a realização da audiência requerida”. * Sendo o despacho de indeferimento de realização de Audiência passível de reclamação para a Conferência, procede-se à mesma, previamente ao proferimento do Acórdão sobre o mérito do recurso.* Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.* No extenso requerimento, admitindo-se que as conclusões do recurso também são extensas, afirma-se, no entanto, que se arguiu “apenas uma nulidade insanável”, a “insuficiência para a decisão da matéria de facto”, “contradição insanável”, “erro notório na apreciação da prova” (ir-se-á ver se foi assim, no momento próprio).E “ainda que assim não fosse”, o não ter especificado “os pontos da motivação que pretende ver debatidos não é causa de indeferimento do requerido”. É. Se assim não fosse a imposição do ónus de especificação das questões concretas que se pretendem ver debatidas, perderia toda a sua utilidade e sentido. Pretende o recorrente no seu extenso requerimento que a assumida ausência de especificação seja suprida “pela apresentação de conclusões em que o recorrente resume as razões do seu pedido”, porque “Balizado o objecto do recurso através das suas conclusões, balizado se encontra, por consequência o objecto da audiência de recurso, tal como o objecto do processo baliza o objecto da audiência em 1ª instância”. Não é assim. O art.411.º, n.º 5, do C.P.P. é bem claro e obriga o recorrente a especificar os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos na Audiência. Especificar significa ─ repete-se ─ indicar com a necessária concretização quais as questões suscitadas na motivação, e levadas às conclusões, que se pretendem ver debatidas. Em conjugação, do art.423.º resulta que as alegações têm de se circunscrever à apreciação das questões concretas, expostas pelo Relator, que merecem ser debatidas, não sendo permitidos alargamentos para outras áreas. Isto porque ─ como é explicado no Exame Preliminar, mas aqui se insiste em ignorar ─ a Audiência não poderá servir para uma discussão genérica sobre todo o processo, ou sobre toda a decisão, ou sequer sobre tudo o alegado nas conclusões. E, sobretudo, não poderá servir apenas como expediente dilatório, em casos como o presente em que o recorrente se encontra condenado em pena de prisão efectiva (sem prejuízo da apreciação que a esse respeito se irá proceder, uma vez que integra o objecto do recurso). Do sistema instituído resulta que o pedido de realização de Audiência oral em Processo Penal, não constitui um direito processual potestativo, mas um direito sujeito a um ónus: se quiser que a Audiência oral tenha lugar, o recorrente tem de o requerer com a interposição do recurso, sujeito ao ónus de especificação das questões, levadas às conclusões, que pretende ver debatidas. (“Os autos de recurso seguirão para julgamento em Audiência oral sempre que o expediente seja de prosseguir e a mesma tenha sido requerida nos termos do n.º 5 do art.411.º, com especificação dos pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos”. ─ Noções de Processo Penal, Simas Santos e Leal-Henriques, p.525). Na falta dessa especificação não há Audiência oral e o recurso é julgado em Conferência. Não se trata, obviamente, de uma sanção, mas de uma consequência do incumprimento desse ónus. Foi o que aconteceu no caso, não havendo lugar ao convite de aperfeiçoamento, porque a deficiência é do requerimento e não das conclusões do recurso (assim, não se aplica, ainda que por analogia, do n.º3, do art.417.º, do C.P.P., por a situação não ser análoga, não cabendo ao Juiz cuidar do suprimento dessas deficiências). Por último também não se mostra certa a reclamação ao escrever-se que “o caminho que se trilha é o de passar a existir audiência oral em todos os processos, veja-se neste sentido o artº 681º do Código de Processo Civil e antes dele o artº 727º-A, introduzido pelo DL 303/07 de 24 de Agosto, tendo em conta que o Código de Processo Civil é legislação subsidiária para todos os processos, designadamente o laboral e o administrativo”. O Processo Penal dispõe da sua própria disciplina de recursos, não sendo caso de aplicação subsidiária das normas de Processo Civil por lacuna não existir a esse respeito. E, no Processo Penal, o caminho tem sido o oposto ao preconizado no requerimento, invertendo-se com a revisão de 2007, o paradigma até aí existente, passando a Audiência oral de regra a excepção (não está aqui em causa essa opção legislativa, sendo inócua a “crítica” que no requerimento se junta a esse respeito). Complete-se referindo que o Julgamento do recurso em Conferência não representa qualquer diminuição das garantias de defesa, sendo o recurso julgado em Colectivo e as regras da sua apreciação exactamente as mesmas. Mantém-se o decidido. * Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente a reclamação ─ interposta em representação do AA ─ para a Conferência do despacho proferido em Exame Preliminar. * Custas pelo reclamante, fixando-se a Taxa de Justiça devida em 2 UC’s.* Porto, 29/11/2023 José Piedade Horácio Correia Pinto Moreira Ramos |