Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3288/17.4T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
NULIDADE
RESTITUIÇÃO DA QUANTIA MUTUADA
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RP202303133288/17.4T8STS.P1
Data do Acordão: 03/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O mútuo é um contrato real quoad constitutionem, exigindo-se, para se concluir, que o mutuante entregue ao mutuário a coisa mutuada.
II - Se o negócio é qualificado como mútuo, mas não se verifica entrega pelo mutuante ao mutuário da coisa mutuada, o mesmo não tem objeto, sendo nulo, por força do art. 281.º, n.º 1, CC.
III - Em geral, a nulidade tem por consequência a restituição do prestado (art. 289.º CC), mas se, em consequência do putativo mútuo nada foi entregue ao mutuário, nada há a restituir.
IV -Provando-se ter o suposto mutuário subscrito negócio unilateral de promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida (art. 458.º CC) tendo como beneficiário o alegado mutuante e sendo o negócio cumprido pelo devedor, não existe obrigação do credor de restituir o recebido em cumprimento desse.
V - Constitui abuso de direito por parte do devedor que, não tendo recebido um empréstimo por meio dos contratos de mútuo que invoca, vir agora a eles recorrer para obter o reembolso do que não recebeu em consequência desses contratos. Ademais, tendo subscrito dois negócios unilaterais de reconhecimento de dívida e tendo-os saldado em prestações durante quatro anos, pretender agora reaver o que pagou ao credor, mediante a alegação da nulidade dos mútuos que apenas tiveram em vista contornar uma questão informática, é também venire contra factum proprium, paralisando o direito assim exercido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3288/17.4T8STS.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTORA: Banco 1..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., matriculado na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o mesmo número, com sede no ..., Edifício ... - Piso ..., ... ….
RÉ: A..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º ..., matriculada na Conservatória do Registo Predial e Comercial da Trofa sob o mesmo número, com sede na Rua ..., Edifício ..., ... Trofa.
Por via da presente ação declarativa pretende a A. obter a condenação da Ré a devolver-lhe a quantia de € 10.123,61, com juros comerciais, desde 23.10.2015 e até integral pagamento.
Invoca contratos celebrados com a Ré os quais foram fundamento de ação intentada pela ora Ré contra a aqui A., a qual culminou com sentença de 24.6.2015 que condenou a A. Banco 1... a pagar à Ré A... a quantia de € 70.505,12, com juros que ascenderam a € 17.197,84, quantia que a aí Ré pagou a 13.8.2015. Porém, por equívoco, transferiu, ainda, para Ré o valor de € 10.123,61, valor com a qual a ora Ré se locupletou injustamente, apesar de interpelada por carta que a Ré recebeu a 23.10.215.

A Ré respondeu e reconveio, dizendo que, além dos valores que peticionou na mencionada ação, ainda havia contas por regularizar entre as partes, razão pela qual o valor pedido agora pela A. corresponde à fatura ... emitida pela Ré, a 10.8.2015, correspondente ao período de julho a setembro de 2011.
Em ação cruzada, pretende sejam declarados inexistentes/nulos os contratos de crédito mencionados no item 45 da reconvenção; condenada a reconvinda à restituição do montante global pago pela reconvinte pelo cumprimento desses contratos, no montante global de € 35.228,16, com juros comerciais, desde 2.11.2015, ou, em alternativa ser condenada no que com que se enriqueceu sem causa à custa da reconvinte pelos mesmos montantes e juros; condenada no pagamento de € 18.219,57, com juros comerciais desde a citação; no caso da procedência do pedido do autor, deverá operar o instituto da compensação entre o crédito do reconvindo e o crédito da reconvinte
A quantia de € 35.228,16, respeita a dois contratos de crédito para aquisição de bens, como se tivesse existido mútuo entre a A. e a Ré, apesar de tal não ser verdade, convencendo a A. a Ré de que, por essa via, renovaria o contrato de angariação de clientes pela Ré à A., com melhor remuneração, e servindo esses contratos para que a Ré assumisse o incumprimento de um financiamento realizado pela A. a cliente angariado pela Ré.
A Ré pagou o valor desses contratos, mas os mesmos são nulos, nos termos do art. 280.º CC, porque não respeitaram à aquisição de qualquer equipamento, nem é identificado vendedor.
São, igualmente, simulados, posto que não houve intenção de se proceder ao financiamento para consumo, atividade a que se dedica a A., mas à assunção pela Ré do incumprimento de um outro contrato celebrado por via da sua angariação.
Subsidiariamente, invoca o enriquecimento sem causa.
A quantia de € 18.219,57, refere-se aos lucros cessantes do terceiro trimestre de 2011, porque a reconvinda decidiu unilateralmente romper o contrato com a Ré.

Respondeu a A. dizendo ser falsa a fatura ..., não sendo a mesma correspondente a 50% da fatura ..., paga na sequência da sentença proferida naquele proc. 70062/12.0YIPRT, nem aí tendo sido pedida, sendo uma invenção da Ré para justificar o recebimento dos € 10.231,61, ora pedidos pela A., o que constitui má-fé da Ré que, por isso, deve ser condenada.
Afirmou ainda, constituir abuso de direito a invocação da nulidade dos dois contratos porque nunca a reconvinte, durante os quatro anos de execução dos mesmos, invocou qualquer vício dos mesmos, e que não são devidas comissões pelo terceiro trimestre de 2011 porque é a Ré que reconhece que, nessa altura, findou o contrato entre as partes.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 7.10.22, a qual julgou a ação procedente e condenou a Ré no pedido, tendo julgado improcedente a reconvenção, dela absolvendo a reconvinda. Julgou não verificada a litigância de má fé.

Desta sentença recorre a Ré, visando sua a revogação, na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional, para o que alinhou os seguintes argumentos:
I-A matéria de facto julgada padece, na opinião da recorrente, de vícios resultantes da má interpretação da prova produzida.
