Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
803/19.2T8PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Nº do Documento: RP20220713803/19.2T8PFR.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Em acção tendente à anulação de um testamento, verifica-se uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre todos os respectivos beneficiários.
II - Transitada em julgado uma sentença homologatória de desistência do pedido relativamente a um desses beneficiários, a sua exclusão da acção acarreta a ilegitimidade passiva e a absolvição da instância dos demais.
III - A ocorrência de circunstâncias que poderiam ter determinado a nulidade ou revogação daquela sentença perde relevo se a autora, em tempo oportuno, nada fez para prevenir o respectivo trânsito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº: 803/19.2T8PFR.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paços de Ferreira

REL. N.º 698
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1 - RELATÓRIO

AA intentou acção em processo comum contra:
1. BB,
2. CC,
3. DD,
4. EE,
5. FF,
6. GG
7. HH,
8. II,
9.JJ
10. KK,
11. LL
12. MM
13. NN,
14. OO,
15. PP,
16. QQ
17. CRUZ VERMELHA PORTUGUESA DA FREGUESIA ...
18. BOMBEIROS VOLUNTARIOS DE ...,
19. FABRICA DA IGREJA DA PARÓQUIA ...- ...,
pretendendo a anulação de um testamento outorgado em 19/2/2014, por RR, falecida em .../.../2019, no qual os RR figuram como legatários, com vista à repristinação de um testamento anterior, de 2019, que igualmente deixava legados aos RR. seus sobrinhos, mas em termos bastante diferentes.
Entretanto, na sequência das diligências de citação foi apurado que vários dos RR. haviam falecido (BB, GG, QQ e NN), o que motivou que o tribunal, por despacho de 22/6/2020, tivesse interpelado a autora para requerer a habilitação dos respectivos herdeiros.
Sucessivamente, em 22/9/2020, a autora veio declarar ter incorrido em lapsos na indicação dos RR, passando a esclarecer quem se deveria “considerar sujeitos passivos na presente acção”. E acrescentou “Daqui decorre que, relativamente àqueles que foram indicados como RR. na Petição Inicial, porque se constata que estão falecidos, se desiste do pedido quanto a 1. BB, 2. GG, 3. NN, 4. QQ.”
Apreciando este requerimento, por sentença de 15/10/2020, tal desistência do pedido foi homologada nos seguintes termos:
“Atento o objeto e a qualidade dos intervenientes, ao abrigo do disposto nos artigos 283.º, n.º 1, 285.º, n.º 1 e 290.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, julgo válida a desistência do pedido, pelo que a homologo por sentença, e declaro extinto o direito que a autora pretendia fazer valer nestes autos contra os Réus BB, GG, NN e QQ.
Custas a cargo do Autor, nos termos do artigo 537.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.
Notifique e registe.
- Do incidente de habilitação de herdeiros
Uma vez que a Autora desistiu do pedido contra BB, GG, NN e QQ, notifique a mesma para esclarecer, em 10 dias, a utilidade de dedução do incidente de habilitação de herdeiros, esclarecendo, por reporte às partes primitivas, em lugar de quem pretende que as pessoas identificadas no art. 5.º do requerimento que antecede pretende que sejam habilitadas a intervir (cfr. despacho de 22/06/2020).”
Depois de várias incidências, que incluíram um requerimento da ré JJ onde foi apontada a ilegitimidade passiva dos RR., na sequência da desistência do pedido contra NN, que falecera na pendência da acção e depois de citado para esta, bem como depois de habilitados os sucessores de PP, entretanto falecido, veio a ser proferida despacho saneador que concluiu pela ilegitimidade passiva dos RR., por não estarem presentes na acção todos os beneficiários do testamento que se pretende seja anulado. Tal decisão inclui os seguintes excertos:
“ (…) Por via da presente acção, pretende a autora a anulação do testamento de 19 de Fevereiro de 2014 e a consequente reposição em vigor do testamento de 6 de Agosto de 2009.
