Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MENDES COELHO | ||
Descritores: | PROCESSO DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR ESCOLHA DO ACOMPANHANTE VONTADE DO BENEFICIÁRIO CONSELHO DE FAMÍLIA | ||
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Nº do Documento: | RP202307122588/22.6T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 07/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – No processo de acompanhamento de maior, ao beneficiário, face à determinação legal constante do nº1 do art. 143º do C. Civil – que lhe dá o direito de escolher o acompanhante – apenas se exige que tenha capacidade bastante para efetuar tal escolha de forma livre e esclarecida; II – O regime jurídico do maior acompanhado consagra o critério do primado da vontade do beneficiário não apenas na escolha do acompanhante, mas também das pessoas que deverão cooperar com este, fiscalizar a sua actuação, e substituí-lo nas suas faltas e impedimentos, o que inclui os membros do Conselho de Família. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº2588/22.6T8VNG.P1 (Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 4) Relator: António Mendes Coelho 1º Adjunto: Joaquim Moura 2º Adjunto: Ana Paula Amorim Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório AA, veio instaurar, a 30/3/2022, acção especial de acompanhamento de maior a favor de BB, de quem é prima directa, alegando que o mesmo é portador de anomalia mental e factualidade da qual, no seu entendimento, resulta que o mesmo carece de orientação e auxílio permanentes, sendo necessário que alguém o represente e supra a sua total incapacidade para se cuidar, exercer os seus direitos, cumprir os seus deveres e zelar pela sua pessoa e pelos seus bens. Indicou-se a si própria para ser designada para exercer as funções de acompanhante e indicou para integrar o conselho de família CC e DD, respectivamente tia do beneficiário e primo do beneficiário em segundo grau, requerendo ainda que à acompanhante deverão ser atribuídos poderes totais de representação geral e administração total dos bens do requerido, bem como os poderes para cuidar da sua saúde, nomeadamente, acompanhamento a consultas médicas, tratamentos, internamentos hospitalares e intervenções cirúrgicas. Requereu o suprimento da autorização do beneficiário para propor tal acção, nos termos previstos nos arts. 892º nº2 do CPC e 141º nº2 do C. Civil. Ordenada a citação do beneficiário nos termos previstos nos arts. 895º nº1 e 896º nº1 do CPC, por este, a 10/4/2022, foi apresentada o articulado de resposta a que alude aquele último preceito, no qual, em síntese e com interesse para a acção, alegou o seguinte: - não tem qualquer défice cognitivo, encontrando-se plenamente capaz, mantendo conservadas as suas capacidades mentais, tanto no plano cognitivo como no comportamental, encontrando-se ainda capaz de tomar quaisquer decisões, nomeadamente patrimoniais, sem que para tal necessite sequer de assistência seja por quem for; escreve sem dificuldade alguma, faz cálculos aritméticos, alimenta-se, lava-se, faz a barba e veste-se sozinho, lê livros e jornais, está a par das notícias da atualidade, não tem qualquer falha de memória ou incapacidade de entendimento; - sem prescindir, nos termos do art. 143º do C. Civil compete ao acompanhado escolher o acompanhante, sendo certo que se o mesmo tivesse que escolher alguém para o acompanhar nunca escolheria a requerente, quer porque não existe nenhuma disposição legal que lhe dê primazia quer porque não seria a pessoa que melhor iria salvaguardar os interesses do acompanhado; - que a requerente requer a administração total dos bens, não se cingindo ao necessário previsto na lei, tentando fazer substituir-se na posição do tribunal na avaliação do necessário e apropriar-se dos bens do beneficiário como seu único e exclusivo objectivo, pois não existe qualquer contacto ou relação entre si e a requerente; - que a requerente não tem qualquer legitimidade para a acção e declara que não autoriza sequer a instauração do presente processo ou o seu prosseguimento; - que a requerente é efetivamente sua prima direita, mas é pessoa com quem nunca teve qualquer contacto ou proximidade e não se falam; não tem qualquer interesse em o ajudar, pois inexiste entre ambos qualquer relacionamento de afeição ou carinho, prosseguindo a mesma apenas e só interesses patrimoniais próprios. Não obstante o processo não o comportar (pois só comporta como articulados o requerimento inicial e a resposta do beneficiário – arts. 896º nº1 do CPC), a requerente apresentou requerimento de resposta ao articulado de resposta do beneficiário, nela pugnando pela sua legitimidade para a acção (pois o art. 141º do C. Civil atribui legitimidade a “qualquer parente sucessível”), além de alegar de novo factualidade já por si alegada no requerimento inicial. A 5/5/2022 foi proferido despacho a declarar aberto o incidente de suprimento da autorização do beneficiário e, após ter tido lugar a audiência a que alude o art. 1000º nº2 do CPC, foi em 18/5/2022 proferida decisão a suprir o consentimento do beneficiário para a propositura da presente ação por parte da requerente AA. A 24/5/2022 foi ordenada perícia ao beneficiário, cujo objecto ali se referiu [da seguinte forma: “1) se o requerido(a) tem necessidade de ver decretado o acompanhamento; na positiva: 2) identificar e precisar a espécie de afeção de que sofre o(a) requerido(a); 3) as suas consequências e extensão; 4) a data provável do seu início; 5) os meios de apoio e de tratamento