II-Deve ser alterada quanto à sua redação a matéria constante dos seguintes pontos;
A redação proposta para o facto provado nº 21 deverá ser a seguinte,
21-O escrito referido em 20) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor, e ainda prevenir irregularidades de uma eventual auditoria do BdP (Banco de Portugal).
A redação proposta para o facto provado nº 23 deverá ser a seguinte,
23.O escrito referido em 22) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor, e ainda prevenir irregularidades de uma eventual auditoria do BdP (Banco de Portugal).
A redação do facto provado nº 25 é confusa, podendo dar a entender que os modelos utilizados para as operações de financiamento de aquisição de veículos (todas as operações) têm como “tipo de bem financiado” “equipamento não especificado” e “Entidade Vendedora” “Risco Operacional-Auto”.
Propõe-se a seguinte redação para esse ponto 25 da matéria dada como provada,
25. As propostas identificadas em 21) e 23) constam de modelo também utilizado para as ope rações de financiamento para aquisição de veículos, tendo figurado nestas propostas e respetivos contratos, como “tipo de bem financiado” “equipamento não especificado” e “Entidade Vendedora” “Risco Operacional-Auto”.
Também o ponto 27 da matéria dada como provada deve ter a seguinte redação,
27.Se a reconvinte (A...) tivesse incumprido os contratos, nº ... e ..., o banco autor teria enviado a respetiva notação para o Banco de Portugal.
III-Deve ser dada como provada a matéria constante dos fatos não provados, assim se devendo considerar provados os seguintes,
h) o referido em 26) foi por ter sido feita expressamente à Ré a advertência que seria enviada notação de incumprimento para o BdP;
i) o Autor tentou que a Ré e o seu gerente assumissem e outorgassem os escritos identificados em 20) e 22), o que a Ré não aceitou por entender não ser devedora dessas quantias;
k) o Autor utilizou o argumento do interesse na renovação do protocolo em 2010 e 2011 para “convencer” o gerente da Ré a assumir o incumprimento dos contratos de crédito identificados em 20) e 22);
l) outro argumento utilizado pela direção comercial do Autor era que com o referido em k) as tabelas remuneratórias de percentagem de remuneração dos créditos angariados, chamado rappel, seriam revistas e o seu aumento ia compensar esse pagamento;
IV-Deve ainda ser dada como provada a seguinte matéria, não constante da sentença recorrida.
m) A ré/reconvinda assinou as confissões de dívida constantes dos autos, e que deram origem aos contratos de crédito nºs ... e ..., porquanto lhe foi expressamente afirmado por elementos do banco autor/reconvindo que, caso contrário, lhe seria revogado o código de parceiro.
n) Igualmente os contratos com os nºs ... e ..., foram assinados pela ré/reconvinda nas mesmas circunstâncias.
O) A autora/reconvinda deixou de avaliar a potencialidade das propostas apresentadas em setembro de 2011, para efeitos de poder financiar as respetivas aquisições a crédito.
p) No mesmo mês de setembro de 2011, a autora/reconvinda fez constar no seu sistema informático que todas as propostas apresentadas pela ré/reconvinte deveriam ser objeto de recusa.
q) A ré/reconvinte auferiu desde janeiro de 2011 até final de setembro de 2011, a remuneração de € 54.658,73, por comissões de contratos financiados pelo banco/reconvindo.
r) A ré/reconvinte tinha a expectativa de realizar produção de contratos para o autor/reconvindo aprovar desde início de outubro até final de dezembro, assim podendo auferir pelo menos, na proporção do já realizado, a quantia de € 18.219,57.
V-Para prova das modificações propostas, para a alteração da redação dos factos provados acima discriminados, adição dos não provados para provados e adição dos factos novos como provados, conforme supra discriminado, a recorrente socorreu-se das declarações transcritas do representante do autor/reconvindo, e das seguintes testemunhas comuns ao autor/reconvindo e ré/reconvinte,
Transcrição de Depoimento de Parte: AA
Legal Representante do Autor, Banco 1...: 11.06.2021 _ Duração: 00:53:44 Ficheiro: 20210611154317_15165522_2871561,
Transcrição de Depoimento: BB
Testemunha _ Data: 20.10.2021 _ Duração: 01:22:35
Ficheiro: 20211020142833_15165522_2871561
Transcrição de Depoimento: CC _ Data: 20.10.2021 _ Duração: 01:19:31
Ficheiro: 20211020160810_15165522_2871561
VI- Socorreu-se igualmente do protocolo/contrato celebrado entre as partes para vigorar no ano de 2011, nos contratos de financiamento a crédito nºs ... e ..., celebrados entre as partes, ambos juntos aos autos a fls…
VII-Assim alterada e aditada a matéria de facto provada, resta subsumi-la ao direito aplicável que, na ótica da recorrente, faz incorrer a recorrida na obrigação de indemnizar a recorrente nos seguintes termos;
-Estabelece o artº 280º/1 do C Civil que “É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável”.
-No caso dos contratos em crise, o objeto negocial não existe fisicamente, é de igual forma legalmente impossível e ainda contrário à lei e indeterminável.
-Ali refere-se como objeto do contrato “equipamento não especificado”, por isso fisicamente impossível e indeterminável, refere-se como entidade vendedora “Risco Operacional-Auto”, o que também é contrário à lei que habilita as instituições de crédito a realizarem estas operações de crédito.
Ainda a acrescer
-Não tendo existido bem fungível e entidade/fornecedor do bem, o contrato de crédito em apreço é juridicamente inexistente.
-Nas palavras de Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª Edição, página 608, considera que a inexistência “é uma figura autónoma, com consequências mais graves do que a nulidade e a anulabilidade.”
-Prossegue o citado autor dizendo que “Afirma-se estarmos perante esta figura, quando nem sequer aparentemente se verifica o “corpus” de certo negócio jurídico (a materialidade correspondente à noção de tal negócio) ou, existindo embora essa aparência, a realidade não corresponde a tal noção. Pelo contrário, a valoração de um negócio como nulo ou anulável, pressupõe, pelo menos, que o negócio exista.”