A autora demandou para tal efeito, para além de outros beneficiários do testamento, NN.
Após requerimento apresentado pela autora de desistência do pedido em relação a NN (de 22.9.2020), foi proferida em 15.10.2020 sentença que homologou a desistência do pedido em relação a este réu, sentença essa que já transitou em julgado.
(…)
A autora pretende ver anulado o testamento datado de 19 de Fevereiro de 2014, no qual foram contemplados vários beneficiários. Na sequência da desistência parcial do pedido apresentada pela autora, homologada por sentença que transitou em julgado, não intervêm na acção todos os beneficiários do testamento, não obstante todos eles terem interesse na presente causa e serem titulares da relação material controvertida.
Ora, só com a intervenção de todos os beneficiários do testamento poderá a presente acção de anulação do testamento alcançar o seu efeito útil normal.
Decorre do artigo 33.º do Código de Processo Civil que o litisconsórcio necessário pode ter origem na lei, no negócio jurídico ou decorrer da própria natureza da relação jurídica controvertida.
Prevê-se a situação de litisconsórcio necessário imposto pela própria natureza da relação jurídica – ou litisconsórcio natural - para que a decisão a proferir seja suscetível de produzir o seu efeito útil normal (…).
Ora, o litisconsórcio natural existe tanto quando a repartição dos interessados por acções diferentes impeça a composição definitiva entre as partes quer quando obste a uma solução uniforme entre todos os interessados, pois em nenhum destes casos a acção será idónea a alcançar o seu efeito útil normal.
Acontece que, caso se admitisse o prosseguimento da presente acção contra parte dos beneficiários do testamento, poderia acontecer que fosse proferida sentença que anulasse o testamento e, em acção posterior contra os restantes beneficiários do testamento, fosse proferida sentença que considerasse tal testamento válido, julgando a acção improcedente, ou então a situação inversa. O que significa que a presente acção não lograria a composição definitiva do litígio entre as partes relativamente ao pedido formulado, pois não evitaria tornar-se incompatível ou contraditória com a decisão eventualmente proferida noutra acção.
Em face do exposto, porquanto o efeito útil da presente acção sempre dependerá da presença de todos os beneficiários do testamento, consideramos existir uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, nos termos do disposto no artigo 33.º do Código de Processo Civil, já que não intervêm na presente acção todos os beneficiários do testamento.
Atentas as considerações e os fundamentos expostos e, bem assim, o disposto nos artigos 30.º, 33.º, 278.º, n.º 1, alínea d), e 577.º, alínea e), do Código de Processo Civil, julgo procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e, em consequência, absolvo os réus da instância.”
É desta decisão que vem interposto recurso, alegando, entre o mais, ter oportunamente esclarecido quem deveria ser considerado parte na causa, enumerando como rés, em substituição daquele NN, SS, sua viúva, e TT e UU, suas filhas.
Terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. No decurso desta ação, de onde emanou a Douta sentença objecto do presente recurso, foram vários os incidentes de habilitação de herdeiros.
2. Entre os quais o de NN.
3. Foram indicados como seus sucessores, SS; TT; e UU,
4. Nos presentes autos foram vários os requerimentos em que a Apelante identificou, para além dos mais, como parte passiva da ação, os supra referidos herdeiros do Réu NN,
5. Além da identificação dos mesmos, sempre manifestou de forma inequívoca e objetiva de que a ação deveria prosseguir contra eles.
6. São disso exemplo os requerimentos datados de 26-02-2020, 07-07-2020, 22-09-2020 e 11-02-2021.
7. Após insistência da Meritíssima Juiz, respondeu a Apelante que desistia daqueles que já estavam substituídos, onde se incluiu o Réu NN, referindo-se que dele desistia porque de acordo com a Habilitação de Herdeiros já juntas, já se encontravam definidos os seus substitutos.
8. Ao referir que desistia, era percetível, por tudo o que vinha sendo dito ao longo do processo, que não pretendia a Apelante, desistir do pedido ou da instancia relativamente ao Réu NN, mas antes, indicar novamente, que este já estava substituído na ação pelos seus sucessores.