aconselháveis e 6) se tem ou não capacidade para compreender o alcance da sua audição pessoal pelo Tribunal e de responder a questões desse âmbito”], e ordenou-se a notificação das partes para, querendo, requererem os aditamentos que entendessem necessários. A 30/5/2002, a requerente requereu o aditamento de novos pontos [os seguintes: “1 – Precisar se o paciente tem capacidade para viver sozinho; 2 – Se tem capacidade de compreender o valor e as consequências dos actos, para si e para terceiros; 3 – Indicar, do ponto de vista psiquiátrico, a irreversibilidade ou não do quadro; 4 - Se tem capacidade avaliar e de se auto-determinar a sua pessoa em termos de capacidade de reger seus próprios atos e administrar os seus bens. 5 – Avaliar se o paciente tinha condições de consciência da pessoa nos atos tomados de compra, venda e demais atos jurídicos por si praticados, enquanto não gozava da plenitude de seu juízo crítico; 6 - Se tem o necessário discernimento para a prática de atos de gestão da sua vida corrente e do seu património e se é capaz de prover à sua subsistência. 7 - Se tem capacidade para discernir plenamente ou em parte as coisas da vida em sociedade. 8- A patologia é incapacitante para o trabalho? Temporariamente ou definitivamente?”], o qual foi deferido por despacho de 20/6/2022. A 29/8/2022 deu entrada nos autos o relatório da perícia médico-legal psiquiátrica efectuada ao beneficiário, no qual, designadamente, consta o seguinte: - sob a epígrafe “Discussão”: “O examinando sofre de doença afectiva bipolar com episódio de descompensação maníaca, com prodigalidade. A doença tem habitualmente um curso crónico, grave, com episódios de descompensação em fase maníaca, depressiva ou mista. O examinando encontra-se em acompanhamento em consulta psiquiatria e a cumprir tratamento psicofarmacológico, conforme informação da médica psiquiatra assistente.”; - sob a epígrafe “Conclusões”: “(…) o examinando sofre de anomalia psíquica grave e que o incapacita de reger os seus bens e de celebrar negócios da vida corrente. Deve beneficiar ainda de medida de acompanhamento nos cuidados de saúde.”; - sob a epígrafe “Resposta a quesitos”, por atinência às respostas aos pontos do objecto da perícia inicialmente definido e ao seu aditamento referidos anteriormente, refere-se, designadamente, o seguinte · o paciente tem capacidade para viver sozinho; · sofre de doença bipolar, com descompensação em fase maníaca; · a evolução da doença é muito polimorfa. Em fase da descompensação maníaca é de admitir um comportamento extravagante e de prodigalidade e em fase depressiva será de prever uma ideação de ruína e pensamentos suicidas. Em fase mista pode haver um quadro complexo com sintomas da fase maníaca e da depressiva.; · deve ser acompanhado regularmente em consulta de psiquiatria e cumprir terapêutica estabilizadora do humor, se necessário, na forma de anti-psicótico injetável de libertação prolongada, com administração supervisionada por Unidade de Saúde ou Serviço de Psiquiatria; · encontra-se estabilizado, conforme informação da sua médica psiquiatra assistente; · tem capacidade para viver sozinho; · se não estiver em fase de descompensação da doença, tem capacidade de compreender o valor e consequências dos seus actos; · a doença é crónica como (quase) todas as doenças psiquiátricas; · tem capacidade de se autodeterminar. Não tem capacidade de administrar os seus bens; · se não estiver em fase de descompensação da doença, tem discernimento para a vida em sociedade; · na maioria dos casos a patologia não é incapacitante para o trabalho; apenas o é temporariamente, nas fases de descompensação. O Mº Pº, a 4/10/2022, apresentou promoção no sentido do decretamento do acompanhamento do beneficiário e que fosse aplicada a administração total de bens, nos termos do artigo 145.º, n.º 2, alínea c) do Código Civil, conjugada com a medida prevista na alínea e) do mesmo preceito legal, como o acompanhamento no tratamento clínico, nomeadamente, quanto à marcação e comparência a consultas médicas, adesão às terapêuticas prescritas, toma de medicação e ao eventual internamento para cumprimento da medicação prescrita. A 6/10/2022 foram proferidos dois despachos: - um a solicitar à Segurança Social a elaboração de relatório, sucinto, sobre as condições de vida do beneficiário, do qual conste informação sobre a pessoa que melhor revela condições e idoneidade para ser nomeada como seu acompanhante, aqui incluindo a requerente; - outro a ordenar a notificação da requerente e o beneficiário para, em dez dias, se pronunciarem sobre quem deve ser nomeado acompanhante do beneficiário, no caso de ser proferida sentença que o determine, e quem deve integrar o conselho de família. A este último despacho (notificado a 7/11/2022) respondeu a requerente a 14/11/2022, indicando-se a si para acompanhante e indicando para membros do Conselho de Família CC e DD, como já havia feito no requerimento inicial. Respondendo àquele mesmo despacho, veio a 16/11/2022 o beneficiário indicar para exercer as funções de acompanhante EE, residente na Avenida ... ... Porto, unido de facto há mais de 25 anos com a sua prima direita FF. Para integrar o conselho de família, indicou aquela sua prima FF e GG, que disse ser a sua amiga mais próxima e de infância. A 22/11/2022, a requerente apresentou requerimento a dar conta da sua discordância em relação às pessoas indicadas pelo beneficiário – dizendo, designadamente, que a pessoa indicada para exercer as funções de acompanhante não tem qualquer relação de parentesco ou de amizade com o beneficiário – e renovou a indicação de si própria para acompanhante e de CC e DD para o conselho de família. A 24/11/2022, o beneficiário, invocando o direito ao contraditório em relação ao requerimento da requerente de 22/11/2022, veio defender que face ao preceituado no artigo 143° 1 do CC o acompanhante é escolhido pelo acompanhado e só não o é na falta de escolha, não tendo a requerente fundamento para questionar a sua escolha. Referiu ainda que a sua prima FF nutre por si carinho e é médica de profissão. A 7/12/2022 deu entrada nos autos o relatório solicitado à Segurança Social, onde se dá conta que o beneficiário vive com a sua amiga Sra. GG desde Janeiro de 2022, a partir da alta do seu internamento compulsivo; a casa é um T3, com três casas de banho, uma cozinha, sala comum, lavandaria, com boas condições de habitabilidade. A final, emite-se parecer no sentido de que o beneficiário tem condições para se manter na habitação, apesar de não ser dele, uma vez que a sua amiga o continua a acolher, e que tem como pessoas relevantes e preocupadas consigo, a amiga GG, a prima FF, bem como o companheiro desta EE, e a prima AA. O Mº Pº, a 16/1/2023, emitiu parecer no sentido de que não se afigura haver fundamento para que a vontade do beneficiário não seja acolhida e que, assim, nada opõe a que seja nomeado acompanhante EE. Considerou ainda necessário constituir Conselho de Família, sugerindo para a sua composição a requerente dos autos, AA, e a amiga com quem o beneficiário reside, GG. A 17/1/2023 foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, decide-se: a) determinar o acompanhamento de BB quando revelar estar numa situação de descompensação da doença de bipolar de que padece. b) designar como seu acompanhante EE, melhor identificado no requerimento de 16/11/2022 c) a quem se comete, quando o requerido revelar estar numa situação de descompensação da doença de bipolar de que padece, o exercício das medidas de administração total de bens e como o acompanhamento no tratamento clínico, nomeadamente, quanto à marcação e comparência a consultas médicas, adesão às terapêuticas prescritas, toma de medicação e ao eventual internamento para cumprimento da medicação prescrita, d) para membros do Conselho de Família nomeia-se AA e GG, a primeira requerente destes autos e a segunda indicada pelo próprio requerido. e) rever as medidas decretadas no prazo de cinco anos, se antes nada o justificar (artigo 155.ᵒ do Código Civil). Sem custas. Registe e notifique.” De tal sentença veio a requerente interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “A) Na petição inicial a recorrente alegou os factos, nos pontos 27 a 53, factos estes que na sua globalidade foram dados por provados no âmbito do processo que sob o nº 2458/22.8T8VNG do Juízo Central Cível de Vila Nova Gaia – J2 em que é requerente, a recorrente e requeridos, a nomeada para membro do conselho de família GG e o beneficiário. B) Estes factos eram do conhecimento do Tribunal por consulta Citius e por se mostrarem alegados na Petição Inicial. Contudo, a sentença é totalmente omissa quanto à pronúncia sobre tais factos. C) Existe deficiência na resposta à matéria de facto, quando um ou alguns dos pontos, ou segmentos destes, não tenham sido objecto de respostas, no sentido de provado ou não provado. D) Tal pode ocorrer por lapso do tribunal, ou por uma incorrecta análise, no sentido de considerar determinada matéria controvertida não passível de resposta, quando na realidade o seja. Na verdade, os juízos conclusivos, matéria de direito, juízos de valor ou factos que estão plenamente provados por documentos não podem ser objecto de resposta. Sucede que, caso incorrectamente, o tribunal não responda com fundamento em tal, quando na realidade estamos perante matéria fáctica, chega-se à conclusão que a decisão de matéria de facto passará a ser deficiente por não responder totalmente a todos os quesitos. E) Ora sobre os referidos factos, articulados pela A., não foi proferida uma decisão (positiva ou negativa) no despacho que decidiu a matéria de facto, nem mesmo uma frase sumária, que englobasse esses factos, apesar de se tratar de matéria com interesse para a decisão da causa, vg. para aferir da verificação da idoneidade de pessoas para comporem o conselho de família do beneficiário. H) Verifica-se, assim, uma omissão de decisão sobre matéria de facto alegada pela A. que se traduz em deficiência da decisão respectiva: não foi dada resposta a todos os pontos de facto que as partes invocaram e que tinham interesse para a decisão. I) Os factos constantes dos supra referidos pontos são absolutamente relevantes para aferir da idoneidade para a nomeação para membro do conselho de família de GG, pelo que há omissão de pronúncia. J) O beneficiado escolheu como acompanhante EE e para membro do conselho de família, GG. Os factos dados por provados, e os relatórios médicos de psiquiatria juntos aos autos demonstram bem que o acompanhado não se encontra em condições de escolha. L) Nestas situações em que se julga que a escolha do acompanhado é inconveniente, por não se reconhecer ao acompanhante e ao membro do conselho de família escolhido suficiente idoneidade para o exercício das funções, a nomeação, tal como sucede nas situações em que o Acompanhado não escolhe o seu Acompanhante, deve recair sobre a pessoa idónea que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário. M) O primeiro fundamento para não ser nomeado para o exercício do cargo de Acompanhante, EE, contende com o facto de o mesma já exercer essa função em termos práticos relativamente à esposa, prima do beneficiário, por ser pessoa doente, conforme resulta dos relatórios juntos aos autos. N) O beneficiário não irá residir com o nomeado, nem este fará os acompanhamentos para os quais foi nomeado, pois não poderá levar consigo a esposa e também não a poderá deixar em casa. Também nenhuma relação de proximidade tem com o beneficiário. O) Por outro lado, quanto aos demais familiares do beneficiário, apenas possui condições para assegurar os interesses do acompanhado a recorrente, por ter uma profissão liberal, por ter uma habitação espaçosa e pessoas que consigo residem que tem condições para cuidar e tratar das conduções do beneficiário. P) Ainda que o elenco de pessoas indicadas nas várias alíneas do nº 2 do artigo 143º do CC seja meramente exemplificativo, e a sequência pela qual eles sejam indicados não constitua uma ordenação que importe uma regra de precedência obrigatória para o tribunal, a verdade é que a ordem seguida não deixa de revelar uma graduação influenciada por regras da experiência e deva ser por isso atendível. Q) Por assim ser é que se indicou a requerente, prima do beneficiário e CC, sua tia e irmã da mãe do beneficiário, após ter afastado as demais pessoas como potenciais pessoas idóneas a exercer o cargo de acompanhante e de membro do conselho de família. R) Além disso, sempre importa ter em atenção que o próprio legislador previu expressamente as situações de existência de potencial inidoneidade como impedimento à nomeação para membro do conselho de família e para acompanhante, a afastar logo a possibilidade de nomeação de GG pelos atos praticados sobre o património do beneficiário e pelos riscos que isso importava para a sua pessoa e para a sua própria subsistência. S) – Assim, a requerente surge como a única pessoa adequada para salvaguardar os interesses daquele no caso concreto. Repare-se que não será estranho reconhecer que entre o Acompanhado e a sua prima e tia se estabeleça, dentro das circunstâncias, uma ligação afectiva e pessoal bastante próxima. T) Não existe qualquer obstáculo que impeça esta nomeação, antes decorrendo do que se acaba de se expor, que a requerente será mesmo actualmente a única pessoa, juntamente com sua mãe e tia do beneficiário, a pessoa adequada e idónea para melhor salvaguardar os interesses imperiosos daquele. U) – Deverá, assim, ser julgado procedente o recurso e na sequência, substituída a decisão recorrida nos seguintes termos: - decretar-se o acompanhamento do beneficiário, e, em benefício deste das medidas de acompanhamento, consistentes na representação especial perante as instituições e organismos oficiais, incluindo instituições de saúde, finanças, segurança social e registo civil, com administração dos seus rendimentos, nomeadamente, os bens. - fixar-se em 01.01 2022 como a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes. - Para cargo de acompanhante nomear-se a requerente, AA; - Para a constituição do conselho de família, a tia do beneficiário, irmã de sua mãe CC e seu primo, DD. - As medidas de acompanhamento aplicadas deverão ser revistas no prazo de 5 anos. - Consigna-se que não há registo de que o beneficiário haja outorgado testamento vital ou procuração para cuidados de saúde. Deverá ser julgada a apelação procedente e revogada a sentença recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.” Não foram apresentadas contra-alegações. Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir. Considerando que o objecto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), tendo em conta a lógica e necessária precedência das questões de facto relativamente às questões de direito, são as seguintes as questões a tratar: a) – apurar se na decisão recorrida foi preterida matéria de facto alegada pela recorrente com relevo para a acção e que nela deve ser feita constar; b) – apurar, com base na pretendida alteração da matéria de facto ou independentemente dela, se a decisão recorrida deve ser revogada ou alterada, sendo nesta sede de apurar da pessoa a nomear como acompanhante e das pessoas a nomear como vogais do conselho de família. ** II – Fundamentação Vamos ao tratamento da questão enunciada sob a alínea a). A recorrente defende que deveriam constar da factualidade da sentença recorrida, a fim de serem relevados para aferir da idoneidade da nomeação de GG para membro do conselho de família, os factos por si alegados nos pontos 27 a 53 do seu requerimento inicial, os quais, segundo refere, foram na sua globalidade dados por provados no âmbito do processo nº2458/22.8T8VNG do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, em que é requerente a recorrente e são requeridos aquela Sra. GG e o beneficiário. Aqueles factos são os seguintes (transcrevem-se): “27º Quando o beneficiário BB saiu do Centro Hospitalar .../... tinha elevado património resultante da partilha aberta por óbito de sua mãe, HH, falecida em .../.../2021, no estado de divorciada, da qual era único e universal herdeiro.28º Esse património era constituído pelo saldo das contas bancárias da falecida.29º Pelo produto da venda da fracção autónoma sita na Rua ..., ..., união de freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova Gaia, com o valor comercial superior a 175.000,00 que herdara da falecida mãe.30º Pelo produto da venda do veículo Mercedes, modelo ..., com a matrícula ..-VB-.. de 2018-07-02, avaliado em 20.000,00. (D8)31º Com a venda do apartamento da falecida mãe, o internado BB adquiriu dois veículos marca Porsche, com as matriculas ..-LV-.. e ..-AD-.. e dois motociclos da marca BMW, com as matriculas ..-..-EF e ..-TI-.. e um Fiat ... com a matricula ..-..-EG. (D9 a 12)32º Era proprietário da fracção autónoma de habitação, designada pela letra K do tipo T2 sita no 2º andar esquerdo e lugar de garagem e arrumos, designados pela letra AG, sitos no prédio sito na Praceta ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova Gaia, descrito na CRP sob o nº ...16... e – AG e inscritos na matriz sob o artigo ...21... e – AG.(D13 a 17) 33º É proprietário do lote de terreno destinado a construção sito na Rua ..., Lote ..., com a área de 240m2, na União freguesias ..., ... e ..., concelho de Matosinhos, descrito na CRP sob o nº ...90 e inscrito na matriz sob o artigo ...02º.(D18 a 20) 34º Sucede que, em 20.01.2021, GG, NIF ..., residente na Rua ..., ... ... (VNG), invocando ser amiga do beneficiário, levou-o para a sua residência, após o beneficiário ter assinado termo de responsabilidade para substituir o regime de internamento por tratamento compulsivo em regime ambulatório, para sair do Centro Hospitalar .../....35º A partir dessa altura, o beneficiário BB ficou a viver na residência da Ré, sozinho com esta.36º Esta Senhora D. GG nunca permitiu a visita dos familiares do beneficiário, a requerente ou de sua tia, mãe da requerente, CC, ou de primo, em segundo grau, DD.37º Nunca autorizou que a requerente ou a tia ou o primo contactassem por telefone com o beneficiário.38º Também não atendia os contatos telefónicos efectuados pela requerente, nem lhe respondia às mensagens por SMS ou Whatsup.39º O beneficiário BB encontrasse diariamente sob forte medicação.40º Encontra-se extremamente magro e mal nutrido.41º A Sra. D. GG inteirando-se do património do beneficiário e aproveitando-se do seu estado de total dependência física e psíquica, com graves deficiências de intelecto e discernimento, assim como, deficiências de vontade e da própria afectividade e sensibilidade.42º Levou o beneficiário ao levantamento de todas as quantias que tinha nas contas em depósito, transferindo-as para a sua titularidade.43º Levou o beneficiário a transferir para sua propriedade o veículo da marca BMW, matricula ..-..-EF em 03.03.2022. (D21)44º Levou o beneficiário a efetuar a venda do veículo marca Porsche, com a matrícula ..-LV-.., por quantia que se desconhece, a II, conforme junto.45º A fracção autónoma de habitação, designada pela letra K do tipo T2 sita no 2º andar esquerdo, sita no prédio sito na Praceta ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova Gaia, descrito na CRP sob o nº ...16... e – AG e inscritos na matriz sob o artigo ...21... e – AG foi vendida no âmbito do processo de execução nº 8761/20.4T8VNG do Juízo de Execução do Porto – J1 em que é exequente A... – Mediação Imobiliária, Lda, para pagamento de divida no montante de 16.257,48 e de credito reclamado no valor de 3.200,00, pelo valor de 126.811,99, acrescida da penhora de rendas no valor de 2.000,00. (D22 e 23)46º Existe o sério risco da Sra. D. GG se apropriar das quantias que irão ser transferidas pela Agente de Execução para a conta bancária do beneficiário em valor na ordem dos 104.554,01, para o que já requisitou na conta em deposito do beneficiário no Banco 1... de um modulo de cheques com o objetivo do internando assinar vários cheques ao portador, permitindo-lhe o seu levantamento em numerário, sem identificação do portador dos cheques e da pessoa que efetuou os movimentos a débito. (D24)47º Também o veiculo motorizado BMW ...., com matricula ..-TI-.., foi vendido no âmbito do processo de execução nº 4539/21.6T8PRT do Juízo de Execução do Porto – J4 em que é exequente BNW Banco 2... – Sucursal Portuguesa, para pagamento de divida atualmente no montante de 1.374,06, pelo valor de 15.300,99. (D25)48º Existe o sério risco de se apropriar das quantias que irão ser transferidas pela Agente de Execução para a conta bancária do beneficiário em valor na ordem dos 13.000,00 pelo modo supra descrito.49º Existe serio risco de persuadir o beneficiário a transferir para sua propriedade o lote de terreno destinado a construção sito na Rua ..., Lote ..., com a área de 240m2, na União freguesias ..., ... e ..., concelho de Matosinhos, só ainda não o tendo feito porque o beneficiário tem dividas perante a Autoridade Tributária e não é possível a transferência da propriedade sem o prévio pagamento dessas dividas.50º Mas com a venda da fracção e com o pagamento pela Agente de Execução dos créditos reclamados no processo de execução pela Autoridade Tributária, fica sem obstáculos para levar o beneficiário a transferir para sua propriedade esse lote de terreno.51º Existe também serio risco de levar o beneficiário a transferir para sua propriedade o veiculo Porsche ..., ..-AD-.., para o que já providenciou pelo seu levantamento na Porsche Matosinhos, onde se encontrava parqueado desde 17.12.2021 para garagem de pessoas da sua confiança, onde o mantém parqueado, para posterior venda. (D26)52º Levou também o beneficiário a transferir para sua propriedade o veículo da marca Fiat ... com a matricula ..-..-EG, que adquiriu pelo preço de 19....,00 à empresa do B..., Unipessoal, Lda., NIPC .... (D27)53º Carece o beneficiário de orientação e auxílio permanentes, sendo necessário que alguém o represente e supra a sua total incapacidade para se cuidar, exercer os seus direitos, cumprir os seus deveres e zelar pela sua pessoa e por seus bens, porquanto o acompanhamento do beneficiário não se mostra garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência, pelo que é necessário decretar tal medida.” Vejamos. Analisando aquele elenco factual, verifica-se desde logo que os factos referidos sob os pontos 27, 28, 29, 30, 31, 32 e 33 são relativos ao património do beneficiário, do que decorre que os mesmos, em si, não têm relevo para os presentes autos, pois nestes não se profere qualquer decisão a alterar a sua situação. Como tal, não há que os ter em conta. A matéria de facto referida sob o ponto 39, por si só claramente conclusiva, acaba por estar contemplada no nº7 dos factos provados da sentença recorrida (onde se refere que o beneficiário “encontra-se em acompanhamento em consulta psiquiatria e a cumprir tratamento psicofarmacológico” – sublinhado nosso). A matéria de facto referida sob o ponto 40, além de conclusiva, é inútil, motivo pelo qual não a há que ter em conta. A matéria constante do ponto 53 é conclusiva – mais não traduz do que o fundamento da propositura da acção – e, como tal, porque contrária à matéria estritamente factual que há que ter em conta na sentença (art. 607º nº4 do CPC), não há que a considerar. A matéria dos pontos 34, 35, 36, 37, 38, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51 e 52 respeita a comportamentos ou actuações imputadas a pesssoa que não é (nem tinha que ser) parte na presente acção, e assim sendo, porque esta não pôde deduzir qualquer contraditório em relação a tal matéria, os respectivos factos não lhe poderão ser opostos. Como tal, também esta matéria não pode ser tida em conta. Ainda que assim não fosse, há ainda que atentar no seguinte: ao aludir aos factos “dados por provados no âmbito do processo” acima identificado – o nº2458/22.8T8VNG do Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2 –, a recorrente está a referir-se à cópia da decisão nele proferida em 20/4/2022 e que juntou aos presentes autos em 17/5/2022, decisão esta que nem sequer se sabe se transitou em julgado (desde logo porque não foi por si junta qualquer certidão em tal sentido). Ora, tal decisão, além de não se mostrar transitada em julgado, ocorreu, como dela se vê, numa providência cautelar de apreensão de bens e foi proferida na sequência de ter sido dispensada a audiência prévia dos nela requeridos, pois só foi ordenada a citação destes para deduzirem oposição no final daquela própria decisão e não se sabe o que veio a seguir em termos de tramitação daqueles autos – como tal, nem sequer se sabe se aquela é a decisão final da providência, pois na sequência da citação dos requeridos estes podem vir a deduzir oposição e a decisão final pode, por via disso, vir a ser outra (arts. 366º nº6 e 372º nº1 b) do CPC). Além disso, e ainda que (apenas conjecturando) aquela seja uma decisão final da providência, os factos ali dados como provados só o são indiciariamente – como ali expressamente se tem o cuidado de referir ao elencar tal factualidade – e só assim o podiam ter sido, pois como se prevê no art. 364º nº4 do CPC “Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal”. E isto, como nos parece óbvio, nem em relação à acção principal de que a providência seja dependência (art. 364º do CPC), nem, naturalmente, a qualquer outra. Como tal, os factos ali dados como provados não estão revestidos de qualquer força probatória que se imponha a estes autos (sendo que, por outro lado, seja de referir, ainda que por mera curiosidade, que em contrário da pretensão probatória que com base naquela peça processual esboça a recorrente, dela até resulta – conforme matéria de facto não provada ali referida – que os factos referidos nestes autos sob os pontos 28º, 31º, 36º, 37º, 40º, 42º, 44º e 52º foram ali dados como não provados…). Assim, quer porque está em causa matéria de facto inútil e também matéria de facto insuceptível de ser oposta a pessoa que não é parte na presente acção, quer porque os factos dados como provados naquela decisão não estão revestidos de qualquer força probatória que se imponha a estes autos, não é de imputar à sentença recorrida qualquer patologia – nomeadamente susceptível de a anular com base no disposto no art. 662º nº2 c) do CPC – por nela não se considerar a factualidade referida sob aqueles pontos. Como tal, improcede a questão recursória em apreço. Passemos agora às questões enunciadas sob a alínea b). A matéria de facto provada a ter em conta é a da sentença recorrida (onde não se referem quaisquer factos não provados), considerando nós que é pertinente adicionar à mesma, para melhor compreensão do juízo médico psiquiátrico que emana da perícia médico-legal efectuada ao beneficiário, os dados constantes do relatório desta sob a epígrafe “Respostas aos quesitos” (supra referidos no relatório deste acórdão), ainda que alguns de tais pontos já estejam incluídos na factualidade daquela peça [note-se que ao processo de maior acompanhado aplica-se o disposto nos processos de jurisdição voluntária designadamente no que respeita aos poderes do juiz e ao critério do julgamento (art. 891º nº1 do CPC), sendo que nestes o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita (art. 987º do CPC)]. Assim, temos os seguintes factos provados (incluindo-se no seu elenco um novo ponto, com o nº13, com aqueles dados): 1) BB nasceu a .../.../1965 e é divorciado. 2) BB apresenta um estado de consciência vigil, orientado no tempo e no espaço. 3) Apresenta um discurso coerente e sem alterações do curso do pensamento. 4) As suas funções cognitivas, numa avaliação clínica, situam-se dentro de variações da normalidade para o grupo etário. 5) BB sofre de doença afectiva bipolar com episódio de descompensação maníaca, com prodigalidade. 6) A doença tem habitualmente um curso crónico, grave, com episódios de descompensação em fase maníaca, depressiva ou mista. 7) BB encontra-se em acompanhamento em consulta psiquiatria e a cumprir tratamento psicofarmacológico. 8) BB reconhece e admite que em fase de elação do humor, ou seja, em fase maníaca tem gasto avultadas de dinheiro e feito alguns negócios ruinosos. 9) A capacidade de juízo crítico, nas fases de descompensação, encontra-se prejudicada mas em fase de estabilização psicopatológica encontra-se capaz. 10) Quanto em fase da descompensação maníaca é de admitir que BB tenha um comportamento extravagante e de prodigalidade e em fase depressiva será de prever uma ideação de ruína e pensamentos suicidas. Em fase mista pode haver um quadro complexo com sintomas da fase maníaca e da depressiva. 11) Por sentença de 30/12/2021, proferida no processo n.º 9133/21.9T8VNG, do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia, J2, BB foi internado compulsivamente por apresentar alteração grave do comportamento. 12) BB deve ser acompanhado regularmente em consulta de psiquiatria e cumprir terapêutica estabilizadora do humor, se necessário, na forma de anti-psicótico injetável de libertação prolongada, com administração supervisionada por Unidade de Saúde ou Serviço de Psiquiatria. 13) No relatório da perícia médico-legal psiquiátrica efectuada ao beneficiário, entrado nos autos a 29/8/2022, sob a sua epígrafe “Resposta a quesitos” e por atinência às respostas aos pontos do objecto da perícia definido nos autos, refere-se, designadamente, o seguinte: · o paciente tem capacidade para viver sozinho; · sofre de doença bipolar, com descompensação em fase maníaca; · a evolução da doença é muito polimorfa. Em fase da descompensação maníaca é de admitir um comportamento extravagante e de prodigalidade e em fase depressiva será de prever uma ideação de ruína e pensamentos suicidas. Em fase mista pode haver um quadro complexo com sintomas da fase maníaca e da depressiva.; · deve ser acompanhado regularmente em consulta de psiquiatria e cumprir terapêutica estabilizadora do humor, se necessário, na forma de anti-psicótico injetável de libertação prolongada, com administração supervisionada por Unidade de Saúde ou Serviço de Psiquiatria; · encontra-se estabilizado, conforme informação da sua médica psiquiatra assistente; · tem capacidade para viver sozinho; · se não estiver em fase de descompensação da doença, tem capacidade de compreender o valor e consequências dos seus actos; · a doença é crónica como (quase) todas as doenças psiquiátricas; · tem capacidade de se autodeterminar. Não tem capacidade de administrar os seus bens; · se não estiver em fase de descompensação da doença, tem discernimento para a vida em sociedade; · na maioria dos casos a patologia não é incapacitante para o trabalho; apenas o é temporariamente, nas fases de descompensação. Como se vê do recurso, a recorrente opõe-se à nomeação de EE para acompanhante do beneficiário e à nomeação de GG para vogal do conselho de família, como decidido na sentença recorrida, defendendo que deve ser ela nomeada para acompanhante e que devem ser nomeados para integrar o conselho de família CC e DD, respectivamente tia do beneficiário e primo do beneficiário em segundo grau. Analisemos. Comecemos pela nomeação do acompanhante. Rege sobre tal o art. 143º do C. Civil, onde se preceitua, sob o nº1, que o acompanhante deve ser maior e no pleno exercício dos seus direitos e é escolhido pelo acompanhado e, sob o nº2, que na falta de escolha o acompanhamento é deferido, designadamente, às pessoas referidas sob as suas várias alíneas, optando-se pela “designação que melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário”. Ao beneficiário, face àquela determinação legal que lhe dá a si o direito de escolher o acompanhante, apenas se exige que “tenha capacidade bastante para efetuar tal escolha de forma livre e esclarecida”[1]. No caso, o beneficiário, como resulta da factualidade provada, ainda que sofra de doença bipolar com descompensação em fase maníaca, encontra-se estabilizado – em acompanhamento em consulta psiquiátrica e a cumprir tratamento psicofarmacológico –, tem capacidade para viver sozinho, tem, porque estabilizado, capacidade de compreender o valor e consequências dos seus actos e tem capacidade de se autodeterminar. Assim, aquela “capacidade bastante” está claramente presente no beneficiário. Por outro lado, a pessoa nomeada, EE – sobre a qual nada se apurou em desabono da sua idoneidade para tal –, foi a expressamente escolhida pelo beneficiário (como consta do requerimento deste entrado nos autos a 16/11/2022), sendo que este, logo no seu articulado de resposta apresentado a 10/4/2022 (ao requerimento inicial), referiu que se tivesse que escolher alguém para o acompanhar nunca escolheria a requerente, do que decorre, além da vontade inequívoca de escolha daquela pessoa, também a vontade inequívoca de não ser nomeada como acompanhante a requerente, sendo que também esta vontade tem que ser respeitada[2]. Como tal, há que, respeitando a escolha do beneficiário, confirmar a nomeação como seu acompanhante de EE decidida na sentença recorrida. Vamos agora aos membros (vogais) do conselho de família, o qual, como possibilitado pelo art. 145º nº4 do C. Civil, foi decidido constituir. A sentença recorrida nomeou como vogal a própria requerente/recorrente, como promovido pelo Mº Pº no seu parecer de 16/1/2023, e esta nomeação como vogal da própria requerente não se mostra questionada: o beneficiário, não obstante não a ter indicado para membro do conselho de família (conforme o seu requerimento de 16/11/2022), não interpôs recurso da sentença e a própria requerente no seu recurso, apesar de pretender ser ela nomeada como acompanhante, não rejeita a sua nomeação como membro do conselho de família, pois apenas questiona a nomeação para tal órgão de GG. Esta Sra. GG, amiga do beneficiário e pessoa com quem e em cuja casa este vive desde Janeiro de 2022 (a partir da alta do seu internamento compulsivo), conforme relatório da Segurança Social entrado nos autos a 7/12/2022, foi nomeada como membro do conselho de família na sequência de ter sido expressamente indicada pelo beneficiário como uma das pessoas para tal (conforme requerimento deste de 16/11/2022) e foi também indicada pelo Mº Pº no seu parecer de 16/1/2023. Como se sumaria no Acórdão do STJ de 19/1/2023, proferido no processo nº4060/19.2T8LRS.L1.S1 (relatado pela Sra. Conselheira Fátima Gomes, disponível em www.dgsi.pt), na sequência da análise a que ali se procede do Regime Jurídico do Maior Acompanhado (RJMA) introduzido pela Lei n.º 49/2018, de 14-08, e da sua interpretação em conformidade com o considerando n) do Preâmbulo da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (em que os Estados Partes reconhecem “a importância para as pessoas com deficiência da sua autonomia e independência individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas”), “O RJMA consagra o critério do primado da vontade do beneficiário não apenas na escolha do acompanhante, mas também das pessoas que deverão cooperar com este, fiscalizar a sua actuação, e substituí-lo nas suas faltas e impedimentos, o que inclui os membros do Conselho de Família (…)”. Efectivamente, como ali nomeadamente se dá conta: - o nº 4 do art. 145º do C. Civil prevê que a representação legal do beneficiário segue o regime da tutela, mas com as adaptações necessárias, o que implica conferir primazia à vontade do beneficiário de acordo com o regime legal do maior acompanhado interpretado à luz da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; - a aplicação do art. 1952º, nº 1, do C. Civil, com as devidas adaptações, ao regime do maior acompanhado, exige que seja especialmente tida em conta, com absoluta primazia sobre os outros critérios, a escolha livre e esclarecida feita antecipadamente pelo próprio beneficiário antes de se verificar a sua incapacidade; - o art. 900º, nº 3, do CPC, determina que a sentença proferida na acção especial de maior acompanhado deve respeitar a vontade antecipadamente expressa pelo acompanhado, não se distinguindo entre a escolha do acompanhante e a escolha dos membros do Conselho de Família. Sendo aquela Sra. GG amiga do beneficiário e a pessoa com quem e em cuja casa este vive, e tendo a mesma sido expressamente indicada pelo beneficiário para integrar o conselho de família, não há como não respeitar tal indicação por via daquele primado da sua vontade. Aliás, diga-se – e admitindo que a requerente está efectivamente interessada na protecção do beneficiário e na preservação do seu património em relação à prodigalidade que o mesmo corre o risco de praticar em fases de descompensação da sua doença bipolar (nºs 5, 6, 8, 9, 10 e 13 dos factos provados) –, não se descortina porque é que a requerente é tão avessa à nomeação daquela Sra. GG para tal órgão, pois são só dois os seus vogais, a requerente, a par daquela Sra., é um deles, partilhando portanto das mesmas competências que ela, e o mesmo é presidido pelo agente do Mº Pº (art. 1951º do C. Civil), sendo que, como se sabe, este está particularmente vocacionado para as funções de fiscalização que são próprias do referido órgão (art. 1954º do C.Civil). Além disso, pode haver remoção de tais vogais no caso de os mesmos faltarem ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revelarem inaptidão para o seu exercício (arts. 1960º e 1948º do C. Civil). Deste modo, há que confirmar a decidida nomeação daquela Sra. GG para membro do conselho de família. Por tudo quanto se expôs, há que julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida. Não há lugar a custas, por o processo delas estar isento [art. 4º, nº2, alínea h) do RCP, na redacção introduzida a esta alínea pelo art. 424º da Lei 2/2020, de 31/3]. * Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC): ………………………………………… ………………………………………… ………………………………………… ** III – Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Sem custas. *** Porto, 12/7/2023 Mendes Coelho Joaquim Moura Ana Paula Amorim ______________ [1] Paula Távora Vítor, in “Código Civil Anotado”, Coord. de Ana Prata, volume I, 2ª edição, Almedina, pág. 178, anotação 5 ao art. 143. [2] Citando a autora e obra referidas na nota anterior, in nota 4 ao art. 143º, “A nova disposição do nº1 decorre de um princípio estruturante do sistema – o princípio da autonomia (v. considerando (n) da Convenção das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas com Deficiência), que se manifesta em diversas fases e aqui também numa fase prévia ao funcionamento da medida de apoio. A lei parece apenas consagrar a hipótese de uma indicação positiva (escolha do acompanhante) e não a possibilidade de afastamento de determinada pessoa do cargo; todavia, o respeito pela autodeterminação do beneficiário não pode deixar de conduzir a uma interpretação que dê relevância a uma vontade adequadamente expressa neste sentido.” (sublinhado nosso) |