-Em suma, o Banco 1... celebrou o contrato de crédito sem que houvesse bem a financiar e/ou entidade vendedora/fornecedora desse bem, i. e. sem que tenha havido qualquer negócio de suporte a tal financiamento.
-Não obstante o que se disse, esses contratos, assim como as confissões alegadamente suporte, foram “arrancadas” à recorrente e seu sócio-gerente sob forte coação, o que, de igual forma, fere de morte a respetiva validade, tal como prescrito no artº 255º/1 do C Civil.
Ainda, e subsidiariamente, tal como alegado no articulado inicial da reconvinte/recorrente, -O princípio do não locupletamento à custa alheia encontra-se consagrado nos artigos 473.º e segs. do Código Civil, como fonte geral e autónoma de obrigações na medida em que gera uma obrigação de restituir, cujo credor é a pessoa à custa de quem o enriquecimento se produziu, e o devedor, aquele que injustamente se locupletou à custa dele (cfr. “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 8.ª Edição, Prof. Dr. Antunes Varela, págs. 473 e segs.).
-Nos termos do referido artigo 473.º, n.º 1, o instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa dos três seguintes requisitos:
-Existência de enriquecimento;
-Que o enriquecimento careça de causa justificativa;
-Que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem quer a restituição.
-Ora, no caso sub iudice, a reconvinda obteve para si uma vantagem patrimonial injustificada e injusta, traduzida na entrega a esta da quantia falsamente mutuada ao abrigo dos contratos n.ºs ... e ...
-Contratos esses que, como vimos, são juridicamente inexistente/nulos (e daí a carência de causa justificativa).
-E obteve tal vantagem à custa do empobrecimento da reconvinte, que efetuou o pagamento da quantia ilicitamente mutuada na conta da reconvinda.
-Ficou, pois, o reconvindo injustificadamente enriquecido em € 35.228,16 correspondente ao valor de capital pago no âmbito dos referidos contratos – na exata medida do empobrecimento da reconvinte.
VII-Cabendo, por via da aplicação das disposições legais acima referidas, a obrigação de a aurora/reconvinda indemnizar a ré/reconvinte pelos valores que se vão discriminar a final.
VIII- Finalmente dir-se-á que foram violadas na sentença censurada a todas as disposições legais mencionadas, cabendo a esse VTRP o douto suprimento, a fim de ser resposta a melhor interpretação da factualidade e sua subsunção às normas correspondentes.

Contra-alegou a A., opondo-se à procedência do recurso, terminando desta forma:
A. Entende o aqui Recorrido que o Tribunal a quo apreciou de forma correcta a prova documental e testemunhal, julgando de forma correcta os factos elencados na matéria de facto dada como provada e não provada.
B. Com efeito, do julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo não poderia, nem poderá, ser extraída diferente aplicação do direito que não redunde na total improcedência da reconvenção apresentada pela Recorrente.
C. A interposição do presente recurso apenas resulta, e vem na senda, da estratégia dilatória e de má-fé, substantiva e processual, que a Recorrente tem vindo a adoptar para com o Recorrido ao longo dos anos e que acredita o Recorrente – pois, no que respeita à litigância de má-fé, mal andou o Tribunal a quo ao não condenar a Recorrente – que este digno Tribunal ad quem não deixará de correctamente avaliar e sancionar o comportamento da Recorrente.
D. Bem andou o Tribunal Recorrido ao julgar os provados os pontos 21, 23 e 25 e não provado o facto levado à alínea h) dos factos não provados, com base nas cópias dos contratos de crédito e das confissões de dívida identificadas em 20), a fls. 72 a 79 vº (juntas sob documento 2 da réplica), e em 22), a fls. 80 a 89 (juntas sob documento 3 da réplica), assim como na confissão, meios de prova válidos e de livre apreciação e que, smo, oferecem maior fiabilidade que a prova testemunhal.
E. Daqui resulta que, ainda que tendo presente os depoimentos das testemunhas e do legal representante do Recorrido, a invocação de vício dos contratos de crédito com os nºs ... e ... alusivos, respetivamente, à concessão de financiamento de € 23.271,39 e € 6.930,56, os quais, com juros e encargos ascenderam a € 27.056, 64 e € 8.171,52 não resultou demonstrada pela Recorrente, carece de qualquer fundamento.
F. Por um lado, porque, ainda que o Artigo 280.º, n.º 1 do Código Civil determine que é nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável, resultou manifesto que os dois mútuos em causa têm subjacentes duas confissões de dívida, ambas datadas de 31 de Março de 2009, assinadas por DD, como gerente da Ré, com reconhecimento da sua assinatura, e por si na qualidade de avalista de livrança em branco subscrita por aquela, onde quis e aceitou proceder ao reembolso dos valores devidos pela Recorrente de forma faseada, por não ter liquidez imediata para o fazer.
G. Ficou demonstrado que a Recorrente iniciou o cumprimento dos planos prestacionais, que negociou com o Recorrido, em 15 de Junho de 2009 e concluiu-os em 15 de Maio de 2013, liquidando tais contratos na sua totalidade.
H. Na verdade, ficou demonstrado que, tendo a Recorrente recebido do Recorrido os valores dos créditos concedidos aos consumidores finais dos contratos de crédito identificados nas confissões de dívida, a anulação destes contratos importava a devolução ao Recorrido, pela Recorrente, dos valores financiados – corrilório da declaração de nulidade.
I. E que foi por ter a Recorrente interesse em “não pagar tão depressa ou pelo menos estender no prazo” a restituição dos valores em causa que foram celebradas as confissões de dívida, operacionalizadas pelos “contratos de crédito”.
J. No âmbito da sua actividade Bancária, o Recorrido concedeu à Recorrente o crédito necessário, por compensação de crédito, para que esta lhe restituísse, faseadamente, os valores financiados naqueloutros contratos de crédito celebrados com consumidores e que foram anulados.