9. A Meritíssima Juiz, face ao já extenso processado, e conhecedora do processo como era, sabia, porque não podia deixar de saber, que a Apelante, pretendia que a ação prosseguisse com os herdeiros do NN.
10. Ademais, é proferida sentença homologatória de desistência a 15-10-2020, tendo os autos prosseguido a sua tramitação até março de 2022, data da decisão de que se recorre.
11. Período durante o qual foram proferidos diversos Despachos e juntos inúmeros requerimentos e até processado um novo incidente de Habilitação de Herdeiros, salientando-se o Despacho datado de 9-07-2021, bastante meticuloso e completo, onde se ordena que os autos prossigam.
12. Destarte, deveria o tribunal atender nos seus poderes de cognição, - ADQUAÇÂO FORMAL- aos factos instrumentais que resultam da instrução da causa, bem como dos factos notórios, tal como notório é, que a Apelante, quando respondeu ao despacho da Meritíssima Juiz, que desistia, sabia o tribunal, porque não podia deixar de saber, que se referia a uma desistência no sentido de, já se encontrarem na parte passiva da relação processual, os substitutos do falecido NN, e não desistência quanto a ele, do pedido ou da instância.
Termos em que - e nos mais de direito aplicáveis que, não se duvida, não deixarão de ser doutamente supridos – deve revogar-se a aliás Douta Sentença ora posta em crise, por manifesto desrespeito do disposto nos art.s 6º, nºs 1 e 2; 590º, nº 2, al. a); art.º 20 CRP; art.º 6º da Convenção. Eur. do Direito do Homem e 591º nº1 alíneas a) e b) do Cod. Proc. Civil, substituindo-se a mesma por outra que ordene o prosseguimento dos autos, por considerar que não existe ilegitimidade passiva, pois que assim será feita JUSTIÇA!”
A ré II apresentou resposta ao recurso, salientando que a autora não requereu a habilitação de herdeiros relativamente a vários RR, incluindo NN, antes tendo desistido do pedido contra eles. Por isso, defendeu a confirmação da decisão recorrida.
Também a ré JJ apresentou resposta ao recurso, argumentando que jamais a autora requereu a habilitação dos sucessores de NN, tendo, pelo contrário, desistido do pedido contra ele dirigido. Tendo transitado a sentença que declarou extinto o correspondente direito, jamais pode a autora accionar os herdeiros deste. Concluiu que daí decorre necessariamente a ilegitimidade dos demais, devendo ser confirmada a decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo, apesar de a apelante ter requerido que lhe fosse atribuído efeito suspensivo, alegando, contudo, não poder prestar caução, dados os inerentes custos que não poderia suportar.
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Recebido o recurso neste Tribunal da Relação, verifica-se que o mesmo foi admitido no efeito devido.
Com efeito, sem a prestação de caução seria impossível a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso. Acresce que a autora tão-pouco invoca e descreve qual o prejuízo considerável que lhe poderá advir da execução imediata da decisão recorrida. Pelo que, também na ausência desse fundamento, atento o disposto no nº 4 do art. 647º do CPC, só pode conferir-se ao recurso sob apreciação efeito devolutivo, como bem entendeu o tribunal a quo.
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2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC.
Assim, cumprirá decidir:
1 Se foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros de NN;
2 Qual o relevo de a autora ter apontado como parte passiva os herdeiros de NN;
3 Se deveria ter sido entendido que a apelante não pretendia desistir do pedido relativamente a NN, mas apenas apontar que este deveria ter-se por substituído pelos seus sucessores;
4 Qual o efeito, sobre a legitimidade passiva, do trânsito em julgado da decisão que, homologando a desistência do pedido, julgou extinto o direito que se pretendia fazer valer contra o réu NN.
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Na apreciação destas questões, ter-se-ão presentes os vários elementos que constam do próprio processo, à semelhança dos mencionados no relatório que antecede, cuja ponderação será igualmente útil.
