Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0130667
Nº Convencional: JTRP00033099
Relator: ALVES VELHO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
CONDOMÍNIO
PERSONALIDADE JURÍDICA
FALTA
PESSOA COLECTIVA
INTERESSES DIFUSOS
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP200110180130667
Data do Acordão: 10/18/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 5 J CIV MATOSINHOS
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR TRIB - APOIO JUD.
Legislação Nacional: DL 387-B/87 DE 1987/12/29 ART7 N1 N4 N5 ART9.
CONST97 ART20 N1.
Sumário: I - A entidade "condomínio", destituída de personalidade jurídica, não é uma pessoa colectiva.
II - O artigo 9 do Decreto-Lei n.387-B/87, de 29 de Dezembro, onde se prevê a tutela dos interesses difusos, não é directamente aplicável nem no âmbito da sua previsão se pode incluir o condomínio, nem induz aplicação extensiva ou analógica do artigo 7.
III - Considera-se conforme à Constituição a interpretação do artigo 7 da Lei do Apoio Judiciário segundo a qual os condomínios, enquanto entidades sem personalidade jurídica, não são sujeitos dos benefícios nele previstos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. - Nos autos de procedimento cautelar de arresto que, no Tribunal Judicial da Comarca de ............., instaurou contra “J......., L.da”, requereu “CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO ..........” o benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e custas.
Para tanto, alegou que todas as receitas auferidas pela Administração do Condomínio resultam de previsão orçamental, e são integralmente entregues pelos condóminos, raramente são suficientes para fazer face às despesas de conservação e reestruturação do imóvel, pelo que não dispondo de outros bens ou rendimentos, só poderia socorrer-se do agravamento da participação pecuniária dos condóminos, que já se encontram sobrecarregados.
Após oposição do Ministério Público, o Sr. Juiz indeferiu a pretensão do Requerente «pelas razões de facto e de direito constantes da douta promoção».
O Condomínio agravou, pedindo a revogação do despacho e a concessão do apoio requerido, ao abrigo, no essencial, das seguintes conclusões:
1. - O critério primordial que deverá presidir à atribuição do apoio judiciário é a insuficiência de meios para custear os encargos da demanda;
2. - A elencagem de detentores do direito ao privilégio estatuída no art. 7º do DL 387-B/87, de 29/12, é meramente exemplificativa;
3. - O normativo citado abre fenestras para a possibilidade de concessão do privilégio a estruturas que, detendo capacidade judiciária, não dispõe de capacidade jurídica. É o caso do disposto no art. 9º, onde se prevê a tutela de interesses difusos através da organização de cidadãos em grupos indeterminados e sem a pretendida personalidade jurídica;
4. - A norma a que se deverá recorrer – art. 20º CRP, no capítulo dos direitos fundamentais -, aponta para o alcance alargado e irredutor do acesso ao instituto do apoio judiciário;
5. - Utiliza o termo gramatical «todos», o que permite alcançar o entendimento de que o acesso é privilégio de TODOS quantos queiram proceder à defesa dos seus interesses e direitos violados.
6. - O Recorrente, embora destituído de personalidade jurídica, é detentor da capacidade de aceder ao privilégio de apoio judiciário se do mesmo for merecedor.
7. - O DL 387-B/87 deverá ser interpretado conforme à Constituição da República;
8. - O direito de acesso do Recorrente ao apoio só poderia ser restringido pela lei nos casos expressamente previstos na Constituição, o que não sucede na Lei Fundamental:
9. - O M.mo Juiz não configurou adequadamente as circunstâncias económicas e financeiras em que sobrevive o Recorrente;
10. - Deve atender-se às reais condições económicas do Requerente AO MOMENTO DO PEDIDO FORMULADO;
11. - O M.mo. Juiz deveria ter recorrido ao poder discricionário contido nos art.s 23º e 29º, para a prova idónea que exige o art. 19º, antes do indeferimento da pretensão do Recorrente.
A parte contrária apresentou resposta e o Ex.mo Juiz manteve a decisão impugnada.
2. - Os elementos de facto para que remete a decisão recorrida são os seguintes:
As despesas do Condomínio igualam o orçamento, aproximando-se das receitas;
O Condomínio encontra-se dotado de zonas comuns integradas por garagens individuais, aparcamentos, zona de recreação, composta de sala de actividades diversas, com piscina interior e zona de balneários;
É um empreendimento “de luxo” e complexo de preços “elevados”.
3. Mérito do recurso.
3. 1. - Apesar da extensão das conclusões elaboradas pelo Agravante, afigura-se-nos que a questão proposta se encontra sintetizada em 6. supra (n.º 8. das conclusões da alegação).
Importará, então, saber se o Recorrente, embora destituído de personalidade jurídica, é detentor de capacidade de aceder ao benefício de apoio judiciário, se do mesmo for merecedor.
3. 2. - Está em causa a interpretação do art. 7º do DL 387-B/87, de 29/12, que é a lei em vigor ao tempo do pedido e, por isso, a aplicável.
O preceito prevê e estabelece os pressupostos de atribuição do apoio judiciário:
às pessoas singulares que demonstrem não ter meios económicos bastantes para custear, total ou parcialmente, os custos normais de uma causa – n.º 1;
às pessoas colectivas de fins não lucrativos, quando façam idêntica prova de insuficiência económica – n.º 4; e,
às sociedades e comerciantes em nome individual, nas causas relativas ao exercício do seu comércio, quando as suas possibilidades económicas, face aos índices enunciados, o justifiquem – n.º 5.
Do ponto de vista dos sujeitos do direito, e face à letra da lei, excluídas ficam, consequentemente, quaisquer entidades que não sejam pessoas singulares e pessoas colectivas sem ou com fim lucrativo (associações, fundações e sociedades comerciais).
O Condomínio Agravante, por dispor apenas de um substracto pessoal e material não submetido às formalidades de constituição ou reconhecimento previstas no art. 158º C. Civ., carece, como aceita, de personalidade jurídica.
Não lhe são, por isso, aplicáveis as disposições referentes às pessoas colectivas (art. 157º e ss. C. Civ.), designadamente como tal ser qualificado para os fins previstos no art. 7º do Regime do Apoio Judiciário.
Donde que, conclui-se a entidade “condomínio”, destituída de personalidade jurídica, não é uma pessoa colectiva (cfr., no mesmo sentido, ac.s RL e RC, respect. de 18/1/2000 e 20/2/2001, in CJ, XXV-1º-77 e XXVI-1º-40).
3. 3. - Sustenta o Agravante que a própria lei abre a possibilidade de concessão de apoio a entidades que não dispõem de capacidade jurídica, como sucede no art. 9º, onde se prevê a tutela dos interesses difusos.
Efectivamente aí se prevê que «lei própria regule os esquemas destinados à tutela» desses interesses.
Trata-se, obviamente, de norma sem aplicação directa – norma de conteúdo programático - especialmente destinada a enquadrar e tornar dependente de lei futura a eventual concessão de protecção jurídica quando esteja em causa a tutela daqueles interesses.
Consequentemente, não só o preceito não é directamente inaplicável, como no âmbito da sua previsão não pode incluir-se o condomínio, nem induz aplicação extensiva ou analógica do art. 7º.
3. 4. - Finalmente, o Recorrente invoca o art. 20º da Constituição da República e a interpretação conforme da Lei do Apoio, na medida em que aquela norma da Lei Fundamental, utilizando o termo «todos», permite alcançar o entendimento de que o acesso ao direito e aos tribunais é privilégio de todos.
No citado art. 20º e seu n.º 1 lê-se que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais (...), não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos», constando, por sua vez, do n.º 2 que «todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário».
Trata-se de preceito que corporiza uma das manifestações do princípio da igualdade mais genericamente consagrado no art. 13º.
Visa ele garantir que “a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos”, como consta do art. 1º do DL 387-B/87, que é a lei ordinária que estabelece os fins e meios de concretização da norma constitucional (Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “CRP, Anotada”, 181”.
O princípio constitucional, acolhido em sede dos direitos fundamentais, com expressão no art. 20º, e cuja fonte se encontra no art. 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (SALVADOR DA COSTA, “Apoio Judiciário, 18 notas 4 e 5) , nada tem que ver com a equiparação – ou com a necessidade de concretização duma tal equiparação na lei ordinária - entre pessoas singulares, pessoas colectivas e outras entidades ou grupos não personalizados, reportando-se apenas a assegurar a garantia dos cidadãos no campo da respectiva previsão como, de resto, a dicotomia estabelecida no art. 12º da CR preconiza: - «1.Todos os cidadãos gozam dos direitos (...) consignados na Constituição; 2.As pessoas colectivas gozam dos direitos (...) compatíveis com a sua natureza.».
As restantes entidades, acrescentamos nós, só podem gozar dos direitos que o sistema jurídico ordinário especial ou excepcionalmente para ela preveja e que se não revelem contrários às normas constitucionais.
Em síntese, considera-se conforme a Constituição a interpretação do art. 7º da Lei do Apoio Judiciário segundo a qual os condomínios, enquanto entidades sem personalidade jurídica, não são sujeitos dos benefício nele previstos.
3. 5. - Fica prejudicada, por desnecessária, a apreciação do eventual concurso de atribuição da protecção peticionada.
4. - Decisão.
Termos em que se decide:
- negar provimento ao agravo;
- manter a decisão recorrida; e,
- condenar o Agravante nas custas.
Porto, de 18 de Outubro de 2001
António Alberto Moreira Alves Velho
Camilo Moreira Camilo
António Domingos Ribeiro Coelho da Rocha