Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | AMÉLIA CATARINO | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO REO OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONTESTAÇÃO COM OFERTA DO MERECIMENTO DOS AUTOS | ||
| Nº do Documento: | RP20241204668/20.1GBVNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 12/04/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, PROVIDO PARCIALMENTE O RECURSO DO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A alegação da violação do princípio do in dúbio pro reo suscita a necessidade de, no recurso, ser demonstrada a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo. II - Não constitui omissão de pronúncia, mas apenas mera irregularidade sem qualquer influência na decisão da causa, a falta de referência no acórdão a contestação na qual o arguido ofereceu o merecimento dos autos, e onde não suscita qualquer questão que importe a pronuncia por parte do tribunal. (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 668/20.1GBVNG.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 10 Relatora: Amélia Catarino Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº 668/20.1GBVNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto, Juiz 10, foi proferido Acórdão, com data de 8 de Janeiro de 2024, depositado na mesma data, nos termos do qual foi preferida a seguinte Decisão: “I - Condenam: AA, pela prática em co-autoria material, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, numa pena de 12 (doze) meses de prisão, cuja execução se suspende, pelo período de 3 (três) anos, subordinado a regime de prova, o qual, entre o mais que vier a ser julgado pertinente, deverá passar pela adesão a um tratamento consistente de desintoxicação ao seu problema aditivo a par de acompanhamento psicológico, a delinear pela DGRSP, o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 53º e 54º, todos do C.Penal. BB, pela prática em co-autoria material, de um crime de abuso de cartão, p. e p. pelo artigo 225º, nº1, alínea b), do C.Penal, numa pena de 7 (setes) meses de prisão, cuja execução se suspende, pelo período de 2 (dois) anos, subordinada a regime de prova, a delinear pela DGRSP, que deverá passar pela sensibilização e consolidação de afastamento de contextos de risco e bem assim da sua definitiva desabituação de consumo de estupefacientes, o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 53º e 54º, todos do C.Penal. II - Absolvem os arguidos AA e BB, pela prática em co-autoria de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artig203º, 204º, nº1, alínea b) do C.Penal. Não se pondera a aplicação da Lei nº 38-A/2023, de 02/08, porquanto os arguidos tinham mais de 30 anos de idade à data da prática dos factos (artigo 2º, nº1).” Inconformado, veio o arguido AA interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem: “Entende o Recorrente que a sentença que o condena padece de um erro notório na apreciação da prova documental, que impõe e determina uma decisão sobre os factos diferente da decisão proferida pelo Tribunal a quo (nomeadamente os factos 3 a 5 dados como provados), vejamos: II. A prova documental determina que no dia 04/08/2020, foram efetuados três pagamentos com o cartão de crédito “A...” da ofendida: um pelas 20h31m, um pelas 20h43m e outro pelas 20h45m (Flhs 8 verso dos autos). III. A prova documental determina que o arguido chegou ao balcão às 20h32m53s, após a hora da primeira compra, que foi registada às 20h31m, no entanto não decorre da prova que o arguido tenha adquirido quaisquer bens no balcão de informações nem que este tenha utilizado um cartão de crédito para qualquer eventual pagamento. IV. Após se ter dirigido ao balcão de informações, o arguido entrou no estabelecimento comercial, tendo sido visto a percorrer os corredores do hipermercado entre as 20h37m51s e as 20h50, apenas estando junto de uma caixa de pagamento entre 20h50m e as 24h54m (conforme decorre do auto de visionamento e dos fotogramas 9 a 13, 29, 30, 17 a 25, 41 a 44 e 33 a 48). V. Confrontando os extratos bancários com o auto de visionamento, podemos apurar que não existe coincidência horária entre os momentos de utilização dos cartões e a localização do arguido junto de caixas de pagamento, sendo que tal diferença nunca é igual. VI. Deste modo, incorreu o Tribunal a quo numa incorrecta apreciação da prova, porquanto a prova documental existente nos autos é plena, demonstrando categoricamente que o arguido, apesar de estar no estabelecimento comercial, não utilizou o referido cartão, uma vez que, às horas que o cartão terá sido usado, o arguido não estava sequer perto das caixas, não podendo assim, condenar-se o arguido pela prática de um crime que o mesmo não pode ter cometido, por estar provado que à hora do pagamento o arguido não estava junto às caixas, não podendo, assim, o Arguido ser condenado pelo crime que vem acusado. VII. Não pode colher o entendimento do tribunal a quo que tal diferença de horas não tem significado pois estão em causa minutos, sendo do conhecimento comum que este tipo de câmaras nem sempre estão configuradas exactamente com a hora local. VIII. Conforme determina a Portaria n.º 273/2013, de 20 de agosto, no seu ANEXO I, 3.1, c), que fixa os requisitos mínimos dos sistemas de videovigilância, determinando que a gravação das imagens de sistemas de videovigilância tem de ser feita em tempo real, sincronizados com a hora legal portuguesa, por forma a garantir a fidedignidade da data e hora que devem constar de cada imagem captada. IX. O Tribunal a quo não pode inferir que, é comum que a hora das gravações não corresponda exatamente com a hora local (sem daí extrair as devidas consequências), porquanto, caso assim seja, o sistema de videovigilância não está a cumprir com um requisito mínimo essencial e legalmente imposto, não podendo valer como meio de prova. X. Não podendo deixar de relevar o desfasamento entre as horas e minutos das transações e as horas e minutos do sistema de videovigilância (que não coincidem) e atender aos comentários feitos pelo arguido em sede de julgamento, os quais não se assumem como uma confissão (em sentido processual) nem tão pouco assumem a autoria deste crime. XI. Sendo