Assim, compulsados os autos, com interesse para a apreciação do objecto do recurso, repartido nas questões antes enunciadas, constata-se que:
- O réu NN foi citado, tendo apresentado contestação conjunta com LL e MM, em 26/9/2019.
- Entretanto, a autora, requereu a habilitação, para a causa, dos sucessores de BB, de NN e de GG.
- Em atenção á identificada imperfeição do requerimento para abertura de tais incidentes, em 22/1/2020, o tribunal advertiu-a para que indicasse as pessoas contra as quais deveria prosseguir o incidente, bem como para clarificar quem deveria ocupar os lugares das partes primitivas falecidas.
- Sucessivamente, os RR. LL e MM vieram informar o falecimento de NN, juntando documento constituído por escritura de habilitação dos respectivos herdeiros e afirmando que a demonstração dessa qualidade dispensava a dedução de um incidente de habilitação. Daí constava o falecimento desse réu, em .../.../2019, bem como que dele eram herdeiras a sua viúva e as suas filhas.
- Sobre a matéria, a autora limitou-se a referir o que aparentemente constituía o seu entendimento sobre da junção da escritura de habilitação de herdeiros conduzir de per si à substituição da parte falecida pelos seus sucessores, devidamente habilitados nos termos da própria escritura. Por isso, no elenco dos sujeitos passivos da acção, limitou-se a substituir o nome de NN pelos das suas sucessoras SS, TT e UU, sua viúva e filhas, respectivamente (req. de 26/2/2020, a fls. 108 do proc.).
- Perante este quadro (extensivo a outras partes falecidas, que ao caso não interessam) o tribunal, em despacho de 22/6/2020, determinou-lhe que deveria requerer a habilitação de herdeiros de alguns dos réus, incluindo de NN, devendo identificar expressamente os herdeiros de cada um dos réus e juntar as respectivas escrituras de habilitações de herdeiros, para que fosse ordenada a sua citação para os termos da causa.
- Em resposta, em 7/7/2020, a autora expendeu argumentos quanto à substituição de outros RR. pelos seus sucessores, ou à respectiva desnecessidade, limitando-se a juntar novamente cópia da escritura de habilitação de herdeiros relativa a NN.
- Sucedeu-lhe o seguinte despacho, em 15/9/2020:
“Face aos lapsos constatados pela Autora e com vista a clarificar os autos, notifique, antes de mais, a mesma para esclarecer:
- em relação a quem pretende desistir da ação (do pedido ou da instância);
- contra quem pretende deduzir o incidente de habilitação de herdeiros.
Mais fica advertida que os autos ficam a aguardar o seu impulso processual, sem prejuízo do disposto no art.º 281.º, n.º1, do Código de Processo Civil.”
- Foi, então junto o requerimento mencionado supra, de 22/9/2020, onde a autora indicou quem deveria figurar como réu, desse rol excluindo os falecidos, e acrescentando:
“3º
Daqui decorre que, relativamente àqueles que foram indicados como RR. na Petição Inicial, porque se constata que estão falecidos,
se desiste do pedido quanto a
1. BB
2. GG
3. NN
4. QQ
POR OUTRO LADO
Em face do quanto supra dito vem, o incidente de habilitação de herdeiros tem que ser deduzido contra os supra indicados
1. VV
2. BB
3. CC
4. DD
5. EE
6. FF
7. CC
8. DD
9. EE
10. FF
11. BB
12. HH
13. II
14. JJ
15. KK
16. LL
17. MM
18. SS
19. TT
20. UU
21. OO
22. PP
23. PP
24. CRUZ VERMELHA PORTUGUESA DA FREGUESIA ...
25. BOMBEIROS VOLUNTARIOS DE ...
26. FABRICA DA IGREJA DA PARÓQUIA ...
observando-se o disposto nos art. 351º, art. 352º e art. 354º todos do Cód. Proc. Civil.”
