Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
73/19.2T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: IPP SUPERIOR A 30%
PENSÃO DE REDUZIDO MONTANTE
REMIÇÃO DA PENSÃO
ANUÊNCIA DO SINISTRADO
CÁLCULO DO CAPITAL DE REMIÇÃO
DATA DE REFERÊNCIA PARA O CÁLCULO
Nº do Documento: RP2022021473/19.2T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 02/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 34/2006, Proc. 884/2005, in DR IS-A, de 08.02.2006 veio declarar “a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do art.º 74 do DL 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo DL 382-A/89, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador /sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por violação do art.º 59, n.º 1 alínea f), da Constituição da República Portuguesa”.
II - Tendo em conta tal juízo de inconstitucionalidade, nos casos de acidente de trabalho [ocorrido no âmbito da Lei 2127, de 03.08.65] em que a pensão, devendo ser considerada de reduzido montante [cfr. art. 56º, nº 1, al. a), do DL 143/99, conjugado com o Acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência nº 4/2005, de 16.02.2005] e enquadrando-se a remição na calendarização prevista no art. 74º do citado DL 143/99, mas correspondendo a pensão a IPP superior a 30%, a “obrigatoriedade” da remição apenas ocorrerá se, e quando, o sinistrado a ela der a sua anuência, sendo que, até aí, será devida a pensão anual e vitalícia.
III - Assim sendo, na situação referida em II, o cálculo do capital de remição deverá reportar-se à data em que o sinistrado deu a sua anuência à remição da pensão requerida pela Seguradora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 73/19.2T8AGD-A.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1247)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é A/sinistrado, AA, patrocinado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, e Ré, Companhia de Seguros W..., SA, veio esta, aos 29.01.2020, requerer se proceda à remição obrigatória da pensão daquele e deduzindo as pensões que entretanto, até à data da entrega do respectivo capital, lhe hajam sido pagas.

O Ministério Público, aos 10.05.2021, emitiu promoção no sentido do deferimento do requerido, tendo-se porém como referência o dia seguinte ao pagamento da última pensão, havendo o sinistrado (por notificação expedida aos 26.05.2021) sido notificado dos mencionados requerimento da Seguradora e promoção, nada tendo vindo dizer.

Aos 22.06.2021 foi proferida a seguinte decisão: “Em face de todo o exposto, julga-se procedente o presente incidente de remição de pensão, determinando-se a remição integral da pensão anual e vitalícia devida pela Requerente Companhia de Seguros Y..., SA ao Sinistrado AA.”.

Tendo a secretaria procedido ao cálculo do capital de remição, no qual foi tido em conta como data a que o cálculo se reporta o dia 21.06.2021 e, notificada a Seguradora, veio esta requerer a rectificação de tal cálculo por forma a que seja considerada, como data do cálculo, o dia 31.12.2003, ao que o MP respondeu no sentido de que se deve fixar “os efeitos da remição ao dia seguinte ao pagamento da última pensão, no caso em apreço, no dia 01/06/2021 (neste sentido, o acórdão do TRL de 13/07/2020, processo n.º 12502/18.8T8LSB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt)”.