que também não pode colher a tese que os minutos estavam desfasados entre sistemas informáticos (do banco e da videovigilância), porquanto o desfasamento não é igual entre as várias utilizações do cartão, não se podendo considerar que o arguido se encontrava em dois lugares ao mesmo tempo: nos corredores e a efectuar o pagamento na caixa. XII. Estamos perante uma clara situação de falta de prova segura e inequívoca de que o arguido foi o autor do crime em questão, tratando-se, pois, de uma mera presunção sem uma forte base que a sustente, que não pode resultar numa condenação. XIII. Ora, se o Tribunal a quo admite que os minutos podem estar errados, também admite, mesmo que por mera hipótese académica, que (i) as horas possam estar errados, (ii) o dia possa estar errado e que (iii) o mês possa estar errado. XIV. O que leva a uma diferente valoração desta prova e, face a tantas incertezas, e não havendo outros elementos probatórios, deveria o Tribunal “a quo” ter atendido ao princípio do “in dúbio pro reo”, e absolver o arguido. XV. Face a todo o exposto, os factos nº 3, 4 e 5 dados como provados na sentença que aqui se recorre deverão ser dados como não provados e, consequentemente, absolver-se o arguido do crime que veio acusado. XVI. Devendo, nesta medida, a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de abuso de cartão. Sem prescindir, XVII. Indica a sentença recorrida que “Recebida a acusação nenhum dos arguidos deduziu contestação e ou requereu produção de prova”, o que não corresponde à verdade, porquanto o arguido apresentou contestação no dia 29.09.2023, ainda que a oferecer o merecimento dos autos, conforme se pode ver, pois que está junto aos autos como documento com a referência CITIUS 36809564. XVIII. Pelo que estamos perante uma omissão de pronúncia, que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. XIX. De acordo com o supra exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de abuso de cartão. Admitido o recurso, veio o Ministério Público responder, concluindo que o acórdão recorrido, não é passível de censura, devendo o recurso ser julgado improcedente e mantida a decisão nos seus precisos termos. Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando no essencial a resposta do MP na 1ª instância e atentas as razões aí expendidas e o teor do acórdão recorrido, no sentido de que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento. Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II. Fundamentação O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cf. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cf. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP. In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objecto as questões seguintes: - erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº2, c), do CPP; - violação do principio do in dubio pro reo; - omissão de pronúncia II.1 A decisão recorrida Importa apreciar as questões supra enunciadas tendo presente o teor da decisão recorrida, os factos que dela constam, e respectiva motivação, e que se transcrevem: “1– Factos Provados: 1. No dia 04 de Agosto de 2020, no período compreendido entre as 18h30m e as 20h30m, quando o veículo de marca Renault, modelo ..., com a matrícula ..-QI-.., propriedade de CC, se encontrava estacionado na Alameda ..., em ..., Vila Nova de Gaia, indivíduos de identidade não concretamente apurada e de forma igualmente não concretamente apurada, partiram o vidro da frente do lado direito do referido veículo, e retiraram do seu interior os seguintes objectos: - 1 (um) telemóvel de marca Huawei ..., no valor de €357,97; - 1 (um) computador portátil da marca ASUS, no valor de €890,00; - 1 (um) par de óculos progresssivos no valor de 453,00; - Cartões de crédito, débito, da Banco 1... e A.... 2. Posteriormente tais indivíduos abandonaram o local, na posse dos referidos objectos, fazendo-os seus; 3. Nesse mesmo dia, no período compreendido entre as 20 horas e as 21 horas e por modo ou meio que não se logrou apurar, pelo menos o cartão A... retirado da viatura da ofendida CC, chegou à posse dos arguidos AA e BB, que não podiam deixar de ignorar que o mesmo não lhes pertencia; 4. Na posse do aludido cartão de débito de CC, os referidos arguidos, deslocaram-se ao estabelecimento comercial denominado “B...” na ... sito na Avenida ..., em Vila Nova de Gaia, local onde e fazendo uso do mesmo compraram diversos produtos no valor global de €79,40, que com o mesmo pagaram; 5. AA e BB agiram, em conjugação de esforços e no cumprimento de um plano previamente traçado, com o propósito concretizado de utilizar, de forma não concretamente apurada, o cartão de débito da ofendida, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade da sua legitima titular, causando-lhe assim um prejuízo patrimonial equivalente ao enriquecimento dos arguidos, prejuízo do qual veio a ser ressarcida pela entidade emitente. 6. Os arguidos agiram na situação descrita de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal; 7. O arguido AA tem antecedentes criminais conhecidos, já tendo sido julgado e condenado, pela prática em: a) 07/09/2002, de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1, 204º, nº1, alínea h), numa pena única de 3 anos e 2 meses de prisão, por acórdão proferido em 20/05/2002, transitado em 04/06/2003, no âmbito do processo nº 700/02.0S6LSB, pela 2ª Vara- 1ª secção, Criminal de Lisboa, já declarada extinta; b) 01/03/2002, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1 e pela prática de um crime de dano simples. p. e p. pelo artigo 212º, nº1, do C.Penal, numa pena única de 12 meses de prisão, cuja execução foi suspensa, pelo período de 2 anos, com regime de prova, por acórdão proferido em 03/12/2004, transitado em 20/12/2004, no âmbito do processo nº 141/02.0PCLRS, da 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal da Comarca de Loures, já declarada extinta; c) 16/03/2002, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, 204º, do C.Penal, numa pena de 12 meses de prisão, de execução suspensa pelo período de 3 anos, por sentença proferida em 21/12/2004, transitada em 18/01/2005, no âmbito do processo nº 448/02.6PFLRS, do 4º Juízo de Pequena Criminalidade de Loures; d) 16/03/2002, de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, do C.Penal, numa pena única de 8 meses de prisão, de execução suspensa pelo período de 2 anos, por sentença proferida em 30/01/2006, transitada em 02/10/2006, no âmbito do processo nº 449/02.4PFLRS, do 2º Juízo de Pequena Criminalidade de Loures, já declarada extinta; e) Junho de 2006, de um crime de introdução de lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191º, do C.Penal; de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203, do C. Penal; de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203, 204º, nº1 e nº2, alínea f), do C.Penal; de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº1 e 2, alínea b), do C.Penal; de um crime de violência após subtracção, p. e p. pelo artigo 211º, do C.Penal e de um crime de detenção de arma proibida, p. e o. pelo artigo 86º, nº1, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, numa pena única de 7 anos de prisão, por acórdão proferido em 29/10/2008, transitado em 24/11/2008, no âmbito do processo nº 2502/06.8 PCCRB, da 2ª Vara de competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra; f) 16/09/2010, de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210, nº1 e nº2 alínea b), do C.Penal e de crime de detenção de arma proibida, p. e o. pelo artigo 86º, nº1, alínea d), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, numa pena de 4 anos e 3 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 09/03/2011, transitado em 29/03/2011, no âmbito do processo nº 1680/10.4PJPRT, da 4ª vara Mista do Tribunal Judicial do Porto; g) 07/02/2010, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, do C.Penal, numa pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 30/03/2012, transitado em 05/11/2012, no âmbito do processo nº 247/10.1PCCRB, da 2ª Vara de competência mista e Juízos Criminais de Coimbra. No âmbito destes autos, foi efectuado cúmulo jurídico com o processo identificado na alínea f), tendo o arguido sofrido uma condenação numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão; h) 11/04/2016, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 40º, nº2, do C.Penal, numa pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 1 ano, por acórdão proferido em 19/05/2017, transitado em 11/01/2018, no âmbito do processo nº 141/16.2JACRB, do Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 3, já declarada extinta; i) 19/08/2020, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, do C.Penal, numa pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, com regime de prova, por sentença proferida em 03/09/2020, transitada em 06/10/2020, no âmbito do processo nº 94/20.2PDPRT, do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 3; j) 21/09/2020, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, do C.Penal, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, pelo período de 12 meses, por sentença proferida em 12/11/2020, transitada em 06/01/2022, no âmbito do processo nº 134/20.5PFMTS, do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 4; 8. A arguida BB tem antecedentes criminais conhecidos, já tendo sido julgada e condenada pela prática em 18/02/2021, de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº1, do C.Penal, numa pena de multa, por sentença proferida em 03/03/2021, transitada em 11/11/2021, no âmbito do processo nº 30/21.9PDPRT, do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto – Juiz 3, já declarada extinta. Do relatório social do arguido AA: 9. AA reside com a companheira (BB), co-arguida no presente processo, num quarto arrendado na Rua ..., ... Porto. No entanto, a morada da instituição C... constitui a morada de referência do arguido; 10. Nas diligências efectuadas a fim de contactarmos o arguido para a elaboração do presente documento, não foi possível obter a colaboração de AA conforme explanado na informação remetida aos presentes autos em 4/12/2023. Deste modo, não foi possível avaliar a sua actual situação de vida e respectivo impacto da situação jurídico-penal, bem como as eventuais necessidades de intervenção técnica; 11. Da articulação efectuada com a Técnica gestora da C..., no dia 07/12/2023, decorre a informação que AA não compareceu à toma da metadona, pelo que a sua integração no programa de redução de riscos ficou suspensa, situação que se mantém há sensivelmente dois meses; 12. Não obstante, continua a beneficiar da prestação do rendimento social de inserção e do apoio económico mensal para medicação e transporte público; 13. No processo nº 5976/20.9T9VNG (Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 2), foi elaborado relatório social sobre o arguido em 26/09/2023 – com recurso a entrevista presencial com o próprio, contacto telefónico com a progenitora, consulta de documentação facultada pelo arguido, articulação com as Técnicas gestoras da Equipa da C... – Associação para a Promoção de Saúde, que acompanham o arguido e a companheira, contacto telefónico com o Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia no âmbito do processo nº 590/20.1GBVNG, do qual se reproduzirá de seguida o ponto 1. 14. Esta Equipa da DGRSP recebeu nova solicitação para elaboração de relatório social para determinação de sanção no âmbito do processo nº 317/20.8PTPRT do Juiz 5 do Juízo Local Criminal do Porto, no qual AA encontra-se acusado da prática de um crime de desobediência. A audiência de julgamento encontra-se designada para o dia 11/12/2023; 1 – CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS 15. À data dos factos pelos quais vem acusado, AA referiu que se encontrava na cidade do Porto, com a companheira (BB, 37 anos de idade), ambos a vivenciar condição de sem-abrigo, dormindo no interior do veículo de automóvel de que o arguido era proprietário, em diferentes zonas da cidade; 16.O casal encontrava-se desempregado, com quotidiano isento de qualquer estruturação e direccionado para os consumos e para a satisfação dos mesmos, não auferindo qualquer fonte de rendimento própria nem beneficiavam de subsídios/apoios sociais; 17. Frequentou a escolaridade até aos 15 anos de idade, abandonando a escola ainda no 8º ano de escolaridade, não só por desmotivação, mas também para integrar actividade laboral como forma de contribuir para a economia do agregado familiar composto pela progenitora e por dois irmãos; 18. Iniciou trabalho como servente na área da construção civil, actividade que manteve até ao cumprimento do serviço militar aos 19 anos de idade, contexto em que iniciou o consumo de estupefacientes que sofreu escalada e compulsão durante o período de um ano e meio em que esteve a trabalhar na Bélgica; 19. Em consequência da adopção de um estilo de vida transgressivo, o arguido tem vindo a registar, desde 2002, sucessivos confrontos com o sistema de justiça penal, com condenações em penas de prisão efectivas, sendo que a condenação numa pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 ano pela prática de um crime de consumo de estupefacientes ocorreu aquando do regresso de uma licença de saída jurisdicional. Ainda durante a reclusão registou uma ausência ilegítima, período em que apresentou recidiva nos consumos; 20. Em contexto prisional manteve integração em programa de tratamento à problemática aditiva, concluiu o curso de formação profissional de pintura de construção civil que lhe deu a equivalência ao 9º ano de escolaridade e desenvolveu actividade profissional em diferentes áreas. Foi integrado em curso de formação na área de climatização e refrigeração que lhe permitiria obter a certificação ao nível do ensino secundário e apesar do arguido afirmar como habilitações literárias o 12º ano de escolaridade, resulta da consulta do seu dossier nesta DGRSP, que AA foi excluído desse curso por excesso de faltas; 21. AA beneficiou de liberdade condicional entre 20/03/2018 e 20/06/2020 no âmbito do processo nº 962/10.0TXCBR-A, tendo regressado ao agregado materno em Oliveira do Hospital. Inseriu-se profissionalmente, exercendo como serralheiro civil, tendo encetado relação afectiva com a actual companheira em meados de 2018, fruto da qual nasceu um filho em 05/06/2019, cuja guarda se encontra atribuída à progenitora do arguido; 22. Todavia, de acordo com a informação constante no dossier do arguido, nomeadamente da Equipa ... desta DGRSP responsável pelo acompanhamento de AA em liberdade condicional, o arguido deixou de comparecer às entrevistas agendadas, nas instalações da Equipa, desde Março de 2020, não tendo sido possível contactar com o mesmo; 23. AA referiu que se deslocou para a cidade do Porto, no início de 2020, pelo facto dos estupefacientes que consome, nomeadamente heroína, serem adquiridos a um custo inferior ao da zona geográfica de onde era oriundo e onde vivia. Posteriormente, após apreensão da viatura, o casal passou a pernoitar numa casa devoluta na zona da ... e passava o dia nos bairros da ... e ... na cidade do Porto, zonas conotadas com significativa incidência de problemáticas sociais e criminais, designadamente consumo e tráfico de estupefacientes, gerindo o quotidiano, juntamente com a companheira, em função da dependência de estupefacientes; 24. Na sequência de novo processo de gravidez da companheira, o casal integrou o Centro de Acolhimento Temporário da Associação ... do Porto em meados de Agosto de 2021. Após a companheira ter sofrido um aborto, situação que o arguido atribui a negligência dos elementos daquela instituição, o casal veio a abandonar o albergue em 10/12/2021, tendo-se colocado em paradeiro incerto até iniciarem acompanhamento pela C... em Fevereiro de 2022; 25. Desde o dia 17/03/2022 que reside, com a companheira, em quarto arrendado na Rua ..., ... Porto, com a intervenção da C..., situado numa zona residencial e conotada com algumas problemáticas sociais; 26. Encontra-se inactivo profissionalmente, afirmando procura activa de emprego, dependente da prestação do rendimento social de inserção, no montante actual de 209.11 euros, do apoio económico mensal de 30 euros para medicação e transporte público, do apoio de instituições de cariz social e de biscates que refere executar na área da restauração, cujo valor refere ser variável, mas que no mês passado conseguiu auferir cerca de 150 euros; 27. Identifica como despesas fixas as relacionadas com a renda do quarto, cujo montante de 205 euros é dividido com a companheira, beneficiária da prestação do rendimento social de inserção no valor de 209.11 euros, com a medicação para problemas respiratórios, indicando o montante trimestral de 12 euros, e com o carregamento do telemóvel, no montante de 7.50 euros de 20 em 20 dias; 28. Descreve uma situação económica precária e dependente de subsídios/apoios sociais. Beneficia ainda de apoio social ao nível do tratamento da roupa e na realização das refeições no Centro ..., em ... – Porto; 29. Entre Maio de 2022 e Janeiro de 2023 integrou um curso de formação profissional na área da restauração na D..., o qual não terminou com sucesso devido ao registo de absentismo. Na sequência dessa formação conseguiu realizar trabalhos nessa área em regime informal; 30. A nível do comportamento aditivo, é acompanhado no Centro de Respostas Integradas (CRI) ... e encontra-se integrado no programa de redução de riscos na C..., efectuando toma de metadona diária e presencial. Contudo, na sequência de não ter comparecido três dias consecutivos à toma da metadona, esta ficou suspensa no dia 26/08/2023. AA afirma que face à suspensão da metadona, fui obrigado a comprar metadona (sic). Na actualidade, AA já efectuou nova avaliação médica no CRI ... e já retomou o programa de tratamento na C...; 31. AA apresenta um discurso crítico sobre a sua problemática aditiva, assumindo ainda manter consumos irregulares de cocaína, sinalizando o último consumo em meados de Agosto de 2023, verbalizando “é um escape” (sic), e de haxixe, afirmando-se abstinente de heroína há cerca de 1 ano e 2 meses; 32. O arguido tem ainda uma filha, de uma anterior relação afectiva, actualmente com 12 anos de idade, com quem não mantém qualquer contacto, que justifica como imposição da ex-companheira; 33. A progenitora referiu que tem mantido contactos telefónicos com o arguido, que manifesta, apesar de estar longe, preocupação com a família, designadamente com o descendente. A mãe lamenta a problemática aditiva de AA e o impacto negativo que acarretou ao longo da sua vida, no entanto, continua a manifestar disponibilidade para o apoiar no que for necessário, incluindo a sua reintegração no agregado familiar; 34. À ordem do processo nº 94/20.2PDPRT do Juiz 3 do Juízo Local de Pequena Criminalidade do Porto Pedro Santos foi condenado, por decisão transitada em julgado a 06/10/2020, pela prática de um crime de desobediência em 11 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 18 meses com regime de prova, tendo sido acompanhado pela Equipa Porto Penal 1 desta DGRSP. Do relatório final elaborado em 21/04/2022 pela Equipa Porto Penal 1 desta DGRSP consta que ao longo da execução da pena, AA manifestou dificuldade numa adesão efetiva ao plano de reinserção social. No entanto, recentemente, conseguiu integração habitacional e formativa, havendo indicadores que esteja a fazer um esforço para deixar de consumir estupefacientes (sic); 35. À ordem do processo nº 134/20.5PFMTS do Juiz 4 do Juízo Local Criminal de Matosinhos, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 06/01/2022, pela prática de um crime de desobediência em 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 12 meses com regime de prova. Do relatório final elaborado em 10/01/2023 pela Equipa Porto Penal 1 desta DGRSP consta que AA tem efectuado um esforço de reorganização do seu quotidiano. Ocupou o tempo com algumas tarefas com carácter informal, e na frequência de um curso de formação profissional e aderiu ao processo terapêutico direccionado aos seus hábitos aditivos, fundamental para efectivar as necessárias mudanças na sua vida (sic); 36. A arguida BB, à data da prática dos factos (e actualmente) vivia com o arguido AA, numa situação de sem abrigo pautando o seu dia a dia pela indigência e consumo de estupefacientes. 2 – Factos Não Provados: Com interesse para a decisão não se provou que foram os arguidos que, no dia 4 de Agosto de 2020, foram os arguidos quem, de forma não concretamente apurada, partiram o vidro da frente do lado direito do veículo de marca Renault, modelo ..., com a matrícula ..-QI-.., e retiraram do seu interior os objectos descritos sob o ponto 1 da factualidade assente. Não se provou toda a demais factualidade que esteja em contradição com a factualidade dada por assente. 3 – Motivação: O artº 374º do C.P.P., no seu nº2, determina, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados, que serão, como resulta do artigo 368º nº2, do mesmo código, apenas os que, sendo relevantes para a decisão, estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa. A convicção é formada, não em obediência a regras preestabelecidas, a quadros, critérios ou ditames impostos por lei, mas sim através da influência que as provas produzidas exerceram no espírito do julgador, após as ter apreciado e avaliado, segundo critérios de valoração racional e lógica, e com apelo à sua experiência, sendo que, neste aspecto particular, não pode deixar de se dar relevância à percepção directa que a imediação e oralidade conferem ao julgador. Na verdade, o juízo acerca da verificação ou não de um determinado facto não assenta, como é lógico, num acto de fé, mas sim num procedimento baseado em juízos racionais, onde se procura reconstituir o facto histórico, usando a razão como instrumento. Os arguidos, nas declarações que quiseram prestar, optaram por diferentes atitudes: a arguida BB, negou a prática dos crimes que lhe são imputados, pese embora se tenha colocado no dia e horário constante da acusação no hipermercado “B...” da ... e se tenha reconhecido nos fotogramas que lhe foram exibidos de fls. 52, confirmando ser a própria e o arguido AA quem foi captado e consta do fotograma nº 12, junto a fls. 43; o arguido AA igualmente se reconheceu no fotograma nº 12 de fls. 43, que, à semelhança do sucedido com a arguida BB lhe foi exibido, e admitiu, embora em abstracto que utilizava cartões bancários que adquiria na ... os quais usava e dividia o produto do que viesse a adquirir com a pessoa que lhos entregava, afirmando, porém, não se recordar da situação em concreto. Assim e considerando as declarações acima referidas prestadas pelos arguidos, a factualidade assente decorreu da conjugação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento a que adiante se fará especial referência, a par dos documentos juntos aos autos, designadamente a folha de suporte fotográfico, fls. 8, relativo ao veículo de matrícula ..-QI-..; comprovativos de movimentos efectuados com o cartão A... da testemunha CC, junto no verso de fls. 8; auto de visualização de fls. 39/40 e respectivo suporte fotográfico de fls. 41 a 52, retirados dos CD’s fls. 226/227, os quais permitem identificar a arguida BB, fotogramas 41 a 48, de fls. 50 e 51, a qual aliás se reconheceu e o arguido AA, que igualmente se reconheceu nos mesmos. A ofendida CC, esclareceu de forma clara em tribunal, o dia, hora e local onde estacionou o veículo, o que sucedeu com o mesmo, identificou os objectos e respectivos valores que foram retirados da sua viatura, confirmando os respectivos talões de compra que juntou aos autos de fls. 9, 11 e 12, para além de ter afirmado ter sido ressarcida dos respectivos valores gastos com os cartões que lhe foram subtraídos. Por seu turno, os Militares da GNR, DD e EE, na medida, em que de forma absolutamente categórica, e, como tal, de forma credível e sincera, confirmaram que visualizaram as imagens recolhidas do hipermercado B... da ..., constantes do auto de visualização de fls. 39/40 e respectivo suporte fotográfico, de fls. 41 a 52, retirados dos CD’s fls. 226/227, nas quais identificaram os arguidos AA e BB, justificando com a sua razão de ciência que foi colhida pelo tribunal, assumiram relevância na convicção formada. De facto o tribunal não ficou com quaisquer tipo de dúvidas de que foram os arguidos quem usaram e pagaram bens que adquiriram, pelo menos, com o cartão A... retirado do interior do veículo da ofendida CC, não colhendo as alegações das respectivas defesas que assentaram no desfasamento entre a hora dos pagamentos e as horas em que os arguidos foram captados pelas câmaras de vigilância do hipermercado B... e ainda na circunstância de que os arguidos tiveram o infortúnio de estar no dia, local e horas erradas e que pelo facto de serem conhecidos pela polícia a investigação culminou em os apontar como aqueles que utilizaram o cartão bancário em questão. Senão vejamos, de acordo com o “print” de movimentos efectuados com o cartão de crédito “A...” da ofendida CC, constante de fls. 8 (verso), cujo teor não veio a ser impugnado, foram efectuados três pagamentos: pelas 20.31h, no valor de 16.37€: pelas 20.43h, no valor de 37.96€ e pelas 20.45h, no valor de 25,07€. Se bem atentarmos no teor do auto de visualização de fls. 39 a 52, percebe-se que entre as 20.32h e as 20.36h, os arguidos procederam a um pagamento junto ao balcão de informações, ou seja com cerca de um minuto de diferença relativamente à hora em que ficou registado o pagamento sendo que o exacto momento do pagamento pode ter ocorrido um minuto antes; percebe-se que entre as 20.50h e as 20.54h os arguidos estavam junto de uma caixa de pagamento (fotogramas 41 a 44 e 33 a 48) e que foram captados a percorrer os corredores pelas 20.43h. Ora tal não tem de todo, por significado que nunca poderiam ter sido os arguidos a utilizar o cartão da ofendida, atenta a hora em que, como acima se referiu, ficaram registados os respectivos pagamentos, pois estão em causa minutos, as imagens foram captadas por várias câmaras, sendo do conhecimento comum que este tipo de câmaras nem sempre estão configuradas exactamente com a hora local, os relógios das câmaras de vigilância nem sempre, ou aliás, muitas vezes não estão absolutamente definidos de acordo com o movimento aparente do sol. Deste modo o desfasamento de cinco ou sete minutos, relativamente aos dois últimos pagamentos, não abala a convicção do tribunal de que foram os arguidos quem utilizaram e efectuaram os pagamentos registados no movimento constante de fls. 8 (verso), tanto mais que admitiram ser os próprios nas imagens captadas e o arguido AA, admitiu que, à época, era prática utilizarem cartões bancários que adquiriam na ..., afastando-se, deste modo, qualquer dúvida sobre os factos dados como provados. Quanto à consciência da ilicitude levada à matéria de facto, a mesma consiste numa consciência (numa percepção) ainda que genérica e difusa, de que a conduta é ilícita, por contrária à Ordem Jurídica, não sendo exigível – o que é unânime na Jurisprudência e na Doutrina – que o agente tenha um conhecimento exacto e preciso das normas incriminadoras. Trata-se, assim, de um facto não susceptível de prova directa (é um facto imaterial, respeitante à mente ou ao intelecto), o que se aplica integralmente aos arguidos. A situação pessoal do arguido AA, decorre do teor do relatório social junto aos autos, acima referido, o qual afirmou que mantém a sua actualidade e os seus antecedentes criminais do teor do certificado dos respectivos registos criminais, juntos aos autos sob as refª (s) nº (s) 37461272, quanto ao arguido AA e 37461273, quanto à arguida BB todos juntos em 04/12 p.p. A situação pessoal da arguida BB decorreu do teor do relatório social do arguido AA, dado que apesar de pessoalmente notificada para o efeito, não se dirigiu à DGRSP, a fim de elaborar o respectivo relatório social.” III. Do Recurso Alega o recorrente que a decisão recorrida enferma de erro notório na apreciação da prova documental, o que impõe e determina uma decisão sobre os factos diferente da proferida (nomeadamente os factos 3 a 5 dados como provados). Alega que, confrontando os extratos bancários com o auto de visionamento não existe coincidência horária entre os momentos de utilização dos cartões e a localização do arguido junto de caixas de pagamento, e que incorreu o Tribunal a quo numa incorrecta apreciação da prova, porquanto a prova documental existente nos autos é plena, demonstrando categoricamente que o arguido, apesar de estar no estabelecimento comercial, não utilizou o referido cartão, uma vez que, às horas que o cartão terá sido usado, o arguido não estava sequer perto das caixas, não podendo assim este ser condenado pela prática de um crime que o mesmo não pode ter cometido. Estriba-se nos documentos de fls. 8 vº e no auto de visionamento e dos fotogramas 9 a 13, 29, 30, 17 a 25, 41 a 44 e 33 a 48. No caso em apreço, o recorrente impugna a matéria de facto invocando os vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, sindicando, desta forma, as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão. Sendo que a matéria de facto pode também ser impugnada de uma forma mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efectivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo, na sua adopção, a observância das formalidades previstas no artigo 412º, nº3 e nº 4, do CPP (erro de julgamento em matéria de facto). O Acórdão do STJ de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt), sublinha que, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: 1- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; 2- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; 3- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita à indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso; 4- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º). E, “As provas que impõem decisão diversa são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que, tendo-o sido, ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida” (sublinhado nosso), este é o entendimento que vem defendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 1.04.2008, www.dgsi.pt, e que sufragamos. Ora, da motivação e conclusões do recorrente resulta que este não cumpre o ónus de especificação, previsto no artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP. Ou seja, apesar de indicar os factos que considera incorrectamente julgados, não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e nem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, não indicando concretamente as passagens em que se funda a impugnação, limitando-se a pôr em causa a convicção do tribunal formada nos documentos e depoimentos que indica e que pretende sejam valorados de forma diferente. Tal especificação é necessária uma vez que a reponderação de facto pela Relação não constitui um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita à indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso. Concluímos, pois, que das motivações recursivas resulta que o recorrente apesar de fazer referência a documentos e fotogramas não dá cumprimento ao dever de especificação das provas que impunham uma decisão de facto diversa da afirmada pelo tribunal (artigo 412º, nº3, do CPP). Tudo isto nos leva a concluir que o recorrente impugna a matéria de facto por invocação do vício do artigo 410º, nº2, c), do CPP, de conhecimento oficioso, e que traduz defeitos estruturais da decisão e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo, visto tratar-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Como refere Maria João Antunes na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 4, Fasc. 1 - Janeiro-Março 1994, pág. 121, “Nesta disposição legal, estamos em face de vícios da decisão recorrida, umbilicalmente ligados aos requisitos da sentença previstos no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, concretamente à exigência da «fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do Tribunal». O “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do nº2, do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. Ou seja, este vício verifica-se ou ocorre quando de um facto provado se tira um facto logicamente inaceitável, ou quando se dá como provado algo que é ou está errado, ou ainda quando usando um processo racional e lógico se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido. E ocorre “quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Por esta razão, na fundamentação da sentença, para além da enumeração dos factos provados e não provados, deve constar uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal (art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal).” – Ac. TRC de 10.07.2018, Proc. Nº 26/16.2GESRT. Lida e analisada a decisão recorrida, nela não surpreendemos qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida, mostrando-se a decisão bem estruturada com raciocínio lógico, e a apreciação das provas efectuada em respeito pelos princípios da livre apreciação da prova, e pelas regras de experiência comum. A convicção formada pelo tribunal mostra-se lógica, estruturada nas declarações prestadas pelos arguidos, em conjugação com os depoimentos prestados em audiência de julgamento, “a par dos documentos juntos aos autos, designadamente a folha de suporte fotográfico, fls. 8, relativo ao veículo de matrícula ..-QI-..; comprovativos de movimentos efectuados com o cartão A... da testemunha CC, junto no verso de fls. 8; auto de visualização de fls. 39/40 e respectivo suporte fotográfico de fls. 41 a 52, retirados dos CD’s fls. 226/227, os quais permitem identificar a arguida BB, fotogramas 41 a 48, de fls. 50 e 51, a qual aliás se reconheceu e o arguido AA, que igualmente se reconheceu nos mesmos.” Documentos estes que, ao contrário do que refere o recorrido não fazem qualquer prova plena, no sentido preconizado pelo artigo 526º, do CC), de que “o arguido, apesar de estar no estabelecimento comercial, não utilizou o referido cartão, uma vez que, às horas que o cartão terá sido usado, o arguido não estava sequer perto das caixas”, mas que o tribunal utilizou para firmar a sua convicção. Prossegue o tribunal, explanando a sua convicção que firma ainda nos depoimentos dos “Militares da GNR, DD e EE, na medida, em que de forma absolutamente categórica, e, como tal, de forma credível e sincera, confirmaram que visualizaram as imagens quais recolhidas do hipermercado B... da ..., constantes do auto de visualização de fls. 39/40 e respectivo suporte fotográfico, de fls. 41 a 52, retirados dos CD’s fls. 226/227, nas identificaram os arguidos AA e BB, justificando com a sua razão de ciência que foi colhida pelo tribunal, assumiram relevância na convicção formada.” Conclui explicando as razões que determinaram a decisão sobre a matéria de facto dizendo que “o tribunal não ficou com quaisquer tipo de dúvidas de que foram os arguidos quem usaram e pagaram bens que adquiriram, pelo menos, com o cartão A... retirado do interior do veículo da ofendida CC,”. A decisão recorrida afirma de forma clara e evidente que “de acordo com o “print” de movimentos efectuados com o cartão de crédito “A...” da ofendida CC, constante de fls. 8 (verso), cujo teor não veio a ser impugnado, foram efectuados três pagamentos: pelas 20.31h, no valor de 16.37€: pelas 20.43h, no valor de 37.96€ e pelas 20.45h, no valor de 25,07€. Se bem atentarmos no teor do auto de visualização de fls. 39 a 52, percebe-se que entre as 20.32h e as 20.36h, os arguidos procederam a um pagamento junto ao balcão de informações, ou seja com cerca de um minuto de diferença relativamente à hora em que ficou registado o pagamento sendo que o exacto momento do pagamento pode ter ocorrido um minuto antes; percebe-se que entre as 20.50h e as 20.54h os arguidos estavam junto de uma caixa de pagamento (fotogramas 41 a 44 e 33 a 48) e que foram captados a percorrer os corredores pelas 20.43h.” Tal não significa, como bem se afirma na decisão recorrida, “que nunca poderiam ter sido os arguidos a utilizar o cartão da ofendida”. Não há qualquer dúvida de que os arguidos, com poucos minutos de diferença entre os pagamentos efectuados, e as suas imagens captadas nos fotogramas, estavam naquele local, utilizaram aquele cartão, e adquiriram com ele determinados bens. É de relevar que as imagens foram captadas por diversas câmaras, sendo do conhecimento comum que este tipo de câmaras nem sempre estão configuradas em circuito e exactamente com a hora local, e em concreto, com a hora que consta dos terminais de pagamento. Por tudo isto, conjugado com o facto de os arguidos, e em concreto o recorrente, ter admitido que são eles que figuram nas imagens captadas, e ter admitido que, à época, era prática utilizarem cartões bancários que adquiriam na ..., determinou a convicção firme, e sem qualquer duvida, do tribunal, de que foram os arguidos quem utilizando o cartão efectuaram os pagamentos registados no movimento constante de fls. 8 (verso). Ressalta, pois, sem margem para outra interpretação, que a prova foi apreciada em respeito absoluto pelo princípio da livre apreciação da prova, “princípio atinente à prova, que determina que esta é apreciada, não de acordo com regras legais pré-estabelecidas, mas sim segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do juiz, uma livre convicção que não pode ser arbitrária ou subjectiva e, por isso, deve ser motivada. A motivação da convicção apresenta-se, pois, como o meio de controlo da decisão de facto, em ordem a garantir a objectividade e a genuinidade da convicção formada pelo tribunal.” (Ac. STJ de 11.07.2007, Proc. 1611/07, 3ª secção) Por tudo isto, e ao contrário do pretendido pelo recorrente, o tribunal não tinha de recorrer, como não recorreu, ao princípio do in dúbio pro reo. Este princípio, cuja violação é invocada pelo recorrente, estabelece que a dúvida sobre um facto deve ser sempre resolvida a favor do arguido. Trata-se, aliás, de um princípio conexo com o da presunção de inocência do arguido, ou, inclusivamente, de uma outra vertente do mesmo. No âmbito penal a imputação de uma alegada violação do princípio in dubio pro reo, cinge-se a um problema de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, constituindo um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe a orientação vinculativa de que, após a produção da prova, o tribunal terá de decidir a favor do arguido, perante a persistência de uma dúvida razoável, ou seja, quando o tribunal não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Deste modo, a alegação da violação desse princípio suscita a necessidade de, no recurso, ser demonstrada a carência de prova de que os factos imputados ao arguido foram por este protagonizados ou de que se verificou qualquer circunstância que a lei faz depender a punibilidade do mesmo. Ora, como supra explanado, o tribunal não teve qualquer dúvida sobre os factos decisivos e que determinaram a condenação do recorrente. Em suma, pode-se dizer que o que está verdadeira e unicamente em causa no recurso é que o recorrente não se conforma com a circunstância de a sua posição sobre a matéria de facto não ter sido acolhida no julgamento da 1ª instância, aí radicando os aludidos vícios que aponta à decisão recorrida. Nada há a apontar à decisão recorrida que foi tomada com base na prova produzida, prova à qual o tribunal conferiu credibilidade, porquanto desta resulta diretamente, e com certeza, que o recorrente praticou os factos de que vinha acusado, não existindo qualquer violação do princípio in dubio pro reo e nem da livre apreciação da prova. Provados os factos com apoio de um juízo de probabilidade que roça a certeza, não há que falar em violação do princípio in dubio pro reo pois, que, este apenas opera se houver dúvida face a um inultrapassável impasse probatório. Concluindo, a decisão foi tomada com base em premissas que se harmonizam num raciocínio lógico e coerente, explicitados os motivos por que foram valoradas positivamente determinadas provas e desconsideradas outras, sendo perfeitamente inteligível o itinerário cognoscitivo que conduziu à convicção do julgador e os meios de prova em que foi alicerçada essa convicção, também de acordo com as regras da experiência comum, através do privilégio da imediação e da oralidade, não havendo qualquer indício de que tal prova tenha sido erradamente valorada ou interpretada, não enfermando a decisão recorrida dos apontados vícios. Por último apreciemos a arguição de nulidade por omissão de pronúncia. Alega o recorrente que no acórdão recorrido consta que o arguido não apresentou contestação, facto que não corresponde à verdade, porquanto o arguido/recorrente apresentou contestação oferecendo o merecimento dos autos, e que, ao não se pronunciar sobre a contestação a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia. Conforme estabelece o art. 379.°, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar. A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso. Dos autos resulta que o arguido apresentou contestação no dia 29.09.2023, a oferecer o merecimento dos autos, junta aos autos como documento com a referência citius 36809564º. Conforme consta desta contestação, o recorrente nela não suscitou qualquer questão que importasse a pronuncia por parte do tribunal recorrido, equivalendo esta contestação na qual se oferece o merecimento dos autos, à não apresentação de contestação, uma vez que nela não é suscitada qualquer questão sobre o tribunal devesse pronunciar-se. A falta da menção da apresentação desta contestação na decisão recorrida constitui uma mera irregularidade que não afeta o teor da decisão. Apelando aqui ao parecer do senhor PGA, que transcrevemos, afirmamos que “a contestação que foi junta é meramente tabelar, usualmente utilizada em incontáveis processos, onde o recorrente não impugna ou admite factos e limita-se a oferecer o merecimento dos autos com a indicação de testemunhas, o que levou o Acórdão recorrido a interpretar esse acto processual como equivalente à falta de apresentação de contestação, o que constitui uma simples ou aceitável interpretação da realidade e não a um verdadeiro erro ou vicio que tivesse tido influência na boa decisão da causa”. Assim, e apesar de, no texto do acórdão não constar referencia à apresentação da contestação, tal não constitui, só por si, o invocado vicio de omissão de pronuncia, mas apenas uma irregularidade sem qualquer influência na decisão da causa. Por consequência, entendemos que o acórdão recorrido se mostra devidamente fundamentado, e nele não foram violadas as normas jurídicas invocadas pelo recorrente. Improcede, pois, a invocada nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal. Entendemos, pois, que o acórdão se encontra devidamente fundamentado, não tendo sido violadas as normas jurídicas invocadas pelo recorrente. Improcede, desta forma, a invocada nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPPenal. IV. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 1ª secção criminal, em negar provimento ao recurso do arguido e em manter a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC. Porto, 04 de dezembro de 2024 Amélia Catarino Paula Natércia Rocha Maria Luísa Arantes (Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94º, n.º 2, do CPP) |