- Isso determinou a prolação da decisão de 15/10/2020, transcrita supra (no relatório).
- A esta decisão, que homologou a desistência do pedido quanto aos RR. referidos, incluindo NN, não foi oposto qualquer recurso.
- Só em 11/2/2021 a autora juntou requerimento referindo que, quanto a NN já se mostrava junta a respectiva habilitação de herdeiros, pelo que não tinha razão de ser o incidente de habilitação de herdeiros que entendia ter deduzido antes, pelo que entendia que a acção deveria prosseguir de imediato contra as pessoas que indicara e que incluíam as respectivas sucessoras.
- Depois, em 12/3/2021, lançou incidente de habilitação de herdeiros por óbito de PP, que veio a ser julgado procedente, considerando-se habilitados a prosseguir nos autos, na qualidade de seus herdeiros WW e XX, YY e ZZ.
- Em sede de saneamento do processo, foi proferida a decisão recorrida, transcrita supra.
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Estando descritos os elementos do processo essenciais para a decisão a proferir, cumpre atentar, antes de tudo o mais, em que nenhuma das partes, incluindo a apelante, põe em causa um dos pressupostos da decisão recorrida, qual seja o da identificação de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, no caso, entre todos os beneficiários do testamento cuja anulação é pretendida.
Com efeito, a obtenção do efeito útil da presente acção, traduzido na anulação de um testamento, só poderá conseguir-se se a correspondente decisão positiva se puder impor a todos os respectivos beneficiários. Isso mesmo foi expresso na decisão recorrida, nos termos acima transcritos, a qual, nessa parte, não é alvo de qualquer crítica.
Por isso, sem necessidade de outras considerações ou de repetir os termos da própria decisão, teremos por adquirida esta premissa da solução para o problema que nos ocupa, que consiste em saber se ocorre, nos autos, uma efectiva preterição desse pressuposto processual referente à legitimidade das partes.
A questão aparece, porém, ainda mais concretizada, pois que a impossibilidade de preenchimento do litisconsórcio passivo exigido na causa resulta especificamente do afastamento de um dos réus, ou de quem houvesse de ser habilitado para ocupar o seu lugar na acção. Com efeito, o objecto do recurso reporta-se apenas ao réu NN que, tendo falecido na pendência da acção, foi destinatário da desistência do pedido a si dirigido, desistência essa que, como acima se viu, foi homologada por sentença, tendo sido declarado extinto o direito que contra si era feito valer.
Desde já se afigurando incontornável reconhecer o valor de caso julgado do decretado nessa sentença - o que se reporta à quarta e última das questões supra identificadas – não deixaremos de analisar as enunciadas antes, considerando que isso não constitui um exercício totalmente inútil, na medida em que melhor poderá justificar a solução a alcançar.
Assim, importa começar por afirmar que, perante a notícia trazida aos autos sobre o óbito do réu NN, a autora – ou qualquer dos RR. - jamais deduziu um incidente de habilitação de sucessores para que viessem a ocupar o respectivo lugar, na causa.
Com efeito, os RR. LL e MM, que vieram informar do falecimento do co-réu, referiram ser seu entendimento que a qualidade de herdeiras do falecido, já atestada numa escritura de habilitação, as tornaria aptas a intervir na causa em sua substituição, sem necessidade de dedução de qualquer incidente. Porém, certo é que eles próprios não deduziram o incidente, nos termos previstos no art. 352º, nº 1 do CPC: apontando os requeridos que hão-de ser citados e os que hão-de ser notificados, de entre aqueles contra quem o incidente deve ser promovido, designadamente as partes sobrevivas e os sucessores do falecido que não sejam requerentes, em observância do disposto no art. 351º, nº 1 do CPC.