Foi então, aos 11.09.2021, proferido o seguinte despacho, ora recorrido:
Requerimento com a refª 11835878: Veio a actual Companhia de Seguros W..., SA, em face do despacho que declarou a remição obrigatória da pensão do Sinistrado, requerer que a data a considerar para o respectivo cálculo seja 31.12.2003 e não 21.06.2021.
Pronunciando-se, o Ministério Público sufragou o entendimento que a data a considerar deverá ser a do dia seguinte ao do pagamento da última pensão, ou seja 01.06.2021.
Cumpre apreciar e decidir.
*
Os presentes autos têm por referente um sinistro que ocorreu em 20.09.1999, sendo aplicável a Lei nº 2127 de 03 de Agosto de 1965 (vide art. 41º da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro e nº 1 do art. 71º do Decreto-lei nº 143/99 de 30 de Abril).
O Sinistrado teve alta em 10.02.2000, sendo-lhe fixada a pensão anual e vitalícia de Esc. 248.856$00 (€ 1.241,29), correspondente a uma incapacidade permanente parcial de 32,26%, devida desde 11.02.2000.
Por despacho de 22.06.2021, e na medida em que a pensão passou a ser obrigatoriamente remível por força da entrada em vigor da Lei nº 100/97, foi decidido julgar procedente o incidente de remição de pensão, determinando-se a remição integral da pensão anual e vitalícia devida pela referida Companhia Seguradora ao Sinistrado.
No que tange à data a atender para o cálculo do capital de remição, na ausência de previsão legal expressa, são duas as principais posições jurisprudenciais que se perfilam: uma sustenta deve ser feito por referência à data em que se venceria a última anuidade da pensão face à alteração operada da natureza da prestação de duradoura para instantânea[1]; outra corrente sustenta que os efeitos têm de ser reportados ao dia seguinte ao do pagamento da última pensão, independentemente da data em que operou tal modificação[2].
Reconhecendo a complexidade da questão, bem como, de resto, os bons fundamentos num e noutro sentido, importa, desde logo, relembrar que a pensão anual e vitalícia é devida desde o dia seguinte ao da alta (nº 4 da Base XVI da Lei nº 2127).
E se, por força da Lei nº 2127, essa prestação era periódica e duradoura, a alteração da sua natureza para instantânea e unitária, traduzida num montante calculado por aplicação de um índice fixado em Portaria, resultou da entrada em vigor da Lei nº 100/97, isto é, de imperativo legal, produzindo-se os respectivos efeitos ope legis.
Por último, e no que tange aos termos da concretização da remição, um regime transitório fez acrescer um requisito temporal[3], estabelecendo um pagamento gradual no tempo, por escalões de valor da pensão (art. 74º do Decreto-lei nº 143/99).
Conforme resulta do preâmbulo do Decreto-lei nº 143/99, trata-se de um regime que teve por escopo permitir um período de progressiva adaptação das companhias seguradoras e evitar que fossem confrontadas com um pedido generalizado de remições e ver-se a braços com uma instabilidade financeira pela maciça mobilização de reservas[4].
In casu, considerando o montante fixado para a pensão, e independentemente da data em que terminaria o pagamento nesse período anual, à luz do regime transitório já referido deveria ter sido obrigatoriamente remida até ao final de Dezembro de 2003.
Temos assistir, assim, razão à Companhia Seguradora quando sustenta que o cálculo do capital de remição deverá ser reportado a 31.12.2003.
E isto, note-se, sempre sem prejuízo de ao mesmo deverem ser deduzidas as importâncias, entretanto já pagas ao Sinistrado a título de pensão desde 01.01.2004.
Conforme decidiu o Tribunal da Relação de Évora[5], “se (…) [o Sinistrado] já recebeu pensão referente a determinado período de tempo, compreende-se, e justifica-se, que não venha a receber «nova» pensão referente a esse mesmo período de tempo.
(…)
(…) tendo em conta que na pensão obrigatoriamente remível o que há lugar é ao pagamento da pensão de uma forma unitária, e não das diversas prestações anuais, efectuado o cálculo do capital de remição e constatando-se que em relação a parte do período abrangido no cálculo do capital o sinistrado já recebeu a pensão respectiva nada obsta a que naquele crédito a entregar ao sinistrado se venha a deduzir a pensão que ele já recebeu referente a parte do mesmo período”.
Por último e na medida em que a pensão apenas era devida desde Fevereiro do ano de 2000, é aplicável a Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro[6].
Assim e em face de todo o exposto, determina-se que a data a atender para cálculo do capital de remição seja a de 31.12.2003, devendo ainda proceder-se à dedução, ao mesmo, das pensões pagas ao Sinistrado desde 01.01.2004.”

