Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2726/10.1TBMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOURA
Descritores: HABILITAÇÃO
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
DISSOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE SOCIEDADE
PASSIVO SUPERVENIENTE À EXTINÇÃO DA SOCIEDADE
Nº do Documento: RP201312092726/10.1TBMTS-A.P1
Data do Acordão: 12/09/2013
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 162º E 163º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I - Pelo passivo superveniente de sociedade dissolvida respondem os antigos sócios até ao montante que receberam em partilha.
II - A acção declarativa interposta para obter o reconhecimento de tal passivo pode ser intentada contra os sócios responsáveis, na medida em que o forem.
III - Neste caso há que alegar e provar que os demandados eram sócios da sociedade dissolvida e que receberam bens do património social pela partilha.
IV - A acção declarativa interposta para obter o reconhecimento de tal passivo pode ser intentada contra a generalidade dos sócios.
V - Neste caso há que alegar e provar que os demandados eram sócios da sociedade dissolvida, deixando para a fase executiva e mais concretamente para a penhora a discussão sobre se o bem penhorado adveio ao executado pela partilha da sociedade extinta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo nº 2726/10.1TBMTS-A.P1 vindo do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos
508-desp.diss.de.socied-habili-2726

DECISÃO INDIVIDUAL DE JUIZ RELATOR nos termos do disposto nos artigos 652º- 1 al. c) e 656º, todos do C.P.C., na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013, e que são de aplicação imediata, nos termos do artigo 5º da referida lei.

1. Despacho a que alude o artigo 652º do C.P.C.:
Recurso recebido como de apelação, próprio, com efeito e regime de subida acertados.
Nada obsta ao conhecimento do seu objecto.
2. Profiro decisão individual de JUIZ RELATOR porque, embora se trate de aplicar normas e regimes susceptíveis de tratamentos e soluções diversos, haverá sempre que decidir o caso (o tribunal não pode abster-se de julgar – artigo 8º - do Código Civil), e as questões apesar de tudo – são simples e delimitadas.
Por outro lado, atenta a fase do processo, o que está em causa no recurso – facto e direito -, o tratamento das questões em apreço que do processo já consta explanado, as Partes nunca poderão sustentar que ficarão agora face a uma decisão surpresa, sendo de dispensar manifestamente, a notificação a que alude o artigo 3º - 3 do C.P.C..
Aos cidadãos em geral, a todos, e às Partes em particular, cabe o direito de obterem em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão trazida a juízo – artigos 2º - 1 do C.P.C e 20º da Constituição da República Portuguesa.
3.
I - RELATÓRIO

Em 25 de Setembro de 2009 a Administração do Condomínio …, sito na Rua …, …, …, Matosinhos, devidamente representada por Advogado, intentou acção declarativa de condenação com processo comum ordinário contra B…, Limitada, com sede na Rua …, ., Viseu, com citação prévia à distribuição, alegando fundamentalmente que a Ré no âmbito do exercício da sua actividade construiu o Edifício da Rua …, como empreiteira, composto de 18 fracções autónomas. O prédio apresenta patologias em várias partes comuns que enumera. Pretende a condenação da Ré a mandar proceder à reparação e eliminação necessárias das patologias, ou em alternativa a pagar à Autora uma indemnização a liquidar em execução de sentença, e bem assim a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, após a sentença, na eliminação das aludidas patologias.
A constituição da propriedade horizontal do edifício data de Outubro de 2003.
A Ré terá sido impetrada em 18-11-2008 para tomar conhecimento e reparar as anomalias por notificação judicial avulsa, tendo sido notificada na pessoa do seu legal representante C….
Durante as diligências para a citação da Ré apurou-se que a Ré foi dissolvida, tendo sido aprovadas as contas e encerrada a liquidação, em 20-7-2005, facto levado ao registo a 25-7-2005, estando cancelada a matrícula.
A Ré é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social é a compra, venda, administração e construção de imóveis.
Foi proferido então douto despacho em que se entendeu que a Ré não tinha sido extinta na pendência da acção (declarativa), face ao que não lhe era aplicável o disposto no artigo 162 do CSC, não se considerando de admitir a sua substituição pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários. A instância foi declarada suspensa ao abrigo dos artigos 276º, 1, a) e 277º, 1 do CPC, esperando que o Autor desencadeasse por apenso o incidente de habilitação nos termos do artigo 372º do CPC (todos na redacção anterior à actualmente vigente), aliás na sequência do judicado no Ac. do TRP de 14-7-2008, proferido no processo nº 0833387, disponível nas bases informáticas de dados dos tribunais, segundo que há que habilitar os sócios da Ré para contra eles, e até ao montante que hajam recebido na partilha, prosseguir a acção.
[nota 1]
Nesta conformidade, por apenso aos autos de acção de condenação com forma ordinária que a Administração do Condomínio … move a "B…, Lda.", veio aquela em 30-5-2011 requerer o incidente de habilitação nos termos do artigo 371º, 2 do CPC (redacção anterior à actualmente em vigor) de D…, C… e E…, para com eles prosseguirem os autos principais em substituição da Ré.
Alega, para tanto, que a referida sociedade foi declarada dissolvida, com encerramento da liquidação e cancelamento da sua matrícula antes da interposição da acção, pelo que requer a habilitação incidental dos sócios da Ré para contra eles prosseguir a acção.

Citados os Requeridos nos termos e para os efeitos previstos no art. 372°, nº 1 do C.P.C., vieram apresentar contestação alegando, em resumo, que os Requeridos nada receberam na partilha, conforme escritura pública de dissolução que juntam, e que nenhum facto alegou a Requerente que possa afastar as regras de limitação de responsabilidade consignadas no art. 163° do C.S.C..
Foi proferido despacho a convidar a Requerente a corrigir o requerimento inicial no que respeita à falta de alegação dos factos atinentes à verificação dos pressupostos referidos no nº 1 do art. 163° do C.S.C., juntando logo os respectivos meios de prova, sob cominação de ser indeferido o incidente deduzido.

A Requerente no articulado aperfeiçoado veio alegar, em resumo, que as sociedades "F…, Lda." e "G…, Lda.", sócias da Ré da acção principal, "pertenciam" aos sócios gerentes da B…, e ainda hoje estão activas e em pleno funcionamento e que os sócios gerentes desta (também sócios gerentes da B…) constituíram outras firmas na mesma morada. Mais alega que os sócios gerentes da B… constituíram a firma com intuito de construir, vender e extinguir a mesma e repartir o produto das vendas dos imóveis, entre eles o do edifício in casu, entre eles e, sem salvaguardar o direito existente a favor da Autora e dos proprietários das fracções vendidas, mantendo e exercendo a actividade comercial no mesmo local (sede) com outras firmas acima identificadas. Não é verdade que não tenha havido partilha do activo da firma pelos Requeridos, e das empresas também participadas e sócias, porquanto, verificou-se a existência de alienação de imobilizado, em 2004 e 2005, bem como, existências a distribuir, e créditos recebidos de valor superior ao passivo. Os Requeridos fizeram constar falsamente a inexistência de passivo no acto junto para efeitos da sua dissolução, devendo ser devidamente responsabilizados.
Notificados vieram os Requeridos apresentar contestação na qual, em resumo, alegam que à data da extinção da sociedade (25/07/2005) o putativo crédito da Requerente não existia, uma vez que a acção foi proposta em 2010, que é falso que tenha havido qualquer venda de imobilizado nos anos de 2004 e 2005, que a última venda de uma fracção ocorreu em Dezembro de 2004, e reafirmam que os sócios nada receberam na partilha.

Foram inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente.

A escritura de dissolução da sociedade “B…” está a fls. 28/29, e dela se pode constatar que a 25-7-2005 compareceram perante a Senhora Notária os Requeridos D… e E…, que na qualidade de gerentes, em representação da referida sociedade, disseram que na assembleia da identificada sociedade, de 20 de Julho de 2005, foi deliberado por unanimidade pelos sócios detentores do capital social, dissolver a identificada sociedade, que já cessou a actividade, encontrando-se já liquidado todo o seu activo e passivo, não existindo quaisquer bens a partilhar e, tendo naquela data, sido encerradas e aprovadas as contas, como tudo consta da acta da dita Assembleia-Geral.

O processo foi saneado.
Deram-se como apurados os seguintes factos:

1 - A Requerente propôs a acção a que estes autos se encontram apensos em 25 de Setembro de 2009 contra "B…, Lda.".
2 - Por escritura pública outorgada em 25 de Julho de 2005, os Requeridos D… e E…, na qualidade de gerentes, em representação da sociedade "B…, Lda." declararam que na Assembleia-Geral da identificada sociedade, de vinte de Julho de 2005, foi deliberado por unanimidade pelos sócios detentores do capital social, dissolver a identificada sociedade, que já cessou a actividade, encontrando-se já liquidado todo o seu activo e passivo, não existindo quaisquer bens a partilhar e, tendo naquela data, sido encerradas e aprovadas as contas.
2 - A dissolução e encerramento da liquidação da referida sociedade foram registadas por apresentação de 20 de Julho de 2005 e a matrícula encontra-se cancelada desde essa data.
4 - Nessa data eram sócios da referida sociedade os Requeridos D…, C… e E…, a quem se encontrava afecta a gerência, e ainda "G…, Lda." e "F…, Lda.".
5 - A sociedade referida em 1) foi constituída em 21 de Novembro de 2000.

E como não apurados os seguintes factos:

Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos articulados, designadamente que os sócios gerentes da B… constituíram a sociedade com o intuito de construir, vender e extinguir a mesma e repartir o produto das vendas dos imóveis sem salvaguardar o direito da A. e dos proprietários das fracções vendidas, que não seja verdade que não tenha havido partilha do activo da sociedade pelos seus sócios, que em 2004 e 2005 tenha havido alienação de imobilizado, que nesses anos houvesse existências a distribuir e créditos recebidos de valor superior ao passivo e que os requeridos tenham feito constar falsamente a inexistência de passivo no acto junto para efeitos da sua dissolução.

Fundamentou-se a decisão da matéria de facto.

Aplicou-se o direito ao conjunto de factos demonstrados, atento o pedido, e julgou-se improcedente o incidente, indeferindo ao mesmo, com custas a cargo da Requerente.

Inconformada recorre a Requerente, Administração do Condomínio, de apelação, recurso a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito suspensivo – fls. 193.

A Apelante termina a motivação do seu recurso, concluindo:

1 - A recorrente não se conformando com a douta decisão, vem pedir a sua revogação uma vez que no nosso entender, viola claramente os artigos 13° e 20º da CRP, nº 1 do artigo 2.° da Lei 24/96, de 31,de Julho, DL 67/2003, de 8 de Abril, nos seus artigos 3 e 4 que transpôs para a ordem jurídica a Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e Conselho de 25 de Maio, no seu artigo 8, ARTS. 157, nºs 1 e 2, 158°, 163º do CSC e 1224º e 342, nº 2 do CC e 265 - A do CPC , nos termos do preceituado no artigo 685º - A, nº 2, alínea a) do CPC, e ainda,
2 - Com a mesma fundamentação expedida, das mesmas normas legais, os artigos os artigos 13° e 20° da CRP, nº 1 do artigo 2° da Lei 24/96, de 31, de Julho, DL 67/2003, de 8 de Abril, nos seus artigos 3 e 4 que transpôs para a ordem jurídica a Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e Conselho de 25 de Maio, no seu artigo 8, art. 157°, nºs 1 e 2, 158°, 163º do CSC e 1224° e 342º, nº 2 do CC e 265º - A do CPC, foram erroneamente interpretados e aplicados nos termos do artigo 485° - A, nº 2, alínea b) do CPC.
3 - E para os efeitos de qualificação jurídica adequada e invocada aos fundamentos a deduzir, a ser atribuída por V.Exas.
4 - A recorrente é um CONDOMINIO que representa os proprietários de fracções num edifício sito na Rua …, na …, Concelho de Matosinhos, e composto por dezoito fracções autónomas, que compõe o prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, com as letras "A" a "R”.
5 - Prédio este, construído pela firma B…, da qual faziam parte os ora ex-sócios e habilitados no apenso do qual se recorre.
6 - O condomínio interpôs notificação judicial avulsa para reclamação de defeitos junto da CONSTRUTORA e na falta de resposta, interpôs a competente acção declarativa para aquele efeito.
7 - Na pendência da acção declarativa, por dificuldade de citação, consta dos autos a extinção e dissolução da firma construtora por escritura pública, tendo então procedido a interposição do presente apenso para chamada dos sócios para habilitação da sociedade extinta.
8 - De acordo com o art. 163°, 1 do CSC, os sócios só respondem pelo passivo da sociedade liquidada e extinta se houver partilha dos bens desta e na medida da mesma partilha, pelo que se trata de um facto impeditivo do exercício do direito da apelante.
9 - E, no nosso entender, matéria de excepção cujo ónus recai sobre os sócios nos termos do art. 342°, 2 do CC.
10 - Não fará sentido, portanto, colocar o ónus da prova na pessoa que quer ver o seu direito acautelado, pois trata-se de um facto impeditivo e obsta a que um direito invocado se tenha validamente constituído,
11 - Impor o ónus de prova na apelante constitui prova difícil e violadora do princípio fundamental do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva (artigo 20° CRP), e o princípio da igualdade (artigo 3° CRP).
12 - Uma vez alegado pela recorrente na petição inicial a existência de bens partilhados, não poderá estar dependente de prova por parte desta, até porque deveriam ser os Requeridos a fazê-lo e não fazendo o Tribunal oficiosamente proceder as diligências que julgasse necessárias para apuramento da verdade.
13 - E, em termos substantivos, tem plena aplicação ao caso dos autos, o disposto no nº 1, do artigo 154° do CSC, onde se prescreve que, "os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social."
14 - Sucede que, de acordo com o declarado na escritura de dissolução da sociedade, foi declarado pelos liquidatários aí subscritores, que a sociedade não tem qualquer activo, nem passivo, pelo que não há lugar a partilha.
15 - Neste sentido a jurisprudência entende que, as declarações emitidas pelos sócios - de que a sociedade não tinha activo nem passivo e de que não existiam bens a partilhar - são da mera responsabilidade daqueles, não representando a escritura prova plena quanto a esses factos.
16 - Os credores sociais insatisfeitos podem provar a existência de passivo (...) mas não estão obrigados a demonstrar que os sócios receberam certos e determinados bens pela partilha uma vez que nenhuma presunção decorre daquela declaração.
17 - A eventual limitação da responsabilidade dos sócios, nos termos do art. 163°, nº 1, do CSC, é questão que deverá ser suscitada e dirimida no âmbito da acção em que se efectiva o crédito invocado, não constituindo, enquanto tal, objecto do incidente de habilitação.
18 - O artigo 158º do CSC disciplina a responsabilidade dos liquidatários da sociedade para com os credores sociais, quando indicarem falsamente que todos os credores da sociedade estão satisfeitos e acautelados.
19 - Pois entende-se que os seus sócios à data da sua dissolução e liquidação, constituem-se seus liquidatários, e no caso concreto que os sócios ao deliberarem dissolvê-la e liquidá-la não acautelaram o direito de crédito da apelante.
20 - Preceitua o art.154°, l do Código das Sociedades Comerciais (CSC) que “os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social”.
21 - Sendo que, o ónus de provar a não existência de partilha (activo), cabe aos sócios liquidatários que fizeram a liquidação da sociedade dissolvida.
22 - Eles melhor do que ninguém sabem por que não a fizeram, mas sempre através do relatório exigido pelo art.157° /1/2 do CSC. 23 -Ainda mais se refere porque tal não foi sequer atendido pelo Tribunal a quo, que apenas se cingiu as normas do CSC, e a avaliação das testemunhas e documentos aos autos.
24 -E escamoteou as normas do CC aplicáveis ao caso concreto, e as normas especiais e directivas comunitárias aplicáveis,
25 - O DL. 267/94 de 25.10 (que visou reformular o regime de propriedade horizontal) deu nova redacção aos arts. 916° e 1225° do CC, estendendo o campo de aplicação do regime de empreitada ao vendedor que tenha sido, simultaneamente, construtor e vendedor do prédio, e uniformizou os prazos de denúncia dos defeitos naqueles dois regimes (compra e venda e empreitada).
26 - Mas no caso concreto, em que a firma R, constitui-se como firma DE CONSTRUÇÃO em 2000, dissolve-se e liquida-se em 2005,
27 - Ou seja, cinco anos depois.
28 - Fica esquecida a segurança jurídica quando compramos uma casa/fracção/imóvel, se pode e é legitimo acontecer isto (a construtora constrói e fecha) e prazos para garantias de construção …
29 - NADA.
30 - Pretende a recorrente, ver a sua garantia sufragada pela lei salvaguarda e com a acção principal obter da ré (réus sócios) a reparação dos defeitos de construção que alegaram existir nas fracções autónomas de que são proprietários, e poder invocar o regime jurídico dos arts. 1225º e ss do C.Civil, regime aplicável aos defeitos na obra no âmbito do contrato de empreitada.
31 - Por força das alterações introduzidas nesta matéria, nomeadamente quanto estejam em causa imóveis de longa duração, o regime estatuído pelo art. 1225° do CC foi estendido ao "vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado", aditando a esse preceito o n° 4.
32 - Ou seja: as regras do contrato de empreitada que regulam a responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra aplicam-se também ao contrato de compra e venda celebrado com o próprio construtor do imóvel de longa duração (vd. João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2° ed., pp. 184/185).
33 - Assim, quando, na compra e venda de um imóvel, o alienante tenha sido o construtor do mesmo, apesar de inexistir contrato de empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida é aplicável o regime previsto no art. 1225° e não o do art. 916° (J. Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 98).
34 - Só que, como decorre da letra da lei, este regime apenas é extensivo ao vendedor do imóvel quando ele seja também o seu construtor.
35 - Ora, no caso dos autos verifica-se que a vendedora tenha sido também a construtora do imóvel, pelo que, ao contrário do entendimento das partes vertido nos respectivos articulados, entendemos que tal regime jurídico é aplicável à situação em apreço.
36 - Acresce que, estão em causa contratos de compra e venda celebrados dum lado pelo vendedor, que é um profissional, já que, tal como se provou a Ré (na acção principal) é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda de imóveis, tendo celebrado tais negócios no âmbito da sua actividade profissional, de escopo exclusivamente lucrativo doutro lado, pelos compradores, dos imóveis para habitação própria e permanente, ou seja para fins não lucrativos enquanto consumidores.
37 - Com efeito, tal como definidos no nº 1 do artigo 2º da Lei 24/96, de 31,de Julho, ou seja, «considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios».
38 - É pois aplicável a estas transacções de bens imóveis, o regime de venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, criado pelo DL 67/2003, de 8 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica a Directiva nº 1999/44/CE do Parlamento Europeu e Conselho de 25 de Maio, que teve por objectivo a aproximação das disposições dos estados membros da União Europeia sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.
39 - O DL nº 67/2003 tem por objecto assegurar a protecção dos interesses dos consumidores nos contratos de transmissão de bens de consumo.
40 - Do art. 2° nº 1 do citado DL resulta a imposição ao vendedor de entrega de bens de consumo em conformidade com o contrato, estabelecendo-se assim uma garantia contratual relativamente aos bens de consumo consistente na imposição da sua conformidade com as descrições constantes do contrato (cf. este sentido Menezes Leitão, em Direito das Obrigações, vol. III, 6ª edição, pág. 142).
41 - O nº 1 do art. 3° deste diploma legal estabelece que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, estabelecendo o art. 4° do citado DL que perante essa falta de conformidade, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
42 - Pretendendo a recorrente a reparação da coisa vendida, encontra-se protegida, enquanto consumidora de bens imóveis por este regime jurídico com origem no Direito Europeu.
43 - Conclui-se assim que a situação em apreço terá de ser dirimida por aplicação do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de Abril, em tudo o que seja mais favorável ao consumidor, pois, como resulta do artigo 8°, nº 1 da Directiva nº 1999/44/CE citadas, o exercício dos direitos resultantes da mesma não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.
44 - Como lei especial que é, este regime prevalece sobre o regime constante do CC.
45 - Posto isto, só poderíamos concluir nesta sede, que os sócios da sociedade extinta deveriam ter salvaguardado a GARANTIA da recorrente e não tendo feito, é automática a sua habilitação e não dependente dos requisitos exigidos na douta sentença alterando e violando as normas do ónus da prova e normas especiais.
46 – Não entender assim, seria permitir o aumento de dissoluções e liquidações de empresas de construção nestes exactos termos, e lesados os compradores, ficando por salvaguardar os direitos constitucionalmente prevenidos no artigo 20º da CRP.

Conclui pela revogação da sentença e sua substituição por outra de acordo com o minutado no recurso, que determine a procedência do Incidente, para que os sócios tomem a posição que era da sociedade dissolvida.
*
Os Requeridos não contra-alegam.
*
Cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. O tribunal deve resolver todas as questões que lhe sejam submetidas, dentro desse âmbito, para apreciação, com excepção das questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras. “Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir.

III - OBJECTO DO RECURSO

Ao presente processo, e ao presente recurso são aplicáveis as disposições do C.P.C. introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que entraram em vigor em 1-1-2008, pois que, como se disse, a acção foi intentada em 2010, igualmente mantidas pela Lei nº 41/2013, de 26-6, de aplicação imediata – conforme seu artigo 5º.

As questões que se colocam ao julgador através desta apelação são as seguintes:
1ª – saber quais os factos a ter em conta;
2ª – decidir do mérito da causa;

IV- mérito do recurso

1ª questão

Que factos ter em conta?

Relevante para a decisão do recurso o elenco de factos dado como demonstrado na 1ª instância, não impugnado, já transcrito, e ainda que:
a-
A escritura de dissolução da sociedade “B…” está a fls. 28/29, e dela se pode constatar que a 25-7-2005 compareceram perante a Senhora Notária os Requeridos D… e E…, que na qualidade de gerentes, em representação da referida sociedade, disseram que na assembleia da identificada sociedade, de 20 de Julho de 2005, foi deliberado por unanimidade pelos sócios detentores do capital social, dissolver a identificada sociedade, que já cessou a actividade, encontrando-se já liquidado todo o seu activo e passivo, não existindo quaisquer bens a partilhar e, tendo naquela data, sido encerradas e aprovadas as contas, como tudo consta da acta da dita Assembleia-Geral.
b-
A Ré é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social é a compra, venda, administração e construção de imóveis.

2ª questão

Sob o ponto de vista da função, com a presente habilitação a Requerente pretende colocar o sucessor na posição jurídica do falecido ou do cedente, no que diz respeito ao processo declarativo principal, empregando a terminologia de Alberto dos Reis, operando os efeitos de uma habilitação-legitimidade que aparece na petição da acção, mas através da habilitação incidental do artigo371º, 2 do CPC. Esmiuçando, pretende-se colocar o sucessor, os sócios/responsáveis, na posição jurídica da pessoa colectiva extinta, em momento anterior ao da propositura da acção. E para que a causa prossiga contra estes.

A dissolução é o facto extintivo de uma sociedade, correspondendo ao fim da sua vida. Tem o objectivo de liquidar e partilhar o património social remanescente.
A dissolução da sociedade comercial por quotas está prevista nos artigos 141º e ss, 270º e 464º do Código das Sociedades Comerciais, e ainda na Regime de Procedimento Administrativo de Dissolução aprovado pelo Dec.-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, com as alterações subsequentes.
No caso estamos perante a dissolução extrajudicial tomada por deliberação dos sócios, ao tempo (2005) revestindo a forma de escritura pública, hoje dispensada, bastando para promover o registo, a acta da respectiva deliberação social.
A extinção da sociedade só se verifica com a liquidação.

Extinta uma sociedade comercial, pelo registo do encerramento da sua liquidação, as obrigações jurídicas que a vinculem transitam para a esfera jurídica dos antigos sócios (artigos 160º, nº 2, e 163º, nº 1, do Código das Sociedades Comerciais).
As obrigações jurídicas invocadas na acção principal pelo Condomínio Autor não estão reconhecidas, pois a causa não foi ainda tramitada, instruída e decidida.
Em relação à sociedade B… estas alegadas obrigações são eventual passivo superveniente à extinção.
É o direito substantivo que define quem são estes sucessores da sociedade extinta.

Dispõe o artigo 163º de CSC:
1. Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam pela partilha, sem prejuízo do disposto quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada.
2. As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no art. 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles.

Verificamos que uma coisa é saber quem responde pelas obrigações correspondentes ao passivo superveniente da sociedade dissolvida, portanto em acção executiva: Resposta- os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam pela partilha.
É que ao cumprimento dessas obrigações apenas está afecto, o volume do património social distribuído na partilha, respondendo cada sócio apenas até ao montante do que nela houver recebido (artigo 163º, nº 1, citado). Em sede de execução, perante a penhora de um bem ao executado, ex-sócio da sociedade extinta, cabe a este defender-se por oposição á penhora. É sobre o credor exequente que recai o ónus de provar qual o património do ex-sócio, por este recebido em partilha, que como tal está afecto à satisfação do crédito exequendo – neste sentido o Ac. TRL de 12-7-2012 proferido no processo nº 17316/09.3YIPRT-B.L1-7- Relator Luís Lameiras.

Outra coisa é saber quem pode ser demandado na acção declarativa.
Resposta: segundo Raul Ventura, “Dissolução e Liquidação das Sociedades, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, Almedina, 1999, pag. 487, referenciado no douto acórdão da [nota 1], o requerente tem duas possibilidades: a) propositura de acção contra os sócios responsáveis na medida em que o forem (nº1 do art. 163º); ou, b) propositura da acção contra a “generalidade dos sócios”, na pessoa dos liquidatários (nº2 do art. 163º). A solução alternativa consagrada no nº2 do art. 162º, “consiste em despersonalizar os sócios, para efeitos processuais, admitindo a propositura das acções contra a “generalidade” deles e ao mesmo tempo atribuir aos liquidatários (ou outras pessoas na falta deles), a representação processual dessa generalidade” (cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 08-05-2012).

Parece-nos claramente que seguindo o caminho da al. a) há que alegar e provar os fundamentos da habilitação, incluindo que os sócios demandados receberam da partilha da sociedade dissolvida, e seguindo os outros caminhos, há que alegar e provar apenas os fundamentos da habilitação, deixando para a fase executiva e mais concretamente para a penhora a discussão sobre se o bem penhorado adveio ao executado da partilha da sociedade extinta.

A sociedade B… à data da dissolução tinha o capital social de € 6.000 dividido em seis quotas. Três no valor de 100 € pertencentes cada uma a D…, C… e E…. Duas de 1.900 € pertencentes à “G…, Lda”, e uma de 1.900 € pertencente à “F…, Lda”.
Os sócios pessoas singulares eram gerentes. A sociedade obrigava-se com a assinatura de dois gerentes.

Interessa saber quem pretende o Requerente Condomínio que figure na acção declarativa, como sucessor da sociedade extinta do lado passivo. E isso verifica-se pelo requerimento da habilitação.
Pelo teor do requerimento inicial da habilitação e também face aos esclarecimentos prestados o Requerente optou pela hipótese da al. a) - propositura de acção contra os sócios responsáveis na medida em que o forem (nº1 do art. 163º). Elencou esses três sócios da B… - D…, C… e E…. Não pretende ver na acção declarativa os sócios pessoas colectivas.

Não se vê que tenha optado por qualquer das outras soluções.

Nesta hipótese de opção o Requerente Condomínio tem de alegar e provar os fundamentos da habilitação, incluindo que os sócios demandados receberam da partilha da sociedade dissolvida.
E não logrou provar este segundo segmento do ónus (artigo 342º, 1 do CC).
O incidente de habilitação não se destina apenas a verificar se os habilitandos têm a qualidade de herdeiros. Uma vez trazida ao incidente, necessariamente pela opção tomada pelo Requerente Condomínio, a questão de saber se os sócios a demandar receberam da partilha da sociedade dissolvida, e tendo havido, como houve, oposição a esta matéria, a questão tem de ser debatida e decidida em sede do incidente de habilitação. Não faz sentido proferir sentença de habilitação nestes casos em que os sócios já não respondem, já não são sucessores da sociedade extinta, e, por conseguinte, a causa, em vez de prosseguir, tem de findar – Alberto dos Reis, in CPC Anotado, 1º vol., 3ª ed., pág. 576.

Não foi impugnada a dissolução/extinção da sociedade B…, nem posto em causa o procedimento que a tal conduziu.
Não foi invocado que há activo superveniente à liquidação.

Não cabe portanto proferir uma sentença de habilitação meramente tabelar de modo a permitir o andamento da acção declarativa.
Não cabe chamar à colação a lei de protecção do consumidor e outras garantias, uma vez que estando extinta a sociedade vendedora e não havendo quem lhe suceda (perante estes factos, e nestas circunstâncias, e não noutras), nenhuma destas normas pode funcionar, uma vez que pressupõem a existência jurídica daquele. Era ainda necessário demonstrar que o condomínio é para efeitos legais um consumidor, o que não é líquido.

Improcede a apelação.

V- DECISÃO:

Assim, decide-se nesta Relação em julgar improcedente a apelação, e por via disso se confirma a sentença recorrida.
Custas da apelação pelo Apelante Condomínio Requerente do incidente.

Valor da causa: € 30.001,00.

Porto, 9 de Dezembro de 2013.
Rui Moura
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[Nota 1] – A jurisprudência não é unânime nesta matéria. Veja-se por exemplo o passo do Ac. TRL de 21-11-2012 proferido no processo nº 835/10.6TTLSB.L1-4 (Relator Sérgio Almeida) que transcrevemos:
E, alguma jurisprudência tem vindo a defender que, embora o nº 2 do art. 163º aluda explicitamente às acções a propor, também se aplica quando a acção já se encontra proposta contra a sociedade, apurando-se durante a pendência da mesma que, à data da interposição, já tinha sido levado ao registo o acto definitivo. “Neste caso, até por razões de economia processual, a acção prossegue contra os sócios, na pessoa dos liquidatários, entendendo-se, embora com alguma divergência jurisprudencial, que a acção prossegue sem que seja necessário a suspensão da instância e a dedução de incidente de habilitação (cfr Acordãos da Relação do Porto de 06-07-2009, e da Relação de Lisboa de 29.12.2011)”. Como se afirma no Ac. do TRP de 06.07.2009, que defende a aplicação analógica do disposto no nº1 do art. 162º, “o que ocorre nestes casos, é um incidente anómalo, mediante o qual ocorre uma modificação subjectiva da instância, através da qual os sócios, ou os sócios liquidatários, são chamados a intervir e substituir a sociedade extinta, sem que daí decorra, necessariamente, a suspensão da instância, processando-se tal incidente do modo o mais expedito possível”.