Pelo seu lado, no requerimento de 26/2/2020, em relação a NN, a autora limitou-se a afirmar que a escritura de habilitação das respectivas herdeiras indicava por si mesma quem eram as suas sucessoras, pelo que os autos deveriam prosseguir, na ausência de qualquer oposição, considerando as mesmas, sem mais, sujeitos passivos na acção. E, em coerência com esse entendimento, entre os RR. que a causa haveria de integrar, logo inseriu os nomes da viúva e das filhas de NN, isto é, de SS, TT e UU, daí removendo o nome de NN.
Porém, como é óbvio, também com isso deixou por promover o necessário incidente de habilitação dos sucessores de NN. Refira-se, a este propósito, que a circunstância de a qualidade de herdeiras da viúva e das filhas deste NN já estar reconhecida em habilitação notarial, como aqui acontecia, não dispensa a tramitação da questão como um típico incidente, apenas agilizando os respectivos termos, como se constata da comparação do regime prescrito nos arts. 352º a 354º do CPC.
A isso acresce que, mesmo depois de interpelada pelo tribunal para promover o respectivo incidente, a autora o não fez, limitando-se (requerimento de 7/7/2020) a juntar novamente uma cópia da escritura de habilitação de herdeiros relativa a NN, afirmando: “Salvo o devido respeito, já se encontram juntas aos autos a habilitação de herdeiros por óbito de QQ e a habilitação de herdeiros por óbito de NN, das quais, sem embargo, se anexam ao presente nova cópia de cada uma delas.”
Apesar de, relativamente a outros réus, a autora ter promovido incidentes de habilitação de herdeiros em termos que prosseguiram e foram consequentes, esse seu requerimento, bem como o que lhe sucedeu, sugerem contraditoriamente que a autora entendia que a mera junção, da escritura de habilitação de herdeiros de NN, sem mais, isto é, sem a identificação das pessoas contra quem o incidente deveria ser promovido e sem a formulação de um específico pedido de substituição do réu falecido que pudesse ser sujeito a contraditório, bem como sem a citação ou notificação dos requeridos para esse efeito, era suficiente para operar a necessária substituição processual.
Porém, como se referiu antes, não é assim, atento o regime processual previsto para a tramitação de um incidente com um tal fim que, mesmo estando reconhecida em habilitação notarial a qualidade de herdeiro da parte falecida, é necessário para, no processo, se dar a pretendida substituição de parte.
Por consequência, tem-se igualmente por desprovida de qualquer efeito a actuação da autora traduzida em remover do rol de réus o nome de NN, ali colocando os da sua viúva e filhas, em concordância com o teor da respectiva escritura de habilitação de herdeiros. Essa substituição, para ser eficaz, só pode ser determinada pelo tribunal, como decisão final de um incidente processual típico, com uma tramitação regulada nos termos que supra se referiram.
Ficam, assim, respondidas as primeiras duas questões em que se reparte o objecto deste recurso, sem que, em função delas, possa proceder a apelação.
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Como se descreveu antes, ao requerimento de 7/7/2020, sucedeu outro, em 22/9/2020, onde surgiu formulada a declaração de desistência do pedido em relação a 4 RR., incluindo NN.
Depois, no mesmo requerimento, a autora refere identifica 26 pessoas e entidades contra os quais – afirmou – “tem que ser deduzido” o incidente de habilitação de herdeiros, “observando-se o disposto nos art. 351º, art. 352º e art. 354º todos do Cód. Proc. Civil.”
Apreciando tal requerimento, o tribunal homologou, por sentença, a desistência do pedido relativamente ao réu NN, assinalando à autora a eventual inutilidade subsequente da habilitação dos seus herdeiros e dando-lhe a oportunidade de se pronunciar sobre a questão.
De resto, também lhe fez saber a necessidade de deduzir os incidentes de habilitação de herdeiros pertinentes em termos adequados, designadamente assinalando quem deve ser habilitado para substituir quem, o que não resultava do seu requerimento anterior, dada a amálgama de nomes que, sem especificação, arrolou.