Inconformado, veio o A. recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“a. Com o novo regime consagrado em 2009, o legislador pretendeu corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente.
b. Decorreram já vários anos desde o momento em que a remição do capital se tornou obrigatória, com a consequente desvalorização que a pensão anual do sinistrado foi sofrendo ao longo dos anos.
c. Só em 2021 é que a Companhia de Seguros veio impulsionar os autos para que tal remição fosse judicialmente determinada, quando o podia ter feito muito antes.
d. Não se pode remir o que já foi efetivamente pago, mas sim o que importa pagar.
e. A remição opera-se relativamente a pensão anual e vitalícia ainda não paga.
f. A remição da pensão anual e vitalícia (e o seu cálculo), apesar de estarem consagrados na lei os casos em que é obrigatória, depende sempre de decisão judicial e dos atos subsequentes praticados pela secção de processos e pelo Ministério Público.
g. O cálculo do capital de remição deve reportar-se à data do pagamento da última prestação da pensão, e não à data em que devia ter sido (e não foi) determinada a remição, por ser obrigatória.
h. A decisão de 11/09/2021 sob recurso que fixou a data de 31/12/2003 como a data a atender para cálculo do capital de remição, violou o artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, o artigo 75º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, e os artigos 148º e 149º do Código de Processo do Trabalho.

Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.

Foi ao incidente fixado o valor de € 17.268,41.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto assente
Tem-se como assente:
a. O que consta do relatório precedente;
b. O acidente de trabalho em causa ocorreu aos 20.09.1999, o Sinistrado teve alta em 10.02.2000, tendo-lhe sido fixada a pensão anual e vitalícia de Esc. 248.856$00 (€ 1.241,29), correspondente a uma incapacidade permanente parcial de 32,26%, devida desde 11.02.2000.
De esclarecer, quanto ao referido em b), que tal factualidade, tendo sido considerada na decisão recorrida (bem como no despacho de 22.06.2021), não foi posta em causa no recurso, pelo que se tem a mesma como assente.
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III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a única questão a apreciar consiste em saber a data com referência à qual deve ser calculado o capital de remição.

2. Como referido no relatório precedente, a remição da pensão foi determinada por despacho de 22.06.2021, que não foi posto em causa, decisão essa que, porque com relevância para o enquadramento da questão, se passa a transcrever:
“A Companhia de Seguros Y..., SA, no presente processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, requereu a remição da pensão anual e vitalícia atribuída a AA.
Notificado o Sinistrado, não deduziu oposição.
A Digna Procuradora da República pugnou pelo deferimento da remição parcial requerida.
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Nada obsta ao conhecimento do mérito do presente incidente de remição, tendo sido ouvidos os diversos sujeitos processuais, não se vislumbrando necessárias quaisquer diligências sumárias, pelo que cumpre decidir nos termos e para os efeitos do nº 1 do art. 148º do Código de Processo do Trabalho.
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A remição é o negócio jurídico, bilateral e oneroso (ou gratuito, em raríssimos casos), pelo qual se extingue a obrigação de pagar a pensão.1[7]
Surge como uma causa de extinção do direito à pensão, que se caracteriza pela conversão deste no direito à percepção de um capital, tendo clara conotação com a novação, figura civilista que é causa de extinção de obrigações.2[8]
De facto, a reparação in pecunia dos acidentes de trabalho pode consistir, nos casos mais frequentes, no pagamento de uma indemnização (no caso das incapacidades temporárias) ou no pagamento de pensões (no caso das incapacidades permanentes), que, em alguns casos, pode fazer-se de forma unitária, ou, se quisermos, convertendo a pensão em capital, como pode suceder ab initio (remição obrigatória) ou, posteriormente, mediante a remição (agora facultativa) da pensão, sujeita à verificação de determinados pressupostos legalmente previstos.
A remição facultativa, mostra-o a história do instituto, difere da obrigatória, não já porque o montante da pensão é de tal modo reduzido, que seria mais inconveniente do que vantajoso forçar o sinistrado a recebê-la em pequeníssimas fracções, mas porque, não sendo o seu montante de tal forma elevado cuja remição pudesse criar dificuldades financeiras às entidades seguradoras, é suficiente para que o seu recebimento unitário se mostre “economicamente mais útil” para o sinistrado3[9].
Por sua vez, a remição obrigatória deve ser ordenada oficiosamente, no despacho homologatório ou na decisão que conheça de mérito, não sendo, por razões sociais e de racionalidade e oportunidade processual, relativa a incidente de implementação ex officio4[10], tributada autonomamente (al. a) do nº 2 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais).
Estando em causa uma pensão fixada e em pagamento ao abrigo da Lei nº 2127 de 03 de Agosto de 1965 e cuja remição se torne obrigatória, a legitimidade activa para a promoção do incidente de remição cabe, em exclusivo, ao Ministério Público (art. 3º da Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro).
Esta tem por base a sentença que fixou a pensão ou o despacho que homologou o acordo, procedendo-se, após prolação do competente despacho, à operação matemática de cálculo do capital remível a receber pelo Sinistrado.5[11]
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In casu, atenta a data em que ocorreu o acidente de trabalho (20.09.1999), é aplicável o regime previsto na Lei nº 2127 de 03 de Agosto de 1965 (vide art. 41º da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro e nº 1 do art. 71º do Decreto-lei nº 143/99 de 30 de Abril).
Pese embora o impulso tenha sido dado pela Companhia Seguradora, importa ter em consideração a posição do Ministério Público, que também se pronunciou no sentido de estarem reunidos os pressupostos de que depende a remição obrigatória da pensão, relevando suficientemente, assim, para efeitos do presente incidente (nº 1 do art. 27º do Código de Processo do Trabalho).
De acordo com a Base XXXIX da Lei nº 2127, “salvo tratando-se de doenças profissionais, serão obrigatoriamente remidas as pensões de reduzido montante, e poderá ser autorizada a remição quando deva considerar-se economicamente mais útil o emprego judicioso do capital”.
Por sua vez, dispunha o art. 64º do Decreto-lei nº 360/71 de 21 de Agosto, na redacção do Decreto-lei nº 459/79 de 23 de Novembro que “serão obrigatoriamente remidas as pensões devidas a sinistrados e ascendentes que, cumulativamente, correspondam a desvalorizações não superiores a 10% e não excedam o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 10% sobre o salário mínimo nacional.
2 – Poderão ser, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do tribunal competente, remidas as pensões devidas a sinistrados e ascendentes que, cumulativamente, correspondam a desvalorizações superiores a 10% e inferiores a 20% e não excedam o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 20% sobre o salário mínimo nacional e desde que haja uma comprovada aplicação útil do capital de remição.
3 – Não são remíveis as pensões devidas a incapazes ou a afectados de doenças profissionais, bem como as fixadas ao abrigo do artigo 48º, enquanto não for dada alta definitiva.
4 – As remições previstas no nº 2 podem incidir apenas sobre parte da pensão, se assim for justificadamente requerido pelos interessados ou entre eles acordado.
5 – Pode ser autorizado o pagamento em prestações de parte do capital a receber pelo pensionista, havendo acordo das partes e garantia do respectivo pagamento integral, pela forma que juiz determinar”.
Temos, pois, que, no domínio da Lei nº 2127 eram:
- obrigatoriamente remidas as pensões que, cumulativamente, correspondessem a desvalorizações não superiores a 10% e o valor da pensão não excedesse 10% sobre o salário mínimo nacional;
- facultativamente remíveis as pensões que, cumulativamente, correspondessem a desvalorizações superiores a 10% e inferiores a 20%; o valor da pensão não excedesse 20% sobre o salário mínimo nacional e desde que comprovada uma aplicação útil do capital da remição.
As pensões por morte ou resultantes de incapacidade permanente igual ou superior a 20% não eram remíveis.
Com a entrada em vigor da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, o regime da remição das pensões foi alterado, sendo obrigatoriamente remidas as pensões anuais e vitalícias resultantes de incapacidades permanentes inferiores a 30%, bem como as pensões por morte ou incapacidade permanente igual ou superior a 30%, desde que de reduzido montante; e passaram a poder ser parcialmente remidas as pensões por morte ou incapacidade permanente igual ou superior a 30%, desde que a pensão sobrante não fosse inferior ao sêxtuplo da remuneração mínima mensal garantida e o capital de remição não fosse superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.
Por sua vez, tendo revogado a Lei nº 2127 e legislação complementar (art. 42º), passou a estabelecer na al. a) do nº 2 do seu art. 41º que “o diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime transitório, a aplicar:
a) à remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33º, n.º 2”.
E no art. 74º do Decreto-lei nº 143/99 de 30 de Abril estabeleceu-se que “as remições das pensões, previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º e no artigo 33.º da lei, serão concretizadas gradualmente, nos termos do quadro seguinte:

Pela consagração deste regime transitório consagrou-se um esquema com vista a minorar o esforço financeiro das entidades responsáveis no âmbito de remição de pensões fixadas ao abrigo da Lei nº 2127, conforme resulta do preâmbulo do Decreto-lei nº 143/99.
Relativamente a esta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça6[12] uniformizou a jurisprudência no sentido de “o regime transitório de remição de pensões por acidentes de trabalho, constante do artigo 74º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, não é aplicável às pensões devidas por acidentes ocorridos, a partir de 1 de Janeiro de 2000, na vigência da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro”.
O art. 74º suscitou as mais diversas interpretações, nomeadamente que a remição das pensões vitalícias fixadas ao abrigo da Lei 2127 apenas estava condicionada pelo regime transitório de remição nesse preceito; ou que beneficiava, nos termos da al. a) do nº 2 do art. 41º da Lei 100/97, de um regime transitório, quando dissesse respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30%, ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no nº 2 do art. 33º (remições parciais) e, tratando-se de incapacidades permanentes superiores a 30%, ou pensões por morte, haveria que aferir se a pensão seria de reduzido montante, ou seja, inferior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, para, depois, escalonar a sua remição no tempo nos termos do art. 74º do Decreto-lei nº 143/99.
O Supremo Tribunal de Justiça, pronunciando-se sobre esta questão7[13], uniformizou a jurisprudência no sentido que “para determinar se uma pensão vitalícia anual resultante de acidente de trabalho ocorrido antes de 1 de Janeiro de 2000 é de reduzido montante para efeitos de remição, atende-se ao critério que resulta do artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, devendo os dois elementos – valor da pensão e remuneração mínima mensal garantida mais elevada – reportar-se à data da fixação da pensão.
II - Para efeitos de concretização gradual da remição dessas pensões, atende-se à calendarização e aos montantes estabelecidos no artigo 74º do mesmo diploma, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, relevando, neste âmbito, o valor actualizado da pensão”.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional8 [14] declarou a inconstitucionalidade, com forma obrigatória geral “da norma constante do artigo 74º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa”.
Esse mesmo Tribunal 9 [15] pronunciou-se ainda no sentido de “julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada no sentido de impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor”.
Ora, de acordo com os n.os 1 e 2 do art. 33º da Lei n.º 100/97 “sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 17º, são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados.
2 – Podem ser parcialmente remidas as pensões vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30%, nos termos a regulamentar, desde que a pensão sobrante seja igual ou superior a 50% do valor da remuneração mínima mensal garantida mais elevada”.
E, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 56º do Decreto-Lei nº 143/99 “são obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão;
b) Devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
2 - Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do tribunal competente, as pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitem os seguintes limites:
a) A pensão sobrante não pode ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada;
b) O capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%”.
No caso dos autos, a pensão anual que foi fixada ao Sinistrado era de Esc. 248.856$00 (€ 1.241,29), correspondente a uma incapacidade permanente parcial de 32,26%, sendo devida desde 11.02.2000.
Superior a 20%, tratava-se de pensão que não era obrigatoriamente remida, nem passível de remição facultativa ao abrigo da Lei nº 2127.
Importa, pois, aquilatar se o passou a ser com a entrada em vigor da Lei nº 100/97, nos moldes já sumariamente analisados.
À data da fixação da pensão, o então salário mínimo nacional (actual remuneração mínima mensal garantida) era de Esc. 63.800$0010 (€ 318,23), sendo que, de resto, veio a ser actualizada para € 1.821,62 no tocante ao ano de 2020.
Por sua vez, ainda que o grau de incapacidade que afecta o Sinistrado seja superior a 30%, o montante da pensão, seja à data da sua fixação, seja actualmente, é inferior ao sêxtuplo da remuneração mínima mensal garantida (Esc. 382.800$00 ou € 1.909,40).
Tratando-se de uma pensão de reduzido montante, passou a ser obrigatoriamente remida, termos em que se encontram reunidos os pressupostos de que depende a remição total da pensão atribuída ao Sinistrado.”

3. Como referido, a questão suscitada no recurso consiste em saber a data com referência à qual deve ser calculado o capital de remição: se 31.12.2003, data em que a pensão se terá tornado obrigatoriamente remível, como entendido na sentença, ou se deve reportar-se à data do pagamento da última prestação da pensão, como defende o Recorrente ou qualquer outra, sendo que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do CPC/2013).
A decisão recorrida equaciona a questão dando conta das posições que estavam em confronto nos arestos que cita, sufragando o entendimento, na linha do Acórdão da Relação de Lisboa de 02.07.2003, de que o cálculo do capital de remição deve ter por referência a data em que a pensão se tornou obrigatoriamente remível o que, por via da calendarização constante do art. 74º do então DL 143/99, de 30.04., teria ocorrido aos 31.12.2003 [tal calendarização, atento o valor da pensão, previa a remição obrigatória até dezembro de 2003].
Não obstante e mesmo que, porventura, se aderisse ao entendimento sufragado na decisão recorrida, ele não será, a nosso ver e tendo em conta que o sinistrado padece de uma IPP de 32,26%, ou seja, superior a 30%, transponível para o caso em apreço, como de seguida se dirá [é de realçar que o mencionado Acórdão da RL de 02.07.2003, bem como o Acórdão dessa mesma Relação, de 13.07.2020, que sufragou o entendimento pugnado pelo Recorrente, tinham por objecto situações em que a IPP era inferior a 30%, concreta e respectivamente, estavam em causa IPP de 7% e de 13,78%].

3.1. Com efeito, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 34/2006, Proc. 884/2005, in DR IS-A, de 08.02.2006 veio declarar “a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do art.º 74 do DL 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo DL 382-A/89, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes do trabalhador /sinistrado, nos casos em que estas incapacidades excedam 30%, por violação do art.º 59, n.º 1 alínea f), da Constituição da República Portuguesa”.
Ora, tal significa que, nos casos em que a IPP seja superior a 30%, a “obrigatoriedade” da remição apenas ocorrerá se, e quando, o sinistrado a ela der a sua anuência, sendo que, até aí, será devida a pensão anual e vitalícia. Ou seja, o que o citado preceito, conjugado com o mencionado juízo de inconstitucionalidade, acaba por prever é a possibilidade de as pensões devidas por IPP superiores a 30%, mas consideradas de reduzido montante [cfr. art. 56º, nº 1, al. a), do DL 143/99, conjugado com o Acórdão do STJ, de uniformização de jurisprudência nº 4/2005, de 16.02.2005], virem a ser remidas se tal corresponder à vontade do sinistrado, significando isso que tal depende de manifestação da vontade e/ou não oposição deste, não operando, pois, ope legis, ou seja, automaticamente.
Ora, assim sendo, não podemos deixar de considerar que tal relevará para efeitos de determinação do momento a partir do qual a remição operará e da data por reporte à qual o respectivo capital deve ser calculado, sendo certo que, até à data em que o sinistrado consinta nessa remição, será devido o pagamento da pensão anual e vitalícia, sendo que, só com essa anuência, estarão reunidos os pressupostos para a remição da pensão.
No caso, a pese embora, por via da calendarização prevista no art. 74º, a pensão pudesse, se o sinistrado assim o tivesse autorizado, ser remível no período de 01.01.2003 a 31.12.2003, o certo é que o procedimento com vista a essa remição apenas foi desencadeado pela Seguradora aos 29.01.2020, pelo que, apenas com a resposta do Ministério Público, de 10.05.2020 [e na consideração de que no patrocínio do sinistrado, sendo certo que este foi notificado do requerimento da Seguradora e da mencionada resposta do MP], se poderá dizer que foi dada pelo sinistrado autorização a essa remição, sendo até então devida a pensão anual e vitalícia e não o capital de remição.
Verificando-se embora os pressupostos da remição - art. 74º do DL 143/99 e anuência do sinistrado- estes apenas se verificam com esta anuência, ou seja, no caso, com a resposta do MP de 10.5.2021, sendo que, apenas partir desta data, se tornou a pensão remível. E, assim sendo, deve o cálculo do respectivo capital ter como referência tal data, 10.05.2021.

3.2. Importa esclarecer que o assim entendido não colide com a decisão de 22.06.2021 e com o caso julgado formado por esta decisão. Com efeito, nesta foi deferido o requerimento da Seguradora de 29.01.2020 para remição da pensão, decisão de que não foi interposto recurso e que transitou em julgado. Não obstante, tal decisão decidiu tão só no sentido de deferir a remição da pensão requerida pela Recorrida Seguradora, não tendo todavia apreciado e decidido sobre a questão ora em apreço, qual seja a de saber a data por reporte à qual deve ser calculado o capital de remição.
De esclarecer ainda que ao capital de remição deverão ser descontadas [pelas razões referidas na decisão recorrida] as quantias que, porventura, a Seguradora/Recorrida haja pago ao sinistrado/Recorrente a título de pensão anual e vitalícia que se hajam vencido desde 10.05.2021, data desde a qual lhe é devido o capital de remição.
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IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se determina que, para efeitos de cálculo de remição da pensão do sinistrado, AA, se tenha em conta a data de 10.05.2021, procedendo-se à dedução, ao mesmo, das pensões que hajam sido pagas ao sinistrado desde essa data (10.05.2021).

Custas pela Seguradora/Recorrida [dada a irrelevância do decaimento do Recorrente], não sendo todavia devida taxa de justiça por não ter a mesma dado impulso processual ao recurso [art. 6º, nº 1, do RCP].

Porto, 14.02.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
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[1] Ac. RL 02.07.2003, CJ, ano XXVIII, tomo IV, pág. 147 e ss., igualmente disponível em www.dgsi.pt
[2] Ac. RL 13.07.2020, www.dgsi.pt
[3] Ac. STJ 13.10.2004, www.dgsi.pt
[4] ANTÓNIO GONÇALVES ROCHA, A Remição de Pensões da Nova Lei de Acidentes de Trabalho, in Prontuário de Direito do Trabalho, Actualização nº 59, Centro de Estudos Judiciários, 2001, pág. 124
[5] Ac. RE 24.05.2018, www.dgsi.pt; no mesmo sentido vide Ac. RP 16.09.2002, www.dgsi.pt; Ac. RL 28.10.2009, www.dgsi.pt; Ac. RG 24.05.2018, www.dgsi.pt; Ac. RC 08.06.2018, www.dgsi.pt; Ac. RG 24.09.2020, www.dgsi.pt
[6] Ac. RP 27.11.2000, CJ, ano XXV, tomo V
[7] 1 CARLOS ALEGRE, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001 (reimp.), pág. 156
[8] 2 Ac. RE 14.11.2000, CJ, ano XXV, tomo V, pág. 190 e ss.
[9] 3 CARLOS ALEGRE, Acidentes…, pág. 240
[10] 4 SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, pág. 208
[11] 5 MANUELA BENTO FIALHO, Processo de Acidentes de Trabalho – Os Incidentes – Ideias para Debate, in Prontuário de Direito do Trabalho nº 69 (Setembro-Dezembro de 2004), Coimbra Editora, Coimbra, págs. 97 a 99
[12] 6 Jurisprudência nº 7/2002, Diário da República, I Série A de 18 de Dezembro
[13] 7 Jurisprudência nº 4/2005, Diário da República I Série A de 02 de Maio
[14] 8 Ac. TC 34/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
[15] 9 Ac. TC 32272006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt