Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7308/20.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
AGRAVAMENTO DO RISCO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202309257308/20.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Recai sobre a seguradora que invoca a ocorrência de situação de agravamento de risco com base no qual pretende ver-se exonerada da obrigação de indemnizar o segurado que participou a ocorrência de sinistro, o ónus da prova da factualidade que integra esse agravamento, bem como as consequências que do mesmo derivariam, quer para a decisão de contratar, quer para o agravamento do prémio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 7308/20.7T8PRT.P1
3ª Secção Cível
Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade
Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha
Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Jz. Central Cível do Porto
Apelante/ “A... Companhia de Seguros, S.A.”
Apelado / Associação ...

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
Associação ... instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra “A... Companhia de Seguros, S.A.”, peticionando pela procedência da ação que seja proferida decisão a condenar a R. a “pagar à Autora o valor de € 344.892,00 acrescido dos juros de mora vincendos, contados a partir da citação até integral pagamento”.

Para tanto alegou em suma a A.:
i- ter celebrado com a R. contrato de seguro denominado de multirriscos, em abril de 2015 relativamente a imóvel de sua propriedade descrito em 3º da p.i.;
ii- em 24/09/2018 o imóvel foi alvo de atos de vandalismo e furto;
iii- participado o sinistro ocorrido, a R. declinou a responsabilidade decorrente do evento participado alegando:
. Que o sinistro ocorrido não se enquadrava no âmbito da previsibilidade normativa dos arts. 1º, 44º, nº2 e 24, nº 1 do Dl 72/2008 de 16 de abril;
. Que aquando das declarações iniciais do risco, não foram declaradas com exatidão todas as circunstâncias conhecidas e que se teriam por relevantes;
. Que se a Ré conhecesse o risco não emitiria apólice.
Mais tendo procedido à resolução do contrato de seguro nos termos do artigo 83º, nº 2, alínea b) e art. 116º do Dec-lei 72/2008, de 16/4, ex vi, artigos 432º, 433º e 434º, do CC, com a devolução do prémio, desde a data do início do contrato até à data de 31/03/2019 (idem).
iv- A A. não aceitou a posição da seguradora, invocando estar o risco coberto nos termos das condições particulares. E ter sido o edifício inspecionado pelo mediador de seguros previamente à celebração do contrato.
v- Em virtude do sinistro o edifício da A. sofreu os danos descritos em 20º da p.i. no valor de € 344.892,00.
Cujo valor pretende por esta via ver-se ressarcida.

Contestou a R., impugnando parcialmente a factualidade alegada pela A. e concluindo pela improcedência da ação.
Alegou entre o mais:
- constar da participação do sinistro que o local de risco estava desabitado há mais de um ano, quando na proposta de seguro que deu origem à apólice foi referido que a atividade desenvolvida no imóvel era de “Hospitais” e ter verificado que o imóvel estava desabitado desde 30/09/2012. O que foi omitido à seguradora;
- estar pendente ação desde 2014 contra o “CHP, EPE” e Estado Português onde a A. reclama um valor superior a 25 milhões de euros. Abrangendo o pedido nesta ação formulado “não só os prejuízos decorrentes, como também, em consequência do estado de vandalismo em que o imóvel foi devolvido.”
Em tal ação tendo sido alegado, entre o mais, que o imóvel estava sujeito “a ações de vandalização generalizada e continuada em todo o edifício; entrega do local arrendado sem qualquer aptidão para ser “hospital”, desvio de instalações em cobre e de equipamentos, sem quaisquer condições de habitabilidade, como sejam, sem instalações elétricas, esgotos, instalações elétricas, esgotos, instalações sanitárias”.
- A R. aceitou de boa fé, o risco e as coberturas constantes da proposta de seguro, que nada têm a ver, afinal com o risco real do imóvel e o risco real das coberturas de “roubo ou furto” e “atos de vandalismo”, risco este (o real) que era conhecido pela Autora, proponente do contrato de seguro;
- Os contratos de seguro não garantem riscos reais que não correspondam aos riscos contratados (cfr. entre outros o artigo 99º da Lei do Contrato de Seguro);
- já quando o imóvel foi entregue, este se encontrava generalizadamente vandalizado, e, durante o tempo que mediou entre a data da sua entrega pelo arrendatário e a celebração do presente contrato de seguro o imóvel sempre esteve desabitado, o que poderá desencadeado ações de vandalismo e destruição, perante as quais a ora contestante nunca poderá (ou poderia) ser responsabilizada (artigo 44º nº 2 da Lei do Contrato de Seguro);
- A informação ao dispor da ora contestante no momento em que foi celebrado o contrato de seguro não foi suficiente para a perceção da real dimensão do risco a segurar.
Dessa falta de informação decorreu a falta de meios necessários à “avaliação” exata do risco real a segurar.
- Os riscos que a Autora pretendeu ver garantidos pelo contrato de seguro, não foram plenamente descritos e se a ora contestante tivesse conhecimento do estado em que se encontrava o imóvel à data da celebração do contrato de seguro, nunca teria aceite a sua celebração;
- A Autora na vigência do contrato não cumpriu o disposto na Cláusulas 8ª nº 1 das Condições Gerais da Apólice (ex vi artigo 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro).
A Autora teve conhecimento de várias ocorrências de atos de vandalismo e furtos na vigência do contrato de seguro, como resulta das declarações do seu legal representante, emails enviados ao Centro Hospitalar ... e Participações Policiais;
- A não comunicação impediu o desencadeamento dos mecanismos legais previstos no artigo 93 da Lei do Contrato de Seguro, nomeadamente, propor a alteração do contrato de seguro relativa à não manutenção das coberturas de “furto ou roubo” e “atos de vandalismo”;
- São circunstâncias de agravamento de risco, que não eram conhecidas até então, além das já referidas quanto ao risco real inicial, os sistemáticos atos de furto ou roubo e de vandalismo ocorridos na vigência do contrato de seguro (artigo 94º nº 1 e nº 2 da Lei do Contrato de Seguro e Cláusula 9ª das Condições Gerais da Apólice).
A Autora não cumpriu o dever de comunicação previsto na Clausula 23ª nº 1 alínea a) e parte final da alínea f) das Condições Gerais da Apólice pondo em causa, o equilíbrio dos interesses da Autora e da ora contestante na vigência do contrato de seguro.
Esse incumprimento, acompanha, os mesmos efeitos dos previstos em matéria de declaração inicial do risco.
Quanto aos danos identificados pela autora, e sem prescindir do alegado, alegou ainda a R. ser a percentagem segura pela Apólice de 15,58% do valor em risco, pelo que considerando:
a) Valor do Capital Seguro – 2.783.000,00 euros
b) Valor de reconstrução – 17.864.253,44 euros
Em consequência dessa percentagem segura, haverá que proceder a percentagem segura pela Apólice é de 15,58% do valor em risco,
considerando:
a) Valor do Capital Seguro – 2.783.000,00 euros
b) Valor de reconstrução – 17.864.253,44 euros
Em consequência dessa percentagem segura, haverá que proceder a rateio e, deduzindo-se a franquia, o valor a indemnizar nos termos do contrato de seguro seria de 34.155,85 euros (nos termos da Cláusula 20ª nº 1 das Condições Gerais da Apólice e artigos 49º nº 3 e 134º da Lei do Contrato de Seguro).
Mais alegou a R. que à semelhança do que já sucedia na vigência do artigo 433º do Código Comercial resulta hoje do artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro, salvo convenção em contrário, se o capital seguro for inferior ao valor do objeto seguro, o segurador só responde pelo dano na respetiva proporção.
O Segurador - no caso de subseguro - nos termos da lei e do contrato, responde pelo prejuízo na respetiva proporção, exceto se existir cláusula contratual em contrário. Que no caso não existe.
Termos em que concluiu pela total improcedência do pedido formulado.

Após convite para tal, respondeu a A. às exceções aduzidas na contestação, concluindo pela sua improcedência.
Alegou entre o mais que, aquando do envio das condições particulares, não lhe foram entregues, nem dadas a conhecer as condições gerais e especiais da apólice. Desconhecendo, como tal, se fazem parte integrante da apólice. As quais assim não podem ser invocadas perante a A., já que ao contrato celebrado é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, não tendo a R. cumprido com o seu dever de comunicação e informação.
Em resposta à questão do subseguro invocado pela R., impugnou o valor de reconstrução invocado por esta. Tendo concluído existir no caso sobresseguro e não subseguro, já que o valor do capital seguro é superior ao valor da reconstrução do imóvel.
Por tal motivo pugnando pela indemnização dos danos peticionados na integra e nunca pelo montante de € 34.155,85 indicados pela R..
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Realizada audiência prévia, foi após proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Tendo, na sequência de reclamação apresentada, merecido os mesmos aditamento, nos termos da decisão de 07/05/2021.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, tendo a final sido proferida decisão, julgando a ação “procedente por provada e condena-se a Ré no pagamento da indemnização relativa aos danos concretos causados pelo sinistro participado pela autora à seguradora e ocorrido no dia 24/09/2018, a liquidar em execução de sentença.”
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Do assim decidido apelou a R. oferecendo alegações e formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1 - Dispõe o n.º 1 do art.º 662.º do Código de Processo Civil “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
2 – Nos termos do disposto no artigo 61º do Código de Processo civil, devem ser retificados os erros descritos no ponto 9 destas alegações: O facto provado nº 27º está incompleto (?), não se entende a sua extensão(!) e, está, objetivamente, em contradição com o facto não provado nº 1 com a convicção e fundamentação da douta sentença. O facto nº 27 da matéria de facto provada é um erro, eventualmente de escrita, ou de falta de atenção, pelo que importa, também ser corrigido.
3 - Em nenhum lugar da Contestação ou dos temas da prova se coloca a questão da existência de “sobre seguro”. O que a ora apelante refere na sua contestação é que poderia ou poderá existir “infra seguro” ou “subseguro”, tendo em conta a existência dos seus pressupostos e conforme decorre do artigo 134º da Lei do Contrato de Seguro.
4 - Sendo insignificante este erro constante da douta sentença – que, aliás, se mantém no final quando refere: “Pelo exposto, entende-se relegar a fixação dos danos concretos causados pelo sinistro participado pela autora à seguradora e ocorrido no dia 24/09/2018. Fica prejudicada a apreciação da questão do sobresseguro”, não deixa de ter de ser retificado.
5 - Importa, corrigir esse erro, tanto mais que a haver improcedência do Recurso – que se lamenta - haverá, sempre, lugar, à aplicação da regra proporcional inerente à alegação de “subseguro” – artigo 134º da Lei do contrato de seguro - e não, como refere a douta sentença “sobresseguro” (artigo 132º da Lei do Contrato de Seguro).
6 - Deve fazer parte da matéria de facto considerada provada o texto do documento nº 10 junto da contestação quanto à comunicação dos efeitos decorrentes da não comunicação do agravamento do risco.
7 - A Autora pretendeu, injustamente, ressarcir-se de todos os danos do imóvel ocorridos entre o ano 2012 e 2018, com especial referência, a vários eventos de atos de vandalismo e furto, ocorridos, alguns deles, após a celebração do contrato e não comunicados atempadamente à ora Apelante, fazendo crer, que todos os danos reclamados na petição inicial (artigos 7º, 20º, 22º e 23º) ocorreram na data de 24 de setembro de 2018.
8 - Da proposta de seguro donde consta a seguinte declaração: “Declaro que as informações prestadas são exatas e verdadeiras e que tomei conhecimento das Condições Gerais e Especiais aplicáveis a este contrato e ter sido informado sobre as condições do seguro, nomeadamente, … quanto ao âmbito do risco” (facto provado nº 11º)
9 - “A estimativa do montante total dos danos apresentada pela Autora ascendeu ao valor global de € 344.892,00” (cfr facto provado 29), mas esse montante total, não decorre do sinistro participado, porquanto outros eventos ocorreram e que não foram participados à ora apelante, conforme estipula a lei: pelo menos estes: Participação efetuada em 17 de outubro de 2017 – NUIPC 000284/18.8PPPRT; Participação efetuada em 21 de fevereiro de 2018 – NUIPC 000204/18.0PPPRT; Participação efetuada em 24 de setembro de 2018 – NUIPC; Participação efetuada em 02 de outubro de 2018 – NUIPC 000982/18.6PPPRT (facto provado nº 33).
10 - A Autora “comprimir” no evento de 24 de setembro de 2018 todos os danos que, eventualmente, deveriam ser “repartidos” pelos diversos atos de vandalismo e furto não participadas.
11 – A convicção do Tribunal foi a seguinte: “Face os depoimentos prestados (AA, BB e CC) o tribunal não ficou com duvidas acerca do conhecimento por parte do Ré sobre objeto seguro e da aceitação do risco. Por outro lado, atendendo a que a descrição dos danos emergentes do evento ocorrido no dia 24 de Setembro de 2018, resultou do confronto entre a situação constatada pelos senhores Engenheiros encarregados pela Ré de elaborarem um relatório sobre o sinistro participado e o relatório elaborado aquando da devolução do Hospital ... pelo estado à autora em 2012, e comprovadamente nesse hiato temporal existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no art.º 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018”.
12 - Merece particular realce o que é referido pelo tribunal “a quo”, na sua convicção:
“Assinala-se a sua semelhança/coincidência com os danos reclamados no art.º 32º da p.i da ação que deu entrada no Tribunal Administrativo”
13 - Os danos alegados pela Autora nos artigos 7º, 20º, 22º e 23º são os danos avaliados pela Autora e que “resultaram do confronto entre a situação constatada pelos senhores Engenheiros encarregados pela Ré de elaborarem um relatório sobre o sinistro participado e o relatório elaborado aquando da devolução do Hospital ... pelo estado à autora em 2012”,
14 - No decurso do hiato temporal comprovadamente, existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no art.º 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018.
15 - Com a participação de sinistro ocorrido no dia 24 de setembro de 2018 e conforme decorre dos artigos citados da petição inicial, a Autora pretendeu enriquecer, ilicitamente à custa da ora apelante, fazendo crer que naquele dia (como aliás refere na petição inicial) ocorreram atos de vandalismo e furto e que causaram danos pelo valor do pedido, quando isso é MENTIRA;
16 - Existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no art.º 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018.
17 - A Autora atua processualmente sabendo e conhecendo que não são verdadeiros os factos descritos na petição inicial (artigos 7º 20º 22º e 23º)
18 - Pretendia com isso ser ressarcida de um montante que sabia não ter direito.
19 - A Autora alterou a verdade dos factos, fazendo crer que no dia 24 de setembro, o evento provocou todos os danos alegados, quando sabia que isso era mentira.
20 - Assim, porque a Autora litiga em confronto direto com o artigo 542º do Código de Processo Civil, deve a mesma ser condenada em multa a decidir pelos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores.
21 – A ora apelante, conforma-se com a decisão quanto á eficácia da “declaração inicial do risco”, isto é, conforma-se com a fundamentação constante da sentença quanto á validade do contrato de seguro celebrado com a Autora com início em 01 de abril de 2015 (factos provados 5º a 13º).
22 - Sem prejuízo do legal representante do Autor ter declarado “que as informações prestadas são exatas e verdadeiras e que tomei conhecimento das Condições Gerais e Especiais aplicáveis a este contrato e ter sido informado sobre as condições do seguro, nomeadamente, … quanto ao âmbito do risco” (facto provado nº 11º), certo é que, esta declaração, assinada pelo Tomador do Seguro é reveladora de que o Mediador tomou todas as providências necessárias ao esclarecimento das Condições do seguro.
23 - “As soluções a encontrar para questões suscitadas pela Ré – ora apelante - devem ser encontradas no Regime Jurídico do Contrato de Seguro” (cfr sentença página 17).
24 – A aplicação subsidiária do regime do contrato de seguro a isso o obriga: as soluções a encontrar para questões suscitadas pela Ré devem ser encontradas no Regime Jurídico do Contrato de Seguro.
25 - A ora apelante não se conforma com as conclusões da douta sentença quanto aos efeitos da falta de informação atempada do agravamento do risco (questão a decidir nº 2), cujo regime jurídico decorre da Lei do Contrato de Seguro.
26 - É manifestamente genérica e impercetível a fundamentação da douta sentença quanto à questão a decidir no caso concreto, “Agravamento do risco” (páginas 18 a 23) e, salvo ao devido respeito, incorreta a seguinte conclusão da douta sentença: A autora logrou demostrar que se verificou o sinistro, concretizado em atos de vandalismo e furto de bens, levados a cabo por desconhecidos no imóvel da A., e cujo risco estava contratado, pelo que existirá obrigação da R. de indemnizar o seu segurado por esses danos, ainda que tenham ocorridos sinistros anteriores (eventos pontuais e isolados).
27 - A Autora na vigência do contrato não cumpriu o disposto no artigo 93º nº 1 da Lei do Contrato de Seguro.
28 - A Autora teve conhecimento de várias ocorrências de atos de vandalismo e furtos na vigência do contrato de seguro, como resulta da matéria de facto provada.
29 - De todos esses factos a ora contestante só teve conhecimento após a participação do evento de 24 de setembro de 2018.
30 - A Autora não comunicou à ora contestante esses eventos no momento próprio, o que permitiu que o risco real, se agravasse.
31 - Essa falta de comunicação de eventos que iam agravando o risco real e aumentando a amplitude de desconformidade com o risco contratado, impossibilitou a ora contestante de agir em conformidade com o disposto no artigo 93º nº 2 alínea b) da Lei do Contrato de Seguro.
32 - Isto porque, a informação de que houve várias ocorrências policiais de furto ou roubo e atos de vandalismo anteriores à data da ocorrência alegada na douta petição inicial, seria “essencial” porque teria impacto absoluto na existência e manutenção condições iniciais do contrato de seguro.
33 - A Autora conhecia a existência de permanentes atos de vandalismo de furto ou roubo e permaneceu no silêncio até ao dia – segundo disse o seu legal representante – em que se verificaram danos nas caixilharias exteriores, e só nesse momento é que resolveu participar o “sinistro” à ora apelante, impossibilitando-a, de tomar uma atitude (decisão), face às ocorrências,
34 - Despoletando, logo na primeira ocorrência (participada à polícia), o desencadeamento dos mecanismos legais previstos no citado artigo 93 da Lei do Contrato de Seguro, nomeadamente, propor a alteração do contrato de seguro relativa à não manutenção das coberturas de “furto ou roubo” e “atos de vandalismo”.
35 - A Autora, optando pelo silêncio e sendo participada pela Autora, apenas, a última ocorrência (sinistro), a ora contestante não está obrigada ao pagamento da prestação porque, não teve a oportunidade de apreciar o agravamento do risco.
36 - São circunstâncias de agravamento de risco, que não eram conhecidas até então, os sistemáticos atos de furto ou roubo e de vandalismo ocorridos na vigência do contrato de seguro (artigo 94º nº 1 e nº 2 da Lei do Contrato de Seguro e Cláusula 9ª das Condições Gerais da Apólice).
37 - A Autora não cumpriu o dever de comunicação de agravamento do risco pondo em causa, o equilíbrio dos interesses da Autora e da ora apelante na vigência do contrato de seguro, e, esse incumprimento, acompanha, os mesmos efeitos dos previstos em matéria de declaração inicial do risco.
38 - O contrato de seguro em apreço não foge a essa regra: o conhecimento de factos da vida real pelo do Tomador do Seguro / Segurado e sua informação à parte obrigada ao cumprimento da prestação resultante da “verificação total ou parcial, do evento que desencadeia o acionamento da cobertura de risco prevista no contrato” (artigo 99º da Lei do Contrato de Seguro), determina, em circunstâncias normais, a possibilidade de agir em tempo útil, de modo a fazer adequar ou, até, a fazer cessar os efeitos do contrato.
39 - Daí que, a Lei do Contrato de Seguro permita a resolução do contrato de seguro “havendo justa causa” nos termos gerais e, permita a resolução do contrato “após sinistro” (artigos seus artigos 116º e 117º).
40 - Nos termos do artigo 117º nº 2 da Lei do Contrato de Seguro, a ora contestante podia resolver o contrato se as duas primeiras participações de eventos ocorridos (sinistros) tivessem sido oportunamente do seu conhecimento.
41 - Não tendo sido do seu conhecimento atempado (uma vez que só veio a conhecer das referidas participações após a última ocorrência), reforçando ainda, o inevitável agravamento de risco real decorrente desse desconhecimento, a ora contestante viu-se privada a resolver o contrato, evitando, assim, o pagamento da indemnização.
42 - O simples agravamento do “risco real” sem informação alguma do tomador do seguro (que lhe era legalmente exigida), traduz uma violação do contrato de seguro facultando à ora contestante a sua resolução. Daí, a razão de ser da carta junto aos autos – documento nº 10.
43 - Na vigência do contrato de seguro a Lei do Contrato de Seguro explicita alguns pontos essenciais:
d) O segurador e o tomador ou o segurado devem comunicar reciprocamente as alterações do risco relativas ao objeto das informações pré contratuais (artigo 91º nº 1);
e) Ocorrendo uma diminuição inequívoca e duradoura do risco, com reflexo nas condições do contrato, deve o segurador, assim que disso tenha conhecimento, diminuir o prémio de seguro (artigo 92º nº1) em termos acordados ou podendo, na falta de acordo, o tomador resolver o contrato (artigo 92º nº 2)
f) Existindo um agravamento do risco, devem todas as circunstâncias a tal relativas ser comunicadas ao segurador, no prazo de 14 dias, desde que, elas a serem conhecidas inicialmente, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato (artigo 93º nº 1, podendo então o segurado propor a modificação do contrato ou resolvê-lo (artigo 93º nº 2).
44 - Na presença de um sinistro, cuja verificação ou agravamento tenham sido influenciados pelo intensificar do risco, cabe ao segurador;
d) Cobrir o risco, se o agravamento tiver sido correta e tempestivamente comunicado (artigo 94º nº 1 alínea a)
e) Cobrir parcialmente o risco, na proporção em que o prémio cobrado divirja do prémio que deveria ter sido fixado se o mesmo fosse conhecido, caso o agravamento não tivesse sido correta e tempestivamente comunicado (artigo 94º nº 1 alínea b);
f) Recusar a cobertura no caso de dolo do tomador ou do segurado, mantendo direito aos prémios vencidos – artigo 94º nº 1 alínea c).
45 - Em qualquer dos dois primeiros casos, o segurador não fica obrigado à sua prestação se, resultando o agravamento de facto do tomador ou do segurado, ele demonstrar que, em caso algum, celebra contratos que cubram riscos semelhantes aos agravados (artigo 94º nº 2).
46 - No presente caso, o risco foi agravado pelos atos de vandalismo ocorridos no local seguro no decurso da sua vigência em especial, pelas seguintes ocorrências não participadas:
A autora apresentou na polícia:
Participação efetuada em 17 de outubro de 2017 – NUIPC 000284/18.8PPPRT;
Participação efetuada em 21 de fevereiro de 2018 – NUIPC 000204/18.0PPPRT;
47 - Se, a Participação efetuada em 17 de outubro de 2017 – NUIPC 000284/18.8PPPRT, fosse do conhecimento da ora apelante, esta, teria, face à mesma de tomar uma posição contratual quanto à eventual modificação do contrato e agravamento do prémio ou resolução do contrato.
48 - O risco ficou agravado porque não foram tomadas quaisquer precauções, o local do risco ficou deteriorado e os meliantes ficaram com mais condições de prosseguir os seus intentos.
49 - Se, a participação fosse concretizada pela Autora, porventura o pagamento da indemnização seria processado (relativo aos prejuízos desses atos de vandalismo e furto) mas a ora apelante, poderia propor a alteração do contrato em vigor, ou impor condições de segurança a ter em conta para o futuro.
50 - Se, a ora apelante fosse informada das condições degradadas do local do risco após essa ocorrência, porventura, não teria ocorrido a segunda ocorrência, atentas as medidas de segurança que se teriam de impor.
51 - A ora apelante não teve hipótese de cobrir parcialmente o risco, na proporção em que o prémio cobrado divirja do prémio que deveria ter sido fixado se o mesmo fosse conhecido, porque o agravamento não foi correta e tempestivamente comunicado (artigo 94º nº 1 alínea b).
52 - Daqui resulta a admissibilidade da resolução do contrato pela ora apelante, subsequente à verificação de um sinistro participado, fundada no agravamento inequívoco do risco assente em diversos atos de vandalismo e furtos anteriores não participados.
53 - O artigo 93° da Lei do Contrato de Seguro rege a comunicação do agravamento do risco dispondo no seu n° 1 que o tomador do seguro ou o segurado tem o dever de, durante a execução do contrato, no prazo de 14 dias a contar do conhecimento do facto (agravante) comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou de não contratar, ou de influir nas condições do contrato.
54 - No caso concreto, circunstâncias que agravaram o risco: diversas ocorrências de atos de vandalismo e furto que ocorreram no local seguro não comunicadas à ora apelante, ocorrências que impuseram ao local de risco enorme vulnerabilidade a outros atos de vandalismo e furto, como, aliás, veio a acontecer.
55 - Dispõe a norma agora no seu nº 2 alínea a) que no prazo de 30 dias a contar do momento que tenha conhecimento do agravamento do risco o segurador pode apresentar ao tomador do seguro proposta de modificação do contrato, que este deve aceitar ou recusar em igual prazo, findo o qual se entende aprovada a modificação proposta e a mesma norma agora na alínea b) do nº 2 dispõe que o segurador pode resolver o contrato, demonstrando que, em caso algum celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco.
56 - No caso concreto, houve uma impossibilidade absoluta de proceder a eventual alteração das condições contratuais porque as ocorrências agravantes verificadas durante o tempo do contrato, não foram comunicadas à ora contestante.
57 - As circunstâncias agravantes do risco assinaladas e que exigiam informação e comunicação por serem suscetíveis de impacto na existência ou condições do contrato não foram comunicadas à ora Apelante e, por força dessa omissão, imputável à A., ora apelante viu-se impossibilitada de exercer os seus direitos contratuais.
58 - O artigo 94° da Lei do Contrato de Seguro - sinistro e agravamento do risco - não é aplicável ao caso dos autos porque a sua aplicação pressupõe a comunicação do agravamento do risco nos termos do antecedente artigo 93° e a verificação do sinistro antes de operada a cessação ou alteração do contrato na sequência de opção tomada pelo segurador e a verdade é que, já se disse, a Autora omitiu a comunicação à ora Apelante do agravamento do risco.
59 - De recusa foi devidamente informada a Autora (documento 10 junto aos autos):
Citação: “Sem prejuízo do exposto, subsidiariamente:
d) Agravamento do risco no caso de plena eficácia da Apólice: não foi cumprido o dever de informação, atempado tendo em conta a sequência de ocorrências, constante do artigo 93º nº 1 do citado Diploma Legal e Cláusula 23ª nº1 alínea f) das Condições Gerais da Apólice;
e) Admitindo, como mera hipótese de raciocínio, que o contrato de seguro seria plenamente eficaz a partir da data do seu início, V. Exªs deveriam comunicar a este Segurador todas as circunstâncias que agravaram o risco inicialmente aceite - conforme preceitua os artigos 91º nº 1 e 93º do citado Diploma Legal e, ainda, Cláusula 8ª nº 1 alínea b) das Condições Gerais da Apólice;
f) Não tendo V. Exªs procedido em conformidade com o exposto, o Contrato de Seguro titulado pela Apólice terá de ser resolvido nos termos do disposto no artigo 83º nº 2 alínea b) e artigo 116º do citado Diploma Legal ex vi artigos 432º, 433º e 434º todos do Código Civil.
60 - Não tendo a Autora comunicado o agravamento do risco, não facultando à ora apelante o exercício das faculdades previstas no artigo 93° da Lei do Contrato de Seguro, operando a cessação dos contratos e tendo ocorrido o sinistro, assiste à ora apelante a faculdade de recusar a cobertura, desobrigando-se do pagamento da sua prestação ou prestações, na exata medida em que, em caso algum celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes do verificado agravamento do risco tal como ficou demonstrado na informação comunicada à Autora e, no caso, esta última, recusaria dar cobertura de atos de vandalismo e furto.
61 – A sua vontade de manutenção dos contratos assenta em erro-vicio previsto nos artigos 240° e seguintes do CC, mormente erro sobre o objeto do negócio (artigo 251 ° do CC) facultando-lhe assim todo este enquadramento a anulação dos contratos, ou seja, a sua cessação, porque a sua vontade contratual subsistiu, mas contaminada pelo vicio do desconhecimento quanto ao agravamento do risco que não lhe foi comunicado.
62 - Quando o artigo 93° nº1 "in fine" da LCS se reporta às circunstâncias agravantes do risco suscetíveis de, caso fossem conhecidas pelo segurador, tivessem podido influir na decisão de contratar (ou não contratar) ou nas condições do contrato, tem subjacente a referência ao erro-vicio, mormente o erro sobre o objeto do negócio (artigo 251 ° do CC) facultando por isso ao segurador, que se mantém na ignorância do agravamento do risco e que só toma conhecimento do mesmo depois da ocorrência danosa e quando, mediante averiguação própria a investiga, a anulação dos contratos e as suas respetivas cessações, mercê das vicissitudes tomadas conhecidas ainda que apenas e naturalmente "a posteriori"
63 - Quem teve conduta despropositada e avassaladora das mais elementares regras da boa fé que devem subsistir não só na formação de um contrato, mas ao longo de toda a vigência deste, foi a Autora na medida em que perfeitamente sabedora de exponencial agravamento do risco contratual, remeteu-se ao mais inexplicável e censurável silêncio.
64 - No art.º 93.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguro se atribui ao segurador um direito de adequação ou de cessação do contrato em caso de agravamento do risco, mediado por um dever do tomador ou do segurado de comunicação do agravamento verificado.
65 - O agravamento do risco (possibilidade de um evento futuro e danoso incertus an, incertus quando, incertus quanto) consiste no aumento da probabilidade de verificação do evento – ou da intensificação das suas consequências potenciais - compreendido no risco coberto pelo contrato relativamente ao cálculo probabilístico efetuado em sede da sua estipulação, conforme decorre do artigo 93º e seguintes da Lei do Contrato de Seguro.
66 - Conforme decorre da doutrina, esse agravamento do risco deve apresentar determinadas características para ser suscetível de produzir efeitos sobre o contrato de seguro.
67 - Deve ser posterior à celebração do contrato, assim como imprevisto ou imprevisível.
68 - Deve derivar de um facto extrínseco e novo relativamente à situação de risco.
69- Deve apresentar uma certa estabilidade ou durabilidade, pois há-de tornar-se naturalisticamente idóneo a constituir um novo processo de risco, sendo, em geral, adequado a propiciar a ocorrência do sinistro, pois só assim se perturba a correspondência entre o risco suportado e o prémio cobrado pelo segurador (Cfr. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p.55).
70 - O agravamento tem de ser efetivo, devendo assim tratar-se de um risco efetivamente variado ou alterado entre o momento da celebração do contrato e um momento subsequente, apurado através de uma avaliação global do risco.
71 - Deve ser relevante, deve ser suscetível de influir no cálculo do prémio, na medida em que se o segurador – no caso a ora apelante - o tivesse conhecido ao tempo da celebração do contrato teria estipulado condições diversas ou não teria concluído o contrato.
72 - O agravamento do risco afigura-se relevante quando o novo estado de coisas incide indiferentemente sobre a gravidade ou a intensidade do risco.
73 - Perante a gravidade de circunstâncias que ocorreram no local seguro durante a vigência do contrato de seguro, circunstâncias essas não comunicadas à ora apelante, esta, em momento algum pôde avaliar, com a certeza que se impunha o risco agravado, nem decidir pela resolução do contrato ou sua alteração (redução do negócio excluindo a partir da primeira ocorrência verificada a cobertura do risco de atos de vandalismo e furto).
74 - Não podendo exercer essa faculdade, o local do risco foi sendo vandalizado, até ao momento em que a Autora resolve fazer a participação da ocorrência (24 de setembro de 2018) incluindo, de má-fé, nessa ocorrência, todos os danos que que muito bem lhe apeteceu (nestes incluídos, os atos de vandalismo e furto de outros momentos).
75 - Tratando-se de juízos valorativos de tipo subjetivo a reapreciação do risco agravado, seriam, sempre, necessariamente, balizados, inter alia, pelo princípio da boa fé (arts. 762.º e 334.º do Cód. Civil),
76 - Obviamente que a cobertura de furto e atos de vandalismo, pelo menos, seriam excluídos da cobertura do contrato, após a primeira ocorrência, tal como se afirmou na contestação.
77 – Há fundamento - agravamento relevante do risco - para a ora apelante resolver o contrato de seguro – admitindo-se que lhe é permitido fazê-lo, conforme o art.º 93.º, n.º 2, al. b), da Lei do Contrato de Seguro, após a verificação do sinistro com fundamento no agravamento do risco, com base nesse mesmo preceito.
78 - Trata-se de fazer cessar um contrato duradouro.
79 - Consubstancia justa causa enquanto fundamento do direito de resolução “qualquer fundamento, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a qualquer das partes manter a relação contratual” Cfr. João Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, in Obra dispersa, Direito Privado, I, Pedro Bacelar de Vasconcelos (coord.), Scientia Jurídica, Braga, 1991, pp. 135 e ss.)
80 - O mesmo se refira a propósito da quebra da confiança, em que a gravidade do incumprimento suscetível de fundar o direito à resolução resulta do valor sintomático do incumprimento relativamente a essa confiança (Cfr. Maria Inês de Oliveira Martins, O seguro de vida enquanto tipo contratual legal, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p.669.)
81 - A solução prevista nesse art.º 93.º, n.º 2, al. b) permite à ora recorrente resolver o contrato pois só teve conhecimento do agravamento do risco, com o conhecimento do sinistro ocorrido no dia 24 de setembro de 2018 (a este propósito, v. Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2011, 2a Ed., Almedina, pág. 355),
82 - Observados que foram pela ora apelante os requisitos que o citado art.º 93 °, n.º 2, al. b) da Lei do Contrato de Seguro obriga, o contrato de seguro celebrado com a Autora deverá considerar-se resolvido e, por consequência deve a ora apelante ser absolvida do pedido formulado pela Autora, pedido esse que, como já se salientou, se enquadra numa litigância de má fé.
83 - A ora apelante exerceu o direito potestativo de pôr termo ao contrato nas circunstâncias assinaladas, tendo a declaração de resolução efeitos retroativos, como decorre da Lei do Contrato de Seguro (e já agora, nos termos do artigo 432º e ss do Código Civil).
84 - No momento do sinistro já não existia contrato em vigor.
Sem conceder:
• Do Incidente de liquidação
o Enquadramento
85 – Determinou a dota sentença ““julgar a presente ação procedente por provada e condena-se a Ré no pagamento da indemnização relativa aos danos concretos causados pelo sinistro participado pela autora à seguradora e ocorrido no dia 24/09/2018, a liquidar em execução de sentença”.
86 - A ora apelante discorda da decisão, porque não se verificaram os pressupostos para o tribunal a quo relegar para o incidente de liquidação “os danos concretos causados pelo sinistro participado pela Autora à seguradora e ocorrido no dia 24 de setembro de 2018”.
87 - A Autora descreveu como causa de pedir, para o efeito, que:
e) No dia 24 de setembro de 2018 o imóvel do Autor foi alvo de atos de vandalismo e furto, tendo sido apresentado, no dia 25 de setembro de 2018 o respetivo auto de notícia (cfr artigo 7º da petição inicial);
f) Do referido sinistro, a Autora sofrera no imóvel segurado os danos enumerados no artigo 20º da petição inicial (descrição aí constante e documento junto);
g) Estimou os danos decorrentes do evento de 24 de setembro de 2018 em 344.892,00 euros (artigo 22º da petição inicial);
h) Especificando que esses danos, decorrentes do evento de 24 de setembro de 2018, 57.320,00 euros corresponde a danos derivados de atos de vandalismo e 287.572,00 euros a danos de furto (artigo 23º da petição inicial).
88 - Como já se afirmou, e decorre da matéria de facto provada e não provada bem como da fundamentação da douta sentença a propósito, a Autora pretendeu, injustamente, ressarcir-se de todos os danos do imóvel ocorridos entre o ano 2012 e 2018, com especial referência, a vários eventos de atos de vandalismo e furto, ocorridos, alguns deles, após a celebração do contrato e não comunicados atempadamente à ora Apelante, fazendo crer na petição inicial, que todos os danos reclamados (artigos 7º, 20º, 22º e 23º) ocorreram na data de 24 de setembro de 2018.
89 - Da matéria de facto não provada consta:
Não se provaram mais factos alegados com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente que:
1 Do evento ocorrido 24/09/2018, a A. sofreu no imóvel segurado os seguintes danos:
- Danos em vários tipos de teto e paredes de onde se furtaram tubos de cobre e cabos elétricos;
- Danos em diversos tipos de portas, das quais se furtaram fechaduras, dobradiças e acessórios em aço inoxidável;
- Danos em equipamentos sanitários de onde se furtaram diversos tipos de torneiras, sifões e pertences em aço inoxidável;
- Furto de termoacumuladores elétricos em cobre, tubagens em cobre e aço inoxidável, bancas e bancadas em aço inoxidável;
90 - Resulta da douta sentença (página 23 e 24) o seguinte:
“A autora não logrou demonstrar que do evento ocorrido em 24/09/2018 resultaram concretamente: Danos em vários tipos de teto e paredes de onde se furtaram tubos de cobre e cabos elétricos;
- Danos em diversos tipos de portas, das quais se furtaram fechaduras, dobradiças e acessórios em aço inoxidável;
- Danos em equipamentos sanitários de onde se furtaram diversos tipos de torneiras, sifões e pertences em aço inoxidável;
- Furto de termoacumuladores elétricos em cobre, tubagens em cobre e aço inoxidável, bancas e bancadas em aço inoxidável;
- Danos em equipamentos elétricos, fios e cabos de cobre, armaduras, aparelhagens e quadros elétricos gerais e parciais e de equipamentos de elevação e outros;
- Furto de tubagens em cobre do sistema de gases medicinais e diversos equipamentos;
- Furto de unidades de ar condicionado e ventilação e tubagens de cobre;
- Furto de cabos de cobre e equipamento do sistema de deteção de incêndios;
- Furto de perfis de alumínio, janelas, portas exteriores e divisórias amovíveis interiores;
- Furto de equipamentos de manutenção e outros;
Conforme anteriormente explanado, o tribunal não conseguiu determinar que atos de vandalismo concretos e que objetos específicos resultaram da intrusão de desconhecidos nas instalações da autora em 24/09/2018.
91 – A autora não logrou demonstrar que do evento ocorrido em 24/09/2018 resultaram concretamente os danos que constam da causa de pedir e do pedido da Autora formulado na sua petição inicial. O tribunal não conseguiu determinar que atos de vandalismo e que objetos específicos resultaram da intrusão de desconhecidos nas instalações da autora em 24/09/2018.
92 - A Autora não provou: Que objetos específicos resultaram da intrusão, sua natureza, espécie, tipo, modelo, função; por consequência, não provou, o valor dos referidos objetos.
93 - A Autora, apresentou a sua prova documental, foram ouvidas testemunhas e, não logrou provar nada que consta na sua causa de pedir, exceto que, houve uma intrusão no dia 24 de setembro de 2018 no local de risco (configurando atos de vandalismo e furto).
94 - As regras sobre a distribuição do ónus da prova foram respeitadas.
95 - Á Autora competia provar os factos descritos nos artigos 7º, 20º, 22º e 23º da sua petição inicial, atrás assinados.
96 - A falta de prova é um risco que a Autora correu.
97 - A dúvida sobre a realidade de um facto que se pretende provar, resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita – no caso a Autora – (artigo 414º do Código de Processo Civil e artigo 346º, in fine do Código Civil).
98 – A ora apelante discorda da fundamentação do Tribunal a quo, quando este refere:
Conforme anteriormente explanado, o tribunal não conseguiu determinar que atos de vandalismo concretos e que objetos específicos resultaram da intrusão de desconhecidos nas instalações da autora em 24/09/2018.
Trata-se aqui da questão de saber qual o campo de aplicação do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Defendem uns que o tribunal só pode condenar no que se liquidar em execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade por os respetivos factos não serem ainda conhecidos ou estarem em evolução aquando da propositura da ação; já não sendo lícito condenar no que se liquidar em execução de sentença se foi feita a especificação dos factos necessários para fixar o objeto ou a quantidade mas houve fracasso na prova (por todos Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.01.95, Boletim do Ministério da Justiça, 443º - 395 e de 14.03.95, Boletim do Ministério da Justiça 445º-464).
A Jurisprudência dominante é no sentido contrário.
Na verdade, nada na lei permite, ou pelo menos obriga, a fazer a restrição pretendido pela corrente minoritária, de forma a considerar-se que ali se visa a falta de factos a provar e não o fracasso da prova sobre eles.
O que a lei diz é que " se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença.”. A lei não faz qualquer restrição.
Por outro lado, quer pela inserção sistemática, quer porque a norma em causa, tem como destinatário o juiz e não as partes, o seu comando não deve ligar-se ao ónus da prova, dado que este impende sobre a parte e não sobre o juiz (cfr. Acórdão o Tribunal da Relação do Porto in processo 0030443, www.dgsi.pt).
99 - A Jurisprudência citada, não é de casos análogos ao caso sub judicie.
100 - Do Acórdão (cfr. Acórdão o Tribunal da Relação do Porto in processo 0030443, www.dgsi.pt) no qual se baseia da douta sentença, do ano 2000 refere que “É lícito condenar no que se liquidar em execução da sentença se foram selecionados na base instrutória os factos necessários para fixar o objeto ou a quantidade, mas houve fracasso na sua prova”.
101 - Este Acórdão corresponde à letra, a fundamentação da douta sentença, quanto ao aspeto invocado, só que, no presente caso, a Autora não logrou provar, nem que bens e quantos bens foram furtados nem que espécie de bens, nem que bens pertenciam ao recheio ou ao imóvel alegadamente danificado.
102 - A relação de bens alegadamente vandalizados e danificados constante da lista que fundamentou a causa de pedir na petição inicial, não resultou do sinistro participado.
103 - Foram especificados os bens alegadamente furtados na petição inicial por remissão para a referida Lista feita pelo legal representante da Autora, foi fixado o tema da prova relacionado com essa especificidade, mas a Autora não conseguiu provar que no dia 24 de setembro de 2018 foram vandalizados e furtados os objetos especificamente mencionados na LISTA que fundamentava a causa de pedir.
104 - Nem um bem danificado dessa LISTA, nem um bem vandalizado dessa LISTA conseguiu a Autora provar, como consequência do evento ocorrido, no dia 24 de setembro de 2018.
105 - É um caso bem diferente do Acórdão citado.
Para além disso:
106 - Existe uma nítida contradição, entre a decisão constante da douta sentença e o “Suporte da convicção do Tribunal”
Refere a propósito a douta sentença (sublinhado de realce):
Por outro lado, atendendo a que a descrição dos danos emergentes do evento ocorrido no dia 24 de Setembro de 2018, resultou do confronto entre a situação constatada pelos senhores Engenheiros encarregados pela Ré de elaborarem um relatório sobre o sinistro participado e o relatório elaborado aquando da devolução do Hospital ... pelo estado à autora em 2012, e comprovadamente nesse hiato temporal existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no art.º 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018.
E ainda:
Assinala-se a sua semelhança/coincidência com os danos reclamados no art.º 32º da p.i da ação que deu entrada no Tribunal Administrativo.
107 - Assim sendo o Incidente de Liquidação está ferido de nulidade.
108 - Os factos específicos contidos na causa de pedir e tema da prova, não foram provados na presente ação declarativa – nenhum desses factos foi provado.
109 – Da decisão, não consta o “balizamento” do incidente de liquidação; não será a lista apresentada pela Autora, porque nada foi provado dessa lista como tendo sido vandalizado ou furtado no dia 24 de setembro de 2018; se nada foi provado nada existe para ser apurado no incidente de liquidação; o Incidente de Liquidação não é uma nova ação, que visa substituir a ação principal e os factos contidos nos artigos 7º, 20º 22º e 23º da petição inicial.
110 - “a lei não faz qualquer restrição” (cfr sentença e Acórdão citado), mas esta conclusão dita de forma abstrata esbarra com o presente caso concreto e com a nítida contradição, entre a decisão constante da douta sentença e o “Suporte da convicção do Tribunal”.
111 - Citando a douta sentença comprovadamente nesse hiato temporal existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no art.º 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018 e, assinala-se a sua semelhança/coincidência com os danos reclamados no art.º 32º da p.i da ação que deu entrada no Tribunal Administrativo.
112 - Não se provou que bens foram danificados ou furtados, portanto, não há que proceder à avaliação do que quer que seja.
113 - Uma coisa é provar-se o dano, outra coisa é não dispor de elementos que o permitam quantificar, situação esta e só esta que impõe então que se relegue essa quantificação do dano para posterior incidente de liquidação, tendo este, assim, como pressuposto aquele (artigo 609º nº 2 e 358º nº 2 do Código de Processo Civil).
114 - Sendo o dano um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, sobre a Autora impendia o ónus da prova do alegado dano (artigo 342º nº 1 do Código Civil), prova que, resulta da convicção do Tribunal a quo, não logrou fazer,
115 - O mesmo, se pode afirmar no que concerne também ao respetivo nexo causal (artigo 563º do Código Civil)
116 – Em face do exposto, só pode a ora apelante ser absolvida do pedido com as legais consequências.
117 - O que se líquida no incidente de liquidação é, naturalmente, a condenação ilíquida, uma vez que, não havendo elementos para fixar o objeto ou a quantidade do que se pedir, “o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida” – artigo 609, n.º 2 do CPC.
118 - No caso sub judice nem sequer existe factos provados sobre parte da causa de pedir.
119 - Portanto nada pode ser líquido no incidente de liquidação se a sua base factual inexiste de todo.
120 - O depoimento de cada testemunha foi conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente prova documental produzida para dar uma decisão à matéria de facto, imprescindível para a de mérito.
121 - Cada elemento de prova foi ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais.
122 - O depoimento de cada testemunha foi conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente prova documental produzida para dar uma decisão à matéria de facto, imprescindível para a de mérito.
123 - Como cada elemento de prova de livre apreciação não pode ser considerado de modo estanque e individualizado, tendo, depois, de proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada de todos os elementos probatórios, para que forme uma convicção coerente e segura, não podia o tribunal a quo deixar de manter a coerência que resultou da sua fundamentação, ou seja, o Tribunal a quo decidiu em oposição aos fundamentos constantes da douta sentença.
124 - Partindo destas cinco premissas:
f) A Autora formulou a causa de pedir na base da existência de danos concretos ocorridos no dia 24 de setembro de 2019;
g) Individualizou esses danos e quantificou-os.
h) Formulou um pedido certo.
i) Esse pedido é líquido.
j) Esses factos não ficaram provados e constavam dos temas da prova.
125 - Tendo por base a convicção do Tribunal de que “comprovadamente nesse hiato temporal existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no art.º 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018 e, assinala-se a sua semelhança/coincidência com os danos reclamados no art.º 32º da p.i da ação que deu entrada no Tribunal Administrativo.
126 - A prova que a Autora se propunha realizar não logrou alcançar.
127 - Impõe-se assim Decisão que revogue a douta sentença, proferindo-se Decisão de total improcedência da ação declarativa em análise, porque a douta sentença, não teve na devida consideração o disposto nos artigos 93º e 94º da Lei do Contrato de Seguro, os artigos 240º e ss, 251º, 334º, 341º e ss, 346º 432º e ss, 563º e 762º do Código Civil e os artigos 414º, 358º e ss, 609º nº 2 do Código de Processo Civil.
128 – Deverá a douta sentença ser sujeito a retificação conforme dispõe o 615º do Código de Processo civil.
129 – A sentença deve ser revogada, considerando o disposto no artigo 615º, 627º, 629º e 639º do Código de Processo Civil
130 – Deverá a Autora ser condenada como litigante de má fé conforme artigo 542º do Código de processo Civil.
Perante todo o supra exposto,
A ora apelante pugna pela revogação da Douta Sentença e a sua substituição por Decisão que, tendo em conta os factos provados, decida em conformidade com a fundamentação e as Conclusões descritas e faça a acostumada JUSTIÇA”
*
Apresentou a A. contra-alegações, tendo pugnado em primeiro lugar pela rejeição do recurso, em virtude de a recorrente não ter observado as exigências de sintetização impostas pelo nº 1 do artigo 639º do CPC, sendo as conclusões uma reprodução ainda que parcial, das alegações.
Em segundo lugar defendeu a recorrida não ter a recorrente fundamentado o pedido de condenação da A. com o litigante de má-fé.
Pedido que como tal deverá improceder.
Em terceiro lugar pugnou pela improcedência do invocado erro material da sentença, porquanto foi a apelada quem na sua resposta à contestação defendeu que o imóvel está seguro por um valor superior ao da sua reconstrução, ou seja, que in casu haveria sobresseguro e não subseguro como defende a Apelante na sua contestação.
Pelo que inexiste o erro material invocado pela recorrente.
Em quarto lugar alegou que a recorrente não indicou qual a redação que pretende seja dada ao ponto 27 dos factos provados, a implicar a rejeição da sua pretensão por não observância do disposto no artigo 640º do CPC.
O mesmo se passando quanto à alteração requerida sobre o teor da carta junta sob doc. 10 da contestação.
Pelo que deverão improceder as alterações pugnadas, com fundamento na violação do artigo 640º nº 1 do CPC.
No mais pugnou pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo em sede de direito.
***
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
***
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem as seguintes as questões a apreciar:
1) Se o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões - questão suscitada pela recorrida;
2) nulidade da sentença por contradição (vide conclusões 2, 106 e 123);
3) omissão e erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto – em causa o ponto 27 dos factos provados (em confronto com o facto provado nº 1) –vide conclusão 2; e o teor do texto do doc. 10 (vide conclusão 6). Nesta sede e previamente se apreciando a observância dos ónus de impugnação e especificação por parte da recorrente (questão suscitada pela recorrida).
4) erro na aplicação do direito.
Nesta sede se apreciando a também invocada questão do lapso da decisão recorrida (em causa a questão do subseguro e/ou sobresseguro).
***
III- Fundamentação
Foram julgados provados os seguintes factos:
“1º
Autora é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, com fins filantrópicos e de utilidade pública administrativa.

A Ré é uma entidade legalmente autorizada para a exploração do seguro.

A A. é proprietária de um imóvel, sito na Avenida ..., no Porto, inscrito na matriz sob o art. ... e na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº ....

O imóvel em questão, era objeto de um contrato de arrendamento com o Centro Hospitalar ..., até 30/09/2012, data em que o contrato de arrendamento cessou e o imóvel foi entregue à Autora.

A Autora sempre deteve seguro relativamente ao referido imóvel, sendo que, em abril de 2015, contratou com a Ré, através do mediador de Seguros, B... Unipessoal, Lda., um seguro denominado de multirriscos comerciante mercantil.

O referido contrato de seguro teve início no dia 01 de abril de 2015, pelo período técnico de um ano e seguintes.

O Local do Risco ficou determinado, por declaração do legal representante da Autora, Tomadora do Seguro, em Rua ... - ... Porto.

As coberturas de risco e capitais contratados para esse contrato de seguro, também, por declaração do legal representante da Autora, estão descritas no referido documento nº 5 (condições particulares).

Dessa Apólice faz parte integrante a Proposta de Seguro que lhe serviu de base e as Condições Gerais e Especiais a Proposta de Seguro.
10º
Da Proposta de Seguro datada de 27 de março de 2015 assinada pelo legal representante da Autora (documento nº 1), está descrito o seguinte:
a) Local e características do risco
a. Zona – Urbana
b. Tipo de Imóvel – Estabelecimento comercial
c. Estado de conservação – Bom
d. Atividade – Hospitais
e. Meios de segurança instalados contra intrusão – nenhuns
f. Discriminação dos bens a segurar – Edifício
g. Capital – 2.783.000,00 euros
11º
O legal representante da autora aceitou a seguinte declaração: “Declaro que as informações prestadas são exatas e verdadeiras e que tomei conhecimento das Condições Gerais e Especiais aplicáveis a este contrato e ter sido informado sobre as condições do seguro, nomeadamente, … quanto ao âmbito do risco”.
12º
A franquia a aplicar a este contrato de seguro é de 10% a deduzir a eventual indemnização que venha a ter lugar na vigência do contrato.
13º
Aquando da outorga do contrato de seguro em causa, o imóvel objeto do aludido contrato, foi inspecionado pelo Sr. AA, da B..., (Mediador de Seguros) que verificou em que estado se encontrava o mesmo.
14º
Em 24/09/2018, o imóvel da A. foi alvo de atos de vandalismo e furto, tendo sido apresentado, no dia 25/09/2018, o respetivo auto de notícia, junto das Autoridades Policiais, o que originou o Proc. nº 000960/18.5PPPRT.
15º
Perante os danos ocorridos no imóvel da sua propriedade, a A., em 26/9/2018, remeteu para seu mediador de Seguros, B..., a participação do sinistro ocorrido.
16º
A aqui Ré procedeu a uma série de diligências, nomeadamente a uma peritagem ao imóvel, levado a cabo pela empresa, C... Lda., por si designada, tendo solicitado diversa documentação à A., tendo aquela sempre respondido prontamente.
17º
Em 22/01/2019, a A. recebeu da Ré uma carta na qual declinava a sua responsabilidade decorrente do evento participado, por entender que não estavam reunidos os pressupostos do dever de indemnizar legal e contratualmente previstos.
18º
Na aludida missiva, a Ré declinava a sua responsabilidade com base nos seguintes fundamentos:
- Que o sinistro ocorrido não se enquadrava no âmbito da previsibilidade normativa dos arts. 1º, 44º, nº2 e 24, nº 1 do Dl 72/2008 de 16 de abril;
- Que aquando das declarações iniciais do risco, não foram declaradas com exatidão todas as circunstâncias conhecidas e que se teriam por relevantes;
- Que se a Ré conhecesse o risco não emitiria apólice;
19º
Ainda na mesma missiva, a Ré procede à resolução do contrato de seguro, com a devolução do prémio, desde a data do início do contrato até à data de 31/03/2019
20º
Perante tal decisão, a A., em 13/02/2019, enviou carta à Ré a reclamar de tal decisão, desde logo porque, aquando da celebração do contrato de seguro, repete-se, o edifício segurado foi inspecionado, pela empresa de mediação de seguros, pelo que refutava integralmente a violação da declaração inicial do risco.
21º
Mais referiu a Autora que o sinistro participado decorreu de atos de vandalismo e furto, levados a cabo no edifício segurado, por desconhecidos, e que nos termos das condições particulares, pontos nºs 2 e 3, estão incluídos tais atos, motivo pelo qual não se percebia igualmente a exclusão.
22º
Transmitiu ainda a A. que, à data da celebração do contrato, em abril de 2015, nada fazia prever que os atos participados viessem a ocorrer, pelo que no seu entendimento inexistia qualquer violação dos seus deveres.
23º
Por último, alegou ainda a Autora que também não entendia o facto da Ré invocar que o sinistro participado não se enquadrava no âmbito dos arts. 1º, 44º, nº 2 e 24º, nº 1 do mencionado Decreto –lei, quando desses artigos resulta a regra basilar da responsabilidade civil das Seguradoras, que é a de responderem pelo risco, ou, como refere o art. 1º do citado DL “de se obrigarem a cobrir um risco determinado do tomador de seguro, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato”.
24º
À carta/reclamação da A. veio a Ré responder, em 19/03/2019, na qual informava de que mantinha na íntegra os fundamentos que serviram de base à exclusão da sua responsabilidade.
25º
A Autora, não obstante, ter sido notificada em 30/01/2019, para proceder ao levantamento do recibo do estorno no seu mediador de seguros, não o fez.
26º
A A., nos termos da apólice contratada, assegurou bens/edifício no valor de € 2.783.000,00.
27º
Em virtude do sinistro, a A. sofreu no imóvel segurado os diversos danos.
- Danos em vários tipos de teto e paredes de onde se furtaram tubos de
28º
A autora identificou e quantificou à empresa “C... Lda.”, a seu pedido, danos que foram objeto de peritagem pela mesma.
29º
A estimativa do montante total dos danos apresentada pela Autora ascendeu ao valor global de € 344.892,00.
30º
Do valor total referido no número anterior, € 57.320,00 corresponde a danos derivados dos atos de vandalismos perpetrados no imóvel da Autora e o remanescente, € 287.572,00, a danos de furto.
31º
Corre termos desde 2014, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (processo nº 2356/14.9BEPRT) Unidade Orgânica 2 uma Ação Administrativa Comum contra o CENTRO HOSPITALAR ..., E.P.E. e contra o ESTADO PORTUGUES, onde a Autora reclama um valor superior a 25 milhões de euros.
32º
No Relatório e Contas do ano 2013 existe a informação desta ação contra o Centro Hospitalar ... e contra o Estado Português, a qual abrange não só os prejuízos decorrentes, como também, em consequência do estado de vandalismo em que o imóvel foi devolvido.
33º
A autora apresentou na policia:
Participação efetuada em 17 de outubro de 2017 – NUIPC 000284/18.8PPPRT;
Participação efetuada em 21 de fevereiro de 2018 – NUIPC 000204/18.0PPPRT;
Participação efetuada em 24 de setembro de 2018 – NUIPC;
Participação efetuada em 02 de outubro de 2018 – NUIPC 000982/18.6PPPRT;”

O tribunal julgou ainda não provada a seguinte factualidade:
“Factos não provados:
Não se provaram mais factos alegados com interesse para a boa decisão da causa, nomeadamente que:
1 Do evento ocorrido 24/09/2018, a A. sofreu no imóvel segurado os seguintes danos:
- Danos em vários tipos de teto e paredes de onde se furtaram tubos de cobre e cabos elétricos;
- Danos em diversos tipos de portas, das quais se furtaram fechaduras, dobradiças e acessórios em aço inoxidável;
- Danos em equipamentos sanitários de onde se furtaram diversos tipos de torneiras, sifões e pertences em aço inoxidável;
- Furto de termoacumuladores elétricos em cobre, tubagens em cobre e aço inoxidável, bancas e bancadas em aço inoxidável;
2.
Foi omitido à ora contestante - na data em que foi feito o seguro - que o imóvel era um imóvel desabitado.
3. Durante o tempo em que o referido seguro nunca o Segurado (Autora) informou que o imóvel se encontra desabitado.
4. Foram dadas a conhecer e enviadas à A. as condições gerais e especiais da apólice.”
*
***
Conhecendo.
1) Em função das questões acima enunciadas e por em relação ao conhecimento das demais se apresentar como prejudicial, será apreciada em primeiro lugar a invocada inexistência de conclusões.
Tal como resulta do alegado, esta inexistência funda-se no facto de a recorrente, em violação do poder de síntese que lhe é imposto pelo artigo 639º nº 1 do CPC, se ter limitado a uma reprodução, ainda que parcial, do corpo alegatório no segmento denominado de “Conclusões”.
Como é sabido, esta é questão que tem dividido a jurisprudência, nomeadamente e com mais expressão, quando em causa está a reprodução ipsis verbis do corpo alegatório.
Para os que seguem uma interpretação mais restritiva, é defendido que a reprodução “ipsis verbis” nas conclusões do corpo alegatório, não respeita o dever de apresentar conclusões entendidas estas como uma síntese do alegado no corpo alegatório.
Com a consequente rejeição imediata do recurso, por violação do disposto no artigo 639º do CPC nº 1 e de acordo com a sanção prevista no artigo 641º nº 2 al. b) do mesmo CPC - entendimento em que a recorrida sustentou a sua argumentação.
Uma outra corrente, maioritariamente seguida pelo nosso tribunal superior, defende que no caso em que as conclusões violam o dever de síntese, mesmo quando consubstanciam uma reprodução “ipsis verbis” do corpo alegatório, justificarão as mesmas em última análise o convite ao seu aperfeiçoamento nos termos do artigo 639º, nº 3 do CPC. Já que formal e objetivamente as mesmas existem, ainda que violando a exigida e pressuposta síntese da argumentação aduzida, com vista a de forma clara e inteligível identificarem as questões colocadas ao tribunal[1].
Concordando com esta última corrente a que aderimos e entendendo que as conclusões aduzidas no presente recurso, ainda que manifestamente pecando pela ausência de síntese, se apresentam claras e inteligíveis, de tal modo que a recorrida nas suas contra-alegações às mesmas respondeu, sem denotar qualquer dificuldade na perceção das questões colocadas à apreciação deste tribunal, entende-se não só observado o dever de apresentar conclusões, como desnecessário o convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas.
Termos em que improcede a, pela recorrida, pugnada rejeição do recurso por alegada inexistência de conclusões.
2) Cumpre em segundo lugar apreciar se ocorre nulidade da decisão recorrida, por contradição entre os factos provados (vide conclusão 2), ou por contradição entre os factos provados e a decisão ou fundamentação (vide conclusões 106 e 123).
As causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC[2], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[3], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[4].
A contradição, fundamento da nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. c) do CPC, pressupõe uma construção viciosa da sentença, na medida em que a argumentação aduzida pelo juiz como fundamento da sua decisão conduziria a um sentido diverso do proferido. Evidenciando como tal um vício de raciocínio.
Sendo a decisão o resultado de um raciocínio lógico, expositivo e argumentativo que da mesma é pressuposto, são os fundamentos da mesma as premissas lógicas necessárias daquela. Entre ambas naturalmente impõe-se a coerência e clareza. E quando assim não ocorra, verifica-se o vício da oposição ou contradição como a recorrente invocou e/ou obscuridade, sancionado com a nulidade ora em análise.
Não se confunde a contradição entre os fundamentos e a decisão geradora de nulidade com a contradição entre factos provados e não provados, ou quando à decisão de facto se imputa a omissão quanto a factos essenciais à decisão da causa, ou ainda quando à motivação da decisão de facto se imputa vício por erro de julgamento.
Nestas hipóteses, o que está em causa é um vício da decisão de facto a ser corrigido nos termos do artigo 662º do CPC (tal como supra já referido).
Tão pouco se confunde a contradição da decisão em análise com a errada subsunção dos factos ao direito, porquanto então estará em causa o erro de julgamento e não a nulidade de sentença[5].
Tendo presentes estes considerandos, cumpre analisar perante as contradições alegadas pela recorrente, se a decisão recorrida padece de tal vício, que se entende a recorrente invocou, ainda que de forma velada.

Da alegação da recorrente resulta ter a mesma invocado a existência de contradição da decisão por no seu entender o facto provado 27 e o não provado 1, serem entre si contraditórios (vide conclusão 2).
Como já referido, a contradição entre factos provados e não provados respeita a vício da decisão de facto a ser corrigido nos termos do artigo 662º do CPC, quando verificado – sobre o que nos pronunciaremos infra.
Não configurando nulidade da decisão.
Na conclusão 106º, resulta ainda a alegação da recorrente de que a sentença padece de contradição entre a decisão e o suporte da convicção do tribunal (em causa, portanto, a fundamentação aduzida pelo tribunal a quo para justificação da sua decisão).
O que fundamenta na impossibilidade de se poder dizer que os danos enumerados em 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018 no imóvel da recorrida, atendendo ao hiato temporal decorrido entre a apresentação do relatório pelos Srs. Engenheiros encarregados de elaborar o relatório sobre o sinistro participado e o relatório elaborado aquando da devolução do imóvel à A. em 2012. Período durante o qual comprovadamente ocorreram outros atos de furto e vandalismo.
Do alegado resulta estar em causa um imputado erro de julgamento na decisão de facto, perante a argumentação aduzida pela recorrente.
Erro de julgamento a ser corrigido quando verificado e validamente arguido nos termos do artigo 662º do CPC.
Assim tão pouco configura o assim alegado uma qualquer nulidade da decisão recorrida.
Finalmente e na conclusão 123º, afirma a recorrente que o tribunal tem de manter a coerência na análise da prova produzida, tendo decidido o tribunal em oposição aos fundamentos constantes da fundamentação.
O assim alegado vem na sequência da argumentação aduzida pela recorrente contra a decisão de relegar para incidente de liquidação os danos concretos causados pelo sinistro.
O mesmo é dizer que neste ponto, o que está em causa é um imputado erro na subsunção jurídica dos factos ao direito. Um erro de julgamento, a ser aferido na apreciação do mérito da decisão. Não configurando, uma vez mais, nulidade da decisão proferida nos termos e para efeitos do artigo 615º do CPC.
Termos em que se julga não verificada a nulidade da decisão por contradição.

3) Em terceiro lugar cumpre apreciar se a decisão de facto padece de omissão e erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto – em causa o ponto 27 dos factos provados (em confronto com o facto provado nº 1) –vide conclusão 2; e o teor do texto do doc. 10 (vide conclusão 6).
Nesta sede e previamente se apreciando a observância dos ónus de impugnação e especificação por parte da recorrente (questão suscitada pela recorrida).
*
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC.
Conforme já supra referido têm as conclusões como finalidade delimitar o objeto do recurso, pelo que é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Tendo presentes estes considerandos e analisadas as conclusões da recorrente é possível extrair das mesmas que esta se insurge contra a decisão de facto no que respeita ao facto provado 27.
Sem que na verdade tenha observado os ónus impugnatórios sobre si incidentes para reapreciação da prova em respeito pelo exigido pelo artigo 640º do CPC.
E nesta perspetiva, enquanto reapreciação de erro de julgamento, estaria inviabilizada a reapreciação deste ponto factual.
Ocorre que a recorrente acentuou quanto a este ponto factual estar o mesmo em contradição com o constante do ponto 1 dos factos não provados.
E o vício da contradição é inclusive de conhecimento oficioso - vide artigo 662º nº c) do CPC.
Alegou a recorrente concretamente sobre este ponto 27 (vide corpo alegatório) que o mesmo “está incompleto (?), não se entende a sua extensão (!) e está objetivamente em contradição com o facto não provado nº 1, com a convicção e fundamentação da douta sentença”.
E conclui, se o tribunal a quo julgou não provado o que consta em 1 dos factos não provados porquanto e tal como consta da fundamentação da decisão recorrida “Conforme anteriormente explanado, o tribunal não conseguiu determinar que atos de vandalismo concretos e que objetos específicos resultaram da intrusão de desconhecidos nas instalações da autora em 24/09/2018” , então “parece não haver dúvidas que o facto nº 27 da matéria de facto provada é um erro, eventualmente de escrita, ou de falta de atenção que importa também ser corrigido.”
Do alegado resulta claro imputar a recorrente a este ponto factual o vício da contradição, por incompatível com o julgado não provado em 1 dos factos não provados.
Incompatibilidade objetiva que mais atribui a erro ou falta de atenção.
Analisado o teor deste ponto factual, resulta para nós evidente estar em causa um efetivo lapso ou falta de atenção.
Basta para tanto atentar em que no facto não provado 1, o tribunal a quo julgou não provado que do evento ocorrido no dia 24/09/2018 resultaram para o imóvel da autora os concretos danos elencados em tal ponto factual que aqui se reproduz:
“1 Do evento ocorrido 24/09/2018, a A. sofreu no imóvel segurado os seguintes danos:
- Danos em vários tipos de teto e paredes de onde se furtaram tubos de cobre e cabos elétricos;
- Danos em diversos tipos de portas, das quais se furtaram fechaduras, dobradiças e acessórios em aço inoxidável;
- Danos em equipamentos sanitários de onde se furtaram diversos tipos de torneiras, sifões e pertences em aço inoxidável;
- Furto de termoacumuladores elétricos em cobre, tubagens em cobre e aço inoxidável, bancas e bancadas em aço inoxidável;”
Por sua vez, no ponto 27 dos factos provados julgou o tribunal a quo provado que “27º Em virtude do sinistro, a A. sofreu no imóvel segurado os diversos danos.
- Danos em vários tipos de teto e paredes de onde se furtaram tubos de”
Realça-se de um lado a redação incompleta desta 2ª linha do ponto 27.
De outro, a exata correspondência entre o teor desta linha e o teor de parte da terceira linha do ponto 1 dos factos não provados.
Acresce, quando analisada a fundamentação da decisão facto, que o tribunal quanto aos demais factos provados e não provados [ie, para além dos que previamente e no 1º parágrafo elencara como provados com base em documentação e não impugnação], declarou ter assentado a sua convicção:
“na análise crítica e conjugada da globalidade da prova produzida nos autos, designadamente na análise dos documentos juntos ao processo, em conjugação com o depoimento das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, devidamente conjugados entre si, nomeadamente:
(...)
Por outro lado, atendendo a que a descrição dos danos emergentes do evento ocorrido no dia 24 de Setembro de 2018, resultou do confronto entre a situação constatada pelos senhores Engenheiros encarregados pela Ré de elaborarem um relatório sobre o sinistro participado e o relatório elaborado aquando da devolução do Hospital ... pelo estado à autora em 2012, e comprovadamente nesse hiato temporal existiram outros atos de furto e de vandalismo, não se pode dizer que os danos enumerados pela autora no artº 20º da p.i. resultaram da intrusão de desconhecidos ocorrida no dia 24/09/2018.
Assinala-se a sua semelhança/coincidência com os danos reclamados no artº 32º da p.i da ação que deu entrada no Tribunal Administrativo.
(...)”
Ou seja na fundamentação de facto expressa-se a impossibilidade de formar a convicção quanto aos concretos danos alegados em 20º da p.i.
Artigo 20º da p.i. de onde foi extraído o constante em 1 dos factos não provados, incluindo o primeiro segmento que igualmente consta provado em 27º dos factos provados.
Da análise da fundamentação de facto, no confronto com a redação de estes dois pontos factuais contraditórios, impõe-se eliminar dos factos provados o ponto 27º, porquanto o mesmo notoriamente aqui foi introduzido por lapso. Tal como a recorrente o alega.
Decide-se assim eliminar este ponto factual 27º dos factos provados.
Assinala-se que esta eliminação decorre da contradição que estes dois pontos factuais em si encerram, associada à própria fundamentação da decisão de facto que evidencia este lapso.
Já não da contradição, que não existe, entre julgar-se não provados os concretos danos alegados no artigo 20º da p.i. e reportados ao facto não provado 1, e o julgado provado em 14º dos factos provados e que não vem impugnado, de que efetivamente o imóvel da A. foi alvo a 24/09/2018 de atos de vandalismo e furto.
Tendo sido precisamente com base neste facto provado 14º que em sede de subsunção jurídica do direito aos factos e a propósito da análise dos alegados danos sofridos pela autora, o tribunal afirmou:
“A autora logrou demostrar que se verificou o sinistro, concretizado em atos de vandalismo e furto de bens, levados a cabo por desconhecidos no imóvel da A., e cujo risco estava contratado, pelo que existirá obrigação da R. de indemnizar o seu segurado por esses danos, ainda que tenham ocorridos sinistros anteriores (eventos pontuais e isolados).
Coloca-se por fim a questão da quantificação dos danos resultantes do sinistro participado à seguradora.
A autora não logrou demonstrar que do evento ocorrido em 24/09/2018 resultaram concretamente”: (reproduzindo o facto não provado 1).
“Conforme anteriormente explanado, o tribunal não conseguiu determinar que atos de vandalismo concretos e que objetos específicos resultaram da intrusão de desconhecidos nas instalações da autora em 24/09/2018.
Trata-se aqui da questão de saber qual o campo de aplicação do disposto no artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil.”
Questão dos danos que a recorrente incluiu no objeto do recurso, mas de que cumpre apreciar em sede de subsunção jurídica.

Como segunda questão, pugnou a recorrente pela introdução nos factos provados do teor da missiva enviada por si à A. e junta como doc. 10 com a p.i. – e não com a contestação, como por lapso refere a recorrente (vide artigos 12 e 19 da contestação que remetem para o doc. 10 junto aos autos com a p.i.).
Nomeadamente o segmento relativo ao agravamento de risco.
A missiva em causa foi aludida no ponto 17 dos factos provados, e reproduzida – em parte - nos pontos 18 e 19 dos factos provados.
Pontos factuais que a recorrente identifica no corpo alegatório.
Tendo na conclusão 6 pugnado pela introdução do texto dessa mesma comunicação.
Na medida em que está em causa missiva já parcialmente reproduzida e sobre a qual não existe litígio quanto ao seu teor, entende-se ser de aditar ao ponto 18º dos factos provados que à mesma respeita ainda o seguinte segmento, por clareza do teor da mesma:
- “subsidiariamente e sem prejuízo do exposto, mais comunicou a R.
. agravamento do risco no caso de plena eficácia da Apólice: não foi cumprido o dever de informação atempado tendo em conta a sequência das ocorrências, constante do artigo 93º nº 1 (...)
Não tendo o tomador procedido em conformidade, o contrato de seguro terá de ser resolvido nos termos do artigo 83º nº 2 al. b) e 116º da LCS ex vi artigos 432º a 434º do CC.
(cfr. doc. 110 junto com a p.i. cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”.
*
Nestes termos julga-se procedente a pugnada alteração da decisão de facto.
*
Do direito.
IV- Do erro na aplicação do direito.
Analisemos agora a censura apontada pela recorrente à subsunção jurídica.
A apelante aceita a validade do contrato de seguro celebrado, como expressamente o declara.
E não questiona estar em causa um contrato de adesão às condições do contrato previamente elaboradas na sua quase totalidade, nomeadamente no que concerne às cláusulas contratuais gerais e especiais, como tal lhe sendo aplicáveis as normas do regime das cláusulas contratuais gerais (ccg) regulado pelo DL 446/85.
Cláusulas que a A. alegou lhe não terem sido comunicadas nem enviadas.
A seguradora ora recorrente não logrou provar que foram observados por si os deveres de comunicação e informação em relação a tais cláusulas contratuais gerais e especiais (vide facto não provado 4 que não vem impugnado).
O ónus da prova da sua regular comunicação recaía sobre a recorrente (vide artigo 5º nº 3 do regime das ccg). E não demonstrada tal comunicação a consequência é a da exclusão dessas mesmas cláusulas do contrato celebrado com a autora (vide artigo 8º al. a) do mesmo diploma legal).
A declaração de conhecimento destas cláusulas constante da proposta de seguro (vide fp 11º), mesmo que valesse como princípio de prova do conhecimento e comunicação declarado, in casu não ficou demonstrado, como já referido, sem que venha questionado o assim decidido em sede de decisão de facto[6].
Princípio de prova que de qualquer modo se entende não ser de considerar, sob pena de permitir uma inversão quanto ao ónus de prova que recai sobre aquele que faz uso destas cláusulas.
Reitera-se, portanto, o nosso acordo à decidida exclusão das cláusulas contratuais gerais e especiais decidida pelo tribunal a quo.
Com a consequência de ser aferida a pretensão da recorrente em ver excluída a sua obrigação de indemnizar ao abrigo das normas legais supletivas (vide artigo 9º do DL 446/85). Assim recorrendo, tal como o tribunal a quo o decidiu, nomeadamente ao previsto na Lei do Contrato de Seguro (LCS).
A recorrente pretende ver-se excluída da obrigação de indemnizar o sinistro alegando a violação do dever da A. em comunicar a ocorrência de factos durante a execução do contrato que determinaram, a seu ver, o agravamento do risco seguro.
Agravamento que lhe impossibilitou tomar a decisão de resolver o contrato, nos termos do artigo 93º nº 2 al. b) da LCS (vide conclusão 31).
Resolução que entende seria legítima porquanto se tivesse tomado conhecimento das anteriores ocorrências policiais de furto, roubo e atos de vandalismo, tal teria impacto absoluto na existência e manutenção das condições iniciais do contrato de seguro.
Resolução que igualmente convoca ser legítima, por tal falta de informação ter os mesmos efeitos da declaração inicial de risco, com a consequente resolução contratual nos termos dos artigos 116º e 117º da LCS.
Resolução que, mais alega, teria lugar ao abrigo do previsto no artigo 94º da LCS.
Para além de o contrato se ter mantido com base em erro vício, mormente erro sobre o objeto do negócio o que lhe facultaria a anulação do contrato pelo vício do desconhecimento quanto ao agravamento do risco.
Como resulta do confronto entre os artigos 93º e 94º da LCS e o circunstancialismo apurado e convocado nos autos, está excluída a aplicação do previsto no artigo 93º da LCS, pois o circunstancialismo que a recorrente invoca como integrador do agravamento do risco só foi por si conhecido após a ocorrência do sinistro participado pela autora e nos autos em causa. Pelo que é aplicável não o regime previsto no artigo 93º, mas antes no 94º da LCS[7].
Do regime do artigo 94º está diretamente excluída a hipótese prevista na al. c) de recusa da cobertura, pois não foi provado nem alegado sequer a existência de dolo por parte da segurada.
De igual forma está excluída a hipótese de recusa do pagamento ao abrigo das situações previstas nas als. a) e b) do nº 1, por via do nº 2 deste artigo 94º porquanto não está provado que em caso algum a seguradora celebraria o contrato que cobrisse riscos com as caraterísticas resultantes do alegado agravamento de risco.
Ainda, desde já se declara, está afastada a aplicação das regras relativas à declaração inicial de risco, por existirem normas específicas para a situação que se discute.
Por outro lado, a convocação das normas dos artigos 116º e seguintes não relevam para o caso, já que resulta de forma clara do artigo 117º que a resolução após o sinistro, fundada numa prévia sucessão de sinistros, não tem eficácia retroativa (vide nº 4 do artigo 117º).
Pelo que nunca a aplicação destes normativos legitimaria a pretensão da recorrente em ver-se excluída da obrigação de indemnizar que aqui se aprecia.
Igualmente sendo de afastar a argumentação de erro vício sobre o objeto do negócio e possibilidade de anulação do contrato pelo vício do desconhecimento quanto ao agravamento do risco. Na medida em que se trata de questão nova – a de anulação do contrato – que não foi submetida à discussão das partes.

Resta, portanto, a análise das situações previstas no artigo 94º als. a) e b) da LCS.
Na medida em que não ocorreu comunicação de agravamento de risco, estará em causa apenas a al. b) do mesmo nº 1 do artigo 94º.
Al. b) do nº 1 do artigo 94º que prevê para a situação em que o agravamento não foi correta e tempestivamente comunicado antes do sinistro, a hipótese de cobertura parcial do risco, mediante a redução da prestação da seguradora na proporção entre o prémio efetivamente cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco.
Ora, à seguradora incumbiria ter alegado e provado qual seria a proporção resultante do agravamento do risco que legitimaria a correspondente redução da sua prestação nos termos deste artigo. Por comparação entre o prémio cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco (agravado).
Nada a recorrente alegou nesse sentido e como tal nada provou.
A afastar também por esta via a aplicação da redução da prestação.
Redução da prestação que, como aliás toda a demais defesa aduzida pela recorrente, implicava a demonstração por parte da seguradora do efetivo agravamento do risco.
Com efeito, recai sobre a seguradora que invoca a ocorrência de situação de agravamento de risco com base no qual pretende ver-se exonerada da obrigação de indemnizar o segurado que participou a ocorrência de sinistro, o ónus da prova da factualidade que integra esse agravamento, bem como as consequências que do mesmo derivariam quer para a decisão de contratar, quer para o agravamento do prémio.
Sobre o que deve ser entendido como agravamento do risco relevante, e porquanto a argumentação aduzida, com a qual concordamos, tem integral aplicação ao caso, decidiu-se no Ac. STJ de 19/03/2019, nº de processo 1680/12.0TBGDM.P1.S1 in www.dgsi.pt
“5. O agravamento do risco (possibilidade de um evento futuro e danoso incertus an, incertus quando, incertus quanto) consiste no aumento da probabilidade de verificação do evento – ou da intensificação das suas consequências potenciais - compreendido no risco coberto pelo contrato relativamente ao cálculo probabilístico efetuado em sede da sua estipulação. Encontra-se, pois, disciplinado nos arts. 93.º e ss do RJCS.
6. Esse agravamento do risco deve apresentar determinadas características para ser suscetível de produzir efeitos sobre o contrato de seguro. Desde logo, deve ser posterior à celebração do contrato, assim como imprevisto ou imprevisível. Depois, deve derivar de um facto extrínseco e novo relativamente à situação de risco, porquanto não pode falar-se de agravamento quando o facto que o provoca se integra na evolução normal do estado de coisas existente ao tempo da celebração do contrato. Deve, também, apresentar uma certa estabilidade ou durabilidade, pois há-de tornar-se naturalisticamente idóneo a constituir um novo processo de risco, sendo, em geral, adequado a propiciar a ocorrência do sinistro, pois só assim se perturba a correspondência entre o risco suportado e o prémio cobrado pelo segurador(...). O agravamento tem de ser efetivo, devendo assim tratar-se de um risco efetivamente variado ou alterado entre o momento da celebração do contrato e um momento subsequente, apurado através de uma avaliação global do risco. Por último, deve ser relevante, deve ser suscetível de influir no cálculo do prémio, na medida em que se o segurador o tivesse conhecido ao tempo da celebração do contrato teria estipulado condições diversas ou não teria concluído o contrato. Pode dizer-se que o agravamento do risco se afigura relevante quando o novo estado de coisas incide indiferentemente sobre a gravidade ou a intensidade do risco. Está em causa o aumento da probabilidade de ocorrência do sinistro ou o agravamento das suas consequências potenciais. Existe, por isso, agravamento do risco quando aumenta a probabilidade do dano ou quando intensifica a potencialidade danosa do sinistro, apesar de a probabilidade de verificação do sinistro se manter invariável. A determinação da relevância do agravamento é feita com base em escolhas que o segurador teria feito em casos similares. Tratando-se de juízos valorativos de tipo subjetivo, serão sempre, necessariamente, balizados, inter alia, pelo princípio da boa fé (arts. 762.º e 334.º do Cód Civil).
Deve ser, portanto, um agravamento de risco suficientemente significativo para consentir a modificação ou a resolução do contrato e para que a falta da respetiva comunicação implique a perda da contraprestação, pelo segurado, perante um sinistro entretanto ocorrido. Trata-se, em grande medida, de tutelar o sinalagma contratual, protegendo também a confiança de um contraente leal na garantia seguradora (art. 94.º do RJCS). O art. 93.º, n.º 1, consagra o assim denominado critério da essencialidade, de acordo com o qual relevam todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, se fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato. (...) Importa, pois, apurar se a qualidade das circunstâncias do risco se alterou de modo tão essencial e relevante que não se pode já partir do pressuposto de que o pretenso agravamento seria coberto sem custos. Trata-se de apreciar não apenas a relevância da circunstância alterada, mas também a relevância da sua alteração (...).
Deve, para o efeito em vista, determinar-se se a prestação acordada é ainda exigível ao segurador nos termos acordados (se, perante as conceções dominantes no ramo segurador em causa, em atenção a uma técnica seguradora adequada e razoável, estas circunstâncias seriam adequadas, se existissem ao tempo da conclusão do contrato, a que o segurador recusasse a celebrá-lo ou a que apenas o fizesse mediante um prémio mais elevado). Há também que impedir que a modificação ou a resolução do contrato, pelo segurador, ponham em causa a finalidade que inerva e confere sentido ao contrato de seguro.
Afigura-se relevante, nesta sede, a prática de tarifação do segurador concretamente considerado, e não a técnica razoável para o ramo segurador em causa. Contudo, este critério tem os limites objetivos impostos pela boa fé e pelo fim prático-económico do contrato. Pode, deste modo, dizer-se que se deve partir das práticas adotadas pelo concreto segurador, desde que estas se mostrem razoáveis perante as expectativas legítimas de cobertura do risco em causa(...).
7. No caso de o sinistro ocorrer antes da alteração ou da cessação do contrato, fundadas no agravamento do risco, o segurador, via de regra, apenas pode recusar parcialmente a respetiva liquidação se o tomador ou o segurado não tiverem cumprido correta e tempestivamente o respetivo dever de comunicação sobre as novas circunstâncias agravantes, de um lado e, de outro, recusar, na sua totalidade, o correspondente pagamento do quantum indemnizatório na hipótese de comportamento doloso ou fraudulento dos mesmos (art. 94.º, n.º 1, als. b) e c), do RJCS).”
Realça-se a necessidade de ser provado pela seguradora, a quem aproveitava tal circunstancialismo, a efetiva ocorrência de uma alteração do estado das coisas, significativa e que implica ou intensifica a probabilidade de ocorrência do sinistro ou agravamento das consequências potenciais. E que como tal influiriam na decisão de contratar, ou das condições de contratar.
Estando em causa a tutela do sinalagma contratual, protegendo também a confiança do contraente fiel, ou seja, da seguradora in casu.
Ora o que se provou foi que o imóvel objeto do seguro sofrera, previamente à participação mencionada em 15 dos factos provados, outras ocorrências que deram lugar às participações mencionadas em 33º dos factos provados.
Estando em causa ocorrências que legitimariam participações de sinistro daqui derivaria quando muito para a recorrente o direito a resolver o contrato pela ocorrência de sucessão de sinistros nos termos do artigo 116º.
Mas não evidenciam o agravamento do risco.
Este resultaria a nosso ver e por exemplo da alteração das condições de segurança do edifício. Mas estas não estão provadas.
Em suma, entende-se que igualmente por esta via sempre improcederia a pretensão da recorrente em ver excluída a sua obrigação de indemnizar a autora, porquanto não resulta dos factos provados a ocorrência de situação relevante e significativa de agravamento do risco.

Afastado este argumento, colocou ainda a recorrente à nossa apreciação duas questões.
De um lado a litigância de má-fé da recorrida, por pretender ver-se ressarcida de danos ocorridos no imóvel entre 2012 e 2018, fazendo crer que todos os danos reclamados ocorreram em 24/09/2018.
De outro a inexistência de factos que permitam relegar para incidente de liquidação o apuramento dos danos concretos sofridos pela autora com o sinistro participado.
Analisemos a questão da litigância de má-fé.
Preceitua o artigo 542º, nº 1, do CPC:
“1. Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) tiver alterado a verdade dos factos ou tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”
A argumentação da recorrente reconduz-nos para o previsto nas als. a) e b) do n 2.
Infere-se deste preceito legal que o mesmo visa sancionar aqueles que – e para o que ora releva - de forma censurável, com dolo ou negligência grave, deduzem pretensão cuja falta de fundamento não devem ignorar ou alteram a verdade dos factos. Por relacionada esta atuação com o mérito da causa, sendo considerado que estas duas alíneas se reportam à má-fé substancial.
Pressuposto desta condenação é que os autos evidenciem de forma notória e clara tal atuação censurável, imputável à parte a título de dolo ou negligência grave.
Quanto a este elemento subjetivo a lei adjetiva acolhe “a máxima culpa lata dolo aequiparatur, considerando litigância de má-fé não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, consagrando, deste modo, uma noção ética de boa-fé subjetiva[16], considerando de má-fé não apenas aquele que conhece o erro em que incorre, mas também aquele que o desconhece por não ter cumprido com os deveres de cuidado que lhe eram impostos. Todavia, esta eticização da má-fé processual não se afigura total, na medida em que se não compadece com qualquer desrespeito por esses deveres de cuidado, independentemente do grau de culpa. Pelo contrário, apenas estaremos perante má-fé processual quando se tenham desrespeitado os mais elementares deveres de cuidado e de prudência, atuando de forma gravemente negligente, isto é, com culpa grave.”[8]
A conduta processual da A. tem de ser aferida em primeiro lugar por referência à pretensão que deduziu e factualidade que para a justificar alegou.
Em segundo lugar pela prova que venha a ser produzida demonstrativa de que tal realidade não corresponde à verdade e que de tal a parte tinha conhecimento ou que violou os mais elementares deveres de cuidado e prudência na alegação desses mesmos factos, sem previamente se certificar da veracidade dos mesmos.
Do facto de a recorrente não ter provado, na integra, a sua versão dos factos, não deriva necessariamente que o por si alegado o foi com pleno conhecimento da sua falta de razão ou que violou os tais deveres de cuidado que lhe eram impostos antes de deduzir pretensão contra a aqui R..
E da factualidade provada nada indicia ser a conduta da A. passível de um juízo de censura a título doloso ou violador das mais elementares regras de prudência e cuidado por alegar factualidade que sabia não corresponder à verdade e/ou deduzir pretensão cuja falta de fundamento sabia ou não podia ignorar ser destituída de fundamento.
A pendência da ação referida em 31º é necessariamente referente a factos anteriores à data da sua instauração (2014). E nada demonstra que ali estejam incluídos os danos que a A. alegou ter sofrido em 2018. O mesmo se dizendo das participações mencionadas em 33º. Não está demonstrado que o alegado e peticionado nestes autos inclui danos referentes a essas outras participações policiais.
Termos em que se tem de concluir pela improcedência da pretensão de condenação da A. como litigante de má-fé.

Resta apreciar a questão do decidido relegar para incidente de liquidação.
Nos termos do artigo 609º nº 2 do CPC,
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”
Na jurisprudência a questão da liquidação ulterior dos danos tem merecido discussão, desenhando-se essencialmente duas correntes, como de tal dá nota o Ac. STJ de 21/03/2019, nº de processo 4966/177.3T8LSB.L1.S1 in www.dgsi.pt.
“Na jurisprudência, a questão da liquidação ulterior declarada na sentença tem sido objeto, sobretudo, de duas posições diferenciadas, uma restrita e outra lata.
A posição restrita, perfilhada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de janeiro de 1995 (BMJ n.º 443, pág. 395), admitindo a liquidação ulterior quando ainda não é possível, no momento da sentença, conhecer todos os factos necessários para tal efeito, e excluindo-a se os factos já tiverem ocorrido, designadamente quando não tiverem sido provados.
A posição lata, seguida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de janeiro de 1998 (BMJ n.º 473, pág. 445), aceita a liquidação ulterior nos casos em que o dano já ocorreu, mas não se consegue obter a sua quantificação.
Esta corrente, que se apresenta como maioritária, apoia-se especialmente numa razão de justiça, a prevalecer sobre a fixação por equidade.
Na verdade, sendo possível obter o valor do dano de modo mais justo, tal é preferível do que arbitrá-lo segundo o critério da equidade, especificado no art. 566.º, n.º 3, do CC, dada uma certa aleatoriedade e delicadeza na fixação do dano por equidade.
A opção, contudo, dependerá das circunstâncias do caso, tendo em consideração as possibilidades da prova a realizar no âmbito da liquidação. Apresentando-se essa prova como improvável, deve desde logo, na sentença, fixar-se o valor do dano com recurso à equidade, evitando a demora excessiva e inútil (ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, VOL. I, 2018, pág. 729)”.
In casu está provado que o imóvel da autora foi efetivamente alvo de atos de vandalismo e furto em 24/09/2018.
O que demonstra a existência de danos (decorrentes de tal vandalismo e furto).
Não se tendo apurado em concreto o valor do dano, justifica-se por razões de justiça, relegar para incidente de liquidação o seu apuramento.
Tal como decidido pelo tribunal a quo.
Decisão que assim não merece censura.
Por último de referir que não assiste razão à recorrente na questão do subseguro ou sobresseguro.
Na medida em que a recorrente alegou na sua contestação estar verificada uma situação de subseguro. A que a recorrida contrapôs, no articulado de resposta existir antes uma situação de sobresseguro.
Inexiste, portanto, lapso na decisão recorrida ao mencionar a questão do sobresseguro. O que aqui e nestes termos se declara. Sem prejuízo de esta ser questão substantiva que em concreto não está em causa neste recurso.
Improcede nestes termos o último fundamento do recurso interposto pela R. recorrente.
***
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela R. “A... Companhia de Seguros, S.A.”.
Custas pela R./recorrente.

Porto, 2023-09-25.
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
________________
[1] Seguindo esta orientação e reiterando outras decisões deste mesmo tribunal, vide Ac. STJ de 13/07/2022, nº de processo 17909/17.5T8PRT-A.P2.S1 in www.dgsi.pt
[2] Preceitua o artigo 615º nº 1 do CPC
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
[3] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, nº de processo 7095/10.7TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt
[4] Vide Ac. STJ de 30/05/2013, nº de processo 660/1999.P1.S1, in www.dgsi.pt sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) vus erro de julgamento.
[5] Cfr. os Acs. citados nas notas 3 e 4.
[6] Cfr. Ac. TRL de 28/01/2021, nº de processo 26321/17.5T8LSB.L1-2 in www.dgsi.pt onde foi analisada esta temática e doutrina e jurisprudência no mesmo citada. Defendendo-se ali quanto a esta denominada cláusula de confirmação abusiva, não valer sequer como princípio de prova do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação, por não poder a cláusula de confirmação desvincular aquele que se quer fazer valer de ccg do ónus de provar o cumprimento do seu dever de informação; cfr. ainda Ac. do STJ de 04/05/2017 in www.dgsi.pt onde se concluiu:
“A inserção no documento de confirmação do contrato de permuta de taxa de juro, antes da respetiva assinatura, de uma cláusula de feição manifestamente pré determinada e padronizada, segundo a qual o aderente declara estar plenamente conhecedor do conteúdo e do risco da operação, confessando terem sido prestados pelo banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de o aderente , no caso de evolução desfavorável das condições de mercado, poder registar uma perda financeira líquida com a operação não pode ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº3 do art. 5º do DL446/85 – valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação das instâncias.”
[7] Aqui se deixam reproduzidos os dois artigos citados, do número 1 do artigo 94º resultando clara a aplicação deste normativo às situações em que alegadamente foi violado pelo segurado ou tomador de seguro o dever de comunicação do agravamento do risco e ocorre o sinistro sem que tenha havido a possibilidade de a seguradora atuar nos termos previstos no artigo 93º, cessando ou alterando o contrato.
Neste sentido vide nomeadamente no Ac. TRC de 09/01/2018, nº de processo 825/15.2T8LRA.C1 in www.dgsi.pt
Dispõe assim o artigo 93º, sob a epígrafe “Comunicação do agravamento do risco”
“1 - O tomador do seguro ou o segurado tem o dever de, durante a execução do contrato, no prazo de 14 dias a contar do conhecimento do facto, comunicar ao segurador todas as circunstâncias que agravem o risco, desde que estas, caso fossem conhecidas pelo segurador aquando da celebração do contrato, tivessem podido influir na decisão de contratar ou nas condições do contrato.
2 - No prazo de 30 dias a contar do momento em que tenha conhecimento do agravamento do risco, o segurador pode:
a) Apresentar ao tomador do seguro proposta de modificação do contrato, que este deve aceitar ou recusar em igual prazo, findo o qual se entende aprovada a modificação proposta;
b) Resolver o contrato, demonstrando que, em caso algum, celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco.”
E o artigo 94º, sob a epígrafe “Sinistro e agravamento do risco”
“1 - Se antes da cessação ou da alteração do contrato nos termos previstos no artigo anterior ocorrer o sinistro cuja verificação ou consequência tenha sido influenciada pelo agravamento do risco, o segurador:
a) Cobre o risco, efetuando a prestação convencionada, se o agravamento tiver sido correta e tempestivamente comunicado antes do sinistro ou antes de decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo anterior;
b) Cobre parcialmente o risco, reduzindo-se a sua prestação na proporção entre o prémio efetivamente cobrado e aquele que seria devido em função das reais circunstâncias do risco, se o agravamento não tiver sido correta e tempestivamente comunicado antes do sinistro;
c) Pode recusar a cobertura em caso de comportamento doloso do tomador do segurado ou do segurado com o propósito de obter uma vantagem, mantendo direito aos prémios vencidos.
2 - Na situação prevista nas alíneas a) e b) do número anterior, sendo o agravamento do risco resultante de facto do tomador do seguro ou do segurado, o segurador não está obrigado ao pagamento da prestação se demonstrar que, em caso algum, celebra contratos que cubram riscos com as características resultantes desse agravamento do risco.”
[8] Cfr. Ac. TRP de 27/06/2018, Relator Miguel Morais no qual a aqui Relatora interveio como adjunta e que pela sua clareza aqui se deixa reproduzido.