Certo é, porém, que nem a tal sentença, nem a tal despacho a autora ofereceu qualquer resposta, ficando os autos a aguardar o seu impulso processual, até que, em 11/2/2021, juntou um requerimento referindo que, quanto a NN já se mostrava junta a respectiva habilitação de herdeiros, pelo que, tendo desistido do pedido quanto a ele, não tinha razão de ser o incidente de habilitação de herdeiros, pelo que entendia que a acção deveria prosseguir de imediato contra as pessoas que indicara e que incluíam as respectivas sucessoras.
Nestas circunstâncias, perante o requerimento de desistência do pedido, deveria ter o tribunal interpretado não ser essa a vontade da autora, pois que o que pretendia era apenas que se considerasse NN substituído pelas suas sucessoras? Ou, como defende a autora na presente apelação, deveria ele próprio ter adequado os termos dos seus requerimentos à abertura dos pertinentes incidentes de habilitação de herdeiros, relativamente às partes falecidas, ao abrigo do princípio da adequação? E a omissão de uma tal intervenção correctiva, sobre os actos processuais mal formados praticados pela autora deveria ter como consequência, por exemplo, a nulidade da sentença que sobreveio à interpretação estrita do requerimento de desistência do pedido relativamente ao réu NN?
A estas questões, acrescentamos outra: perante a notícia do falecimento do referido réu, a instância deveria ter sido suspensa, nos termos do art. 270º do CPC, permanecendo assim até ser notificada a decisão que considere habilitados os sucessores da parte falecida, nos termos do art. 276º, nº 1, al. a) do CPC. Por conseguinte, não pode deixar de afirmar-se que a sentença homologatória da desistência do pedido, proferida em 15/10/2020, o foi em momento em que a instância deveria ter-se como suspensa, tendo sido indevidamente proferida, em face do disposto no art. 275º, nº 1 do CPC.
Todavia, tendo a autora tido oportunidade de impugnar tal sentença à luz de todas essas razões, que então seriam discutidas e respondidas, certo é que o não fez. Não apontou de imediato ao respectivo tribunal que ela procedia de um erro de interpretação da sua vontade, tal como expressa no seu requerimento de desistência do pedido, não arguiu a respectiva nulidade à luz de qualquer razão, nem a impugnou por recurso.
Por isso, com toda a simplicidade, perante total passividade da autora, aquela decisão, que declarou extinto o direito que ela pretendia fazia valer contra NN, transitou em julgado.
Os efeitos desse caso julgado são conhecidos, não suscitando qualquer discussão. Tal como dispõe o nº 1 do art. 619º, do CPC, essa decisão passou a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele.
Por conseguinte, é uma premissa inatacável da decisão a proferir que o direito que a autora pretende fazer valer contra NN se mostra definitivamente extinto. E isso, de forma igualmente clara, sem que antes tivesse havido decisão que tivesse determinado a sua substituição pelas respectivas sucessoras. Elas não podem, por isso, ter-se por habilitadas para que a acção prossiga consigo no lugar daquele primitivo réu.
Daqui decorre necessariamente outra das premissas da decisão recorrida: na acção, no lado passivo, não estão todos os beneficiários do testamento em crise. E, tendo sido extinto o direito em exercício contra um dos réus, não podem ser habilitados sucessores para ocuparem o seu lugar, pois que também contra eles, que sucederiam na posição do antecessor, foi extinto o direito que justificava a sua demanda.
Nestas circunstâncias, não podendo verificar-se a presença de todos os interessados na relação controvertida, tal como refere o art. 33º, nº 1 do CPC, ocorre uma situação de ilegitimidade. Torna-se, subsequentemente, incontornável a decisão de absolvição da instância dos demais réus, nos termos do art. 278º, nº 1, al. d) do CPC.
Mostra-se, pois, acertada a decisão recorrida, na medida em que não podem discutir-se os seus pressupostos, designadamente os respeitantes à decisão de homologação de desistência do pedido relativamente ao primitivo réu NN.
Em conclusão, na improcedência da apelação, resta confirmar a decisão recorrida.

Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):
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3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Reg e not.

Porto, 13/7/2022
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda