Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6931/22.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
PARTES COMUNS
FRAÇÃO AUTÓNOMA
DANOS
CONDÓMINOS
DEVERES
PRIVAÇÃO DO USO DO IMÓVEL
DANOS INDEMNIZÁVEIS
Nº do Documento: RP202404236931/22.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação de cada condómino concorrer para os encargos de conservação do edifício e de reparar os danos causados numa fração autónoma por infiltrações de água pluviais, provenientes de uma parte comum, como é o caso da fachada, decorrem da natureza real do instituto da propriedade horizontal.
II - São os condóminos na sua totalidade os responsáveis pelas reparações e obras de conservação das partes comuns do prédio e pelo pagamento das quotas necessárias para a sua realização, pelo que não cumprindo essa obrigação não podem vir invocar a falta de pagamento das quotas para se eximirem à obrigação de as realizarem.
III - O condomínio que, tendo conhecimento de infiltrações numa fração autónoma provenientes da fachada e da necessidade de realizar obras de reabilitação da fachada para debelar tais infiltrações, de forma reiterada não aprova esse tipo de obras, comete uma omissão ilícita e incorre na obrigação de indemnizar o titular da fração autónoma que fique impedido de a usar.
IV - A privação do uso da fração constitui um dano indemnizável, cuja indemnização deve ser fixada com recurso à equidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6931/22.0T8VNG.P1- APELAÇÃO
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA intentou acção declarativa sob processo comum contra Condomínio do Edifício sito na Rua ..., ..., em Vila Nova de Gaia, tendo formulado os seguintes pedidos de condenação do réu:
i. proceder à reparação integral e definitiva das patologias nas zonas comuns do Edifício, que deram causa aos danos ocorridos na fração do autor, no prazo máximo de 30 dias ou no prazo que o Tribunal vier a fixar;
ii. pagar o custo de € 890,40 que o autor teve com a reparação das massas apodrecidas e com a repintura dos tetos e das paredes da fração afetados pelas humidades;
ii. pagar as quantias respeitantes aos lucros cessantes, durante todo o período de tempo em que o autor esteve privado da possibilidade de arrendar a fração, entre março de 2021 e julho de 2022, à razão de 560€ mensais.
Como fundamento das referidas pretensões, o Autor alegou em síntese que, é proprietário da fração G correspondente a uma habitação no 2º andar frente do prédio identificado nos autos, tendo sido alertado pela inquilina em Janeiro de 2021 para a existência de humidades no tecto e paredes da sala e do quarto, que se apurou provirem de infiltrações de águas pluviais provenientes da fachada que só podem ser definitivamente solucionadas por via da reabilitação da mesma, a qual constitui parte comum do prédio, sendo a responsabilidade pelas obras de todos os condóminos, porém, apesar de informado o condomínio da necessidade dessas obras nada fez, não tendo aprovado qualquer obra de reparação da fachada do edifício até à presente data apesar de ter sido intimado pelo autor para realizar as obras necessárias à resolução definitiva das patologias e a pagar uma indemnização mensal de €450,00 pela impossibilidade de fruição da fração, dado o seu estado não permitir o seu uso para habitação, uma vez que o Autor a destinava ao mercado de arrendamento.
Mais alegou que com o intuito de minimizar os prejuízos e procurar colocar rapidamente a fração no mercado de arrendamento, o autor em Julho de 2022 providenciou pela reparação das paredes e tectos afectados pela humidade apesar de saber que a causa das infiltrações não foi debelada, tendo suportado a quantia de €890,40, reclamando do Réu o pagamento desse custo, bem como uma indemnização pela privação do uso da fração à razão de €560,00 mensais entre março de 2021 e julho de 2022, pretendendo que a reparação integral e definitiva das patologias que deram causa aos danos ocorridos na sua fração ocorra no prazo de 30 dias.

2. O Réu deduziu contestação, na qual impugnou os factos alegados na pi, alegando que quanto às obras em questão seguiram o seu normal curso, devendo-se o seu eventual atraso à situação de pandemia e às dificuldades de tesouraria da administração de condomínio, referindo que vários condóminos encontravam-se em falta no que concerne aos pagamentos, inclusivamente o Autor que tem um saldo devedor de €1.228,96 do qual a esmagadora quantia se refere a valores mensais para efeitos de obras desde março de 2020, alegando ainda que em Maio de 2022 executaram as obras aguardando as primeiras chuvas para verificarem se a obra se encontra bem executada e poder ser concluída definitivamente.
Mais peticionou a condenação do Autor como litigante de má-fé.

3. O Autor exerceu o principio do contraditório sobre aquele pedido, pugnando pela sua improcedência.

4. Dispensada a realização da audiência prévia, veio a ser proferido despacho saneador, no qual foi dispensada a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, e com estes fundamentos, julga-se a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e decide-se:
a) condenar o R. Condomínio do Edifício sito na Rua ..., ..., em Vila Nova de Gaia a proceder à reparação integral e definitiva das patologias nas zonas comuns do Edifício, que deram causa aos danos ocorridos na fração do A. (fração G), reparando as patologias que originam as infiltrações através dos terraços e das fachadas do edifício, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias;
b) condenar o R. Condomínio do Edifício sito na Rua ..., ..., em Vila Nova de Gaia a pagar ao A. AA o valor €890,40 (oitocentos e noventa euros e quarenta cêntimos), custo que o A. teve com a reparação da sua fração decorrentemente de infiltrações com origem nas partes comuns do edifício;
c) condenar o R. Condomínio do Edifício sito na Rua ..., ..., em Vila Nova de Gaia a pagar ao A. AA o valor de lucros cessantes pelo o período em que o A. esteve privado da possibilidade de arrendar a fração, entre março de 2021 e julho de 2022, fixando-se a indemnização em €6048,00 (seis mil e quarenta e oito euros), absolvendo-se o R. da restante parte deste pedido;
d) indeferir a condenação do A. AA como litigante de má fé;
e) condenar o A. e o R. em custas, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 90% para o R. e 10% para o A..
Registe e notifique.”

6. Inconformado, o Réu/Apelante interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1. Em sede de Douta Sentença veio o Douto Tribunal a quo decidir:
- “condenar o R. (…) a proceder à reparação integral e definitiva das patologias nas zonas comuns do Edifício, que deram causa aos danos ocorridos na fracção do A. (…), reparando as patologias que originam as infiltrações através dos terraços e das fachadas do edifício, no prazo máximo de 120 dias;
- condenar o R. (…) a pagar ao A. (…) o valor de € 890,40 (…), custo que o A. teve com a reparação da sua fracção decorrentemente de infiltrações com origem nas partes comuns do edifício;
- condenar o R. (…) a pagar ao A. (…) o valor dos lucros cessantes pelo período em que o A. esteve privado da possibilidade de arrendar a fracção, entre março de 2021 e julho de 2022, fixando-se a indemnização em € 6.048,00”.
2. O Recorrente não pode conformar-se com esta Decisão.
3. Em momento algum, o Recorrente discordou da necessidade de efectuar obras nas partes comuns do edifício, tanto mais que diligenciou, como se provou, pela recolha das patologias nas fracções do edifício e, bem assim, encetou, junto de empresa externa, algumas obras de reparação.
4. Não dispunha o Recorrente de disponibilidade de tesouraria, para, de uma só vez, e à velocidade que o próprio Recorrente pretendia, levar a cabo as obras.
5. Um dos condóminos/proprietários que concorreu para essa indisponibilidade de tesouraria foi o próprio Recorrido o qual, deixou de pagar as quotizações/contribuições condominiais.
6. A realização de obras pelo condómino/proprietário (quando estas advenham das partes comuns) apenas se encontram legitimadas, em caso de inércia do condomínio, o que não foi o que aconteceu no caso concreto, uma vez que o condomínio, na medida da disponibilidade financeira –sempre na medida da disponibilidade financeira – iniciou as diligências para a realização das obras.
7. A não realização de obras, não legitima o não pagamento das quotas pelos condóminos/proprietários, tanto mais que se gera um eterno efeito bola de neve (itálico nosso): as obras são necessárias, mas sem dinheiro, não se podem fazer. E a fonte de receitas do condomínio são as quotas. Não entrando dinheiro de quotas, não há dinheiro para fazer obras.
8. A intervenção de obra foi votada e aprovada em Assembleia Geral, datada de Março de 2020, sendo que ficou também provado que o Recorrido não paga desde Março de 2020 a quota suplementar referente à necessidade de intervenção de obras (e destinada a fazer face às mesmas), o que, aliás, acontece com outros condóminos/proprietários e bem assim que o Recorrente não realizou as obras de reparação das infiltrações por dificuldades de tesouraria.
9. Como pode, pois, o condomínio ser condenado a promover às obras, quando não dispõe de dinheiro para as levar a cabo?
10. Sempre se poderá responder que uma das soluções passa por desencadear procedimentos judiciais executivos de cobrança contra os condóminos/proprietários faltosos, mas também é certo que nesta solução, é necessário dinheiro, sejam para liquidar honorários, seja para liquidar taxas de justiça e os valores provisionais solicitados pelo Agente de Execução indicado.
11. As obras foram aprovadas em Março de 2020, mas que apenas no início do ano de 2021 foram detectados problemas na fracção do Recorriso.
12. E que, no mês seguinte, a fracção foi abandonada pela inquilina do Recorrido.
13. Volvido um ano sobre a data de aprovação das obras e já com o lastro de um ano de atraso de pagamento de quotizações é que o Recorrido cuidou de iniciar diligências junto do Recorrente no sentido de serem reparados os danos na fracção de que o proprietário.
14. Se durante esse ano em que não pagou quotas não poderia tal ter permitido que o Recorrente pudesse dispor de maior liquidez de tesouraria e iniciar de forma mais célere as reparações?
15. Não terá o Recorrido também concorrido de forma crucial para o agudizar do problema?
16. O Recorrente foi condenado nos lucros cessantes, isto é, o valor que o Recorrido deixou de auferir pelo facto de não ter podido arrendar o imóvel, em face da degradação.
17. Para o efeito, não fez qualquer prova do valor que auferia, mensalmente a título de renda – a não ser a prova testemunhal, que o Douto Tribunal considerou bastante, mas que sempre poderemos colocar em causa, salvo melhor e mais ajuizada opinião, uma vez que um mero recibo de renda seria prova cabal e inequívoca.
18. É curto para uma condenação, assim como são curtos os argumentos apresentados testemunhalmente, designadamente pela testemunha BB.
19. Não é feita qualquer prova dos valores de mercado, de uma comparação com um edifício semelhante, de quaisquer propostas de arrendamento que tenham sido apresentadas, de um qualquer anúncio de arrendamento da fracção em crise.
20. Não resulta cabal a elevada procura de arrendamento da fracção. Não resulta, de todo, cabal, que tenha havido qualquer proposta.
21. Apenas sabemos que, apressadamente, um mês após a comunicação do Recorrido, da existência de patologias dentro da fracção – quando, recorde-se o problema foi identificado um ano antes, em sede de Assembleia de Condóminos – a fracção foi abandonada pela inquilina e que só em Julho de 2022 se realizaram as obras no interior da fracção.
22. Fosse tão fácil o arrendamento, e seguramente o Recorrente – com o dinheiro que vinha poupando ao não pagar a quota extraordinária desde Março de 2020 – poderia logo em Fevereiro de 2021 (quando o imóvel foi abandonado…) fazer as obras que veio a fazer e imediatamente recoloca-lo no mercado de arrendamento.
23. Disse a testemunha BB, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento:
A 00:02:27, afirma a testemunha: “o que me traz cá é dar a conhecer o estado, digamos assim, do imóvel, que era um dos imóveis que estava no meu âmbito comercialmente (…) que teve um problema grave de infiltração e que não tornou viável o meu processo de arrendamento”.
De seguida acrescentou que não fez nada no que toca a vistorias, visitas, etc., para verificação do estado.
A 00:05:19:
Mandatário do A., ora Recorrido: “o apartamento este arrendado até determinada altura”?
Testemunha: “sim”!
M.A.: “e quando estas infiltrações se agravaram, a inquilina manteve-se no apartamento mais algum tempo”?
T.: “não”!
(…)
A 00:06:21:
M.A.: “Este apartamento esteve algum tempo por arrendar por causa disto, não esteve?”
T.: “Vários meses… não sei se muito próximo de um ano”!
A 00:07:18:
M.A.: “Este apartamento, qual era naquele período, qual era o valor por que o arrendaria”?
T.: ”Nós fazemos o apanhado… e na altura estava muito próximo dos 550-560 euros (…) neste momento seria superior. O mercado está muito elevado.(…) hoje em dia se me perguntassem seria por volta dos 630 euros”.
24. Com isto bastou-se o Douto Tribunal a quo para tomar como bom o valor peticionado pelo Recorrido a título de lucros cessantes.
25. Não foram devidamente julgados certos factos, os quais o Douto Tribunal a quo deu como provados.
A saber: 14.º, 15.º, 16.º e 18.º, e os quais se julgados não provados sempre implicariam uma decisão diversa da que ora se recorre.

7. O Autor/Apelado ofereceu contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

8. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª Questão- Alteração da matéria de facto dada como provada;
2ª Questão-Obrigação de realização de obras nas zonas comuns e de indemnização dos danos sofridos pelo Apelado decorrentes de infiltrações.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. A fração autónoma, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº ......, fração integrada no prédio constituído em propriedade horizontal descrito na mesma conservatória sob o nº ..., fração destinada à habitação correspondente ao 2º andar frente, do prédio sito na Rua ..., Vila Nova de Gaia, encontra-se predialmente registada a favor do A..
2. O R., Condomínio, é administrado pela A..., Lda., cargo para o qual foi eleita em assembleia do dia 19/04/2022.
3. Em 10/03/2020 foi realizada uma assembleia de condóminos, que tinha como pontos de ordem de trabalho, entre outros, “5. Análise, discussão e aprovação de orçamentos para reparação de infiltrações do telhado e pintura de tetos do 4º Esquerdo e aprovação da respetiva quota extraordinária”, foi, a este propósito, deliberado que “Deu-se em seguida entrada no ponto nº 5 da ordem de trabalhos referente à análise, discussão e aprovação de orçamentos para reparação de infiltrações do telhado e pintura de tetos do 4º Esquerdo e aprovação da respectiva quota extraordinária;
—- Pela administração foram apresentadas as propostas de orçamento. -
— Posto à votação foi aprovado, por maioria, dos condóminos presentes ou seus representantes com a abstenção das fracções C e Z a quotização das obras para colocação de um novo painel sanduiche durante 18 prestações no valor de 10.512,32 € + IVA, sendo que a primeira prestação terá início em Abril 2020.
—- Foi aprovado, por maioria, dos condóminos presentes ou seus representantes com a abstenção das fracções C e Z a elaboração de mapa de patologias pela empresa B... Lda no valor de 225 € + IVA, em anexo, sendo que a quota extraordinária será paga no mês de Março de 2020”.
4. Das várias propostas de orçamento apresentadas consta, para além da proposta relativa ao telhado no valor de 10.512,32 €, igualmente um orçamento de reparação da infiltração e degradação da fachada.
5. No decurso do mês de janeiro de 2021, o A. foi alertado, pela inquilina, para a existência de manchas de humidade nos tetos e paredes da sala e do quarto da fração G, com queda de partes do estuque e escurecimento generalizado dos tetos e paredes.
6. As massas e os rebocos dos teto e paredes afetados estavam a ficar  apodrecidos, fruto da humidade que aí grassava.
7. Tendo sido apurado que as infiltrações de águas pluviais, que provocaram as patologias indicadas nos números 5. e 6. dos factos provados, provinham da fachada do Edifício e ainda dos terraços situados no 4º andar e com utilização exclusiva pelas frações M e N.
8. Em 01/02/2021, uma empresa em representação do A. informou o representante da empresa que administra o R. que “Vimos por meio informar que, a nossa inquilina do imóvel sito, na Rua ..., 2º Frente, tem infiltrações na sala e no quarto.
A empresa que nos presta serviço de manutenção, C..., foi verificar esta situação e informou-nos que, foi feita análise do problema pelo técnico no local verificando vários apartamentos afetados, como o 2 Frt, 3º Frt e 3º Drt.
Segundo a mesma, a situação provém do 4º piso, mais propriamente dos terraços do prédio e também das fachadas que se encontram muito danificadas.
Transmitiram-nos que, é uma situação que os senhores têm conhecimento, segundo os moradores”.
9. Por email de 10/03/2021, o representante da empresa que administra o R. informou a empresa que agia em representação do A. que “Estivemos hoje a visitar os apartamentos como combinado. (…) A infiltração na parede da sala do 2º frente tem origem na infiltração proveniente da fração acima. Enviaremos novas informações após a reunião com a fiscalização”.
10. Em 27/10/2021 foi realizada uma assembleia de condóminos, que tinha como pontos de ordem de trabalho, entre outros, os seguintes pontos “5. Análise, discussão e aprovação de orçamentos para aplicação de sistema de cobertura em painel sandwich no telhado do edifício e aprovação da respectiva quota extraordinária; 6. Análise, discussão e votação das propostas de orçamento para reabilitação da fachada principal e aprovação da respectiva quota extraordinária”, foi deliberado “Deu-se em seguida entrada no ponto no 5 da ordem de trabalhos referente à análise, discussão e aprovação de orçamentos para aplicação de sistema de cobertura em painel sandwich no telhado do edifício e aprovação da respectiva quota extraordinária.
(…)
Posto à votação foi aprovado, por unanimidade, dos condóminos presentes ou seus representantes o orçamento da empresa D..., Lda, no valor de 24 975,00 € + IVA, aprovando-se a respectiva quota extraordinária a pagar durante 12 meses, no valor de 14 817,08 €, com inicio no mês de novembro de 2021. 
— O Dr. CC informou que a quota extraordinária aprovada é de valor inferior ao da obra, pois já foi aprovada a quotização de 12 930,15 € na assembleia ordinária de 10 de Março de 2020.
- Deu-se em seguida entrada no ponto no 6 da ordem de trabalhos referente à análise, discussão e votação das propostas de orçamento para reabilitação da fachada principal e aprovação da respectiva quota extraordinária.
— Foi discutido pelos presentes os orçamentos apresentados. 
— Posto à votação foi reprovado, por unanimidade, dos condóminos presentes ou seus representantes a reabilitação da fachada principal. 
— Após a aplicação de sistema de cobertura em painel sandwich no telhado do ediflcio será debatido em assembleia ordinária este ponto.
— Deverá constar da ordem de trabalhos da próxima assembleia ordinária o ponto no 6. “.
11. Por email datado de 14/12/2021 uma empresa em representação do A. informou o representante da empresa que administra o R. que “Vimos por este meio solicitar que nos informe, como estamos com a situação da infiltração do nosso imóvel, sito na Rua ..., n.º ... – 2º Frente, pois queremos arrendar o mesmo e nestas condições, não conseguimos. Ficamos a aguardar a V/ resposta, o mais depressa possível”.
12. Em resposta, o representante da R., por email de 15/12/2021, respondeu que “Como podem comprovar pela ata em anexo não foi aprovada quota extraordinária para reparação da fachada em causa.
Devido à necessidade da reparação urgente do telhado, apenas foi aprovada a quota extra para o mesmo.
Na próxima assembleia de condóminos será novamente deliberado o ponto da recuperação da fachada do prédio”.
13. Por carta registada, datada de 14/02/2022, e remetida ao R. e recebida por este em 15/02/2022, por um mandatário do A. foi referido “O Sr. AA, do qual sou advogado, proprietário da fração "G" correspondente ao apartamento do 20 Frente, com entrada pelo nº ... da Rua ..., em Vila Nova de Gaia, incumbiu-me de atuar judicialmente contra esse Condomínio porquanto, ao contrário do que se impunha, a Assembleia de Condóminos realizada no pretérito mês de Outubro de 2021 deliberou reprovar a realização dos trabalhos de reabilitação da fachada principal do Edifício.
Como é do vosso conhecimento, há mais de 1 ano que a fração autónoma do m/Cliente apresenta graves patologias, fruto das infiltrações de águas pluviais provindas do exterior do Edifício, designadamente da fachada, as quais provocaram vários danos ao nível das paredes e dos tetos da sala comum e do  quarto da fração, consequências essas que era expectável serem solucionadas por via da reabilitação da fachada principal.
A situação descrita, traduzida na queda de partes do estuque e no escurecimento generalizado dos tetos e paredes, agrava-se dia após dia, fazendo com que a habitação se apresente impregnada de um fortíssimo odor a mofo e bolor, tornando-se um local constantemente sujo e húmido. O estado da habitação é de tal modo crítico que o m/Cliente não consegue sequer encontrar quem queira arrendá-lo para dele fazer a sua habitação, atendendo às  escorrências pelas paredes e tetos, ao odor generalizado a humidade e mofo, e ao risco de queda de estuque dos tetos. 
Ora, a fachada, enquanto elemento da estrutura do prédio, constitui uma parte comum, pelo que a responsabilidade pelas despesas necessárias à respetiva   conservação é de todos os condóminos. A inação do Condomínio na realização das obras necessárias à resolução definitiva destas patologias está a agravar o estado de conservação da fração, impedindo a sua colocação no mercado do arrendamento.
Em face do exposto, ficam V. Exas. pela presente missiva notificados, na qualidade de representantes legais do Condomínio, de que aguardarei por uma resposta a esta missiva nos próximos 30 dias, sob pena de o m/Cliente se ver compelido a reclamar em juízo a condenação do Condomínio na realização das obras de reabilitação e impermeabilização da fachada principal e no pagamento de uma indemnização por todos os danos sofridos.
Enquanto se aguarda a realização dos trabalhos de reabilitação do Edifício tendentes a debelar as patologias construtivas descritas e se mantiver a impossibilidade da ocupação em condições de salubridade normais, proponho que o Condomínio indemnize o m/Cliente pagando-lhe o valor mensal de € 450,00 (Quatrocentos e cinquenta euros)”.
14. O A. adquiriu a fração com a pretensão de usufruir do rendimento que lhe proporcionaria a sua locação e tal desígnio revelava-se, contudo, impraticável, uma vez que o estado do imóvel não permitia o seu uso para habitação, atendendo às escorrências pelas paredes e tetos, ao odor generalizado a humidade e mofo, e ao risco de queda de estuque dos tetos.
15. Com o intuito de minimizar os prejuízos, procurando colocar rapidamente a fração no mercado do arrendamento,
16. O A. entendeu por bem providenciar pela reparação das paredes e tetos afetados pelas humidades, no quarto e na sala, tendo procedido no passado mês de julho de 2022 à substituição das massas e rebocos apodrecidos e à sua pintura com as demãos necessárias, tendo estado impossibilitado de arrendar a fração entre Março de 2021 (desde 28/02/2021) a Julho de 2022.
17. Os trabalhos indicados no número 16. dos factos provados foram realizados pela firma “C...” importaram o pagamento, pelo A., da quantia de €890,40.
18. A fração G poderia ser arrendada por um valor de €560,00 mensais.
19. Em 19/04/2022 foi realizada uma assembleia de condóminos, que tinha como pontos de ordem de trabalho, entre outros, os seguintes pontos:
“5. Análise, discussão e aprovação de atualização aos orçamentos para aplicação de sistema de cobertura em painel sandwich no telhado do edifício e aprovação da respetiva quota extraordinária;
6. Análise, discussão e votação das propostas de orçamento para reabilitação da fachada principal e aprovação da respetiva quota extraordinária; 
7. Apresentação, discussão, e votação da proposta apresentada pelo advogado do proprietário Sr. AA para aceitação do pagamento, pelo Condomínio, de uma indemnização que se propõe seja de 450,00€, por mês, desde 28/02/2021 até à data em que as reparações no interior da fraçäo estejam concluídas e o andar em condições de poder ser arrendado;
tendo sido deliberado “Deu-se em seguida entrada no ponto no 5 da ordem de trabalhos referente à análise, discussão e aprovação de actualização aos orçamentos para aplicação de sistema de cobertura em painel sandwich no telhado do edif[cio e aprovação da respectiva quota extraordinária;
Pela administração foram apresentadas as propostas de orçamento.
Posto à votação foi aprovado, por unanimidade, dos condóminos presentes ou seus representantes o manter orçamento da empresa D..., Lda, no valor de 24 975,00 € + IVA, mantendo-se a respectiva quota extraordinária a pagar até ao mês de outubro de 2022, inclusive.
Deu-se em seguida entrada no ponto no 6 da ordem de trabalhos referente à análise, discussão e votação das propostas de orçamento para reabilitação da fachada principal e aprovação da respectiva quota extraordinária; 
 Foi discutido pelos presentes os orçamentos apresentados. —
 Posto à votação foi reprovado, por unanimidade, dos condóminos presentes ou seus representantes a reabilitação da fachada principal. 
Após a aplicação de sistema de cobertura em painel sandwich no telhado do edifício será debatido em assembleia ordinária este ponto. 
Deverá constar da ordem de trabalhos da próxima assembleia ordinária o ponto nº 6.
Deu-se em seguida entrada no ponto no 7 da ordem de trabalhos referente à apresentação, discussão, e votação da proposta apresentada pelo advogado do proprietário Sr. AA para aceitação do pagamento, pelo Condomínio, de uma indemnização que se propõe seja de 450,00€, por mês, desde 28/02/2021 até à data em que as reparações no interior da fraçäo estejam concluídas e o andar em condições de poder ser arrendado; 
— O Dr. DD advogado do condomínio informou que a decisão está sempre dependente da maioria dos condóminos presentes ou seus representantes em assembleia. Contudo, é importe sensibilizar os condóminos para a necessidade de realização dessa obra, sob pena "de levarmos com uma acção" 
— Posto à votação foi aprovado, por unanimidade, dos condóminos presentes ou seus representantes o orçamento da E..., no valor de 750 € + recibo para verificação e fixação de rufos laterias, bem como vistoria de fissuras na fachada principal, com recurso ao fundo de reserva do condomínio.
— Os alpinistas Irão verificar os pontos de infiltração de água para a fraçäo "G", 20 Frente e posteriormente serão realizados os trabalhos de reabilitação do apartamento recorrendo ao fundo de reserva do condomínio”.
20. De 01/03/2020 até à entrada da ação, o A. não pagou a quota suplementar mensal para a colocação do novo telhado em sanduiche, no valor de €1.228,96, existindo ainda outros condóminos com quotas em atraso.
21. O R. não realizou as obras de reparação das infiltrações por dificuldades de tesouraria.

O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
1. O R. não realizou as obras no edifício pela situação de pandemia.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2]
Sob a Conclusão de recurso 25 o Réu alegou que não foram devidamente julgados os factos provados 14, 15, 16 e 18, os quais entende deviam ter sido dados como não provados.
Não invocou nem um único meio de prova que impusesse decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo, limitou-se a insurgir-se contra o facto de o tribunal ter considerado o depoimento da testemunha BB prova bastante para os ter dado como provados, defendendo que são curtos os argumentos apresentados testemunhalmente e que o Apelado não fez qualquer prova do valor que auferia mensalmente a título de renda- a não ser a prova testemunhal-considerando que um mero recibo de renda seria prova cabal e inequívoca, também não foi feita prova dos valores de mercado, de quaisquer propostas de arrendamento que tenham sido apresentadas, de qualquer anúncio de arrendamento da fração em questão, nem resulta cabal a elevada procura de arrendamento da fração, sabendo-se apenas que um mês depois da comunicação do Apelado a reportar a existência de infiltrações a fração foi apressadamente abandonada pela inquilina e que só em Julho de 2022 se realizaram obras no interior da fração.
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção.
De todo o modo, não podemos escamotear a importância extrema do princípio da imediação da prova, estando o Juiz de 1ª instância, sem dúvida, melhor posicionado para ter plena percepção da forma como os depoimentos são prestados, as hesitações e linguagem corporal das testemunhas e partes, dificilmente percetível em gravações exclusivamente sonoras, para mais quando o Juiz da Instância Superior se vê limitado a ouvir os depoimentos prestados sem poder interrogar de modo a esclarecer-se convenientemente.
Importa, pois, apurar se, como alega o Apelante, não foi produzida prova cabal e consistente sobre os factos vertidos nos pontos 14, 15, 16 e 18 dos factos vertidos no elenco dos factos provados e consequentemente se devem ser dados como não provados.
Para mais fácil contextualização da matéria de facto impugnada, vamos aqui reproduzi-la:
14. O A. adquiriu a fração com a pretensão de usufruir do rendimento que lhe proporcionaria a sua locação e tal desígnio revelava-se, contudo, impraticável, uma vez que o estado do imóvel não permitia o seu uso para habitação, atendendo às escorrências pelas paredes e tetos, ao odor generalizado a humidade e mofo, e ao risco de queda de estuque dos tetos.
15. Com o intuito de minimizar os prejuízos, procurando colocar rapidamente a fração no mercado do arrendamento,
16. O A. entendeu por bem providenciar pela reparação das paredes e tetos afetados pelas humidades, no quarto e na sala, tendo procedido no passado mês de julho de 2022 à substituição das massas e rebocos apodrecidos e à sua pintura com as demãos necessárias, tendo estado impossibilitado de arrendar a fração entre Março de 2021 (desde 28/02/2021) a Julho de 2022.
18. A fração G poderia ser arrendada por um valor de €560,00 mensais.
Vejamos qual foi a motivação exarada na sentença recorrida para o tribunal a quo ter considerado provada a factualidade impugnada:
“Os factos presentes no número 14. dos factos provados decorrem do depoimento das testemunhas EE e BB (respetivamente, gerente e funcionário da “F... Lda.”).
Estes expuseram como o proprietário (o ora A.) entregou a administração da fração para efeitos de agilização do arrendamento (a F... gere cerca de 700 apartamentos).
Expôs a testemunha EE que a fração esteve arrendada até 28/02/2021 e que, no estado em que se encontrava, não poderia ser arrendado.
Pela mesma ideia se posicionou a testemunha BB.
Confrontando com as fotografias juntas, é evidente que estes depoimentos se mostram perfeitamente ajustados com a realidade.
As testemunhas foram totalmente credíveis pela forma firme e segura como prestaram depoimentos nesta parte.
E por isso foram estes factos considerados como provados.
Os factos presentes nos números 15. a 17. dos factos provados decorrem do depoimento da testemunha EE, que expôs as circunstâncias que levaram a que o A. providenciasse pela reparação da fração, por forma a poder rentabilizá-la novamente, já que se mantinha por arrendar desde 28/02/2021.
O custo da reparação consta da fatura junta ao processo, logo na p.i..
A testemunha foi credível pela forma segura (e coerente com as circunstâncias) como depôs.
E por isso foram estes factos considerados como provados.
Os factos presentes no número 18. dos factos provados decorrem do depoimento da testemunha BB, funcionário da F... e que expôs que, naquele tempo, o arrendamento andaria por volta dos €550,00 mensais (sendo que atualmente ainda seria maior).
O Tribunal acreditou nesta testemunha pela isenção demonstrada, sendo que esta indicação tem suporte na notória falta de habitação que existe, atualmente, em Portugal.
E por isso foram estes factos considerados como provados.”
Impõe-se, desde logo, algumas observações quanto à impugnação apresentada pelo Apelante:
i. os referidos pontos 14, 15 e 16 não surgem desgarrados da demais factualidade vertida na sentença recorrida, sendo de salientar que já nos pontos 5 e 6 dos factos provados ficou dado como provado que “no decurso do mês de janeiro de 2021 o A. foi alertado pela inquilina para a existência de manchas de humidade nos tetos e paredes da sala e do quarto da fração G, com queda de partes do estuque e escurecimento generalizado dos tetos e paredes e que as massas e os rebocos dos teto e paredes afectados estavam a ficar apodrecidos, fruto da humidade que aí grassava.”
Estes pontos de facto não foram impugnados, de modo que o Apelante admite que sabia que a fração em janeiro de 2021 estava arrendada e que apresentava aquelas patologias, sendo que isso mesmo já lhe havia sido comunicado na missiva dada como provada sob o ponto 8 (facto não impugnado), assim como na missiva dada como provada no ponto 13 (facto não impugnado) volta a ser feita referência à intenção do proprietário destinar aquela fração ao arrendamento, bem como à impossibilidade de o fazer face às infiltrações de que padecia, tendo sido proposto pelo Apelado o pagamento da quantia mensal de €450,00 como indemnização pela referida impossibilidade de ser arrendada, proposta essa que inclusivamente foi levado como ponto 7 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 19.04.2022 ( ponto 19 dos factos provados, que também não foi impugnado)) sem que em qualquer dessas ocasiões o Apelante tenha exigido que o Apelado fizesse prova de qualquer arrendamento ou valor de renda ou se tenha insurgido contra o valor mensal que lhe estava a ser exigido pelo Apelado, assim como quando contestou não pediu que a parte contrária exibisse qualquer documento que comprovasse tais factos, como podia e devia ter feito ao abrigo do art. 429º do CPC, nem fez qualquer contraprova  antecipando a prova testemunhal arrolada pelo Apelado que pudesse recair sobre tal matéria, se era sua intenção questioná-la nestes termos;
ii. A prova em que se baseou o tribunal a quo não se reduziu ao depoimento da testemunha BB, valoração contra a qual se limita o Apelante a insurgir, tendo também sido feita menção na sentença recorrida à articulação desse depoimento com o depoimento da testemunha EE, sobre o qual o Apelado não teceu qualquer reparo, assim como às fotos do estado da fração juntas aos autos que evidenciam bem a falta de condições necessárias fruto das referidas infiltrações para que tal fração fosse colocada no mercado de arrendamento, como afirmou peremptóriamente a referida testemunha EE, depoimentos esses a cuja audição procedeu este tribunal, confirmando a valoração que dos mesmos foi feita pelo tribunal recorrido, porquanto revelaram-se depoimentos com conhecimento directo dos factos e prestados de forma  consistente, coerente e assertiva, sem que tenha sido produzido qualquer outro meio de prova que tivesse abalado a credibilidade e o valor probatório que mereceram, tal como já tinha ocorrido quanto aos pontos 5 e 6 dos factos provados( pontos de facto esses, insiste-se, que não foram aqui impugnados);
iii. Não vemos como se pode impugnar o ponto 16 dos factos provados sem impugnar o ponto 17 (ponto este não impugnado pelo Apelante) porquanto neste último ponto está assumido que aqueles trabalhos foram realizados, e só após a sua realização a fração passou a estar em condições de poder ser arrendada, como referiram tais testemunhas ter acontecido.
 iv. Especificamente quanto ao ponto 18 voltamos a referir que em nenhuma fase de instrução o Apelante requereu que fosse feita qualquer diligência para que fosse aferido o valor locatício daquela fração, e se é certo que o Apelado poderia bem ter reforçado a prova com recibos de renda ou anúncios daquela fração contendo o valor de renda, também é certo que apresentou prova testemunhal para o efeito, tendo a testemunha BB prestado depoimento sobre tal matéria de forma segura, com conhecimento de causa pois conforme referiu a referida fração estava no seu âmbito de actuação profissional, tendo prestado serviços ao Apelado, através da empresa F..., Lda na qual é comercial, com o propósito de arrendar a fração, depoimento esse que não foi invalidado por qualquer outro meio probatório.
Concluindo, o Apelante não referenciou qualquer meio de prova que impusesse considerar tais factos como não provados, como se lhe impunha e reapreciados os meios de prova em que o tribunal a quo se baseou considera-se ter sido produzida prova bastante dos factos impugnados.
Por conseguinte, não ocorrem razões para divergir do decidido pelo tribunal a quo em termos da factualidade provada ora impugnada, correspondendo o seu julgamento e a motivação que lhe subjaz a uma crítica apreciação dos meios de prova produzidos no processo, segundo as regras da experiência e da lógica, não se vislumbrando erro de julgamento que deva ser corrigido.
Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.
*
2ª Questão-Obrigação de realização de obras nas zonas comuns e de indemnização dos danos sofridos pelo Apelado decorrentes de infiltrações
O Apelado intentou a presente ação invocando que o condomínio/Apelante não aprovou obras de reabilitação da fachada do edifício onde é titular de uma fração autónoma, obras essas da responsabilidade do Apelante por dizerem respeito a parte comum do edifício, que são necessárias para debelar as infiltrações que estão a causar danos naquela sua fração.
Na sentença recorrida fez-se o devido e correcto enquadramento jurídico do objecto do litígio, não sendo sequer questionado pelo Apelante a necessidade de proceder à realização de obras nas partes comuns do edifício que ponham termo às infiltrações de águas pluviais pelos terraços do 4º andar e pela fachada que se repercutem naquela fração, assumindo serem da sua responsabilidade.
Para as não realizar o Apelante escudou-se no facto de não ter disponibilidades financeiras para o efeito porque vários condóminos não pagam as quotas extraordinárias, entre eles o próprio Apelado.
Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício.
O conjunto dos dois direitos é incindível, não podendo nenhum deles ser alienado separadamente nem sendo lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição (art. 1420º CC).
Sob a epígrafe Encargos de conservação e fruição, dispõe o art. 1424º do CC que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.”
O art. 1430º nº1 do CC determina a existência de dois órgãos aos quais fica a competir a administração das partes comuns do edifício: a assembleia de condóminos e o administrador.
A assembleia de condóminos é formada pela totalidade dos vários titulares das fracções autónomas em que o edifício é composto.
É inegável que o condomínio Apelado não é mais do que o conjunto dos condóminos daquele edifício, dos quais também faz parte o Apelado, que tendo direito a exigir dos demais condóminos que aprovem e comparticipem no pagamento das obras necessárias à resolução premente da origem das infiltrações sofridas na sua fração, tem por seu turno, a estrita obrigação de pagar pontualmente as quotas de condomínio em função da permilagem atribuída à sua fração, mormente as quotas extraordinárias aprovadas com o objectivo de realização de obras nas partes comuns.
O Apelado não pode deixar de ser merecedor de censura pelo facto de, como se comprovou nos autos, desde Março de 2020 (numa altura em que não há evidências nos autos que sofresse qualquer infiltração na sua fração) não ter pago a quota suplementar mensal para a colocação do novo telhado em sanduiche, apesar de existirem outros condóminos em atraso, mas esse débito ainda que tenha contribuído para as dificuldades de tesouraria em que se escuda o Apelante, não foi, como veremos, o motivo determinante para a não realização das obras na fachada reclamadas pelo Apelado.
Tal como apurado no ponto 7 dos factos provados, as infiltrações de águas pluviais, que provocaram as patologias na fração do Apelado, indicadas nos números 5. e 6. dos factos provados, provinham da fachada do Edifício e ainda dos terraços situados no 4º andar e com utilização exclusiva pelas frações M e N.
No caso em apreço o Apelado não deixou de pagar as quotas do condomínio, apenas deixou de pagar a sua quota parte na quota extraordinária aprovada para substituição do telhado, quota essa que nunca poderia ser alocada pelo Apelante senão para aquele fim e cujo incumprimento por tal razão em nada contribuiu para a falta de realização de obras na fachada.
Deste modo, o não pagamento pelo Apelado daquela quota extraordinária, apesar de censurável, não desonera o Apelante da exclusiva responsabilidade de aprovar e executar também as obras de reabilitação da fachada de molde a debelar as infiltrações existentes na fração do Apelado provenientes quer dos terraços, quer da fachada.
 O condomínio autofinancia-se com a cobrança das quotas, parte das quais fica cativa no fundo de reserva para ser utilizado mediante autorização dos condóminos, precisamente para custear as despesas de conservação do edifício, sem prejuízo das quotizações extraordinárias que se venham a considerar necessárias para complementar o pagamento da despesa imprevista desse tipo.
Reportadas deficiências nas zonas comuns passíveis de afectar as frações autónomas, ou que apresentem vestígios de virem a afectar, cabe à administração do condomínio fazer o levantamento das patologias e determinação da sua origem, recolher alternativas de solução com determinação de valores orçamentados e reunir os condóminos em assembleia com brevidade para que deliberem a realização das obras necessárias a debelarem os problemas detectados.
Assim sendo, de pouco adiantará alegar, como fez o Apelante, que não discordou da necessidade de efectuar obras nas partes comuns do edifício, que diligenciou pela recolha das patologias nas frações do edifício e encetou junto de empresa externa algumas obras de reparação, quando não aprovou as obras de reabilitação da fachada que ficou provado serem também necessárias para resolverem o problema das infiltrações dentro da fração do Apelado.
Salvo o devido respeito, o Apelante é redutor quando alega que “a intervenção de obra foi votada e aprovada em Assembleia Geral datada de Março de 2020”, porquanto sabe perfeitamente que a única obra que foi aprovada nessa assembleia foi a reabilitação do telhado, com colocação de um novo painel sanduiche e mesmo essa esteve anos por realizar, sendo mesmo de realçar que já nessa assembleia das várias propostas de orçamento apresentadas constava também proposta de reparação da infiltração e degradação da fachada (pontos 3 e 4 dos factos provados) sem que o Apelante tenha aprovado esse tipo de intervenção.
Mas mais, apesar de o Apelante ter apurado que as infiltrações de águas pluviais que provocaram os danos na fração do Apelado provinham da fachada do edifício para além dos terraços situados no 4º andar, e ter recebido a comunicação enviada pelo Apelado em Fevereiro de 2021 a reportar tais problemas, na Assembleia de condóminos seguinte-datada de 27.10.2021 (19 meses depois da anterior)-constando do ponto 6 da ordem de trabalhos a análise, discussão e votação das propostas de orçamento para reabilitação da fachada principal e aprovação da respectiva quota extraordinária, posta a votação foi reprovado por unanimidade dos condóminos presentes ou representados a reabilitação da fachada principal.
E como se não bastasse, na Assembleia de condóminos que se realizou em 19.04.2022 voltou a ser reprovado o mesmo ponto 6 da ordem de trabalhos, sendo novamente reprovada por unanimidade dos condóminos presentes ou representados a reabilitação da fachada principal.
Salienta-se que nesta última Assembleia de condóminos todos os condóminos estavam já cientes que o Apelado havia intimado o condomínio para aprovar tais obras de reabilitação da fachada e exigido indemnização pelos danos que estava a sofrer por estar privado da fruição da sua fração, ponto esse incluído na ordem de trabalhos como ponto 7, do qual apenas foi aprovado um orçamento para verificação e fixação de rufos laterais e vistoria de fissuras na fachada principal com recurso ao fundo de reserva e posterior realização de trabalhos de reabilitação do apartamento também com recurso ao fundo de reserva.
A questão que o Apelante parece querer escamotear nas suas alegações é a sua decisão reiterada de reprovação da reabilitação da fachada, mesmo sabendo que a mesma era necessária, fazendo insistente alusão ao facto de não ter realizado as obras por dificuldades de tesouraria, quando resulta evidente que a reprovação não se confunde com a eventual necessidade temporária de protelar a adjudicação da obra por falta de disponibilidade financeira imediata, sendo que o que é censurável na conduta adoptada pelo Apelante é a decisão repetida e injustificada de reprovação da realização daquelas obras de reabilitação da fachada.
O Apelante podia bem ter feito como fez relativamente às obras do telhado, aprovar tais obras porque eram e são indiscutivelmente necessárias e aprovar a cobrança de quota extraordinária para as poder realizar, realizando-as assim que conseguisse os fundos necessários.
No caso em apreço as dificuldades de tesouraria não foram o motivo crucial para que as obras de intervenção na fachada reclamadas pelo Apelado não se tivessem realizado, dado que elas não se realizaram pura e simplesmente porque o condomínio nunca aprovou a sua realização, melhor dizendo, sempre reprovou a sua realização, reprovação essa sem motivo porque confessa serem tais obras nas partes comuns necessárias para pôr cobro às infiltrações de que padece a fração do Apelado.
A administração do condomínio existe precisamente para providenciar pelo cumprimento rigoroso e pontual das obrigações dos condóminos no que às partes comuns diz respeito e, aprovadas as quotas extraordinárias compete-lhe avançar para a execução judicial dos débitos relativamente aos condóminos que as não paguem, conforme facultado pelo art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10.
O que não pode é o condomínio pretender justificar uma decisão de rejeição de realização de obras de reabilitação da fachada- decisão essa expressa nas várias actas das assembleias de condóminos juntas aos autos- com a invocação de dificuldades de tesouraria, porque a ocorrerem são-lhe imputáveis, não constituindo motivo válido para a não aprovação daquelas obras a cuja realização está obrigado por lei.
O condómino afectado no seu direito de propriedade sobre uma determinada fração autónoma não pode é ficar refém, em situações de necessidade premente de realização de obras nas zonas comuns, da disponibilidade de tesouraria do condomínio, cabendo também nas atribuições de quem administra o condomínio estar atento às necessidades iminentes ou previsíveis de realização de despesas no edifício que tenham ou venham a ter significativa repercussão financeira por forma a implementar em prazo razoável diligências para que recolham as quotizações necessárias à resolução do problema no mais curto espaço de tempo.
Por alguma razão o RJEU prevê no art. 89º que as edificações devem ser objeto de obras de conservação pelo menos uma vez em cada período de oito anos, devendo o proprietário, independentemente desse prazo, realizar todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético.
Neste caso o que releva verdadeiramente é que não ficou demonstrado motivo válido para a não aprovação das obras de reabilitação da fachada, quando muito podemos dizer que haveria eventualmente motivo para o protelamento da sua execução (ponto 21 dos factos provados), mas mesmo para isso era preciso que previamente as obras tivessem sido aprovadas e não o foram.
A obrigação de cada um dos condóminos de concorrer para os encargos de conservação e fruição do edifício e a obrigação do condomínio de reparar os danos causados numa fracção autónoma por infiltrações de água pluviais, provenientes de uma parte comum, como é o caso da fachada, dimanam da natureza real do instituto da propriedade horizontal.
São os condóminos na sua totalidade os responsáveis pelas reparações e obras de conservação das partes comuns do prédio e pelo pagamento das quotas necessário para o efeito, pelo que se não cumprem essa obrigação não podem vir invocar a falta de pagamento das quotas para se eximirem à obrigação de as realizarem.
Sendo as obras de reabilitação da fachada tão necessárias quanto as obras aprovadas de reabilitação do telhado, assumindo todas elas a natureza de obras da responsabilidade dos condóminos por se traduzirem em intervenções nas zonas comuns, todas elas deviam ter sido aprovadas e nessa hipótese caberia ao condomínio calendarizar a sua realização em função da urgência de implementação e das disponibilidades financeiras exigidas aos condóminos, de modo a não causar ou mesmo agravar danos nas frações autónomas oriundos das partes comuns do edifício.
A administração do condomínio, caso fosse a demandada nesta acção até poderia justificar a sua inércia na realização de obras na fachada por o condomínio não ter aprovado tais obras em assembleia reunida para o efeito, nem aprovado a quota extraordinária para tal, mas sendo demandado o Apelante- único responsável pela tomada de decisão de reprovação de realização dessas obras- não tem nenhuma justificação merecedora de acolhimento para a decisão que tomou de forma reiterada e plenamente conhecedor da ilicitude e das consequências da violação do direito de propriedade do Apelado, causadora quer de custos com a reparação dos danos sofridos no interior da fração, quer de danos de privação do uso da mesma.
Em suma, está plenamente justificada e impõe-se a decisão recorrida de condenar o Apelante a proceder à reparação integral e definitiva das patologias nas zonas comuns do Edifício, que deram causa aos danos ocorridos na fração do Apelado (fração G), reparando as patologias que originam as infiltrações através dos terraços e das fachadas do edifício, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias.
Quanto à obrigação de indemnizar o Apelado do valor de lucros cessantes durante o período em que esteve privado da possibilidade de arrendar a fração, entre março de 2021 e julho de 2022, não tendo procedido a impugnação da decisão sobre os factos que subjazem a tal pedido, impõe-se a condenação do Apelante, por ter incorrido em responsabilidade civil.
Tal como sustenta de forma consolidada a jurisprudência, “Os condóminos estão vinculados ao dever de manter, conservar e reparar as zonas comuns do edifício e incumprindo esse dever, por omissão negligente do zelo que lhe era exigível e possível na perspectiva e segundo o critério de um bom pai de família (art.º 487.º e 493.º do Cod. Civil), estão obrigados a indemnizar o condómino do dano que este sofreu no seu património como consequência directa dessa omissão ilícita e culposa.
Recai sobre os Condóminos a obrigação de indemnizar nos termos gerais do art.º 483.º do Código Civil o condómino que sofra prejuízos decorrentes dos danos produzidos na sua fração autónoma e provenientes de partes comuns.”[3]
“A omissão dos deveres de conservação e reparação das partes comuns por parte do condomínio geram a obrigação de indemnização, nos termos da responsabilidade civil extracontratual, dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo condómino que se viu, em consequência de tal omissão, impedido de fruir plenamente da sua fracção.”[4]
“Comete uma omissão ilícita e incorre na obrigação de indemnizar o condomínio que, independentemente da causa da ruptura, tem conhecimento desta e da necessidade de a reparar, mas, apesar de interpelado a fazer a reparação, permite que a situação se mantenha e que por força dela o titular da fracção autónoma continue impedido de a usar.
A pura privação do uso da fracção constitui um dano indemnizável, independentemente da demonstração de que em virtude dessa privação o titular da fracção perdeu um rendimento (renda) ou teve de suportar uma despesa (com a substituição da fracção).
O valor dessa indemnização deve ser fixado com recurso à equidade, usando como critério, mas não necessariamente como medida exacta, o valor de mercado do uso da fracção para o fim a que era destinada.”[5]
Também nenhuma reserva se impõe relativamente ao valor indemnizatório fixado na sentença recorrida em €6048,00 (seis mil e quarenta e oito euros), porquanto como acima já se fez referência, apesar de ter ficado provado nos pontos 20 e 21 que de 01/03/2020 até à entrada da ação o Apelado não pagou a quota suplementar mensal para a colocação do novo telhado em sanduiche, no valor de €1.228,96, e que o Apelante não realizou as obras de reparação das infiltrações por dificuldades de tesouraria, esse incumprimento apenas teria eventualmente relevância para reduzir a indemnização ( art. 570º do CC) caso  não tivessem sido pagas quotas de condomínio corrente ou quota extraordinária para reparação da fachada ou dos terraços.
Ainda a este propósito, uma brevíssima palavra para mencionar que a excepção de não cumprimento aflorada pelo Apelado, cuja aplicabilidade ficou prejudicada, nunca poderia assumir viabilidade no caso concreto uma vez que o incumprimento do Apelado data de março de 2020 quando as infiltrações na sua fração e as queixas que apresentou à administração do condomínio apenas surgem cerca de 1 ano depois, tendo entrado em incumprimento para com o Apelante muito antes de este entrar em incumprimento perante si.
A exceptio non adimplenti contractus é, no essencial, um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, maxime no seu cumprimento, justificando-se essa exceptio quando ocorra uma ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações que, no âmbito dos contratos bilaterais, emergem para ambas as partes.( neste sentido, J. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 329/330 e A. Varela, CC Anotado, Vol. I, pág. 362 a 365).
A exceptio é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceptio como o meio de repôr o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes.
Mas a excepção não funciona como uma sanção, apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. (…) desde que a sua invocação não contrarie o principio geral da boa fé consagrado nos arts. 227º e 762º nº 2 do CC. (neste sentido, P. Lima e A. Varela, Ob. Cit., vol. I, p. 406).
Assim, na esteira da doutrina Italiana, citada por José João Abrantes, (A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, pág. 124), dir-se-á, em resumo, que a invocação da excepção de não cumprimento supõe a existência de uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do devedor/excipiens: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra.
E, segundo a dita relação de sucessão, não poderá recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que se encontre, ele próprio, numa situação de incumprimento/mora; a recusa de cumprir do excipiens deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la.
Em jeito de conclusão, tendo-se recusado o Apelante de forma indevida ao cumprimento da obrigação de realização de obras na fachada, não restava senão condená-lo na execução forçada dessa sua obrigação e na indemnização dos custos de reparação no interior da fração e do dano de privação do uso causados ao Apelado com aquela sua conduta em termos de equidade, como se procedeu na sentença recorrida.
Por conseguinte nenhuma censura merece a sentença recorrida, a qual se mantém.
**
V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pelo Apelante, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante que ficou vencido.
Notifique.

Porto, 23 de Abril de 2024
Maria da Luz Seabra
João Ramos Lopes
Lina Baptista

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
_____________
[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Ac RE de 25.06.2020, Proc. Nº 2478/17.4T8PTM.E1, www.dgsi.pt
[4] Ac RL de 28.02.2023, Proc. Nº 1069/14.6TBOER.L1-7, www.dgsi.pt
[5] Ac RP de 16.01.2014, Proc. Nº1046/08.6TBVLG.P1, www.dgsi.pt