Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8948/18.0T8VNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RP202404188948/18.0T8VNG.P2
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 1420.º, n.º 1, do Código Civil, diz que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”.
II - Os negócios jurídicos - p. ex., os contratos de compra e venda ou os contratos de empreitada - relacionados com as partes comuns do edifício devem ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor.
III - O condomínio deve ser considerado como um consumidor desde que uma das fracções seja destinada a uso privado.
IV - A empreitada a que os autos se reportam é uma empreitada de consumo para efeitos de aplicação da Lei do Consumidor (Lei 24/96 de 31.07).
V - Competia à Autora provar a execução dos trabalhos cujo pagamento reclama, por se tratarem de factos constitutivos do seu direito (cfr. artigo 342º, nº 1 do Código Civil), o que não logrou fazer, pois não demonstrou que tivesse executado as quantidades de trabalho descritas no auto de medição que deu origem à factura cujo pagamento reclama.
VI - Nos termos do artigo 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8/4, o dono da obra que apresenta desconformidades, tem, opcionalmente, e em pé de inteira igualdade, isto é, sem qualquer precedência legal, os direitos à reparação, à substituição da obra, à redução do preço e à resolução do contrato.
VII - De acordo com o artigo 12º, nº 1 da Lei 24/96 de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor), o direito de indemnização do dono da obra pelas desconformidades destas é estabelecido em termos amplos, o que significa que ele não é subsidiário ou residual de outros
direitos, antes pode ser exercitado de modo livre e perfeitamente alternativo em relação a eles.
VIII - Neste enquadramento, é patente que, uma vez confrontado com os vícios da empreitada, o Réu podia exercer contra a Autora tanto o direito de indemnização correspondente ao custo da reparação como o próprio direito à reparação.
IX - E, consequentemente, nada o impede de reclamar a indemnização correspondente ao custo da reparação, como também relativa ao prejuízo causado pela deficiente execução da obra.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2023:8498/18.0T8VNG.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
A... Unipessoal, Ld.ª, sociedade comercial por quotas, NIPC ..., com sede na Rua ..., freguesia ..., ... Vila Nova de Gaia, instaurou acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contratos contra Condomínio ..., ..., ... em Vila Nova de Gaia, onde concluiu pedindo a sua condenação no pagamento da importância de 7.037,88€, acrescida de juros vencidos no valor de 132,27€, bem como dos vincendos até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que celebrou com o Réu um contrato de empreitada com vista à reabilitação do exterior do edifício sito na Rua ..., ..., pelo preço acordado de 36.679,49€, acrescido de IVA, encontrando-se ainda por pagar a quantia de 7.037,88€, conforme factura n.º ... datada de 23.07.2018, já vencida em 23.07.2018.
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Citado, o Réu contestou e deduziu reconvenção.
Alegou, em síntese, por um lado, que os pagamentos ficaram sujeitos à sua aceitação dos autos de medição, o que não sucedeu relativamente ao auto de medição que deu origem à factura cujo valor é reclamado e, por outro lado, que houve trabalhos que não foram realizados e outros que apresentam defeitos, não tendo a Autora concluído os trabalhos, nem reparado os defeitos, apesar de interpelada.
Mais alegou, que a autora deixou de comparecer na obra em meados de julho de 2018, data em que levantou o estaleiro e se foi embora.
Em reconvenção, alegou que irá despender a quantia de 24.710,70€ para concluir os trabalhos e reparar os defeitos e demais prejuízos.
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Notificada, a Autora replicou, alegando que a realização do auto de medição foi agendada, mas o Réu não compareceu, e o auto foi remetido ao Réu, que não manifestou a sua discordância.
Quanto ao demais, não aceita os defeitos, nem que tenha havido trabalhos por concluir, excepto aqueles que identifica e atribui ao facto de os condóminos não lhe terem facultado o acesso às varandas.
Mais invocou, que o Réu não podia substituir-se ao empreiteiro, não aceitando os factos que fundamentam o pedido reconvencional, que impugna, concluindo, no essencial, como na petição inicial.
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Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.
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Foi proferida sentença que:
A) Julgou a acção não provada e totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido;
B) Julgou a reconvenção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a Autora/Reconvinda A... Unipessoal, Lda. a pagar ao Réu/Reconvinte Condomínio ..., ..., ... em Vila Nova de Gaia, uma indemnização de valor correspondente ao custo de reparação dos defeitos elencados nos pontos 12) a 21) dos factos provados, até ao limite do valor do pedido, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da citação para a acção, até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com o assim decidido, recorreu a A. “A... Unipessoal, Ld.ª”.
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Por decisão sumária deste Tribunal da Relação foi decidido, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil, determinar a realização de uma perícia a incidir sobre a factualidade vertida nos pontos 10 a 22, anulando-se a decisão de facto e a sentença proferida.
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Realizada a perícia, foi proferida nova sentença que:
A) Julgou a ação não provada e totalmente improcedente e, em consequência, absolveu o Réu do pedido;

B) Julgou a reconvenção parcialmente provada e procedente e, em consequência, condenou a Autora/Reconvinda A... Unipessoal, Lda a pagar ao Réu/Reconvinte Condomínio ..., ..., ... em Vila Nova de Gaia, uma indemnização de valor correspondente ao custo de reparação dos defeitos elencados nos pontos 11) a 19) dos factos provados, até ao limite do valor do pedido reconvencional, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da citação para a presente ação, e até efetivo e integral pagamento.
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Não se conformando com a sentença proferida, a recorrente “A... Unipessoal, Ld.ª” veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
“I.O Tribunal na matéria dada como provada, entendeu que (ponto 9) - sic: “… o auto
de medição que deu origem à factura n.º ..., no valor de 7.037,88, foi remetido à administração do Réu, mas não foi por este aceite.

II. Mais concluiu, logo a seguir, que a Autora não logrou fazer prova de ter executado os trabalhos constantes do aludido auto de medição, nas quantidades naquelas descritas.

Ora;
III. Tal não é verdade, existindo nestes autos, elementos (documentais e testemunhais) que comprovam precisamente o contrário.

IV. Os trabalhos que foram executados executar, encontram-se objetivamente (pré) definidos no orçamento apresentado e aceite pela Ré - documento junto aos autos.

V. O empreiteiro apesar de estar adstrito a uma obrigação de resultado, isto é, está obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e as regras da arte, tem (mantém) a sua independência técnica.

VI. Dizer como referiu a testemunha AA, engenheiro civil, que a(s) solução(oes) técnica(s) adoptada(s) pelo empreiteiro são discutíveis e/ou não são aconselhável(eis), que a aderência é discutível, é algo muito vago e subjetivo no ramo da construção civil.

Acresce que;
VII. E sem prejuízo do teor do relatório pericial (final), somos do modesto mas firme entendimento que a análise daquele não pode nem deve ser dissociada do auto final dos trabalhos e respectiva factura que lhe deu origem (ambos juntos aos autos), cujo pagamento se encontra neste processo reclamado/impetrado ao Condomínio R.

Independentemente do ali vertido;
VIII. Há também que considerar que os trabalhos objecto de análise naquele relatório já têm diversos anos, e a garantia de boa execução dos trabalhos ao longo do tempo, só pode ser exigida se de facto estes trabalhos já tivessem sido pagos, o que – conforme já se concluiu – não teve lugar, circunstancialismo esse que no entendimento da A. não pode, nem devia ter sido pelo Tribunal “descurado”.

Ainda sem prescindir;
IX. E como inequivocamente resulta dos autos, designadamente do articulado de reclamação apresentado ao relatório pericial, a Autora/Reconvinda sempre se manteve disponível para proceder à reparação dos invocados defeitos, os quais - de acordo com o que também resulta daquele relatório pericial - são passiveis de poderem ser suprimidos, ou seja, de fácil eliminação, motivo pelo qual se deveria era ter dado cumprimento à aplicação do estatuído no n.º 1 do art. 1221 do Cód. Civil e não à condenação da autora/reconvinda no pagamento duma qualquer indemnização correspondente ao custo duma suposta reparação que a Autora nunca se negou a efectuar.

X. É falso que o auto de medição que deu origem à factura ..., no valor de € 7.037, 83, não tenha sido aceite pela administração de condomínio, devendo por via do exposto a seguir, se considerar (também) como incorretamente julgada a matéria referente ao ponto n.º 9.º dos factos provados.

Assim,
XI. Na verdade, o condomínio foi, em 11 de Julho de 2018 instado pelo sócio e gerente da autora para a realização em conjunto de auto de medição, sendo certo que ao mesmo não respondeu, assim como também é verdade (existem nos autos elementos documentais e prova testemunhal), que o identificado sócio e gerente da Autora, no dia 13 de Julho de 2018 estivesse a agendar auto para o dia 15 de Julho de 2018 às 16.00, disto tivesse, por escrito dado conta à administração de condomínio do Réu e esta nada tenha dito/respondido e sequer comparecido, tudo cfr resulta dos respectivos emails na altura trocados e que foram entre ambas as partes trocados e junto aos presentes autos com a réplica sob doc. 1.

XII. Mais verdade é o facto da Autora, por intermédio do seu gerente, tivesse elaborado o auto de medição (sozinho), o tivesse (depois) enviado via email para a administração do condomínio que o recebeu e não apresentou quaisquer reclamações, com ele se conformando, matéria de facto esta, não só documentada, mas também reproduzida, gravada, no CD, em 02.11.2020, minuto 13.18, 13.57, referente às declarações de parte do gerente da A., BB.

XIII. É notório ter ocorrido um erro na apreciação das provas, designadamente, nas supra referidas, pois da sua correcta apreciação, dá notoriamente para perceber que o Réu, para além de não ter querido comparecer ao auto de recepção, para o qual foi previamente avisado, após o ter recebido não suscitou – junto ad autora – quaisquer reclamações, conformando-se, pois, com os trabalhos ali mencionados e medidos.

Consequentemente;
XIV. É igualmente falso, que a Autora não tenha logrado demonstrar ter executado os trabalhos constantes do aludido auto de medição, nas quantidades naquelas descritas.

Por outro lado;
XV. E tal como já anteriormente alegado, também é inequívoco que aquilo que não ficou pela autora feito – pelos motivos acima expostos, tudo conforme aliás, dado como provado em 24.º da matéria assente – também não foi objecto de medição e por conseguinte, incluído na factura que ficou por liquidar, ou seja, não foi nesta acção objecto de petição.

XVI. Saliente-se o facto de no próprio auto de medição a Autora fazer expressa menção a - sic “O que não foi feito por dificuldades de agendamento com os condóminos interessados. Caso você consiga agendar é só marcar um dia que nós lá aparecemos”, pretendendo com isto esclarecer que tudo quanto nele estava medido dizia respeito, única e simplesmente, ao que havia efectivamente executado, dele tendo excluído o que ficou por executar.

XVII. Não é de aplicar ao caso em apreço o regime do DL nº 67/2003, relativamente à empreitada de consumo.

XVIII. Desde logo, porque não foi por nenhuma das partes alegado, nomeadamente pelo Réu, se o prédio em questão tinha um destino maioritariamente profissional e/ou habitacional, motivo pelo qual não se pode – assim sem mais – optar e concluir pela aplicação ao caso em apreço das normas previstas no DL 67/2003, referente à empreitada de consumo.

XIX. Assim sendo, o dono da obra deverá(ia) ter começado por pedir a condenação do empreiteiro a eliminar os “pseudo” defeitos ou a construir de novo a parte da obra que na sua opinião se apresenta como defeituosa, e não sendo essa pretensão satisfeita é que poderá(ia) exigir a correspondente reparação ou nova construção, à conta do empreiteiro, ou a indemnização pelos pretensos danos sofridos que in casu, sequer conseguiu contabilizar.

XX. De acordo com o disposto nos art.ºs 1221, 1222 e 1223 do CC, o pretenso lesado, com a defeituosa execução da obra e para se ressarcir dos seus prejuízos, terá que se subordinar à ordem estabelecida nesses preceitos, ou seja, exigir em primeiro lugar a sua eliminação ou caso não seja possível essa eliminação, exigir nova obra, sem prejuízo do direito à eliminação.

XXI. Não é isso o que decorre do teor do pedido reconvencional deduzido pelo Réu condomínio, encontrando-se, assim, violado o disposto nos citados preceitos legais, motivo pelo qual e sem muitas mais delongas, deve o mesmo ser julgado improcedente, desde logo, por não preencher os respectivos requisitos legais, assim também por ser totalmente infundado, absolvendo-se deste modo a Autora do mesmo.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2.1 Factos provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1.A sociedade Autora é uma sociedade comercial, unipessoal por quotas, que tem por objeto comercial a construção civil, compra e venda de imóveis para revenda, serviços de certificação energética e avaliação imobiliária, projetos de engenharia e arquitetura e comércio de materiais para a construção.
2. A Autora e o Réu celebraram em 06 de julho de 2017, um contrato de empreitada que denominaram de “Reabilitação de Exterior do Edifício” instalado no prédio sito na Rua ..., cujos trabalhos a realizar se encontram definidos, quanto à sua espécie, quantidade e execução, no orçamento anexo ao contrato – cfr. documento n.º 1, anexo à p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Em representação do Réu Condomínio, interveio, aquando da outorga do contrato, a
sociedade “B..., Lda”, representada pelos seus sócios e gerentes CC e DD.
4. Os trabalhos a executar e respetivos preços acordados foram:
1. Preparação de Obra
1.1 Preparação do local para execução dos trabalhos – 303,75€
1.2 Montagem e desmontagem de andaime – 7.056,72€
2. Serviços a executar
Fornecimento e execução de sistema de isolamento térmico ETCS, incluindo tratamento das fissuras da parede em “V”, constituído por:
- Cimento cola para eps, tipo Secil Adhere vit
- Placas EPS 100 com 40 mm
- Bucha de Fixação em PVC, tipo SecilVit Bucha
- Cimento cola para eps, tipo Secil Adhere vit
- Rede de reforço fibra de vidro 160g/m2
- Primário fixador, tipo Ad 20
- Revestimento Acrílico, tipo RevDur
Sub total - 8.637,23€
Retificação das caixilharias existentes nas fachadas Sul r a Poente com cola e tela resistente aos UV’s (sedante elástico monocomponente à base de poliuretano) – 7.897,50€
Tratamento e impermeabilização de terraços superiores a nascente, aplicando tela asfáltica betuminosa APP 3FV+4PY e reaplicação de lajetas de betão apoiadas em calços de PVC - 2.394,90€
Tratamento e impermeabilização de varandas a nascente aplicando tela asfáltica betuminosa APP 3FV+4PY e reaplicação de lajetas de betão apoiadas em calços de PVC - 1.147,50€
Tratamento e impermeabilização de varandas a sul e poente aplicando tela asfáltica betuminosa APP 3FV+4PY e reaplicação de lajetas de betão apoiadas em calços de PVC – 1.606,50€
Tratamento e impermeabilização de terraços superiores a sul, aplicando tela asfáltica betuminosa APP 3FV+4PY e reaplicação de lajetas de betão apoiadas em calços de PVC – 1.580,63€
Tratamento e impermeabilização de varandas a norte aplicando tela asfáltica betuminosa APP 3FV+4PY e reaplicação de lajetas de betão apoiadas em calços de PVC – 2.349,00€
Refazer e tratar juntas de dilatação, aplicando fundo de junta com Banda e impermeabilização tipo Weber Dry Banda, cordão de espuma de polietileno e célula fechada e cola e veda resistente aos UV´s (sedante elástico monocomponente à base de poliuretano) – 1.080,00€
Alterações
Finalização de sistema de ETICS, no terraço Poente. Aplicação de placas de EPS nas zonas em falta, aplicação de primário e revestimento acrílico, incluindo montagem e desmontagem de andaime - 2.025,00€
Demolição completa de cerâmicos na fachada onde se vai executar o capoto, fachada sul, incluindo transporte a vazadouro - 310,50€
Pintura de grades nas varandas a sul, zona onde se vai aplicar capoto novo – 290,25€
Total - 36.679,49€ - cfr. contrato de empreitada anexo à pi i., cujo conteúdo se dá por
integralmente reproduzido.
5. Tendo sido excluídos:
a) Custos com entidades de carácter publico; e
b) Fornecimento de água e luz para a realização dos trabalhos.
6. O preço acordado para a empreitada foi de 36.679,49€, acrescido de IVA à taxa legal, a pagar da seguinte forma;
a. 30% na entrada em obra;
b. 70% com autos de medição, mensais da obra ou projeto executado.
7. A Autora emitiu a fatura n.º ..., no valor de 7.037,88€, datada de 23.07.2018, com data de vencimento em 23.07.2018 – cfr. documento n. 2, anexo à p. i..
8. O Réu não procedeu ao pagamento da fatura referida em 7), apesar de interpelado através de carta, datada de 06.09.2018, registada com aviso de receção do dia 07.09.2018 – cfr. documento n.º 3 anexo à p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
9. O auto de medição que deu origem à fatura n.º ..., no valor de 7.037,88€, referida em 7) foi remetido à Administração do Réu, mas não foi por ele aceite.
10. A Autora não realizou, pelo menos, os seguintes trabalhos:
a) Retificação das caixilharias existentes em pelo menos 7 janelas e em 39 janelas o silicone foi deficientemente aplicado;
b) Tratamento e impermeabilização das varandas e muretes de alguns apartamentos: no 3º direito da entrada n. ..., sendo que a tela não dobrou nos paramentos e as lajetas não estão apoiadas em suportes de plástico; no 3º esquerdo da mesma entrada, sendo que na varanda, a tela, por baixo da soleira da porta está à vista e na zona de saída/evacuação das águas pluviais está deficientemente aplicada, uma vez que não se encontra totalmente soldada;
c) Falta o tratamento do barramento de alguns muros das varandas: no 3º esquerdo da entrada ..., sendo que na zona da soleira da porta a tela está à vista; no 3º direito da mesma entrada, sendo que na zona da soleira da porta a tela está recoberta com argamassa de foram irregular; no 3º direito da entrada ..., no 1º e 2º piso, sendo que o murete da varanda encontra-se com barramento, mas este apresenta duas cores diferentes; e no 3º esquerdo da entrada ..., sendo que na varanda a tela, por baixo da soleira da porta, está à vista;
d) Falta a colocação de litocer em alguns terraços.
11. Em todas as varandas e terraços intervencionados, as novas telas asfálticas foram colocadas diretamente sobre as tijoleiras previamente, sem que tivesse havido a remoção das tijoleiras e telas antigas.
12. A tela asfáltica aplicada em todas as varandas e terraços intervencionados não se encontra colada ao solo, mas apenas fixada nos cantos.
13. Não foram substituídas as embocaduras do escoamento das águas pluviais.
14. Houve diminuição do caudal de escoamento dos tubos de queda de águas pluviais decorrente da colocação das novas telas asfálticas sobre as tijoleiras anteriormente existentes o que provoca o empoçamento de varandas e terraços.
15. No 3º andar direito da entrada ..., as lajetas reaplicadas não apresentam o espaçamento necessário entre elas, estando encostadas topo a topo e como existe espaço no contorno periférico é necessário reposicioná-las para terem folga entre elas.
16. As soleiras de acesso aos apartamentos do 3º esquerdo e 3º direito da entrada ... ficaram danificadas e não foram reparadas.
17. Em alguns apartamentos, nas caixilharias intervencionadas foi aplicado silicone sobre o anteriormente existente e não em todo o perímetro, existindo vários vãos com silicone a destacar-se, esboroar-se e a decompor-se:
entrada ... - 3º Andar Direito - “…e por cima do existente.”
Entrada ... - R/Ch Esquerdo - “…e por cima do existente na parte interior.”
Entrada ... - R/Ch Direito - “…e por cima do existente.”
Entrada ... - 4º Andar Esquerdo - “…por cima do existente e além disso está a destacarse.”
Entrada ... - 1º Andar Esquerdo - “…por cima do existente.”
Entrada ... - 4º Andar Esquerdo - “…por cima do existente.”
Entrada ... - 2º Andar Esquerdo - “…por cima do existente.”
entrada ... - R/Ch Direito - “…por cima de outro…”
entrada ... - R/Ch Esquerdo - “…por cima de outro…”
entrada ... - 3º Direito - 1º e 2º Pisos – “…por cima de outro…”
entrada ... - 1º Esquerdo - “…por cima de outro…”
18. O Sistema de Isolamento ETICS na fachada sul não tem perfil de arranque e como tal estava com estanquicidade comprometida.
19. A tampa da caixa de visitas do escoamento das águas pluviais da fachada intervencionada não estava colocada ao nível da estrutura vertical do prédio.
20. Os factos descritos em 10) a 18) foram sendo reportados pela administração do Réu ao legal representante da Autora, que se comprometeu a resolver algumas das situações apontadas, o que não sucedeu.
21. A Administração do Réu pediu as chaves ao legal representante da Autora a fim de proporcionar o acesso ao prédio por parte de outra empresa, tendo a Autora saído do local da obra e cessado toda a prestação de serviços em julho de 2018, data a partir da qual não mais compareceu na obra.
22. A Ré terá que despender importância não concretamente apurada para reparação das anomalias descritas nos artigos 10º a 19º.
23. Em consequência dos factos descritos em 13), a varanda de um dos apartamentos empoçou, provocando a inundação do interior da fração autónoma situada no piso inferior, provocando prejuízos não concretamente apurados.
24. Algumas das varandas não foram intervencionadas em virtude de os respetivos condóminos não estarem presentes e não facultarem o acesso aos trabalhadores da Autora para esse efeito, não tendo, contudo, a Autora identificado os apartamentos para que o Condomínio resolvesse o problema do acesso às varandas junto dos condóminos.
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2.2 Factos Não Provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a. Que a Autora tenha executado as quantidades de trabalhos referidos no auto de medição que deu origem à fatura cujo pagamento peticiona, nem o valor que o Réu terá que despender para custear a reparação das anomalias verificadas.
b. Quanto aos factos alegados no artigo 6º da p. i., provou-se apenas o que consta no ponto 7) dos factos provados.
c. Quanto aos factos alegados no artigo 24º da contestação, provou-se o que consta no ponto 10) dos factos provados, não se tendo provado que a Autora não tenha procedido à colocação das lajetas nos terraços superiores a Sul.
d. Quanto aos factos alegados no artigo 25º da contestação, provou-se o que consta nos pontos 11) a 19) dos factos provados, não se tendo especificamente provado que a diminuição do caudal de escoamento dos tubos de queda de águas pluviais decorrente da colocação das novas telas asfálticas sobre as tijoleiras anteriormente existentes o que provoca o empoçamento de varandas e terraços (n.º 7), nem que o teto da consola do terraço do Rés-do-Chão esteja inacabada (n.º 13).
e. Quanto aos factos alegados nos artigos 26º e 27º da contestação, provou-se apenas o que consta no ponto 20) dos factos provados.
f. Quanto aos factos alegados nos artigos 38º e 39º da contestação, provou-se apenas o que consta no ponto 22) dos factos provados.
g. Quanto aos factos alegados nos artigos 43º e 44º da contestação, provou-se apenas o que consta no ponto 22) dos factos provados.
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2.3 Convicção do Tribunal
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos seguintes elementos:
“Para além dos factos aceites pelas partes (factos provados nos pontos 1. a 9.), na formação da sua convicção o Tribunal atendeu aos meios de prova disponíveis, atentando nos dados objetivos fornecidos pelos documentos dos autos, e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.
Atendeu-se ao teor dos documentos supra referenciados na decisão sobre a matéria de facto, bem como dos que foram anexos à petição inicial, contestação e réplica, conjugado com o resultado da prova pericial realizada nos autos, cujos relatórios foram juntos a 06.03.2023 e 27.04.2023, com esclarecimentos a 27.06.2023, as declarações de parte da legal representante da Autora e do legal representante do Réu e o depoimento das testemunhas inquiridas.
A testemunha, EE, é pedreiro e trabalha para a Autora há cerca de 4/5 anos. Executou serviços na obra, tais como a aplicação do capoto nas fachadas, a lavagem da tela nas varandas, impermeabilização das janelas. Não estava presente nos autos de medição e desconhece se os trabalhos foram todos executados e se o Condomínio apresentou reclamações. Sabe que disseram que não gostaram do trabalho. Houve certos trabalhos que não puderam ser concluídos, porque os condóminos não deixaram entrar os trabalhadores da Autora e acabaram por não conseguir concluir tudo. Deixaram de ir à obra, porque as pessoas queixavam-se que os trabalhos não estavam bem feitos. A obra só teve lugar numa empena, onde foram colocados andaimes. Os impedimentos foram só numa fachada. Podiam ter colocado andaimes. Faltou concluir os trabalhos nas varandas porque as pessoas não deixavam entrar. As caixilharias não ficaram todas feitas. Faltou impermeabilizar algumas varandas, tratar e barrar os muros de algumas varandas, faltou, colocar litocer, colocar algumas lajetas. Algumas telas foram fixadas diretamente nas tijoleiras. Tirou o silicone velho e meteu novo. O capoto vinha até baixo. Foi retirada uma “rampazinha” para se poder retirar a caixa de escoamento das águas pluviais.
A testemunha FF também é pedreiro e trabalha há 19 anos para a Autora. Trabalhou na obra. Não esteve presente no último auto de medição. Os trabalhos correram bem. Não foram a todos os apartamentos, porque houve condóminos que não queriam: uma senhora que soltou os cães e o senhor do gás. Houve trabalhos que não concluíram, porque não os deixaram entrar. Nada sabe quanto a pagamentos. Os condóminos reclamaram: uns não queriam aquelas pedras e outros não queriam esferovite. Só intervencionaram num bloco. Tinham andaimes só numa empena, mas não davam acesso às varandas. Desconhece o motivo por que a obra parou.
A testemunha GG é primo do sócio gerente da Autora e é condómino desde 1997. Uma das propostas de orçamento foi a da Autora, que foi apresentada por seu intermédio. Fez parte da comissão de obras. Não tem grande conhecimento a nível técnico, pelo que, pese embora tenha havido queixas, não sabe se houve defeitos, pois não tem capacidade técnica para avaliar. Houve várias reuniões entre as partes até que se incompatibilizaram. Houve exageros por parte dos condóminos. Alguns não deixaram os trabalhadores da Autora entrar para concluir os trabalhos. Era difícil a obra continuar. Não teve conhecimento do último auto de medição, nem sabe se houve reclamação. Sabe que ficou uma fatura por pagar. Houve algumas situações que foram reparadas. Deduz que foi o Condomínio que não quis que a Autora continuasse a obra, porque não vê o seu primo a abandoná-la. Quanto aos factos elencados no artigo 25º da contestação, apenas se recorda que o Sistema de Isolamento ETICS na fachada intervencionada não tinha cantoneira de arranque e lembra-se vagamente da situação de uma tampa. Acredita que houve trabalhos que ficaram por fazer: a fachada norte e leste não foram intervencionadas. Foram feitos trabalhos nas fachadas sul e oeste.
A testemunha AA é Engenheiro Civil. Foi contactado para analisar possíveis erros de construção no final da obra. Faltava muito pouco para terminar. Apresentaram-lhe o orçamento aprovado: tratava-se de trabalhos de impermeabilização dos terraços, varandas com aplicação de capoto. Fez fiscalização da obra. O objetivo que se pretendia era o isolamento da fachada. A solução técnica diz respeito ao empreiteiro e ao condomínio. A solução adotada para as varandas não é aconselhável, porque consistiu em aplicar um produto isolante sobre o existente. A aderência é discutível. A cota das varandas tinha subido, não estava à altura regulamentar. Fizeram a medição no local. As lajetas tinham alguns desníveis. A forma como foram colocadas é desaconselhável. Confirmou os factos mencionados no artigo 25º da contestação nos itens 1, 2, 6, 7, 8, 11, 12, 13 e 14, explicando a razão pela qual não eram técnicas aconselháveis. Na data em que fez a visita, mas ainda não tinha havido aceitação dos trabalhos orçamentados, não estavam executados alguns acabamentos: pequenos remates, pequenos acabamentos, muretes, a chapa de capeamento. Confirmou os factos alegados no art. 24º da contestação nos itens 1, 3, 4 e 5. Tem ideia de que as varandas tinham sido todas impermeabilizadas: era uma tema de discórdia entre as partes, o método utilizado. Tem presente que o litocer tinha que ser removido e tinha que ser colocado de novo. Havia terraços em que ainda havia intervenção. Emitiram um relatório com data de janeiro e reuniram com as partes (empreiteiro e Condomínio) e foi assumido o que faltava e reconhecida a necessidade de concluir e fazer as respetivas reparações. Não teve acesso a qualquer auto de medição. Quanto à opinião veiculada no documento junto com a réplica da autoria da empresa C... sobre se o sistema de impermeabilização utilizado é correto, concorda que tem que ser aplicável no perímetro, isso é indiscutível: no perímetro tem que colar e aguenta com o lajedo. O que se diz que é que, aquele sistema de aplicação, é um dos possíveis: se bem aplicado, seria adequado. A empresa não se pronuncia sobre o facto de ter sido aplicado sobre o existente. Não foi bem aplicado porque foi aplicado sobre o cerâmico.
O legal representante da Autora, BB, é Engenheiro Civil. Referiu que o seu primo é como se fosse um irmão. Disse que fez tudo o que estava ao seu alcance para conseguir concluir os trabalhos. Não fez os trabalhos em 5 varandas, porque os condóminos não deixaram entrar. A Administração do condomínio disse-lhe que só lhe pagariam 30% quando colocasse os andaimes. O 1º pagamento só foi assim depois de a obra ter começado. O 2º pagamento foi em 2 meses, o que não é normal. Do 2º para o 3º demorou 3 meses a receber. A Administração do condomínio propôs à comissão de obra, aquando do 3º auto de medição, expulsá-lo da obra, dizendo que o serviço estava muito mal feito. Houve trabalhos por fazer e o auto final não é o total da obra. Foram descontados os trabalhos que não foram feitos. O valor total da obra são 40.127€ e, no auto, refere que foram executados trabalhos no valor de 34.229€. O último auto de medição - a que ninguém compareceu - reproduz os trabalhos que foram feitos. O último auto de medição ocorreu no dia em que entregou as chaves a pedido da Administração do condomínio. Não aceita que os factos do art. 25º, da contestação (1) e (2) sejam defeitos. Quanto aos factos de (6), não estavam previstos no orçamento, nem eram necessários. Quanto os factos de (7), nunca viu essa varanda com problemas. Quanto aos factos de (8) pôs o afastamento correto. Quanto aos factos de (9), não correspondem à verdade; em 200 soleiras ficou de reparar uma, mas houve uma condómina que não consentiu que entrassem. Quanto aos factos de (10), quando entrou em obra, já tinha havido uma intervenção e utilizou uma cor de acordo com a decisão do condomínio. Quanto aos factos de (11), não são obrigatórios. Quanto aos factos de (12), o que está previsto no orçamento é a retificação; não são uma patologia. Desconhece os factos de (13) e (14). Esclareceu que recebeu uma percentagem com a entrada em obra e que realizava a obra com valor adiantado. O 1º pagamento foi a 21 de julho, com a entrada em obra. Em final de agosto enviou o auto de medição mensal. Desde que o auto de medição foi aceite pela comissão de obras, o pagamento foi feito em poucos dias. Depois esteve 3 meses sem receber. Depois da aprovação pela comissão de obras, a administração fazia o pagamento em poucos dias. Mas o que é certo é que era suposto receber mensalmente. Confirma ter recebido os emails de 10.07.2018 e 26.10.2017. Esclareceu que aplicou a 1ª cor e depois aplicou outra que a comissão de obras achou mais próxima da cor do prédio. Não cobrou a aplicação da 1ª cor. O email de 11.07.2018 responde ao email de 10.07.2018. Confirmou que o capoto foi aplicado por cima do litocer. Acha que as lajetas ficaram por baixo do enchimento do capoto.
A legal representante do Condomínio, DD, referiu ser a sócia gerente da firma B... que administra o condomínio. Disse que os trabalhos contratados com a Autora consistiam na aplicação de capoto na fachada sul e impermeabilização de todos os terraços em todas a fachadas. Nenhuma delas estava impermeabilizada. A Autora entrou em obra em julho de 2017 e recebeu 30% com a assinatura do contrato. O prazo era de 3/4 meses e a obra durou cerca de um ano, com a justificação que não tinham acesso aos terraços e falta e pessoal. A Autora tinha acesso a todos os terraços que eram nos últimos andares, porque tinham acesso à cobertura. Eles montavam um sistema de escadas. Tiveram várias reuniões na obra, mas o facto é que ao fim de um ano, a obra ainda não estava resolvida. Tiveram que solicitar as chaves, porque tinha ficado decidido fazer a obra em 2 fases. A 2ª fase seria a cobertura total do prédio. Como estava a chegar o verão, pediram as chaves à Autora para dar acesso ao prédio a outra empresa. Depois das chaves terem sido entregues, a Autora levantou tudo e levou tudo com ela. Além da Administração que acompanhava a obra, tinham uma comissão de obras com 3 condóminos, da qual fazia parte uma condómina que era Engenheira Civil. Foram confrontando o Eng.º BB com algumas situações que não estavam corretas, começando pela fachada sul. Foi preciso intervir por causa das fixações. Tiveram que solicitar mais pontos de fixação. A cor aplicada era branca, mas o prédio era bege. Tiveram que pedir para colocar o bege. O Eng. BB depois passou para os terraços. Em todos os terraços o chão era em tijoleira e os muretes em litocer. O Eng.º BB começou por aplicar a tela por cima da tijoleira. Na nossa opinião e na opinião da comissão não era correto, porque com a cedência do prédio a tijoleira parte e pode rasgar a tela. Chamaram o Eng.º AA, quando começou a haver estas divergências com o Eng.º BB. Uma delas, a tela e também a questão dos remates, porque o Eng.º BB dobrou a tela de 20 centímetros nas varandas e não queria colocar nada a tapar essa tela e tinham pedido que ficasse tudo à cor do prédio. Vieram depois a verificar que algumas das massas que tinham sido utilizadas na fachada sul, de cor branca, foram utilizadas nas varandas. E o prédio ficou com várias cores, nas fachadas, nas varandas, em várias zonas e sem os remates. O prédio, na fachada sul, ficou com a parede branca, em relação ao resto do edifício. O Eng.º BB apresentava sempre uma percentagem dos trabalhos que estavam concluídos e quando lhe perguntámos o que tinha sido feito nas janelas, disse-nos o número de janelas, mas não sabem em quais janelas. Não ficaram com a noção de quais as janelas e varandas que tinham sido intervencionadas, nem aquelas a que diziam não ter tido acesso. Não sabiam quantas eram. Por isso enviaram email a perguntar, para poderem abordar os condóminos com vista a resolver o problema. Como nada lhes foi dito, fizeram esse levantamento. Sabem quais os trabalhos que não foram feitos.
Neste ano de 2020, tiveram que começar a fazer certos trabalhos com outra empresa. Foi confrontada com os relatórios e orçamentos da empresa D..., anexos à contestação, confirmando que correspondem aos trabalhos não realizados e à reparação dos defeitos, que enunciou. A falta de escoamento nos terraços e nas varandas é suscetível de provocar inundações, o que já sucedeu, em virtude de o escoamento estar tapado pela lajeta e ter chovido muito, o que provocou o empoçamento da água na varanda, que foi ter ao andar de baixo, causando uma inundação. O prejuízo foi assumido pelo condomínio. Tiveram uma reunião para tentar alinhar o que estava bem e o que estava mal e o Eng. BB comprometeu-se a realizar certos trabalhos, o que ficou documentado, tendo o Eng.º BB, no momento em que assinou, escrito uma ressalva (cfr. documento anexo à contestação). Não conseguiram verificar se estavam ou não cumpridas as percentagens apresentadas. Esclareceu que nunca acompanharam os autos de medição. Recebiam o auto, mas nunca conferiam no local.
Reuniam com o Eng.º BB e comunicavam posteriormente a sua posição. e confirmavam. Não concordaram com o último auto de medição, que foi enviado depois da reunião que tinham feito.
Quanto aos trabalhos não realizados e anomalias dadas como provadas, considerou-se o depoimento das testemunhas EE, GG, AA, o legal representante da Autora, e a legal representante do Réu, conjugado com o teor dos relatórios elaborados pela empresa D... anexos à contestação e o resultado da perícia realizada.
Deu-se especial valor ao relatório pericial da perícia determinada pelo tribunal, por ser de presumir uma maior isenção do perito que a realizou, por um lado e porque contém uma análise das anomalias com maior precisão. Mereceu-nos, contudo, também relevo o depoimento da testemunha AA, que é engenheiro civil e demonstrou muita objetividade no seu depoimento, quanto aos factos alegados nos pontos 1) e 2) do artigo 25º da contestação, a saber:
1) Em todas as varandas e terraços intervencionados, as novas telas asfálticas foram colocadas diretamente sobre as tijoleiras previamente existentes, ao invés de se ter procedido à remoção das tijoleiras e telas antigas;
2) Todas as varandas e terraços intervencionados padecem de deficiente colocação de tela asfáltica, que não se encontra devidamente colada ao solo, apenas tendo sido fixadas nos cantos.
Com efeito esta testemunha fiscalizou a obra, pelo que pôde constatar, nesse momento, tais factos que agora só poderiam ser constatados através de ensaios destrutivos. Atendeu-se, por conseguinte, ao depoimento desta testemunha no que respeita concretamente à resposta dada aos factos mencionados.
Os factos dados como provados em 24) foram confirmados pelas testemunhas EE
, GG.
Quanto aos trabalhos realizados, nenhuma prova foi feita no sentido de demonstrar as quantidades de trabalho descritas no auto de medição que deu origem à fatura reclamada nos autos, sendo que as declarações do legal representante da Autora a esse respeito, porque não corroboradas por qualquer outro meio de prova, não são suficientes, por si só, para provar tais factos, razão pela qual se deram tais quantidades como não provadas.
Não se apuraram os prejuízos concretos causados numa das frações pela inundação a que alude o artigo 42º da contestação, pois nem tão pouco foram alegados, nem sequer que o Réu os tenha assumido, pois nenhum recibo foi junto para comprovar tal facto.”
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão por resolver no âmbito do presente recurso consiste em saber:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da aplicação da Lei do Consumidor - Lei nº 24/96, de 31 de Julho, com as alterações produzidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril;
- Do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1 Da impugnação da matéria de facto
Impugnou a Recorrente a decisão do tribunal a quo relativamente ao ponto 9 dos factos dados como provados, sem que, todavia, especifique devidamente o sentido e conteúdo da decisão que pretende seja proferida.
Considera, assim, como incorrectamente julgado o ponto 9 dos factos dados como provados, e defende que existem nos autos meios probatórios (prova documental e gravada) que impunham uma decisão completamente diferente. Consequentemente, defende que não tendo o auto de medição elaborado pela Autora e á Ré enviado, sido objecto de qualquer reclamação e/ou recusa notória e comprovada por parte do Condomínio Réu, deveria este – por não ter procedido ao pagamento da factura emitida com base nele – sido condenada a pagar a quantia nela ínsita, isto é, de € 7.037,88, acrescida dos respectivos juros de mora.

Vejamos, então.
Nos termos do artigo 639.º do Código de Processo Civil, as alegações de recurso dividem-se em corpo das alegações, nas quais o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão, e conclusões das alegações, nas quais o recorrente sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
Com base nos artigos 608.º, nº 2, 609.º, n.º 1, 635.º, nº 4, e 639.º, do Código de Processo Civil, constitui jurisprudência continuamente reafirmada que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao tribunal ad quem conhecer de questões que extravasem as conclusões de recurso, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso.
A delimitação do objecto do recurso pela formulação das conclusões das alegações conduz a que seja em função destas, e não propriamente do corpo das alegações (ainda que estas possam servir para interpretar aquelas) que se devam interpretar e balizar as questões que o tribunal de recurso pode e deve conhecer, as quais só podem exceder o mencionado nas referidas conclusões no caso de se tratar de questões de conhecimento oficioso e cujo conhecimento não esteja precludido ou prejudicado.
Servindo as conclusões de recurso para sintetizar as questões que se pretende que o tribunal aprecie e o sentido com que as deverá decidir, no caso em que uma dessas questões é a impugnação da decisão da matéria de facto, terão de fazer parte das conclusões itens especificando essa pretensão.
Para haver impugnação da decisão sobre a matéria de facto é necessário que o recorrente sustente que no que concerne à matéria de facto a decisão recorrida está errada, que foi feita uma avaliação incorrecta dos meios de prova, que foi produzida prova em função da qual determinado facto deve ser julgado diferentemente do modo como o foi em 1.ª instância, que manifeste a vontade de que a decisão relativa à matéria de facto seja alterada e, finalmente, que especifique o sentido e conteúdo da decisão que pretende seja proferida.
Conforme prevê o artigo 640.º do Código de Processo Civil, querendo impugnar a decisão da matéria de facto o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente e sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, os seguintes aspectos: os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que na óptica dos recorrentes impunham decisão diversa e o sentido da decisão que deve ser proferida, sendo que no tocante aos depoimentos gravados carece de indicar as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
A lei impõe, assim, ao recorrente que individualize os factos que estão mal julgados, que especifique os meios de prova concretos que impõem a modificação da decisão, que indique o sentido da decisão a proferir e, inclusivamente, tratando-se de depoimentos de testemunhas gravados, que precise as passagens do depoimento que tal hão-de permitir.
Sendo, como vimos, as conclusões das alegações de recurso que delimitam as questões colocadas à apreciação do tribunal de recurso, é também nelas que se devem mostrar cumpridos os requisitos da impugnação da decisão da matéria de facto, quando essa é, por vontade dos recorrentes, uma das questões suscitadas ao tribunal de recurso, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte.
No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15/02, que introduziu o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, justificava-se essa solução da seguinte forma: “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido. A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
A violação deste ónus, preciso e rigoroso, conduz, nos termos expressos e, por conseguinte, intencionais da norma, à rejeição imediata do recurso na parte afectada, não havendo sequer lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento da falha - neste sentido cf. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 145 e seguintes - porquanto esse convite se encontra apenas consagrado no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil para as conclusões das alegações sobre matéria de direito.
Tem-se entendido, aliás, que o cumprimento deste ónus deve ser feito com rigor e a falha correspondente não deve ser vista com benevolência. Era o entendimento de Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 147, onde este autor sustenta que “as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Cumpre assinalar que quanto à indicação das passagens exactas da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso, entendemos de que esse requisito legal da impugnação da decisão da matéria de facto deve considerar-se preenchido ainda que essa indicação consta apenas das alegações de recurso e não tenha sido levado às respectivas conclusões, uma vez que essa indicação serve apenas o objectivo de auxiliar o tribunal de recurso a localizar os segmentos dos depoimentos que o recorrente assinala e pretende que sejam reavaliados e já não o objectivo de delimitar os meios de prova em que o recorrente funda a sua discordância com a decisão da 1.ª instância que é o sentido último do estabelecimento de requisitos legais específicos da impugnação da decisão da matéria de facto.
Tendo estas ideias presentes e lendo as conclusões das alegações do recurso afigura-se-nos que no caso não se mostram observados e cumpridos os requisitos da impugnação da matéria de facto.
Com efeito, a recorrente, tanto no corpo das alegações, como nas conclusões do recurso não especificou devidamente o sentido e conteúdo da decisão que pretende seja proferida.
Na realidade, apesar da extensão das alegações o recorrente limita-se a alegar a violação pelo Tribunal a quo da devida valoração dos meios de prova.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, na parte em que tem por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto o recurso deve ser rejeitado.
Em face do que vem de ser exposto, rejeita-se o recurso sobre a decisão da matéria de facto.
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4.2. Da aplicação da Lei do Consumidor - Lei nº 24/96, de 31 de Julho, com as alterações produzidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril.
O Apelante insurge-se, ainda, porque considera que inexiste informação suficiente nos autos para considerar a situação em concreto incluída no âmbito da aplicação da Lei do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, com as alterações produzidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril).
Afirma que inexiste nos autos matéria de prova que permitisse ao Sr. Juiz a quo a aplicação deste regime, em detrimento do regime previsto, quanto a este particular, nos artigos 1221º, 1222º e 1223º, do Código Civil.
Entende, porém e bem, o recorrido que, um condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal em que as fracções autónomas que dele fazem parte são destinadas a habitação (ainda que somente uma única), deve ser considerado como um consumidor nos termos do previsto na Lei do Consumidor, e do diploma que regula as vendas de bens de consumo e as garantias a eles atinentes.
De resto, é esta a posição jurisprudencial defendida pelo Supremo Tribunal de Justiça há largos anos, e continua a ser aquela que permite a melhor defesa dos proprietários de fracções autónomas em prédios organizados em propriedade horizontal que, de forma minoritária, sejam destinadas a habitação própria e permanente. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2019, relatado pelo Sr. Juíz Conselheiro Nuno Pinto Oliveira, publicado na base de dados da dgsi)
Conforme bem se sustenta no extracto do referido acórdão que, pela sua especial relevância, aqui se dá por reproduzido:
“A primeira questão consiste em averiguar se o Condomínio do edifício sito na ..... deve considerar-se como consumidor para efeitos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, aplicável aos contratos concluídos a partir de 1 de Janeiro de 2022.
O art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho contém uma definição de consumidor de alcance geral. O n.º 1 define como consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios” e o n.º 2 esclarece que, entre os profissionais, - que entre as pessoas que exercem com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, - estão as pessoas colectivas públicas, incluindo as regiões autónomas e as autarquias locais, as empresas de capitais públicos, ou de capitais detidos maioritariamente pelo Estado, e as empresas concessionárias de serviços públicos.
O art. 1.º-B do Decreto-Lei n.º 67/2003, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, remete para a definição de consumidor do art. 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho:
“Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por […] consumidor aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”.
Ora a palavra “aquele” ou as palavras “todo aquele” devem interpretar-se em termos de abranger associações ou comissões sem personalidade jurídica, e em termos de abranger o condomínio, pelo que há tão-só que enunciar o critério da qualificação do condomínio como consumidor. Será porventura necessário que todas as fracções do condomínio sejam destinadas a um uso privado, não profissional? Será necessário que a maioria das fracções autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional, ou será suficiente que uma minoria das fracções autónomas o seja? Será porventura suficiente que uma das fracções autónomas seja destinada a um uso privado, não profissional, para que todo o condomínio seja qualificado como consumidor?
Em rigor deve distinguir-se a hipótese de que o direito do consumo não se aplique nunca ao condomínio (assim, p. ex., a compra de um extintor para as partes comuns do edifício nunca seria uma compra de bens de consumo); a hipótese de que o direito do consumo só se aplique desde que todas as fracções sejam destinadas a uso privado; a hipótese é a de que o direito consumo só se aplica desde que a maioria das fracções seja destinada a uso privado; e a hipótese de que o direito do consumo se aplica desde que uma das fracções seja destinada a uso privado (assim, p. ex., a compra de um extintor para as partes comuns do edifício seria sempre uma compra de bens de consumo, desde que pelo menos uma das fracções fosse destinada à habitação).
Entre as quatro hipóteses deve dar-se preferência à quarta, pela razão seguinte:
O art. 1420.º, n.º 1, do Código Civil, diz que “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”. Os negócios jurídicos - p. ex., os contratos de compra e venda ou os contratos de empreitada - relacionados com as partes comuns do edifício deveriam ser considerados como negócios jurídicos de consumo desde que o proprietário, ou desde que algum dos proprietários, das partes comuns devesse ser qualificado como consumidor. Em consequência, os negócios jurídicos relacionados com as partes comuns devem ser considerados como negócios jurídicos do consumo desde que um dos condóminos seja um consumidor.
O problema está em que o conceito de consumidor é um conceito relacional.
Cada consumidor é, necessariamente, contraparte de um comerciante, de um empresário ou de um profissional; encontra-se numa situação típica de inferioridade face a um profissional; e cada comerciante, empresário ou profissional é, necessariamente, contraparte de um consumidor - encontra-se numa situação típica de superioridade face a um consumidor. Reinhard Bork põe o caso de uma forma impressiva - para que uma pessoa possa ser qualificada como um consumidor é decisivo que esteja em relação com um profissional e para que uma pessoa possa ser qualificada como um profisssional (para efeitos do direito do consumo) é decisivo que esteja em relação com um consumidor”.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que consta dos autos uma certidão do registo predial do imóvel que constitui o condomínio recorrido e que menciona que o referido imóvel é constituído, todo ele, por fracções autónomas habitacionais, à excepção de uma única fracção cuja utilização está reservada a comércio e/ou serviços. (Cfr. documento nº 1, junto com a Contestação).
Assim, não restam dúvidas em considerar a situação em concreto incluída no âmbito da aplicação da Lei do Consumidor como, aliás, bem integrou o Tribunal a quo.
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4.3 Do mérito da decisão.
A apelante clama pela alteração da sentença de que recorre.
Sustenta tal pretensão na modificação da decisão sobre a matéria de facto que, pela via recursiva, reclama, bem como na não integração da situação em apreço no âmbito da aplicação da Lei do Consumidor.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, bem como a referida integração jurídica, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
De resto, a este propósito, conforme bem se refere na decisão recorrida:
“Considerando o que prescreve o art. 1207.º do Código Civil e a factualidade demonstrada, estamos perante um contrato de empreitada, datado de 6 de julho de 2017, com vista à execução dos trabalhos de construção civil descritos no orçamento anexo ao contrato denominado, “Reabilitação de Exterior do Edifício” instalado no prédio sito na Rua ..., celebrado entre a autora, que é a empreiteira, e o Réu, que é o dono da obra.
O contrato de empreitada é aquele pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (art. 1207.º do Código Civil).
Trata-se de um contrato sinalagmático, porque dele resultam obrigações recíprocas e interdependentes, sendo para o empreiteiro a de realizar a obra no tempo e modo convencionados e, para o dono da obra, a de pagar o respetivo preço; é um contrato oneroso, porque o esforço económico é suportado por ambas as partes e há vantagens correlativas para ambas, e é comutativo, porque as vantagens patrimoniais que dele emergem são conhecidas por ambas as partes, no momento da celebração.
Nos termos do art. 1208º Código Civil, incumbe à Autora executar a obra de acordo com o que foi convencionado e sem defeitos que excluam ou reduzam o valor desta. Assim o empreiteiro deve conformar a execução da obra ao que foi convencionado, desde logo ao projeto referente à obra a executar, e ao estabelecido quanto ao objetivo da obra, preço, formas de pagamento e prazo de entrega.
O dispositivo citado, mais não é do que a aplicação do princípio, constante do nº 2 do artº 762º do Código Civil, segundo o qual o devedor, no cumprimento da obrigação deve proceder de boa-fé, e consequentemente em respeito pelas regras da arte, designadamente, as relativas ao objetivo considerado para a realização da obra, utilidade desta, à forma e outros aspetos que sejam de considerar.
O credor da obra é simultaneamente o devedor do preço, e como devedor cumpre a obrigação quando realiza a obrigação a que se vinculou, devendo acrescentar-se que nos termos do art. 406º do citado diploma, o contrato deve ser pontualmente cumprido, o que quer significar que tem que ser cumprido o que foi convencionado.
Considerando a presunção de culpa que recai sobre o devedor quanto à falta de cumprimento, torna-se este, responsável pelo prejuízo que causa ao credor, salvo se demonstrar que o incumprimento não lhe é imputável - cfr. artºs. 798º e 799º ambos do Código Civil.
Ora, competia à Autora provar a execução dos trabalhos cujo pagamento reclama, por se tratarem de factos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342º, n. 1 do Código Civil), o que não logrou fazer, pois não demonstrou que tivesse executado as quantidades de trabalho descritas no auto de medição que deu origem à fatura cujo pagamento reclama, pelo que, sem necessidade de mais considerações, se terá que concluir pela improcedência da ação.
Quanto à reconvenção:
(…)
Quanto aos invocados defeitos:
A empreitada a que os autos se reportam é uma empreitada de consumo para efeitos de
aplicação da Lei do Consumidor (Lei 24/96 de 31.07).
E, nos termos do artigo 4º nº 1 do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8/4, o dono da obra que apresenta desconformidades, tem, opcionalmente, e em pé de inteira igualdade, isto é, sem qualquer precedência legal, os direitos à reparação, à substituição da obra, à redução do preço e à resolução do contrato.
Sucede também que, de acordo com o artigo 12º nº 1 da Lei 24/96 de 31/7 (Lei de Defesa do Consumidor), o direito de indemnização do dono da obra pelas desconformidades destas é
estabelecido em termos amplos, o que significa que ele não é subsidiário ou residual de outros
direitos, antes pode ser exercitado de modo livre e perfeitamente alternativo em relação a eles.
Neste enquadramento, é patente que, uma vez confrontado com os vícios da empreitada, o Réu podia exercer contra a Autora tanto o direito de indemnização correspondente ao custo da reparação como o próprio direito à reparação. E, consequentemente, nada o impede de reclamar a indemnização correspondente ao custo da reparação, como também relativa ao prejuízo causado pela deficiente execução da obra (cfr. art. 483º do Código de Processo Civil).
A este propósito, provou-se que a Ré terá que despender importância não concretamente apurada para reparação das anomalias que se deram como provadas.
Assim, terá a Ré/Reconvinte direito a uma indemnização correspondente ao custo da reparação dos defeitos elencados nos pontos 10) a 19) dos factos provados, a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação (cfr. art. 609º, n. 2 do CPC), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da citação para a presente ação, e até efetivo e integral pagamento (art.ºs 559º, 804º e 806º, nºs 1 e 2, todos do Código Civil e Portaria 291/2003, de 08.04).”
Tal argumentação afigura-se-nos adequada e judiciosa, merecendo o nosso acolhimento.
Impõe-se, por isso, o não provimento da apelação, rectificando/complementando o segmento decisório referente à reconvenção, em sintonia com a motivação, de que a indemnização referente ao pedido reconvencional será ulteriormente liquidada em execução de sentença.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso de apelação não provido, complementando o segmento decisório referente à reconvenção de que a indemnização em causa será ulteriormente liquidada em execução de sentença.
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Custas a cargo da apelante.
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Notifique.

Porto, 18 de Abril de 2024
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade [que apresentou a seguinte declaração de voto vencido:
“Apesar da elevada qualidade do expendido no Acórdão, pensamos que pelo menos se deveria equacionar a possibilidade de os autos serem remetidos à 1.ª instância para melhor se fundamentar, em relação ao pedido da Autora, porque não se prova que, o valor que pede, foi por si efetuado em termos de obra mas já se prova que efetuou trabalhos incorretamente realizados (artigo 662.º, n.º 2, c), do C. P. C.); fica a dúvida, para nós não explicitada na decisão, se os trabalhos incorretamente realizados não serão, também eles, parte ou totalidade dos pedidos pela Autora.
A Autora alegou os trabalhos que realizou, através da junção de fatura e auto de medição, tendo o tribunal os meios para fundamentar a decisão o que, a nosso ver, não fez devidamente.”]
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)