Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FÁTIMA ANDRADE | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACTO MEDICO INTERVENÇÃO CIRÚRGICA OBRIGAÇÃO DE RESULTADO | ||
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Nº do Documento: | RP20200323401/16.2T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/23/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O entendimento generalizado de que a obrigação de prestação do ato médico configura uma obrigação de meios por parte do médico, na obtenção do tratamento adequado, comporta exceções justificadas na distinção da atividade médica de caráter mais geral e assim mais complexa, versus algumas atividades médicas mais especializadas, vocacionadas para um fim determinado e em que a margem de risco se assume como mínima, permitindo enquadrar a obrigação do médico assumida como uma obrigação de resultado. II - Assume a natureza de uma obrigação de resultado a execução de um ato de anestesia no início de um contratado restauro de dois dentes. Ato este comum e recomendado e de resultado altamente provável. III - A fratura da agulha usada no decurso da anestesia, ficando o respetivo fragmento alojado na mucosa à direita é um dano não expectável nem suposto na execução do procedimento levado a cabo pelo 1º R. e que demonstra o cumprimento defeituoso da obrigação assumida. Afeta igualmente a integridade física da autora, protegida pelo disposto no artigo 70º do CC. IV - Demonstrado que o resultado pretendido não foi alcançado, justifica-se recair sobre o mesmo médico o ónus de provar que usou de toda a diligência e cuidado, no respeito pelas leges artis, no exercício da sua atividade, como forma de afastar a culpa que se presume (artigo 799º do CC). V - O devedor responde no caso de responsabilidade contratual “não só pelo cumprimento dos deveres (principal e secundários) de prestação, mas também pela observância dos deveres acessórios de conduta”, nomeadamente pelo dever de proteção na salvaguarda da integridade física do paciente. VI - Na fixação do quantum indemnizatório por danos não patrimoniais há que recorrer a juízos de equidade. VII - Assente este juízo de equidade na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, é entendimento jurisprudencial reiterado que tal juízo apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares. VIII - Na interpretação do artigo 563º do CC seguida pelo nosso tribunal superior “É necessário (…) não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção”. IX - Sendo a A. submetida a intervenção cirúrgica posterior por uma entidade terceira para tentativa de remoção do fragmento da agulha, justificada no contexto mencionado pela lesão anterior, quebra à partida quanto às lesões que desta intervenção serão consequência o nexo causal com o ato ilícito inicial. X - Assim só não seria, se demonstrado estivesse que estas lesões (posteriores) e sequelas permanentes apuradas sempre seriam consequência necessária, adequada ou expectável de acordo com a experiência comum, da segunda intervenção e nessa medida por via indireta, estariam ainda conexionadas ao ato ilícito inicial, na medida em que então se poderia concluir que este foi adequado a produzir as lesões finais e que em concreto estas teriam com toda a probabilidade sido ainda produzidas como consequência daquelas. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº. 401/16.2T8PVZ.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta - Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta - Juíza Desembargadora Fernanda Almeida Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto – Inst. Central Cível Póvoa de Varzim Apelante/Apelada (R)/ “D… – Companhia de Seguros S.A.” S.A.” Apelada(Apelada (A)/ B… Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC). …………………………. …………………………. …………………………. Acordam no Tribunal da Relação do Porto I- Relatório B… instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra C… e “D… – Companhia de Seguros S.A.” anteriormente denominada “E…, Companhia de Seguros, S.A.” peticionando pela procedência da ação a condenação solidária dos RR.: “a) a pagar à ora Autora a indemnização liquidada de 50.704,65 € (cinquenta mil, setecentos e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), a título de danos não patrimoniais e patrimoniais sofridos por esta, até à data, em consequência do sinistro dos autos; b) a pagar à ora Autora a indemnização pelos custos referentes a consultas médicas, diagnósticos, tratamentos, possíveis cirurgias, reabilitação e medicação que venha a ter de efetuar, a liquidar ulteriormente; c) a pagar à ora Autora a indemnização por outros danos patrimoniais e danos não patrimoniais de que a Autora venha a sofrer após a propositura da ação, a liquidar ulteriormente; d) a pagar juros de mora à taxa legal de 4% sobre todas as quantias reclamadas, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.” Para tanto alegou em suma: - Ter o 1º R. no exercício da respetiva atividade profissional de médico dentista e mediante a correspondente remuneração, efetuado diversas consultas de medicina dentária à autora. No decurso das quais e nomeadamente em 24 de Março de 2014 deixou alojado na mucosa à direita um fragmento de uma agulha que fraturou no decurso de uma anestesia troncular à direita que aplicava à autora. - Fragmento que o 1º R. e após o Centro Hospitalar … para o qual o 1º R. posteriormente conduziu a autora tentaram sem sucesso retirar, apesar de todas as diligências e intervenções a que foi submetida. Causa de todos os danos que elencou; - Ter o evento danoso descrito ocorrido por negligência, imprudência ou imperícia do 1º R. que à data havia transferido para a 2ª R. a sua responsabilidade civil profissional e que assim responde solidariamente com o 1º réu pelos valores indemnizatórios peticionados. Regularmente citados os RR. ambos contestaram. A 2ª R. alegou entre o mais que a A. não alegou os pressupostos constitutivos do direito à indemnização. Alegou igualmente que os eventos danosos, a existirem, se ficaram a dever decisivamente ao comportamento dos médicos que posteriormente intervencionaram a A.. Concluindo sempre dever a ação improceder por ter o 1º R. atuado em cumprimento escrupuloso dos seus deveres de conduta, agindo de forma prudente e competente. Termos em que terminou concluindo pela procedência da exceção e sempre pela absolvição dos RR. do pedido. * Contestou o 1º R. em suma tendo alegado:- a fratura da agulha é um risco atinente à realização do procedimento anestésico; - realizou a adequada técnica médica ao tratamento a que se propunha; - a sua é uma obrigação de meios, não de resultados, tendo na sua atuação respeitado todas as técnicas e práticas recomendadas, cumprindo assim as leges artis; - a existirem as lesões descritas, o que impugnou, são as mesmas um risco próprio da atuação e descrito na literatura da especialidade, em nada tendo contribuído para a sua verificação. Mais invocou o 1º R. que a A. não alegou factualidade da qual resulte não ter o mesmo atuado de acordo com as técnicas e regras de arte adequadas. Nem alegou factualidade da qual resulte serem as lesões por si descritas e que igualmente impugnou, o resultado da sua atuação; - Lesões que mais alegou estar convicto terem resultado da atuação dos atos médico-cirúrgicos a que posteriormente a A. foi submetida no Hospital …. A final tendo o 1º R. concluído pela sua absolvição do pedido. * Convidou o tribunal a quo a A. a exercer o contraditório em relação à pela R. seguradora arguida falta de alegação dos “pressupostos constitutivos do direito de indemnização peticionado”.Após convite para tanto, exerceu a A. o contraditório em relação à exceção deduzida pela R. seguradora na sua contestação, concluindo pela improcedência da mesma, na medida em que alegou os factos constitutivos do seu direito a ser indemnizada pelos RR.. * Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador; identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.* Realizada audiência final, foi após proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência condenou “os réus, C… e E…, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagar à autora a quantia de 25.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, a que acrescerão juros legais a contar da data da presente decisão e até efetivo pagamento da indemnização.”* Do assim decidido apelaram a R. seguradora e a A. subordinadamente.Apelação da R. seguradora. Apelou a R., oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões: …………………………… …………………………… …………………………… Apresentou a A. contra alegações, em suma tendo concluído pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo. Apelação, subordinada, da A.. Apelou a A. subordinadamente, oferecendo alegações e formulando as seguintes Conclusões: …………………………… …………………………… …………………………… Apresentou a R. contra alegações, em suma tendo concluído pela improcedência do recurso subordinado. *** Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.Foram colhidos os vistos legais. *** II- Âmbito dos recursos.Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar: 1) Recurso da 2ª R.. i- erro na aplicação do direito. Em causa a ilicitude da atuação do 1º R. que a 2ª R. alega não ficou demonstrada (vide conclusões 1 a 20). A implicar a improcedência da ação. A assim não ser entendido, quantificação do dano não patrimonial que a recorrente alega deverá ser reduzido (vide conclusões 21 e seguintes). 2) Recurso subordinado da autora. i- erro na aplicação do direito. Em causa a indemnização a título de dano biológico por si peticionada e que pugna deve ser julgada procedente por demonstrado o nexo causal, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo (conclusões I a XIV). Ainda, a condenação a indemnizar a A. pelos danos futuros a liquidar ulteriormente por demonstrados de acordo com o ponto 31 dos factos provados (conclusões XV e seguintes). *** III- FundamentaçãoForam dados como provados os seguintes factos: “1º. A autora nasceu em 15/10/1949. 2º. O 1.º réu é licenciado em Medicina Dentária, sendo portador da cédula profissional emitida pela Ordem dos Médicos Dentistas de Portugal. 3º. No exercício da respetiva atividade profissional, e mediante a correspondente remuneração, o 1.º réu efetuou diversas consultas de medicina dentária à autora, na F…, sita na Avenida …, n.º .., na Póvoa de Varzim. 4º. No dia 24 de Março de 2014, pelas 15.30 horas, em consulta destinada a tratamento dentário, no momento em que o 1.º réu aplicava à autora anestesia troncular à direita, ocorreu a fratura da agulha usada. 5º. O fragmento da agulha ficou alojado na mucosa à direita, em posição perpendicular ao ramo ascendente direito da mandíbula, ligeiramente inferior à chanfradura angular. 6º. O 1.º réu efetuou ortopantomografia à boca da autora e fez diversas tentativas de retirar o fragmento da agulha. 7º. Face ao insucesso das tentativas de retirar o fragmento da agulha, o 1.º réu decidiu recorrer ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, sito na …, no Porto, tendo aí conduzido a ora autora. 8º. Acompanhada do 1.º réu, a autora veio a ser atendida no referido Serviço de Urgência às 18.07 horas. 9º Apresentava tumefação na região pterigóidea direita, com duas soluções de continuidade, com discreta hemorragia à manipulação e dor. 10º. A responsabilidade civil profissional do 1.º réu, até ao montante da cobertura contratualizada, encontra-se transferida para a 2.ª ré, através de contrato de seguro a que corresponde a apólice número …………….. 11º. A 2.ª ré procedeu ao pagamento do montante de 450,49 euros, referente a parte das despesas de transporte/deslocação e das taxas moderadoras pagas no Hospital …. Mais se provou que: 12º. No Hospital …, naquele dia 24/03, foi realizada uma tomografia computorizada à face e dentes, tendo este exame mostrado “agulha imediatamente adjacente à vertente medial do ramo da mandíbula ao nível do orifício de entrada do nervo alveolar inferior”. 13º. Cerca das 20.00 horas, foi determinado à ora autora que regressasse no dia seguinte, em jejum, para tentativa de remoção do fragmento da agulha sob anestesia geral, sendo-lhe efetuada a prescrição de antibióticos (amoxicilina/clavulanato) e ibuprofeno e paracetamol em SOS e explicados os sinais de alarme e dadas indicações quanto à toma da medicação habitual e da então prescrita. 14º. No dia 25 de Março de 2014, a autora foi novamente conduzida ao Centro Hospitalar … pelo 1.º réu. 15º. Com vista à preparação para a intervenção cirúrgica que lhe foi determinada, efetuou vários exames, nomeadamente exame de cardiologia e análises clínicas e cerca das 17.00 horas, no Serviço de Estomatologia, foi sujeita a intervenção cirúrgica (miotomia), com anestesia geral, com duração de cerca de uma hora, para tentativa de remoção da agulha mais uma vez, sem sucesso. 16º. À referida intervenção cirúrgica foi atribuído um nível de prioridade clínica de “prioritário”, dado o risco de infeção e hemorragia. 17º. No final da referida intervenção cirúrgica, foi efetuada sutura das incisões, tendo os pontos da porção inferior da sutura sido retirados uma semana depois e os demais pontos cerca de um mês após a intervenção. 18º. A autora ficou internada entre os dias 25 e 27 de Março de 2014 e durante o internamento foi medicada, com amoxicilina/clavulanato, dexametasona, diclofenac e clorohexidina. 19º. Apesar dessa medicação, sofreu dores, queixando-se da mera movimentação do queixo. 20º. Aquando da alta do internamento, foi-lhe prescrita amoxicilina/clavulanato, deflazacorte, ibuprofeno e cloro-hexidina. 21º. Nos dias que se seguiram, a autora ficou impedida de realizar as normais tarefas diárias, tendo tido de se socorrer de terceira pessoa para a execução de tarefas básicas do dia-a-dia, como cozinhar, passar a ferro, limpar a casa e ir ao supermercado, limitações estas que muito a enervaram e angustiaram. 22º. Em consequência da intervenção cirúrgica realizada dia 25/03, apresentou, durante cerca de duas semanas, edema das regiões masseterina, parotídea e submandibular e hematoma na região submandibular e esteve limitada, pelo menos, a alimentação mole e só para o lado esquerdo da face, do que resultou perda de peso em valor não concretamente apurado. 23º. Após a alta hospitalar, manteve a vigilância da situação pelo Serviço de Estomatologia do Centro Hospitalar …, tendo sido realizadas consultas nas seguintes datas: - 1 de Abril de 2014; - 8 de Abril de 2014; - 22 de Abril de 2014; - 23 de Junho de 2014; - 22 de Setembro de 2014; - 5 de Junho de 2015; - 26 de Outubro de 2015. 24º. Na consulta de 23 de Junho de 2014, foi adicionalmente prescrita a toma de Neurobion bem como a realização de nova tomografia computorizada (TC) da face, apresentando nessa data assimetria da face com aumento de volume da região masseterina direita e alteração da consistência (endurecimento) dos tecidos da região pterigoideia direita. 25º. Em 15 de Setembro de 2014, na Unidade de TAC do …, foi sujeita a tomografia computorizada tridimensional da face, sendo confirmada a “existência de uma opacidade linear milimétrica envolvendo o músculo pterigoideu à direita e estendendo-se até ao ramo ascendente da mandíbula deste lado”, mais foi salientado que “a topografia desta estrutura é ligeiramente diferente da encontrada no exame de 24/03/2014”. 26º. A autora fez consultas de medicina dentária no G…, S.A. (G…), na …. 27º. Com a realização da primeira consulta, em 28 de Abril de 2014, despendeu a quantia de 80,00 euros. 28º. No referido G…, em 5 de Maio de 2014, após exame clínico e radiológico, foi verificado que a ora autora apresentava: - presença de tártaro e pigmentação generalizada; - mordida “em tesoura”; - dor no 4º quadrante, aumentada a nível dos incisivos inferiores; - presença de uma porção de agulha anestésica a nível do ramo mandibular direito; - dores musculares intensas a nível masséter e temporal, afetando mais lado direito; - sensação de parestesia/dormência no lábio inferior direito, parte do mento, dente e gengiva neste quadrante. 29º. A presença de tártaro e pigmentação generalizada dos dentes da autora obrigou a destartarização com polimento, com o que despendeu a quantia de 60,00 euros. 30º. Foi prescrito à autora o uso de goteira de relaxamento muscular, com o que despendeu a quantia de 500,00 euros. 31º. A vigilância da situação da autora mantém-se, sendo que na presente data o fragmento da agulha continua na face da autora, na mucosa à direita. 32º. A autora apresenta dificuldades de conseguir mastigar com o lado direito da boca, sentindo perda de saliva pelo canto direito dos lábios, bem como os traumatismos acidentais do lábio durante a mastigação. 33º. A autora padece, em permanência, de hipostesia e hiperestesia/dormência do lado direito da face e no hemi-lábio inferior direito, hipersensibilidade no mesmo hemi-lábio e sensações de ardência e de choques, ausência de sensibilidade na mucosa jugal à direita, disestesias (alterações da sensibilidade) no território inervado pelo nervo alveolar inferior direito, 34º. A autora passou ainda a sofrer de dores musculares intensas a nível masséter e temporal, afetando mais o lado direito e ainda de dores “em fisgada” na gengiva e dentes inferiores da metade inferior direita e dores na metade direita do mento e do lábio inferior, com agravamento ao toque, bem como de dor “tipo agulhada” no interior do ouvido direito. 35º. Desde a ocorrência do descrito em 4º, vive num constante estado de nervosismo e aflição e em permanente sobressalto, temendo alterações da situação do fragmento da agulha e respetivas consequências, andando em permanência ansiosa e angustiada. 36º. Teve dores, suportou incómodos, mal-estar e transtornos. 37º Não obstante a toma de medicação analgésica regular, sofreu intensas dores, vendo o seu o quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente. 38º. A consolidação médico-legal das lesões da autora ocorreu em 23/06/2014, ficando a mesma a padecer de um défice funcional permanente, atinente à afetação do ramo sensitivo do nervo trigémeo, com dor e alterações de sensibilidade associadas, estando afetada com um défice de 5 pontos. 39º. Ficou com dependência permanente de ajuda medicamentosa analgésica. Provou-se também que: 40º. O tratamento a que a autora se iria submeter no dia 24/03 era o da restauração dos dentes 4.6 e 4.3 (dentes situados no lado inferior direito da boca, no denominado quarto quadrante), sendo o recurso a anestesia troncular para a realização deste tratamento o mais comum e recomendado pelas boas práticas. 41º. O 1º réu deu início ao tratamento com a administração da anestesia, que foi efetuada com uma seringa acoplada a uma cânula, tendo aquando da remoção da seringa detetado a fratura da agulha. 42º. O 1º réu teve qualquer intervenção na realização da cirurgia a que a mesma se submeteu no Hospital ….” * O tribunal a quo considerou ainda como não provado:“Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados e levados aos temas de prova, e outros que tivessem interesse e/ou relevância para a boa decisão da presente causa, designadamente, e em síntese: a-) demais danos invocados pela autora, presentes e futuros, e que o descrito em 22º a 28º (com exceção da presença de uma porção de agulha anestésica a nível do ramo mandibular direito) a 30º, 32º a 34º, 37º, 38º e 39º foram causados e tiveram a sua origem no descrito em 4º e 5º; b-) demais atuação do réu, no sentido de como aplicou a anestesia, junto ao orifício mandibular, no ponto da interseção de um plano vertical (acerca de 1 cm do plano oclusal) e de um plano horizontal (a meio do espaço definido pelo ligamento pterigomandibular e a linha oblíqua interna), sendo a agulha introduzida no espaço pterogomandibular e o anestésico depositado por cima da espinha de Spix, junto à entrada do canal mandibular; c-) que a autora tivesse sido alvo de um risco iatrogénico do procedimento a que se submeteu, tendo durante a aplicação da anestesia, movimentado a língua de forma involuntária e reflexa, forçando o corpo da seringa apoiado nos pré-molares; d-) que o alojamento da porção de agulha alojada na cavidade oral da autora não provoca qualquer dor nem constrangimento.” * Conhecendo.Do erro na aplicação do direito. Em função do acima enunciado cumpre apreciar de direito, tendo presente que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC]. Em causa e quanto ao recurso da 2ª R. tal como acima já enunciado – a ilicitude da atuação do 1º R. que a 2ª R. alega não ficou demonstrada (vide conclusões 1 a 20). A implicar a improcedência da ação. A assim não ser entendido, a quantificação do dano não patrimonial que a recorrente alega deverá ser reduzido (vide conclusões 21 e seguintes). Ainda e quanto ao recurso subordinado da autora – na necessária improcedência da primeira questão suscitada pela R. recorrente que deste seria prejudicial – a indemnização a título de dano biológico pela autora peticionado e que pugna deve ser julgada procedente por demonstrado o nexo causal, ao contrário do entendido pelo tribunal a quo (conclusões I a XIV). Bem como a condenação a indemnizar a A. pelos danos futuros a liquidar ulteriormente por demonstrados, de acordo com o ponto 31 dos factos provados (conclusões XV e seguintes). Perante a factualidade provada e que se mostra aceite pelas partes, ambos os recorrentes manifestam o desacordo quanto ao decidido [nos termos acima elencados], esgrimindo para o efeito argumentos que impõem um prévio enquadramento da relação estabelecida entre A. e 1º R. As partes não questionam a (correta, adianta-se) integração da relação estabelecida entre A. e 1º R. no tipo legal contratual de prestação de serviços previsto no artigo 1154º do CC, in casu por serviços médicos. Ao qual e por não ter regulação específica se aplicam as disposições sobre o mandato regulado nos artigos 1157º e segs. ex vi 1156º do CC. In casu o 1º R. obrigou-se a prestar à A. um conjunto de atos médicos com vista ao restauro de dois dos seu dentes (vide fp 40º). E no decurso da prestação de tais serviços uma agulha quebrou, tendo um fragmento da mesma permanecido na mucosa à direita (vide fps. 41º e 4º e 5º). Tão pouco questionam o também correto entendimento expresso e seguido pelo tribunal a quo de que a causa de pedir delineada pela autora se sustenta num alegado cumprimento defeituoso da obrigação contratualmente assumida, nessa medida sendo o 1º R. demandado com fundamento na responsabilidade civil contratual, a qual, dependente da verificação de 4 requisitos concretos – a prática de um facto (positivo ou negativo), ilícito, culposo e causador de um dano (nexo de causalidade entre o facto e o dano) à paciente aqui autora - dispensa o demandante da prova da culpa porquanto a mesma se presume (vide artigos 798º e 799º do CC.). No mais incumbindo ao lesado fazer prova dos outros requisitos integradores da responsabilidade contratual, enquanto elementos constitutivos do seu direito (artigo 342º do CC). A integração da responsabilidade médica no âmbito da responsabilidade contratual, o que numa primeira linha se afigura mais favorável ao paciente/credor derivado da já referida presunção de culpa, é concomitante “com uma paralela configuração da obrigação médica como uma obrigação de meios, o que atenua o grau de exigência na avaliação do comportamento do médico” e assim dificulta o sucesso da acção[1]. Apesar deste enquadramento da relação estabelecida entre paciente e médico no universo contratual, não raras vezes, no decurso da mesma surgem questões do foro delitual em situação de concurso com a responsabilidade contratual, quando por exemplo do ato médico resulte violação de/ou agravamento da integridade física do paciente. Em tais situações, emergentes de uma prévia relação contratual estabelecida entre as partes, tem tanto a doutrina como a jurisprudência entendido que ocorre a consunção do ilícito extracontratual pelo regime da responsabilidade contratual, à luz do qual deverá ser apreciada a responsabilidade do demandado, como foi o caso. «Um tal paradigma do “não cúmulo” tem subjacente algumas premissas fundamentais do regime jurídico: o respeito pelas exigências regulativas do princípio da liberdade contratual, por um lado, e a natureza mais favorável do regime da responsabilidade contratual para tutelar a posição do lesado, por outro».[2] Entende a recorrente seguradora, porém (e tal como já o expressara na contestação) que a ilicitude que ao lesado/credor incumbe demonstrar – imputação de ónus de prova correto conforme acima já demos nota - decorre de uma atuação desconforme por parte do médico contraente às leges artis, por não utilização das técnicas ou meios adequados. Demonstração da desconformidade objetiva entre os atos praticados pelo médico e os que lhe são exigíveis perante a situação concreta do doente (e assim demonstração da ilicitude que ao lesado/credor incumbe demonstrar) – em violação das mencionadas leges artis - que in casu a recorrente afirma não foi apurada, implicando por esta via a improcedência da ação (vide em especial conclusões 16 a 18). Elucida Antunes Varela[3] que “ilicitude” e “culpa” abrangem aspetos diferentes da mesma conduta do autor do facto. Exercendo ambas “uma função reprovadora da conduta do prevaricador ou faltoso”, afere-se a primeira “no aspeto geral e abstrato considerado pela norma legal” enquanto a segunda “no momento subjetivo em que o julgador, ainda apoiado na lei, aprecia a reprovabilidade da conduta do agente (ou omitente) em face das circunstâncias concretas do caso”. A ilicitude considera a conduta “objetivamente, como negação dos valores tutelados pela ordem jurídica”; a culpa “considerando todos os aspetos circunstanciais que interessam à maior ou menor censurabilidade da conduta do agente, olha ao lado individual, subjetivo do facto ilícito”. Tanto a doutrina como a jurisprudência têm recorrido à distinção no campo da responsabilidade contratual entre as obrigações de meios – aquelas em que o devedor se obriga a “«desenvolver prudente e diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem se assegurar que o mesmo se produza» (Almeida Costa, 2009:1039)” - e de resultado – aquelas “em que o devedor se obriga à obtenção desse mesmo efeito” – como critério justificativo de uma adequada distribuição do ónus de prova do incumprimento.[4] Sendo “(…) comummente entendido pela doutrina e jurisprudência que, no quadro de uma típica obrigação de resultado, incumbe ao credor lesado provar a ocorrência desse resultado como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, e 798.º do CPC), face ao que se presume a culpa do devedor lesante, sobre quem recai o ónus de ilidir tal presunção legal, nos termos do artigo 799.º do CC.” Enquanto “(…) no domínio das obrigações de meios, tem-se entendido que impende sobre o credor lesado (o paciente) provar não só a falta de verificação do resultado pretendido, mas também a falta de cumprimento do dever objetivo de diligência ou de cuidado, nomeadamente requerido pelas leges artis, como pressuposto de ilicitude, incumbindo, por seu turno, ao devedor o ónus de provar a inexigibilidade desse comportamento, a fim de ilidir a presunção da culpa[8].”[5] Tem-se por correto e por princípio, o entendimento generalizado de que “a obrigação de prestação do ato médico configura-se como uma obrigação de meios, por parte do médico, na obtenção do tratamento adequado.” porquanto “o resultado correspondente ao fim visado pelo contrato de prestação de serviço de ato médico não deve ser considerado como a cura da patologia que estiver em causa, mas sim como o tratamento adequado dessa patologia mediante a observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médicas (leges artis), posto que a prática da medicina encerra, em regra, uma natureza complexa e aleatória derivada da própria complexidade dos sistemas psico-somáticos humanos, a par do estado e desenvolvimento dos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis[7].”[6] Comporta todavia este entendimento de princípio e acima referenciado de que a obrigação de prestação do ato médico configura uma obrigação de meios por parte do médico na obtenção do tratamento adequado, exceções justificadas na distinção da atividade médica de caráter mais geral e assim mais complexa, versus algumas atividades médicas mais especializadas, vocacionadas para um fim determinado e em que a margem de risco se assume como mínima, permitindo enquadrar a obrigação do médico assumida como uma obrigação de resultado[7]. Assim se transferindo, ponderada também a dificuldade de prova respeitante à inobservância das leges artis que sobre o paciente lesado recai, o ónus de provar “no plano da culpa, que a ocorrência desse resultado não decorre de falta de cuidado ou imperícia, nomeadamente por inobservância das leges artis.” para o médico. Neste sentido vide as seguintes decisões do STJ (também citadas no já referido Ac. de 23/03/2017): i- o acórdão de 15/12/2011, proferido no processo n.º 209/06. 3TVPRT.P1.S1, no qual se realça . primeiro, funcionar o ónus de prova da culpa em termos diversos pois que “enquanto no primeiro caso (obrigações de resultado) a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade éticojurídica da conduta do devedor (podendo este, todavia, provar o contrário), no segundo tipo de situações (obrigações de meios) caberá ao credor fazer a demonstração em juízo de que a conduta do devedor não foi conforme com as regras de atuação suscetíveis de, em abstrato, virem a propiciar a produção do resultado almejado (…)” . segundo reconhece-se que embora e em regra o médico apenas se comprometa “a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar. Mas não assegura, nem se obriga a curar o doente uma vez que a cura também depende do concurso de outros fatores independentes da vontade do médico e por ele não controláveis (ex. resistência do doente, capacidade de regeneração do seu organismo, estado anímico, etc.)”, assumindo como tal uma mera obrigação de meios, recaindo assim sobre o doente o ónus de provar a falta de diligência do médico, casos há em que “(…) o médico está vinculado a obter um resultado concreto, constituindo exemplo de escola a cirurgia estética de embelezamento (mas já não a cirurgia estética reconstrutiva geralmente considerada como exemplo cirúrgico de obrigação de meios), a par da execução das manobras próprias de parto, no campo da odontologia, por exemplo, a simples extração de um dente ou colocação de um implante, a ainda nas áreas de vasectomia e exames laboratoriais”. E conclui-se que no caso das obrigações de meios (e citando Carneiro da Frada in Direito Civil – Responsabilidade Civil – O Método do caso – 81) “terá o credor de identificar e fazer provar a exigibilidade dos meios ou da diligência (objetivamente) devida. «A presunção de culpa tende, portanto, a confinar-se à mera censurabilidade pessoal do devedor» isto é, a presunção reduzir-se-á à culpa em sentido estrito.”, pelo que “primeiramente tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o não cumprimento da obrigação do médico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que o médico não praticou todos os atos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada.” ii - o acórdão de 07/10/2010, proferido no processo n.º 1364/05. 5TBBCL.G1, em que: . se apontou “como critério distintivo entre obrigações de meios (ou de pura diligência) e obrigações de resultado (…) respetivamente, o «carácter aleatório» ou, ao invés, «rigorosamente determinado» do resultado pretendido ou exigível pelo credor.” . realçou o diverso funcionamento do ónus de prova da culpa conforme a natureza da obrigação em questão “(…) pois que, enquanto no primeiro caso - obrigações de resultado - a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta de devedor (podendo este, todavia, provar o contrário), no segundo tipo de situações - obrigações de meios - caberá ao credor (lesado) fazer a demonstração em juízo de que a conduta (ato ou omissão) do devedor (ou prestador obrigado) não foi conforme com as regras de atuação suscetíveis de, em abstrato, virem a propiciar a produção do almejado resultado» (cfr., neste conspectu, "Da Natureza Jurídica da Responsabilidade Médica" - conf. João Álvaro Dias, in ob cit., p. 225.” . e concluiu “Em regra, o médico não se obriga a curar o doente, apenas se comprometendo a proporcionar-lhe cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais; trata-se, pois, de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado; incumbirá, pois, ao doente o burden of proof da invocada inexecução desse contrato por banda do profissional médico (…). Já poderá não ser assim se se tratar de médico especialista, que ao pôr em prática a sua técnica e os seus conhecimentos técnico-científicos especializados (justamente o pressuposto da contratação do seu serviço), atua de modo contrário ao que dele era esperado e exigível, atentas as suas habilitações específicas para o concreto ato médico.” Já se se tratar de médico especialista (v.g. um médico obstetra) sobre o qual recai um específico dever do emprego da técnica adequada, se torna compreensível a inversão do ónus da prova, por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o mesmo ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base uma presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta. “Relativamente a um médico especialista (v.g. um médico obstetra a quem é cometida a tarefa de proceder, com êxito, à extração de um feto ou executar as manobras próprias de um parto), já se torna compreensível a aludida inversão do ónus da prova por se tratar de uma obrigação de resultado – devendo o especialista em causa ser civilmente responsabilizado pela simples constatação de que a finalidade proposta não foi alcançada (prova do incumprimento), o que tem por base a sobredita presunção da censurabilidade ético-jurídica da sua conduta (sem embargo, todavia, de ele poder provar o contrário)” iii – finalmente no acórdão de 26/04/2016, proferido no processo n.º 6844/03.4TBCSC.L1.S1: . uma vez mais foi reconhecida a natureza contratual da responsabilidade civil médica quando assenta num contrato de prestação de serviços; mencionada a diferença entre a obrigação de meios e a obrigação de resultado; e reafirmada a qualificação em geral da obrigação principal assumida pelo médico como “obrigação de meios, e não de resultado, por não se ter ele vinculado a obter a cura do paciente, mas apenas a tentá-la por meio do tratamento que os seus específicos conhecimentos científicos e técnicos lhe apontem como adequado, como se explica, entre outros, no Ac. deste Supremo Tribunal de 17/01/2013 (relatora Ana Paula Boularot).” . e tendo como pressuposto que a responsabilidade analisada depende duma situação “que traduza incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação”, afirmou-se que no caso de uma obrigação de resultado a falta de obtenção do mesmo demonstra o respetivo incumprimento, justificativo do recurso à presunção de culpa; ao invés e perante uma obrigação de meios legitimando o recurso a essa presunção “a prática de algum erro no que respeita aos meios e técnicas de tratamento adotados, o qual se verifica quando ocorra uma falha profissional, não intencional, no que se refere aos instrumentos ou técnicas de intervenção utilizados, por não se encontrarem de acordo com as leges artis. Ou seja, considerando-se a obrigação do médico uma obrigação de meios, sobre ele recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, e portanto sem culpa, se se quiser eximir à sua responsabilidade decorrente de incumprimento, o que pressupõe que se demonstre que, previamente ao funcionamento da presunção, tenha havido e ficado provado o incumprimento.” . adicionalmente realçou-se a atividade complexa que em geral subjaz a uma intervenção médica, da qual deriva a assunção por parte do profissional médico de obrigações de vária natureza, podendo coexistir obrigações de resultado e de meios[8]. Rute Pedro[9] convoca como principal critério distintivo das duas modalidades de obrigação a “natureza aleatória do resultado pretendido” nos seguintes termos: «Se o resultado desejado for, em regra (…) atingido com a atuação diligente do devedor, com a adoção da “technique appropriée” – não jogando a álea, aqui um papel de relevo – estaremos (…) perante uma obrigação determinada” sendo então necessária “uma atuação zelosa e competente por parte do devedor, mas ela assume uma importância menor, dada a sua quase certa eficiência profícua para a produção do resultado final. Este ocupa, assim, o lugar de maior visibilidade, quase que apagando o comportamento prévio indispensável à sua obtenção” pelo que “A não verificação da consequência pretendida e verificada num curso normal de acontecimentos, constitui base suficiente para presumir a culpa do devedor, podendo este provar a existência de um caso de força maior inultrapassável pela diligência exigível e efetivamente empregue. Se pelo contrário, o resultado almejado com a realização da prestação for de consecução incerta – pela intervenção de vários fatores e de uma carga elevada de aleatoriedade – mesmo que o devedor empregue o cuidado e competência exigíveis, então a obrigação assumida deverá ser qualificada como uma obrigação geral de prudência ” sendo o “próprio objeto da obrigação (…) constituído (…) pela diligência exigida ao devedor, não se incluindo aí o resultado perspetivado e pretendido com o seu cumprimento. A mera não ocorrência do mesmo não é elemento suficiente para fazer presumir a culpa pois a sua obtenção não está dependente em exclusivo dos esforços desse sujeito. A culpa terá que ser demonstrada positivamente e tal demonstração será indispensável para que se possa falar em incumprimento ”. Depreende-se desta última afirmação a reconhecida dificuldade em distinguir (na dita obrigação de diligência ou de meios) a materialidade factual em que se concretizam os requisitos, normalmente separados, da ilicitude e culpa pois que “Se o incumprimento de uma obrigação de diligência se traduz na inobservância dos deveres de cuidado e atenção, e se a culpa é uma omissão do dever de cuidado exigível, então é facilmente percetível a afinidade entre um juízo de ilicitude e o outro juízo que deve ser formulado para aferir a culpa do agente.” A distinção encontrar-se-á, conforme mais adiante esta autora realça, na “distinta natureza de ambos os pressupostos, que se prende com a diferente essência do desvalor que cada um dos juízos encerra. Na apreciação da ilicitude averiguamos se um dado comportamento, despido dos elementos relacionados com o seu autor, merece censura à luz do nosso ordenamento jurídico; na aferição da culpa examinamos se o comportamento, como obra daquele concreto agente, deve ser considerado reprovável.” E retomando o fundamento distintivo acima já citado de Antunes Varela, conclui ainda “o juízo de ilicitude é um juízo de desvalor objetivo, enquanto que a culpa consubstancia um juízo de desvalor subjetivo.” Assim quando em causa esteja a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil contratual pela prestação de serviços médicos, assumindo a obrigação contratual a natureza de uma obrigação de meios ou diligência, afere-se a ilicitude pelo desvio entre o comportamento adotado pelo devedor e aquele que um devedor da mesma categoria teria adotado; enquanto que a culpa será apreciada por referência ao concreto agente e se lhe era exigível um outro comportamento. Já no caso de a obrigação contratual assumir uma obrigação de resultado, o incumprimento/ilicitude estará evidenciado pela não concretização do resultado. Incumbindo após ao devedor afastar a culpa demonstrando nomeadamente que outro comportamento lhe não era exigível. O enquadramento da obrigação contratualizada quanto à sua natureza, pelas implicações no campo probatório acima evidenciadas, assume neste contexto relevo. Prosseguindo e retomando a já reconhecida complexidade da atividade que em geral subjaz a uma intervenção médica; bem como o entendimento generalizado de que a obrigação de prestação de ato médico assume por princípio uma obrigação de meios, sem prejuízo de casos existirem em que essa mesma obrigação poderá assumir a natureza de uma obrigação de resultado, nomeadamente em situações em que o resultado desejado é por regra atingido, não assumindo a álea um papel de relevo, é ainda de levar em conta, tal como afirmado no supra citado Ac. De 26/04/2016 que atenta a atividade complexa que em geral subjaz à atividade médica, da qual deriva a assunção por parte do profissional médico de obrigações de vária natureza, podem coexistir obrigações de resultado e de meios, distinguindose na atividade do médico pela álea que cada “fragmento individualizável da mesma”[10] assume entre “obrigações fragmentárias de atividade e obrigações fragmentárias de resultado.” Sendo exemplos de obrigações de resultado, para além das acima já mencionadas nos Acs. citados de 15/12/2011 e 07/10/2010, os seguintes justificados pela menor influência de fatores não controlados pelo profissional (citados por Rute Pedro in ob. cit. p. 99 e nota 238): as “condições de assepsia e esterilização” ao lado da obrigação principal de tratamento, ou seja de meios; a obrigação de bom funcionamento dos aparelhos e utensílios mecânicos utilizados no cumprimento da obrigação principal, garantindo nomeadamente “que a aparelhagem que venha a ser utilizada se encontra num adequado estado de conservação e apta a manobrar”; ou a “obrigação de uma enfermeira ministrar uma injeção intramuscular (…) e da obrigação de um cirurgião não seccionar o nervo ciático do paciente, aquando de uma intervenção às varizes” (estes casos da Cour de Cassation citados na nota 238). Tendo presentes os conceitos acima delineados quanto à natureza da obrigação que o médico pode assumir por via contratual impõe-se, para tanto revertendo ao caso concreto, analisar a natureza da obrigação contratual que nos autos foi submetida à apreciação. Resulta dos factos provados que a autora recorreu aos serviços médicos do 1º R. para tratamento dentário, ou seja, para um específico ato de restauração dos dentes 4.6 e 4.3, sendo para o efeito o recurso à anestesia comum e recomendado (vide 4º e 40º dos factos provados). Na execução da atividade médica contratada, recorreu o 1º R. à execução do ato de anestesia. A execução deste ato, comum conforme já referido, não encerra em si uma carga elevada de aleatoriedade, nem se pode dizer que seja de consecução incerta, pois é menor a influência de fatores não controlados. A verificação do resultado pretendido (a anestesia) era altamente provável e como tal tem-se como correto o enquadramento desta obrigação “fragmentária” numa obrigação de resultado. No decurso da execução deste ato médico/anestesia, com o recurso a um instrumento usado por profissionais de saúde – in casu uma seringa acoplada a uma cânula – ocorreu a fratura da agulha usada, tendo o respetivo fragmento ficado alojado na mucosa à direita. Fragmento que o 1º R. não conseguiu retirar, apesar das diligências que levou a cabo (vide factos provados 4º a 7º). É este um dano não expectável nem suposto na execução do procedimento levado a cabo pelo 1º R. e que afetou a integridade física da autora, protegida pelo disposto no artigo 70º do CC. Verificado um resultado não pretendido nem expectável tem-se como demonstrado o cumprimento defeituoso da obrigação e assim verificada a ilicitude do ato. A implicar recair sobre o mesmo médico o ónus de provar que usou de toda a diligência e cuidado, no respeito pelas leges artis, no exercício da sua atividade, como forma de afastar a sua culpa. Por esta via improcedendo os argumentos da recorrente seguradora. Um segundo motivo justifica igualmente a improcedência dos argumentos da recorrente seguradora, porquanto o devedor responde no caso de responsabilidade contratual “não só pelo cumprimento dos deveres (principal e secundários) de prestação, mas também pela observância dos deveres acessórios de conduta”[11]. No exercício da sua atividade em cumprimento da obrigação por si assumida, o 1º R. causou dano na integridade física da autora, incumprindo assim o seu dever de proteção na salvaguarda da integridade física desta, o que permite afirmar também por esta e tal como concluído pelo tribunal a quo, a demonstração da ilicitude do ato médico executado pelo 1º R.. Improcede nestes termos o primeiro fundamento de recurso da R. seguradora no que respeita à não demonstração da ilicitude da atuação do 1º R.. Demonstrada a ilicitude da atuação do 1º R., incumbia ao mesmo afastar a presunção de culpa sobre si recaída nos termos do artigo 799º - presunção de culpa que se tem por justificada no regime da responsabilidade contratual pela melhor posição que este se encontra para demonstrar que o “incumprimento ou cumprimento defeituoso não se ficou a dever a facto que lhe seja imputável” já que tem “um particular domínio quanto ao modo como a prestação deve ser cumprida”[12]. O afastamento da presunção de culpa, pela demonstração da observância das leges artis ou de que o dano apurado se ficou a dever a causa de força maior ou ao médico estranha, não foi feita. Demonstrada a ilicitude de tal atuação e presumida a culpa (não afastada) nos termos do artigo 799º do CC, cabia ao tribunal a quo aferir da existência do dano e respetivo nexo causal e em função de tal quantificar o montante indemnizatório. A recorrente, seguradora, como segundo fundamento de recurso, insurgiu-se contra o montante indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais. O tribunal a quo, após ter afastado o nexo causal quanto a “grande parte dos danos provados” relembrando “(…) que autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica com vista a retirar o fragmento da agulha que ficou alojado no seu corpo, e que tal intervenção de terceira entidade, Hospital …, terá contribuído para grande parte dos danos sofridos pela autora que não podem ser imputados ao réu.” [a esta questão voltaremos por ser fundamento do recurso subordinado], decidiu ser de atribuir um montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais no montante atualizado à data da decisão em € 25.000,00, o que justificou nos seguintes termos: “(…) estão provados danos com gravidade suficiente para serem indemnizáveis (nº 2 do artigo 496º do Código Civil), sendo que o dano violado foi a integridade física da autora, que em consequência da atuação do réu ficou com uma agulha alojada no seu corpo, o que lhe causou e causa, essencialmente, um grande desgaste psíquico. É compreensível o estado de alma da autora, sendo natural a preocupação que sente. É de imputar essa angústia ao episódio dos autos, como também o é o facto de se ter submetido a uma cirurgia para retirar a dita agulha, meio possível e com indicação médica como uma das possíveis soluções para o caso. Ainda que depois já não o sejam todas as dores sofridas na sequência da segunda cirurgia, a que o réu é alheio e não teve qualquer intervenção, nem o facto de estar hoje afetada com cinco pontos de défice funcional por afetação de ramo sensitivo do nervo trigémeo, com dor e alterações de sensibilidade associadas, nem todos os demais danos que se provaram, mas sem causa concreta e adequada no facto de a agulha ter ficado alojada na mucosa da autora, e mesmo, alguns deles, com a própria cirurgia (como tártaro, goteira, etc). Parece-nos, pois, que será apenas de fixar à autora uma indemnização por danos não patrimoniais, pois que tudo o mais, não podendo ser imputado ao comportamento do réu, não sendo consequência da quebra da sobredita agulha, o mesmo não pode ser responsabilizado. Se a autora, já de si pessoa ansiosa e algo nervosa, ficou naturalmente afetada pelo sucedido, o que bem expressou no seu depoimento, o que é também admitido na perícia médica nos autos realizada, que alude ao prejuízo emocional do paciente que sabe ter alojado uma agulha no corpo, não podemos também descurar que o réu adotou, após o sucedido, todo o comportamento que se impunha, acompanhando sempre a autora e dando à mesma toda a assistência, revelando ser um profissional cuidadoso e preocupado, impondo-se assim ao tribunal encontrar um valor indemnizatório que ofereça à autora uma compensação que contrabalance o mal sofrido, mas que atenda também ao grau de culpabilidade do responsável, sem esquecer que estamos perante uma culpa presumida, revelando-se correto o comportamento posterior assumido pelo réu. Considerando, então, a vivência pessoal e social da lesada, a idade ao tempo do evento, a natural afetação físico-psíquica em que foi afetada, exames médicos, análises, uma cirurgia para retirada da agulha, consultas e tratamentos, dores, e viver, muito provavelmente, o resto da vida com o fragmento da agulha alojado em si (pontos 4 a 9, 12 a 18, 31, 35 e 36 dos factos provados) estima-se como adequado fixar a indemnização, em 25.000,00 euros. Sobre tal quantia serão devidos juros legais a contar da data da data da decisão e até efetivo pagamento da indemnização (…)” * Pugnou a recorrente pela redução do valor arbitrado a título indemnizatório para o montante de € 10.000,00 (valor indicado no corpo alegatório), à luz dos critérios jurisprudenciais mais recentes de acordo com as decisões por si citadas no corpo de alegações[13].Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º. Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados. Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido Ac. TRP de 08/10/2002, Relator Marques Castilho in www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 21/04/2010, Relatora Isabel Pais Martins, in www.dgsi.pt/jstj e ainda Ac. STJ 23/02/2012, in http://www.dgsi.pt/jstj.pt, Relatora Isabel Pais Martins onde se explica “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.” Mais, importa ter presente o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade porque assente na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, apenas deverá ser alterado quando evidencie desrespeito pelas normas que justificam o recurso à equidade ou se mostre em flagrante divergência com os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares. Assim foi decidido no Ac. do STJ de 04/06/2015, nº de processo 1166/10.7TBVCD.P1.S1; e reafirmado no Ac. STJ de 22/02/2017, nº de processo 5808/12.1TBALM.L1.S1; ou mais recentemente no Ac. STJ de 17/12/2019, nº de processo 2224/17.2T8BRG.G1.S1 in www.dgsi.pt/jstj, onde se conclui (invocando ainda decisões anteriores do mesmo STJ) “E porque um tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», tem-se defendido, designadamente nos Acórdãos do STJ, de 05.11.2009 (proc. 381/2009.S1) de 20.05.2010 (proc. 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (proc. 457.9TCGMR.G1.S1) e de 25.05.2017 (proc. 868/10.2TBALR.E1.S1)[21], que «tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adotado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adotados, numa jurisprudência evolutiva e atualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adoção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade». «Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência atualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afetam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados».” No que à quantificação do dano em concreto concerne e no seguimento da antes afirmada jurisprudência atualista, foi ainda salientado neste último Acórdão “constituir orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista (…), devendo, antes, ser significativa (…) e traduzir a “justiça do caso concreto”, não se devendo, porém, confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjetivismo do julgador, tal como se adverte no Acórdão de 10.02.1998 (…).” Tendo presentes os critérios e orientações acima salientados que na fixação do quantum indemnizatório devem ser ponderados, revertendo ao caso dos autos e sendo manifesta a necessidade de recorrer ao juízo de equidade atenta a natureza do dano em apreciação – não patrimonial – importa em especial realçar da factualidade provada (pontos 4 a 9, 12 a 18, 31, 35 e 36 dos factos provados): “4º. No dia 24 de Março de 2014, pelas 15.30 horas, em consulta destinada a tratamento dentário, no momento em que o 1.º réu aplicava à autora anestesia troncular à direita, ocorreu a fratura da agulha usada. 5º. O fragmento da agulha ficou alojado na mucosa à direita, em posição perpendicular ao ramo ascendente direito da mandíbula, ligeiramente inferior à chanfradura angular. 6º. O 1.º réu efetuou ortopantomografia à boca da autora e fez diversas tentativas de retirar o fragmento da agulha. 7º. Face ao insucesso das tentativas de retirar o fragmento da agulha, o 1.º réu decidiu recorrer ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, sito na …, no Porto, tendo aí conduzido a ora autora. 8º. Acompanhada do 1.º réu, a autora veio a ser atendida no referido Serviço de Urgência às 18.07 horas. 9º Apresentava tumefação na região pterigóidea direita, com duas soluções de continuidade, com discreta hemorragia à manipulação e dor. (…) 12º. No Hospital …, naquele dia 24/03, foi realizada uma tomografia computorizada à face e dentes, tendo este exame mostrado “agulha imediatamente adjacente à vertente medial do ramo da mandíbula ao nível do orifício de entrada do nervo alveolar inferior”. 13º. Cerca das 20.00 horas, foi determinado à ora autora que regressasse no dia seguinte, em jejum, para tentativa de remoção do fragmento da agulha sob anestesia geral, sendo-lhe efetuada a prescrição de antibióticos (amoxicilina/clavulanato) e ibuprofeno e paracetamol em SOS e explicados os sinais de alarme e dadas indicações quanto à toma da medicação habitual e da então prescrita. 14º. No dia 25 de Março de 2014, a autora foi novamente conduzida ao Centro Hospitalar … pelo 1.º réu. 15º. Com vista à preparação para a intervenção cirúrgica que lhe foi determinada, efetuou vários exames, nomeadamente exame de cardiologia e análises clínicas e cerca das 17.00 horas, no Serviço de Estomatologia, foi sujeita a intervenção cirúrgica (miotomia), com anestesia geral, com duração de cerca de uma hora, para tentativa de remoção da agulha mais uma vez, sem sucesso. 16º. À referida intervenção cirúrgica foi atribuído um nível de prioridade clínica de “prioritário”, dado o risco de infeção e hemorragia. 17º. No final da referida intervenção cirúrgica, foi efetuada sutura das incisões, tendo os pontos da porção inferior da sutura sido retirados uma semana depois e os demais pontos cerca de um mês após a intervenção. 18º. A autora ficou internada entre os dias 25 e 27 de Março de 2014 e durante o internamento foi medicada, com amoxicilina/clavulanato, dexametasona, diclofenac e clorohexidina. (…) 31º. A vigilância da situação da autora mantém-se, sendo que na presente data o fragmento da agulha continua na face da autora, na mucosa à direita. (…) 35º. Desde a ocorrência do descrito em 4º, vive num constante estado de nervosismo e aflição e em permanente sobressalto, temendo alterações da situação do fragmento da agulha e respetivas consequências, andando em permanência ansiosa e angustiada. 36º. Teve dores, suportou incómodos, mal-estar e transtornos.” De toda esta factualidade resulta que o sofrimento suportado pela autora assume evidente gravidade que justifica o arbitramento de uma indemnização autónoma em sede de dano não patrimonial. Sendo apenas a sua quantificação que está em causa. De realçar que os factos apurados e mencionados em 22º a 28º (com exceção da presença de um fragmento da agulha), 30º, 32º a 34º, 37º a 39º não têm estabelecido o nexo causal dos mesmos à atuação do 1º R. referida em 4º e 5º dos factos provados, tal como consta em a) dos factos não provados. E como tal não foram contabilizados para efeitos da quantificação deste dano o que tão pouco se mostra questionado neste recurso. A aferição da quantificação do dano será portanto efetuada por referência aos factos que também o tribunal a quo considerou e que acima deixámos enunciados. Destes realça-se a manutenção de um fragmento de uma agulha na mucosa à direita a nível da mandíbula direita e a necessidade de vigilância da situação que se mantém; as intervenções a que a autora foi sujeita para a sua extração tanto diretamente pelo 1º R. – no próprio dia em que a anestesia foi ministrada, como ainda pelo CH SJ, neste último caso com intervenção cirúrgica com anestesia geral com duração de cerca de uma hora e subsequente internamento de 3 dias; os exames a que foi sujeita e medicação ministrada; as dores e incómodos suportados (por referência aos factos apurados de 4 a 9, 12 a 18, 31, 35 e 36), bem com o permanente estado de ansiedade e angústia, nervosismo e sobressalto em que a A. vive desde o evento danoso, temendo alterações da situação do fragmento da agulha e respetivas consequências. As dores e incómodos suportados, o nervosismo e sobressalto que se mantêm desde o evento danoso por o fragmento permanecer na mucosa direita, demandam em sede de dano não patrimonial, conforme já referido, a atribuição de um montante indemnizatório. Ponderando: 1- os incómodos, sofrimento e permanente estado de nervosismo, aflição e sobressalto, com a consequente alteração permanente vivencial da A., à data do evento com 64 anos aliado à permanência da agulha na mucosa direita da A. E vigilância da sua situação que se mantém necessária; 2- e levando em consideração os padrões jurisprudenciais indemnizatórios que têm vindo a ser seguidos - para casos que se entendem assumir uma ordem de grandeza em termos de gravidade próxima do da autora, entre os quais se consideraram os infra elencados, para além dos convocados pela recorrente (todos os citados in www.dgsi.pt ) Entende-se que o juízo prudencial do tribunal a quo excede na verdade de modo substancial e injustificado os padrões jurisprudenciais adotados, mesmo seguindo uma jurisprudência evolutiva e atualista, justificando por tanto a redução do montante indemnizatório ao valor que se entende adequado fixar em € 15.000,00. Foram considerados para aferição dos critérios e padrões generalizadamente entendidos como sendo os adotados para quantificar o dano, os seguintes: i- Ac. TRL de 22/03/2018, nº processo 10667/12.1TCLRS.L1-8 – caso em que ficou apurado na sequência de traumatismos vários e fratura do 1/3 médio da clavícula, padecer a lesada de uma incapacidade permanente de 5%. Num contexto factual que traduz um sofrimento prolongado com período de ITP de quase 5 meses, com repercussão temporária na atividade profissional total de 147 dias e um quantum doloris apurado de 3 na escala de 1 a 7 e com dificuldades apuradas a nível de movimentos de braço, levantar pesos, lavar costas, dificuldade em dormir, dores constantes mais ligeiras, parestesias no braço esquerdo entre outras queixas; dificuldades em fazer renda, único hobbie da A. À data com mais de 60 anos de idade Foi decidido arbitrar uma indemnização a título de dano não patrimonial de € 4.000,00; ii- Ac. TRG de 18/01/2018, nº de processo 1170/14.6T8VCT.G1, no qual ponderando o circunstancialismo apurado, do qual destacamos entre o mais: . “um período de défice funcional temporário total de 2 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 92 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 94 dias”, “. Como consequência direta e necessária do embate, resultaram para o autor lesões corporais, nomeadamente, entorse cervical;” “. Teve de ser submetido várias sessões de fisioterapia – 17 (dezassete) sessões – que lhe foram prescritas pelos serviços clínicos da ré, bem como a 7 (sete) consultas nos serviços clínicos da ré (sendo duas delas da especialidade de fisiatria).” Se decidiu atenta “a idade do autor (…) (57 anos de idade); a natureza das lesões (traumatismo da coluna cervical); o período de convalescença (não inferior a três meses) e os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter; o quantum doloris de grau 3/7 (grau médio); ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, compatíveis com o exercício da atividade habitual; a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente, (…)” fixar com recurso a juízo de equidade o montante de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii- Ac. TRG também de 18/01/2018, nº de processo 2272/15.7T8CHV.G1, no qual se decidiu (tal como consta no respetivo sumário) “A compensação de 4.000,00 euros mostra-se adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que em consequência do acidente sofreu dores ao nível do membro superior direito e antebraço e escoriações na perna, com fratura dos 3º, 4º e 5º metacarpo da mão direita, que reclamaram tratamento com anti-inflamatório e analgésico e imobilização dos dedos e antebraço, através de gesso, durante 1 mês e 12 dias, determinando à sinistrada um défice temporário parcial e profissional durante 62 dias e um quantum doloris no grau 3 de 7 e que ficou curada sem sequelas.” iv- Ac. TRG de 15/02/2018, nº de processo 3037/15.1T8VCT.G1, no qual [em situação que à lesada foi imputada uma responsabilidade de 15% no agravamento dos danos pela mesma sofridos nos termos do 570º nº1 do CC] perante a ponderação do seguinte quadro factual: “- em consequência do embate, a autora foi projetada para o chão, embatendo com a região occipital; - em resultado do embate, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico e traumatismos menores nas regiões cervical, dorsal e parede torácica; - após o embate, a autora foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde …, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respetivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical, onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital H…, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias; - regressou novamente à Unidade de Saúde …, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio e aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas; - a autora viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar; - no momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um enorme susto; - a data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28.08.2013; - em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo); - as lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 103 dias; - ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual; - e sofreu um quantum doloris no grau 3, numa escala de 1/7.” Se decidiu “(…) perante o anteriormente referido circunstancialismo fáctico, a atender e tendo em conta, designadamente, a idade da autora à data do acidente, a experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris de grau 3/7, a circunstância de não ter colocado o cinto de segurança, não tendo qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa dos condutores dos veículos (mas tendo contribuído para o agravamento dos danos), e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência (51), afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização fixada pelo tribunal a quo no valor de 8.500,00 €, para a reparação dos danos não patrimoniais por ela sofridos, deduzida dos 15% da contribuição da lesada para o agravamento dos danos.” v- Ac. STJ de 17/12/2019, nº de processo 2224/17.2T8BRG.G1.S1, no qual perante a seguinte factualidade: “n) Do embate resultaram ferimentos para o Autor, o qual foi transportado para o Hospital desta cidade de …, onde foi socorrido. o) À data, o Autor, que nasceu no dia 02.08.1954, contava 60 anos de idade. x) No descrito embate, o Autor sofreu ferimentos nos braços e perna esquerda, assim como contusão do testículo esquerdo, que veio a ficar atrofiado. (após alteração pelo Tribunal da Relação). y) Após o acidente, o Autor foi conduzido, de ambulância para o Hospital Público de …, onde recebeu os primeiros tratamentos e onde foi medicado. z) Fez várias consultas e exames médicos no Hospital Público e Privado desta cidade de … . aa) Onde fez tratamentos vários, como Tac´s. bb) Na sequência dos ferimentos, o Autor ficou a padecer de queixas cérvico-lombalgias e rigidez da coluna cervical e dorso-lombar com normalidade dos reflexos, sendo simétricos. cc) O Autor necessita de toma ocasional de medicação analgésica. dd) Durante o embate, ao ver-se projetado, sofreu um susto e pensou que ia morrer. ee) Nos dias que se lhe seguiram, o Autor sentiu dores e angústia. ff) Ocasionalmente, o Autor ainda padece de dores. gg) O Apelante sente tristeza pelas sequelas que lhe advieram do acidente, tendo passado a isolar-se e a sentir-se deprimido, e a sequela no testículo esquerdo, referida em x) deixou-o angustiado. (após alteração pelo Tribunal da Relação). jj) O quantum doloris que o Autor sofreu é quantificável no grau 4 numa escala de 1 a 7.” Se decidiu ser de confirmar o valor arbitrado de € 15.000,00 “(tido por atualizado à data da sentença da 1.ª instância), num caso que, pese embora esteja longe das situações de invalidez, com total degradação do padrão de vida e da autonomia pessoal do lesado, não deixa de evidenciar, pela natureza das lesões físicas e psíquicas e pela sua repercussão fortemente negativa e irreversível nas potencialidades pessoais e no padrão futuro de vida do autor, que à data do acidente contava 60 anos de idade, uma onerosidade e gravidade objetiva e subjetiva. vi- Ac. TRP de 07/12/2018, nº de processo 23088/15.5T8PRT.P1, no qual perante a seguinte factualidade: “(…)a autora foi vítima de atropelamento por parte de um veículo automóvel quando atravessava uma via pública na passadeira destinada a peões. À data tinha 15 anos de idade e era estudante. De imediato a autora ficou imobilizada, dadas as dores que sentia após o embate, sobretudo na zona da bacia e membros inferiores. E tendo sido foi transportada pelo INEM para o serviço de urgência do Hospital ..., no Porto, onde, após o episódio de urgência, onde lhe foi diagnosticada fraturas dos ramos ilío e isqui-púbicos à direita, e fratura por impacção do sacro contra-lateral, e aí ficou internada, desde o dia13 até ao dia 21 de Janeiro de 2014. Durante o seu internamento, a autora foi medicada e submetida a vários exames e tratamentos. Após a alta do internamento, a autora B... foi submetida a consultas médicas externas no Hospital …, tendo tido alta clínica a 11 de Julho de 2014. Por força das lesões resultantes do acidente, a autora sofreu incapacidade temporária absoluta geral entre 13 de Janeiro e 21 de Janeiro de 2014, e incapacidade temporária parcial geral entre 22 de Janeiro de 2014 e 11 de Julho de 2014. Por força das lesões que sofreu, a autora apresenta limitações na sua vida desportiva, tendo dificuldade em realizar determinados exercícios físicos (designadamente na corrida e em exercícios de ginástica) e em caminhar por períodos prolongados e, por isso, a autora sentiu-se inferiorizada em relação aos colegas de escola com que participou nas atividades escolares desportivas. Por força das lesões que sofreu, a autora sentiu (no momento do atropelamento e no processo de recuperação), sente e sentirá dores, na região inguinal direita e na região sagrada esquerda, agravadas na marcha prolongada e na permanência na posição de pé. E, por força do atropelamento e das lesões que sofreu, a autora, que era pessoa alegre, saudável, sem qualquer problema físico e com gosto pela atividade física, sente agora tristeza, amargura e frustração.” Se decidiu alterar o valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais dos € 7.500,00 fixados pela 1ª instância para os € 10.000,00 peticionados pela autora em sede de recurso; vii- Ac. TRP de 05/11/2018, nº de processo 26376/15.7T8PRT.P1, no qual e perante a seguinte factualidade “6º)- A A. sofreu pisaduras por todo o corpo como resultado da queda e do arrastamento do seu corpo pelo interior do autocarro; 7º)- E ao longo de mais de uma semana teve grande dificuldade para caminhar, marchando com claudicação; 8º)- A A. viu-se obrigada a fazer diariamente tratamentos clínicos de reabilitação, pelo que entre Abril e Junho de 2014 efetuou 40 sessões de fisioterapia na “Clínica Dr. F…, Lda.”, em Paredes; 9º)- E viu-se igualmente obrigada a ser submetida a exames e a tratamentos clínicos na G…, Companhia de Seguros, S.A. e na H…, na cidade do Porto; 10º)- Assim como teve de ser tratada e medicada no Centro Hospitalar I…, EPE, em …, Penafiel. 11º)- Como consequência necessária e direta do acidente e das lesões sofridas, a A. ficou a padecer de dores, no ombro e no membro superior direitos, bem como no joelho direito; 12º)- O que lhe ocasiona dificuldades de locomoção, assim como perda de mobilidade e de força no membro superior direito; 13º)- A autora, quando fazia as sessões de fisioterapia, teve sempre de usar dois meios de transporte, tanto na ida como no regresso a casa, tendo de se deslocar de comboio e de camioneta, uma vez que do local onde reside até ao dito hospital, não existe transporte público direto; 14º)- O que lhe causou incómodos; 15º)- Para deslocação para ser tratada nos serviços médicos da H…, no Porto, a A. Foi utilizava 3 (três) tipos de transporte diferentes, camioneta, comboio e autocarro, o que se tornou incómodo, desgastante e penoso; (…); 21º)- O Quantum Doloris é fixável no grau 3/7. (…); 23º)- A A. sofreu pânico na altura do acidente e dores que se prolongaram pelas horas que se seguiram, desde o momento do acidente até à data da “alta” hospitalar; 24º)- Dores que se agudizam no desempenho das suas tarefas domésticas que a A. tem de executar; (…); 28º)- A A. sofreu o constrangimento de se ver confinada às paredes dos Hospitais e sofreu angústia ao saber-se vítima de tratamentos hospitalares e fisioterapêuticos. 29º)- O que tudo lhe causou limitações, penosidade, incómodo, tristeza e constrangimento social”. Se decidiu “sopesando por um lado que o Autora era uma pessoa sem antecedentes patológicos ou traumáticos e por outro, o quadro factual supra exposto e tendo em atenção as lesões sofridas, aos tratamentos necessários e a que teve de submeter-se, à duração destes, às dores, classificadas no grau 3 numa escala de sete, às sequelas de que o Autora ficou a padecer mesmo com base na incapacidade permanente (3% de incapacidade geral)” ser de manter o valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais fixado na 1ª instância em € 12.000,00. Estes Acórdãos, que naturalmente retratam situações com as suas próprias especificidades, variando quer na idade dos lesados quer nas sequelas de que ficaram a padecer (no 3º Acórdão não tendo a lesada ficado a padecer de quaisquer sequelas), como nas dores e incómodos suportados por aqueles, têm de comum um défice funcional permanente da integridade física em nenhum dos casos superior a 5%. Défice que aqui só é realçado como meio de evidenciar a ordem de grandeza comum das lesões de que o sofrimento e incómodos causados pelas limitações nas atividades da vida diária são o reflexo, por contraposição a outros tantos casos em que a dimensão das sequelas e inerentes perturbações nos atos da vida diária dos lesados não são sequer comparáveis. E com todas as especificidades que se reconhece caso a caso, oscilam os valores indemnizatórios arbitrados entre os € 4.000,00 e os € 15.000,00. O valor arbitrado nos autos - € 25.000,00 – num contexto em que não se deu como estabelecido o nexo causal entre a atuação do 1º R. e o défice funcional de 5 pontos que se apurou a A. padecer na sequência das intervenções a que foi sujeita - défice este apurado e descrito em 38º dos factos provados [vide também al. a) dos factos não provados] - resulta neste contexto desadequado no confronto com os padrões generalizadamente adotados pela jurisprudência e como tal não contido na margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade, justificativo da redução acima já declarada. A implicar na procedência parcial do recurso interposto nesta parte a redução do valor indemnizatório para os já mencionados € 15.000,00. Do recurso subordinado interposto pela autora. Questiona a autora o decidido pelo tribunal a quo quanto à absolvição do pedido relativamente ao dano biológico, bem como aos danos futuros a liquidar posteriormente e apurados em 31 dos factos provados. Tal como acima já consta o tribunal a quo improcedeu o nesta sede decidido porquanto e embora seja de imputar a angústia apurada “ao episódio dos autos, como também o é o facto de se ter submetido a uma cirurgia para retirar a dita agulha, meio possível e com indicação médica como uma das possíveis soluções para o caso.” entendeu já não serem imputáveis a este mesmo episódio “todas as dores sofridas na sequência da segunda cirurgia, a que o réu é alheio e não teve qualquer intervenção, nem o facto de estar hoje afetada com cinco pontos de défice funcional por afetação de ramo sensitivo do nervo trigémeo, com dor e alterações de sensibilidade associadas, nem todos os demais danos que se provaram, mas sem causa concreta e adequada no facto de a agulha ter ficado alojada na mucosa da autora, e mesmo, alguns deles, com a própria cirurgia (como tártaro, goteira, etc)” Tal como consta em a) dos factos não provados, os factos apurados e mencionados em 22º a 28º (com exceção da presença de um fragmento da agulha), 30º, 32º a 34º, 37º a 39º não têm estabelecido o nexo causal dos mesmos à atuação do 1º R. referida em 4º e 5º dos factos provados[14]. Note-se que embora seja correta a afirmação de que a intervenção cirúrgica a que a A. foi submetida no CH … surgiu como consequência do ato médico do 1º R. e como tal foi considerado nomeadamente para a quantificação dos danos não patrimoniais, já o não é a afirmação de que os danos subsequentemente a tal intervenção apurados sejam necessariamente por essa via considerados como consequência do ato inicial. Para tal teria de estar demonstrado que o facto ilícito – o praticado pelo 1º R. - foi ainda uma causa adequada do dano dessa segunda intervenção. Dispõe o artigo 563º do CC que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Na interpretação do artigo 563º do CC seguida pelo nosso tribunal superior[15] “É necessário (…) não só que o facto tenha sido, em concreto, condição ‘sina qua non’ do dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção” (Almeida Costa. Direito das Obrigações. 2009, pág. 763).”. Já em anterior decisão de 20/01/2010, nº de processo 670/04.0TCGMR.S1, este mesmo tribunal, após afirmar que “O nosso ordenamento jurídico consagra a doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa: «o facto só deixará de ser causa adequada do dano, desde que se mostre, por sua natureza, de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excecionais» (ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9ª edição, pg. 708).”, doutrina esta que “não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano;” expressou o entendimento de que “com inteira razão, a dogmática moderna tende a substituir a designação imprópria de teoria de causalidade adequada, que a praxis tradicional consagrou, pela da teoria ou doutrina da adequação, ou seja pela imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuída ao agente como coisa sua, isto é, produzida por ele.” É a relação de causa adequada que a recorrente invoca estar demonstrada, porquanto a tentativa de remoção da agulha por via cirúrgica (no CH …) constituiu ainda atuação necessária, causada pelo facto originário – o ato praticado pelo 1º R. (vide conclusões XI a XIII). A atuação necessária da segunda intervenção foi aceite pelo tribunal a quo, tanto que em sede de danos não patrimoniais considerou ainda o sofrimento associado à intervenção em si. O que o tribunal a quo afastou e por via da não demonstração do nexo causal em sede indemnizatória, foram as sequelas que fundamentam o pedido indemnizatório da A. em sede de dano biológico. Apoiando-se para tanto no ponto a) dos factos não provados. Recorda-se que a decisão de facto não foi impugnada. O nexo causal a estabelecer entre o dano e o facto ilícito é um dos pressupostos da responsabilidade contratual in casu imputada ao 1º R.. Assim não pode o 1º R. ser responsabilizado, para o que ora releva em sede indemnizatória, pelos danos apurados mas que não se demonstrou serem consequência do ato médico por si executado. A intervenção posterior de uma entidade terceira – in casu o CH … que realizou uma segunda intervenção [vide factos provados 7º a 9º; 12º a 18º, 22º, 24º e 25º] - justificada é certo no contexto acima já mencionado pela lesão anterior, interrompe o processo causal quanto às lesões posteriormente a esta intervenção verificada com o ato ilícito inicial executado pelo 1º R.[16]. Assim só não seria, se demonstrado estivesse que estas lesões (posteriores) e sequelas permanentes apuradas sempre seriam consequência necessária, adequada ou expectável de acordo com a experiência comum, da segunda intervenção e nessa medida por via indireta, estariam ainda conexionadas ao ato ilícito inicial, na medida em que então se poderia concluir que o ato ilícito inicial era adequado a produzir as lesões finais e que em concreto estas teriam com toda a probabilidade sido ainda produzidas como consequência daquelas. Nada foi alegado nem apurado quanto ao contexto e causas das sequelas que terão sobrevindo na sequência desta segunda intervenção [menciona-se esta relação de superveniência à segunda intervenção, não como realidade factual demonstrada, mas como meramente admitida no contexto de não provada a sua ligação ao ato imputado ao 1º R. e a evidência da sua existência, mencionada no relatório pericial como “a sua maioria imputáveis à cirurgia hospitalar e não propriamente à fratura da agulha” (vide relatório a fls. 214 do processo físico).]. E nesta medida tem-se como correta a conclusão do tribunal a quo quanto à não demonstração do nexo causal entre o ato ilícito do 1º R. e as sequelas em análise, ou seja: as limitações de que a A. ficou a padecer como consequência da cirurgia levada a cabo no CH … e descritas em 22º; as dificuldades de mastigação e traumatismo mencionados em 32º; as lesões descritas em 28º e 33º (com exceção da presença da agulha); a necessidade de recurso a goteira e as dores e ajuda medicamentosa mencionadas em 34º e 37º a 39, incluindo o défice funcional de que a A. ficou a padecer e referido em 38º. É certo que a A. foi submetida a ato médico no decurso do qual e como consequência do mesmo ficou com um fragmento de uma agulha alojado na mucosa “em posição perpendicular ao ramo ascendente direito da mandíbula (…)”; igualmente é certo que por via de tal ocorrência e da tentativa do 1º R. em extrair esse mesmo fragmento a A. suportou incómodos e dores e foi ainda conduzida ao CH … onde foi submetida a intervenção cirúrgica – ato em si considerado adequado, embora não a única opção conforme consta no relatório perícia – e porque de ato adequado se trata foi ainda o mesmo (a intervenção em si, frisa-se, não as sequelas à mesma subsequentes), considerado como consequência do evento danoso imputado ao 1º R.. E é também certo que o sofrimento e incómodos suportados pela A., incluindo a lesão da integridade física primária – fratura e permanência da agulha na mucosa à direita da A. - foram contabilizados atento o circunstancialismo concreto apurado, na quantificação do dano não patrimonial[17]. No mais, o valor indemnizatório pretendido a título de dano biológico e pela A. justificado com o défice funcional permanente de que ficou a padecer e dependência de ajuda medicamentosa por referência ao mencionado défice funcional (vide 82º a 85º da p.i.) fica pelo exposto afastado. Por último e pela manutenção da agulha na sua mucosa à direita, peticionou ainda a A. a condenação dos RR. a pagar os custos que a mesma venha a suportar em consultas médicas, diagnósticos, tratamentos, possíveis cirurgias, reabilitação e medicação que venha a ter de efetuar a liquidar ulteriormente. Bem como por outros danos patrimoniais e não patrimoniais de que a autora venha a sofrer futuramente em consequência do evento danoso, a liquidar ulteriormente. Afigura-se-nos neste ponto assistir razão à recorrente, limitado à permanência da agulha na mucosa direita, o que demanda vigilância – vide ponto 31 dos factos provados – e consequências desta situação em concreto derivadas. Incontestavelmente, a permanência da agulha é consequência do ato médico inicial levado a cabo pelo 1º R. e nessa medida enquanto se verificar a permanência da mesma, todos os atos, tratamentos, medicação e sofrimento que vierem a ser suportados pela vigilância e permanência da agulha terão de ser indemnizados pelos responsáveis, in casu o 1º R. e por via do contrato de seguro celebrado, a 2ª R. seguradora em cumprimento das suas obrigações contratuais. Assim e nesta parte procede parcialmente o recurso subordinado da A., importando a condenação dos RR. (sendo a 2ª R. no âmbito da obrigação contratual de seguradora assumida perante o 1º R. e limitada ao capital seguro) a indemnizar a A. pelos danos futuros que a mesma venha a suportar como consequência da permanência da agulha na sua mucosa direita, cuja vigilância se mantém, seja em consultas médicas, diagnósticos, tratamentos, possíveis cirurgias, reabilitação e medicação. Bem como pelas dores, incómodos ou sofrimentos causados pelos novos atos que venham a ser consequência dessa mesma manutenção e vigilância. *** III. Decisão.Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedentes os recursos principal e subordinado intentados e consequentemente, na parcial revogação da sentença sob recurso, decidem: - Quanto ao recurso principal da R. seguradora, reduzir o valor indemnizatório a título de dano não patrimonial ao valor de € 15.000,00. No mais julgando improcedente o recurso principal. - Quanto ao recurso subordinado, condenar os RR. a indemnizar a A. Pelos custos que a mesma venha a suportar em consequência da manutenção da agulha na sua mucosa à direita cuja vigilância se mantém, seja em consultas médicas, diagnósticos, tratamentos, possíveis cirurgias, reabilitação e medicação. Bem como pelas dores, incómodos ou sofrimentos causados pelos novos atos que venham a ser consequência dessa mesma manutenção e vigilância. Ambos a liquidar ulteriormente, sendo a responsabilidade da 2ª R. limitada ao valor do capital seguro. Custas dos recursos e da ação na proporção do vencimento e decaimento pelas recorrentes/recorridos. Notifique. *** Porto, 2020-03-23Fátima Andrade Eugénia Cunha Fernanda Almeida __________ [1] Cfr. Vera Lúcia Raposo in “Do ato médico ao problema jurídico”, edição 2016, p. 35, abordando a classificação da responsabilidade civil médica no âmbito da responsabilidade contratual versus a responsabilidade extracontratual (esta última particularmente presente no sistema da common law conforme a autora aí dá nota). [2] Assim Filipe Albuquerque Matos in “Traços Distintivos e Sinais de Contacto entre os Regimes da Responsabilidade Civil Contratual e Extracontratual – O Caso Particular da Responsabilidade Civil Médica” in Lex Medicinae, Ano 11, nº 21-22 (2014), p. 20. E no mesmo sentido Ac. TRP de 27/03/2017, nº de processo 7053/12.7TBVNG.P1; Ac. TRL de 24/09/2019, nº de processo 9773/16.8T8LSB.L1-7; Ac. STJ de 28/01/2016, nº de processo 136/12.5TVLSB.L1.S1; Ac. STJ de 22/03/2018, nº de processo 7053/12.7TBVNG.P1.S1 (e demais jurisprudência do STJ neste último citado, dando nota de ser este o entendimento reiterado deste tribunal superior) todos in www.dgsi.pt [3] In “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10ª edição revista e atualizada de 2018, p. 585 e segs. [4] Cfr. Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral; edição Universidade Católica, 2018, em anotação ao artigo 799º do CC. [5] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, nº de processo 296/07.7TBMCN.P1.S1 in www.dgsi.pt que de perto seguimos; vide igualmente Rute Teixeira Pedro in “A Responsabilidade Civil do Médico – Reflexões Sobre a Noção da Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, edição 2008 da Coimbra Editora sobre a natureza da obrigação assumida pelo médico e a distinção entre obrigação de meios vs obrigação de resultado na responsabilidade contratual p. 89 e segs.. [6] Tal como consta no já citado Ac. do STJ de 23/03/2017, in www.dgsi.pt; [7] Também Filipe A. Matos no artigo supra citado realça “nem todos os atos médicos são suscetíveis de ser caraterizados como obrigações de meios”, enquadrando as obrigações assumidas “em certas operações, como a colocação de próteses, a extração de um dente (…) a cirurgia estética (…) a realização de exames clínicos, tais como as análises laboratoriais” em atos médicos que por regra implicam obrigações de resultado. [8] No caso do Ac. em questão foi feita a distinção entre a atividade de elaboração da prótese e a de aplicação da mesma no organismo do paciente. Afirmando-se que no “que se refere à primeira, o médico compromete-se a elaborar um dispositivo que se adeque à anatomia do concreto doente, de acordo com regras técnicas precisas, assumindo nessa medida uma obrigação de resultado. Mas no que respeita à segunda, na medida em que a aceitação ou rejeição de um corpo estranho pelo organismo depende de um conjunto de fatores que o profissional não consegue controlar, a obrigação assumida deverá qualificar-se como obrigação de meios.” [9] In ob. cit, p. 93-96 e 107-109. [10] Ainda Rute Pedro in ob. cit. p. 98-100. [11] Antunes Varela in ob. cit., p. 902; neste mesmo sentido e entre outros os já citados Ac. TRP de 27/03/2017 e Ac. STJ de 23/03/2017; ainda Ac. STJ de 28/01/2016, nº de processo 136/12.5TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt [12] Filipe Albuquerque Matos in artigo supra citado. [13] Em concreto foram invocados pela recorrente os seguintes Acórdãos: Ac TRP de 11/10/2016, nº de processo 805/15.8T8PNF.P1; Ac. TRP de 1/06/2013 processo nº n.º 2870/11.8TJVNF. P1; Acórdão de STJ de 6/07/2004, revista n.º 1674/04, 1ª Secção; Ac. STJ de 17/11/2005, nº de processo 05B3436 e valores fixados entre € 10.000,00 e € 12.000,00. [14] O Supremo Tribunal tem vindo a entender que o conceito de nexo casual não é jurídico mas naturalístico. Assim, foi afirmado no Ac. STJ de 15/12/2011, nº de processo 549/08.7PVLSB.S1 in www.dgsi.pt “Determinar o resultado de um facto é operação que escapa ao mundo do direito, que se apoia em múltiplas provas, no seu exame crítico, nas regras da experiência comum, no “id quod plerumque accidit” e no raciocínio lógicodedutivo do julgador, a partir dos factos apurados, para cuja aquisição pode, inclusive, recorrer-se à prova pericial” [15] Cfr. Ac. STJ de 28/01/2016, nº de processo 136/12.5TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt. [16] Vera Lúcia Raposo, in “Do ato médico ao problema jurídico”, ed. 2016, p. 60 exemplifica como situações de interrupção do nexo causal quer o caso do doente falece não pela terapêutica aplicada, mas antes por que contrai uma infeção logo que saiu do hospital; ainda a situação em que o médico perde o domínio do processo causal na medida em que entretanto outro colega se encarrega de seguir o paciente. [17] Cfr. Ac. STJ de 17/12/2019, nº de processo 2224/17.2T8BRG.G1.S1 in www.dgsi.pt sobre as diversas vertentes em que se vem admitindo a indemnização do dano biológico, seja enquadrando o mesmo no dano patrimonial; no não patrimonial ou mesmo por via do seu enquadramento como dano autónomo. |