K. Vir a Recorrente invocar, nesta acção, supostos vícios em tais contratos de crédito com confissões de divida que celebrou com o Recorrente, anos depois de os ter cumprido, além de infundado, constitui manifesto abuso de direito (Artigo 334.º do Código Civil).
L. Note-se que, como bem sabe este alto Tribunal, e como também bem sabe a Recorrente – porque se dedica à intermediação de crédito – sendo o Recorrido uma entidade participante na Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, está legalmente obrigado a comunicar a esta as responsabilidades mensais dos seus mutuários que seja superiores a 50,00 €, independente de estarem ou não a ser cumpridos os contratos – vide Decreto-Lei n.º 204/2008, de 14 de outubro.
M. Não é lícito à Recorrente usar-se do recurso para ampliar a sua causa de pedir ou pedido, pois que a mesma não estava impedida de invocar outros vícios que conduzissem à anulabilidade de tais negócios, o que não fez.
N. No que respeita ao pedido de condenação do Recorrido no valor, que calculou a Recorrente em 18.219,57 € a título de comissões que deixou de auferir no quarto trimestre de 2011, ficou documentalmente demostrado que, no âmbito do contrato de intermediação celebrado, junto com a contestação da Recorrente, que a possibilidade que dava aos adquirentes de obterem financiamento integral dos contratos de compra e venda estava dependente da aceitação pelo Recorrido das propostas que lhe apresentasse, o que pressupõe o poder discricionário da parte deste.
O. Ou seja, a perda de rendimentos por parte da Recorrente constitui uma consequência da não aprovação de propostas, que ao Autor era lícito recusar, consequência essa contratualizada no início da relação comercial estabelecida pelas Partes, pelo que jamais poderia a Recorrente ter a expectativa de ver aprovados todos ou a maioria dos contratos de crédito que intermediava.
P. Por outro lado, era, na época dos factos, do conhecimento público a crise mundial que assaltava os mercados financeiros e que motivou um decréscimo muito acentuado na concessão de crédito por parte do Recorrido.
Q. A Recorrente não alegou factos que pudessem indiciar um comportamento abusivo por parte do Recorrido, subsumíveis no conceito de resolução sem justa causa, pelo que, também nesta parte, bem decidiu o Tribunal a quo.
R. Decorre da valoração e da análise crítica da prova produzida, que o Tribunal a quo atendeu, para a formação da sua convicção no que respeita aos referidos pontos, ao conteúdo dos documentos que instruíram os autos, apresentados por ambas as partes, assim como às declarações prestadas pelas testemunhas arroladas, resultando dessa conjugação global, sem qualquer margem para dúvidas, que os factos dados como provados e não provados supra elencados teriam que merecer a aplicação do Direito que foi dada na douta sentença recorrida.
S. Não houve qualquer erro na interpretação da prova produzida por parte do Tribunal a quo, pelo que bem andou ao decidir pela total improcedência da reconvenção deduzida pela Recorrente.
T. Face ao exposto, apenas resta deixar à sempre justa decisão de V. Exas., a análise e valoração do ora alegado, rejeitado o recurso apresentado pela Recorrente e mantendo a douta decisão recorrida, na certeza de que farão V. Exas. a costumada e necessária justiça.

Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, nºs 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos):
-da impugnação da matéria de facto;
-
FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
O tribunal de primeira instância deu como provados os seguintes factos:
1. Entre Autor e Ré foi celebrado um acordo escrito, no âmbito do qual esta poderia apresentar aos seus clientes a possibilidade de pagamento integral dos contratos de compra e venda e/ou de prestação de serviços consigo celebrados através de recurso ao financiamento daquele, caso a proposta apresentada fosse aceite [ponto 1º do despacho em referência].
2. A parceria entre Autor e Ré gerou a movimentação de vários milhões de euros em intermediação, mantendo-se a relação contratual estabelecidas entre as partes desde o ano de 2005 até ao final do 3º trimestre de 2011 [ponto 2º do despacho em referência].
3. Por efeito do referido acordo, ficou assente que o pagamento de comissões de angariação, a pagar pelo Autor à Ré, seria efetuado mediante a emissão de notas de lançamento a crédito do Autor e consequente emissão de faturas da Ré [ponto 3º do despacho em referência].
4. Na sequência desses serviços de angariação, o Autor emitiu as notas de lançamento a crédito nºs ... e ..., com data de 02/08/2011, para pagamento de comissões referentes ao período de prestação de serviços compreendido entre 01/01/2011 a 30/06/2011 no montante global de € 34.411,60 [ponto 4º do despacho em referência].
5. Em 30/11/2011 o Autor emitiu as notas de lançamento a crédito nºs ..., ... e .../11, para pagamento de comissões referentes ao período compreendido entre 01/07/2011 a 30/09/20111, no montante global de € 10.123,61 [ponto 5º do despacho em referência].
6. Em consequência, foram emitidas pela Ré as faturas correspondentes às identificadas notas de crédito com os números, montantes e datas seguintes, perfazendo a quantia de € 44.535,12:
a) Fatura ... de 22/08/2011, no montante de € 32.481,01;
b) Fatura ... de 22/08/2011, no montante de € 1.930,50 (referentes, respetivamente, às notas de lançamento a crédito n.ºs ... e ..., com data de 02/08/2011);
c) fatura ... de 19/12/2011, no montante de € 10.123,61 (referente às notas de lançamento a crédito n.ºs ..., ... e ..., todas de 30/11/2011) [ponto 6º do despacho em referência].
7. Foi, ainda emitida pela Ré a fatura ... de 19/11/2008, no montante de € 25.970.
8. Tais faturas emitidas pela Ré, num montante global de € 70.505,12, não foram pagas pelo Autor, pelo que a Ré intentou contra este um procedimento de injunção, ao qual foi atribuído o nº 70062/12.0YIPRT, onde foi deduzida oposição por parte do Autor, na qual, e em síntese, alegou a compensação de créditos que detém sobre a Ré [ponto 8º do despacho em referência].
9. Tal injunção foi distribuída e correu termos na Instância Central, 2ª Secção Cível, J3, do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste, tendo sido proferida sentença já transitada em julgado a julgar procedente tal ação, sendo o Autor condenando a pagar à aqui Ré a quantia de € 70.505,12, acrescida de juros vincendos contados à taxa comercial desde a data da citação até efetivo pagamento [ponto 9º do despacho em referência].
10. O Autor, em 13/08/2015, em cumprimento da sobredita sentença, transferiu para a conta da Ré o valor de € 87.702,96 [ponto 10º do despacho em referência].
11. Na data referida em 10) a Direção Financeira do Autor transferiu duas vezes o montante de € 10.123,61 respeitante ao pagamento da fatura identificada em 6) c) e das notas de lançamento referidas em 5) [resposta aos artigos 18º, 19º, 20º da petição inicial].
12. Ao aperceber-se do lapso referindo em 11), o Autor tentou com a sua gestora de conta que fosse efetuado o estorno da segunda transferência, mas a Ré não consentiu [resposta aos artigos 26º, 27º da petição inicial].
13. Por carta registada datada de 22/10/2015, o Autor interpelou a Ré para que esta procedesse à devolução da quantia de € 10.123,61 euros, tendo a Ré, por carta datada de 28/11/2015, dado resposta ao solicitado, anexando uma segunda via de fatura ..., dizendo, entre outros, que recusava a devolução de tal valor pelo facto de a fatura cujo pagamento peticionara no processo aludido em 9) respeitar apenas a 50 % dos valores a faturar [ponto 11º do despacho em referência].
14. Nunca em momento anterior ao referido em 13) alegou a Ré junto do Autor que a fatura identificada em 6) c) respeitava a 50% das comissões do período de 1 de Julho a 30 de Setembro de 2011 [resposta aos artigos 35º, 37º da petição inicial].
15. Não era prática do Autor e da Ré emitir notas de lançamento e faturas por valores parciais [resposta ao artigo 36º da petição inicial].
16. Autor e Ré outorgaram os contratos de crédito com os nºs ... e ..., com os valores de, respetivamente, € 23.271,39 e € 6.930,56 de crédito concedido, e com o montante final imputado (pago com juros e demais encargos) de, respetivamente, € 27.056, 64 e € 8.171,52 euros [ponto 12º do despacho em referência].
17. Os pagamentos foram fracionados em prestações mensais iguais e sucessivas, tendo o seu início em 15/06/2009 e final em 15/05/2013 [ponto 13º do despacho em referência].
18. O montante total desses “contratos” foi pago na totalidade, perfazendo à data do final do plano de pagamentos a quantia de € 35.228,16 [ponto 14º do despacho em referência].
19. Como garantia do cumprimento desses contratos foram subscritas duas livranças, em branco, pelo Sr. DD, que o Autor devolveu à Ré no final dos pagamentos dos contratos [ponto 15º do despacho em referência].
20. Por escrito datado de 31 de Março de 2009, com assinaturas de DD, como gerente da Ré e por si na qualidade de avalista de livrança em branco subscrita por aquela, a primeira reconhecida por semelhança em 30 de Abril de 2009, foi declarado que a Ré se confessava devedora ao Autor da quantia de € 22.850 “decorrente da revogação do contrato de crédito nº ... cujo objeto consistia ao financiamento da aquisição do veículo automóvel com a matrícula ..-..-RZ e que corresponde ao valor do capital mutuado no âmbito do referido contrato de crédito, que foi pago pelo Banco 1... à A... em 26/11/2007 e em relação ao qual a A... aceitou proceder ao reembolso desse montante ao Banco 1...”, obrigando-se a liquidar esse montante em 48 prestações, iguais, mensais e sucessivas, de capital e juros à taxa nominal de 7,3% e TAEG de 8,141%, no valor unitário de € 563,68, com início em 28/04/2009 e término em 28/04/2013 [resposta ao artigos 39º, 40º da contestação, 34º, 35º, 39º, 40º da réplica].
21. O escrito referido em 20) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor [resposta aos artigos 45º da contestação, 38º da réplica].
22. Por escrito datado de 31 de Março de 2009, com assinaturas de DD, como gerente da Ré e por si na qualidade de avalista de livrança em branco subscrita por aquela, a primeira reconhecida por semelhança em 22 de Abril de 2009, foi declarado que a Ré se confessava devedora ao Autor da quantia de € 6.805,07 “decorrente da liquidação do contrato de crédito nº ... cujo objeto consistia ao financiamento da aquisição do veículo automóvel com a matrícula ..-AZ-.. e que corresponde ao valor do capital mutuado no âmbito do referido contrato de crédito, que foi pago pelo Banco 1... à A... em 26/11/2007 e em relação ao qual a A... aceitou proceder ao reembolso desse montante ao Banco 1...”, obrigando-se a liquidar esse montante em 48 prestações, iguais, mensais e sucessivas, de capital e juros à taxa nominal de 8% e TAEG de 9,49, no valor unitário de € 170,24, com início em 2/04/2009 e término em 2/04/2013 [resposta aos artigos 39º, 40º da contestação 34º, 35º, 39º, 40º da réplica].
23. O escrito referido em 22) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor [resposta aos artigos 45º da contestação 38º da réplica].
24. A Ré negociou com o Autor o pagamento dos valores de € 22.850 e € 6.805,07 em prestações [resposta ao artigo 51º da réplica].
25. As propostas identificadas em 21) e 23) constam de modelo também utilizado para as operações de financiamento para aquisição de veículos, figurando como “tipo de bem financiado” “equipamento não especificado” e “Entidade Vendedora” “Risco Operacional-Auto” [resposta aos artigos 38º, 53º da contestação].
26. As prestações referidas em 20) e 22) continuaram a ser pagas após 30 de Setembro de 2011 [resposta ao artigo 51º da contestação].
27. Nos casos de incumprimento, o Autor envia a respetiva notação para o BdP [resposta ao artigo 51º da contestação].
28. Caso fosse enviada notação de incumprimento para o BdP, a Ré ficaria impedida de prosseguir a sua atividade [resposta ao artigo 52º da contestação].
29. Na sequência de alterações ao contrato de sociedade registadas pela Ap. ... de 15 de Outubro de 2007, o Autor passou a ter por objeto a atividade bancária, incluindo todas as operações acessórias, conexas ou similares compatíveis com essa atividade e permitidas por lei [resposta aos artigos 27º, 28º da réplica].
30. A partir de 30 de Setembro de 2011 o Autor não aprovou as propostas de financiamento apresentadas pela Ré [resposta aos artigos 93º, 100º da contestação].
31. No período de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2011 a Ré obteve comissões no valor de 44.535,12 pela intermediação na concessão de financiamentos pelo Autor de valor global de € 1.652.662,17 [resposta aos artigos 97º, 98º a contestação].
32. Em consequência do referido em 30), no último trimestre de 2011, a Ré deixou de receber comissões pela angariação de clientes [resposta ao artigo 101º da contestação].
***
Não se provou que:
a) a Ré emitiu a fatura identificada em 13) por haver contas a apurar;
b) a fatura referida em a) correspondia a parte do montante devido por comissões a angariação correspondente ao período compreendido entre Julho e Setembro de 2011;
c) o período referido em b) tinha sido parcialmente e contabilizado em nota de lançamento a crédito pelo Autor e pela emissão da fatura referida em 6) c);
d) na sequência da condenação e já com a certeza de que esses montantes iriam ser pagos sem qualquer intenção de recurso por parte do Autor, a Ré decidiu faturar o montante de comissões de rappel ainda em dívida;
e) a fatura referida em 13) foi rececionada e contabilizada pelo Autor no exercício contabilístico de 2015;
f) as relações de angariação e de intermediação do Autor resumiam-se ao mercado automóvel;
g) a atividade do Autor até ao final do Setembro de 2011, autorizada pelo Banco de Portugal, era a de financiar a aquisição de bens a crédito pelos consumidores, sendo-lhe vedado, designadamente, a gestão de contas à ordem e/ou a prazo e a concessão de crédito pessoal “indiscriminado”;
h) o referido em 26) foi por ter sido feita expressamente à Ré a advertência que seria enviada notação de incumprimento para o BdP;
i) o Autor tentou que a Ré e o seu gerente assumissem e outorgassem os escritos identificados em 20) e 22), o que a Ré não aceitou por entender não ser devedora dessas quantias;
j) os contratos identificados em 16) corresponderam a um fingimento para esconder o referido em g);
k) o Autor utilizou o argumento do interesse na renovação do protocolo em 2010 e 2011 para “convencer” o gerente da Ré a assumir o incumprimento dos contratos de crédito identificados em 20) e 22);
l) outro argumento utilizado pela direção comercial do Autor era que com o referido em k) as tabelas remuneratórias de percentagem de remuneração dos créditos angariados, chamado rappel, seriam revistas e o seu aumento ia compensar esse pagamento;
m) a Ré esperava receber comissões no valor de € 18.219,57 no último trimestre de 2011.

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto
O recurso da Ré centra-se, em primeiro lugar, na oposição à decisão de facto.
Pretende a mesma a alteração da redação dos factos provados em 21, 23, 25 e 27; ainda, ver como provados os factos não provados de h) a l) e ver introduzidos novos factos que entendeu terem ficados demonstrados.
Toda esta factologia respeita à reconvenção, por via da qual a Ré pretende lhe seja devolvido o que pagou, entre 2009 e 2013, por força de dois contratos de 2009; refere-se igualmente à alegada perda dos lucros da Ré, relativos ao último trimestre de 2011.
Desde já, se adianta que, tendo a Ré, em 2012, instaurado contra a A. uma ação para cobrança das comissões que entendia serem-lhe então devidas, a existirem outros créditos sobre esta – como os que agora formula em reconvenção, cinco anos depois e em resposta a uma cobrança da A. – não tenha também aí peticionado estes créditos que são anteriores à propositura dessa ação.
Aliás, se entendia serem nulos ou inexistentes os dois contratos relativamente aos quais pretende agora o reembolso do por si pago, é também incompreensível que não tivesse trazido à colação essa situação naquela altura, ao invés de continuar a efetuar pagamentos à luz de tais negócios até 2013.
Não se aceita a alegação justificativa que incide sobre o receio de que o incumprimento fosse comunicado pela A. ao BdP, porque se assim fosse, mais uma razão para, pelo menos em 2012, ter a recorrente colocado ponto final a tal putativa iniquidade. Teve, então, a Ré que esperar que a A. viesse, em outubro de 2017, pedir-lhe a restituição do que, por lapso, lhe pagou a mais – e, nessa parte, a Ré não questiona o acerto da decisão condenatória – para lhe ocorrer que, afinal, além dos créditos já peticionados à A., logo após a cessação de relações negociais entre ambas, outros existem que ali ficaram esquecidos.
É tendo por pano de fundo este enquadramento inusitado, que avaliaremos a pretensão recursória, apesar de a mesma não cumprir os requisitos previstos no art. 640.º CPC, n.º 1 al. b), uma vez que a recorrente se limitou a reproduzir a esmo os depoimentos produzidos em audiência e a mencionar documentos, sem relacionar qualquer uma das provas com cada um dos factos impugnados.
Os pontos provados em 21, 23, 25 e 27 contêm a seguinte redação:
21. O escrito referido em 20) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor [resposta aos artigos 45º da contestação, 38º da réplica].
A recorrente pretende se altere para esta:
O escrito referido em 20) veio a dar origem à proposta n.º ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor, e ainda prevenir irregularidades de uma eventual auditoria do BdP (Banco de Portugal).
É só esta parte final, relativa ao BdP, que se pretende alteração.
Porém, tal referência ao BdP é absolutamente anódina para pretensão da A., não se tendo sequer especificado que irregularidades se pretendia prevenir.
Indefere-se a impugnação nesta parte.
Deu-se como provado:
23. O escrito referido em 22) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor [resposta aos artigos 45º da contestação 38º da réplica].
A Ré pretende: O escrito referido em 22) veio a dar origem à proposta nº ... e ao “contrato de crédito” nº ..., referido em 16), que permitiram a introdução do financiamento no sistema informático do Autor, e ainda prevenir irregularidades de uma eventual auditoria do BdP (Banco de Portugal).
Pelas mesmas razões já expostas a respeito do facto 21, indefere-se a pretensão da Ré.
A sentença consignou: 25. As propostas identificadas em 21) e 23) constam de modelo também utilizado para as operações de financiamento para aquisição de veículos, figurando como “tipo de bem financiado” “equipamento não especificado” e “Entidade Vendedora” “Risco Operacional-Auto” [resposta aos artigos 38º, 53º da contestação].
A recorrente pretende: As propostas identificadas em 21) e 23) constam de modelo também utilizado para as operações de financiamento para aquisição de veículos, tendo figurado nestas propostas e respetivos contratos, como “tipo de bem financiado” “equipamento não especificado” e “Entidade Vendedora” “Risco Operacional-Auto.
Não vemos, mais uma vez, qual o alcance pretendido pela recorrente nesta especificação, até porque os contratos de financiamento destes autos tiveram antecedentes de peso: os escritos referidos em 20) e em 22), assinados pela Ré, onde se explica a origem dos créditos da A.
Perante estas confissões de dívida, mesmo que se considerassem incompletos os contratos que terminam em 876 e 877, ou que nestes não tivesse sido indicado o bem a adquirir e a quem, nem por isso estaria a Ré desobrigada para com a A. com base naqueles negócios unilaterais.
Improcede a alegação neste segmento.
A sentença deu como provado, ainda, o seguinte:
27. Nos casos de incumprimento, o Autor envia a respetiva notação para o BdP [resposta ao artigo 51º da contestação].
A recorrente sugere:
Se a reconvinte (A...) tivesse incumprido os contratos nº ... e ..., o banco autor teria enviado a respetiva notação para o Banco de Portugal.
Neste tocante, aceita-se a perspetiva da Ré posto que, mesmo o legal representante da A., AA, o admitiu.
Pelo que o facto provado 26, passa a ter seguinte redação:
26 - Se a reconvinte (A...) tivesse incumprido os contratos nº ... e ..., o banco autor teria enviado a respetiva notação para o Banco de Portugal.
Mais requer a recorrente sejam dados como provados os seguintes factos não provados:
h) o referido em 26) foi por ter sido feita expressamente à Ré a advertência que seria enviada notação de incumprimento para o BdP;
Em 26 alude-se ao pagamento efetuado pela Ré, por conta dos contratos ... e ..., mesmo após 30.9.2011.
Como já adiantámos, acaso a A. pretendesse coagir a Ré, extorquindo-lhe valores não devidos, sob pretexto de denunciar o incumprimento ao BdP, não se vê por que razão, não devendo à A. tais valores, não incluiu a Ré, na demanda de 2012, o que seria mais lógico, a invocação da inexistência da dívida para deixar de a pagar, como fez até 2013. Mais: assinando apenas as declarações de dívida (com entrega de livranças) não estaria sequer sujeita a reporte ao BdP.
Aliás, mesmo que se pretendesse extrair daqui um qualquer vício da vontade, como a coação prevista no art. 255.º, n. 1 do CC, vemos que esse vício não foi invocado na pi, constituindo matéria nova, da qual a A. senão pôde defender, nomeadamente invocando a caducidade, pois que a consequência desta é a anulabilidade (art. 256.º CPC), invocável no prazo previsto no art. 287.º CC.
Mantém-se, assim, a al. h) não provada.
Na ali. i) deu-se como não provado: o Autor tentou que a Ré e o seu gerente assumissem e outorgassem os escritos identificados em 20) e 22), o que a Ré não aceitou por entender não ser devedora dessas quantias;
Sendo verdade que a Ré, inicialmente, não pretendia assumir a responsabilidade pelo insucesso dos financiamentos que intermediou, em 2007, para os veículos ..-..-RZ e ..-AZ-.. (cujas irregularidades foram confirmadas pela mulher do sócio-gerente da Ré), dizendo que numa das situações não achava correto e noutra se tratava de fraude (cfr. depoimento de BB, então funcionário da A.), a verdade é que foram assinadas as confissões de dívida e os dois contratos subsequentes.
É também improcedente o recurso nesta parte.
Foi dado como não provado:
k) o Autor utilizou o argumento do interesse na renovação do protocolo em 2010 e 2011 para “convencer” o gerente da Ré a assumir o incumprimento dos contratos de crédito identificados em 20) e 22);
Este facto é absolutamente anódino para a solução do pleito. Se o gerente da Ré resolveu assumir os prejuízos pelo fracasso das vendas dos dois veículos referidos – havendo de ser ressarcida pelos vendedores das viaturas -, como o fez pelas confissões de dívida, é irrelevante que o tenha feito por força de uma promessa da Ré que, na verdade, renovou o protocolo em 2010 e apenas colocou termo à colaboração com a Ré no final de setembro de 2011 porque, como referiu a testemunha EE, funcionário da Ré, entre 2009 e 2011, registaram-se índices elevados de incumprimento nas propostas angariadas pela Ré.
Razão por que se mantém não provada esta al. k)
l) outro argumento utilizado pela direção comercial do Autor era que com o referido em k) as tabelas remuneratórias de percentagem de remuneração dos créditos angariados, chamado rappel, seriam revistas e o seu aumento ia compensar esse pagamento;
Mais uma vez estamos perante uma alegação irrelevante. Tratando-se de duas sociedades comerciais que assumem uma parceria para o financiamento e angariação de clientes, envolvendo valores avultados, é evidente que, a não existir responsabilidade da Ré pelo insucesso daqueles dois negócios, a mesma não assinaria e pagaria, até 2013, as confissões de dívida e os contratos que lhes sucederam. Seria ingénuo pensar que uma empresa, a operar num mercado já conhecido, assumisse uma dívida que não era sua e cujo valor não é despiciendo - € 35.228,16 - com o fito de aumentar as suas comissões no negócio mantido com a credora.
Indefere-se este segmento da impugnação de facto.
Por fim, impetra a recorrente a consideração como provados dos seguintes factos:
m) A ré/reconvinda assinou as confissões de dívida constantes dos autos, e que deram origem aos contratos de crédito nºs ... e ..., porquanto lhe foi expressamente afirmado por elementos do banco autor/reconvindo que, caso contrário, lhe seria revogado o código de parceiro.
n) Igualmente os contratos com os nºs ... e ..., foram assinados pela ré/reconvinda nas mesmas circunstâncias.
Repetem-se quanto a estes dois fatos as considerações que ficaram consignadas a respeito das als. k) e l), que aqui se dão por reproduzidas.
O que está em causa é saber se a Ré assinou as confissões de dívida porque assumiu o fracasso do financiamento quanto a dois automóveis, e isso está sobejamente demonstrado nesses documentos juntos com a réplica, tendo sido confirmado, como acima vimos, sendo irrelevante que na assunção de dívida a Ré tenha sido influenciada pela promessa de melhores condições contratuais com a A.
Estes pontos não estão, assim, provados.
o) A autora/reconvinda deixou de avaliar a potencialidade das propostas apresentadas em setembro de 2011, para efeitos de poder financiar as respetivas aquisições a crédito.
Este facto resulta demonstrado, até por confissão da A. nos arts. 68.º e 69.º da réplica, devendo acrescentar-se-lhe, por honestidade para com a prova e os factos, o teor da cláusula 8.ª do chamado Acordo de colaboração, assinado entre as partes, para 2011, na qual se lê A análise e decisões das propostas de financiamento apresentadas serão sempre da responsabilidade do Banco 1....
Assim, adita-se aos factos provados o ponto 33 com o seguinte teor:
A autora/reconvinda deixou de avaliar a potencialidade das propostas apresentadas em setembro de 2011, para efeitos de poder financiar as respetivas aquisições a crédito, sendo que na cláusula 8.ª do chamado Acordo de colaboração, assinado entre as partes, para 2011, está consignado que a análise e decisões das propostas de financiamento apresentadas serão sempre da responsabilidade do Banco 1....
p) No mesmo mês de setembro de 2011, a autora/reconvinda fez constar no seu sistema informático que todas as propostas apresentadas pela ré/reconvinte deveriam ser objeto de recusa.
Para ser dado como demonstrado, haveria este facto de ter sido alegado pela Ré em sede de reconvenção. Porém, cotejando o seu articulado, mais especificamente os arts. 93.º e ss., neles não vislumbramos referência a esta matéria que, assim, se não inclui entre os factos provados.
q) A ré/reconvinte auferiu desde janeiro de 2011 até final de setembro de 2011, a remuneração de € 54.658,73, por comissões de contratos financiados pelo banco/reconvindo.
Esta matéria já foi dada como provada em 31, apenas com um valor diferente (No período de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2011 a Ré obteve comissões no valor de 44.535,12 pela intermediação na concessão de financiamentos pelo Autor de valor global de € 1.652.662,17), não tendo a recorrente impugnado aquele facto 31.
De resto, este facto é irrelevante porque, a existir indemnização por incumprimento do contrato por banda da Ré, nunca a mesma poderia derivar de um cálculo matemático com base na proporção entre as duas grandezas (o auferido em nove meses e o auferido em três meses), pois nada foi alegado quanto a situações concretas de angariação pela Ré e respetivos valores, a fim de se aplicar o dito rappel.
O facto é, assim, não provado.
r) A ré/reconvinte tinha a expectativa de realizar produção de contratos para o autor/reconvindo aprovar desde início de outubro até final de dezembro, assim podendo auferir pelo menos, na proporção do já realizado, a quantia de € 18.219,57.
Na sequência do acabado de explicitar quanto à anterior alínea, este facto não pode ser dado como provado. Desde logo porque consta como não provado em m) e a Ré nada requereu quanto a esta alínea, de modo a evitar contradições. Depois, seria mister que a Ré alegasse e demonstrasse quais os contratos concretos que deixou de angariar e quais os valores de financiamento, naquele último trimestre de 2011, pois só assim se apurariam os lucros cessantes.
Este facto não se considera assim como provado.
Os factos a considerar são os expostos na sentença recorrida, acrescendo as alterações agora efetuadas.

Fundamentação de direito
A recorrente alude ao disposto no art. 280.º, n.º 1, CC (É nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável) para ver considerados nulos os negócios de financiamento efetuados pela A. em 2009, e pagos pela Ré, em prestações, até 2013.
Começa por dizer que o objeto do contrato não tem existência física.
A expressão objeto negocial é utilizada com um duplo sentido: o conjunto dos efetos que o negócio visa produzir (objeto imediato) e a realidade sobre que recaem esses efeitos (objeto mediato).
Do ponto de vista da possibilidade física do objeto, esta refere-se a uma coisa inexistência ou inalcançável.
Já a impossibilidade legal diz respeito à ilicitude do negócio, tendo a licitude dois alcances: (1) em sentido amplo, o negócio é perfeito, quando integre os requisitos pressupostos por lei para a sua plena eficácia; (2) em sentido restrito, a licitude do negócio diz-nos que, dele, não resultam condutas executivas contrárias a normas imperativas.
Para distinguir a impossibilidade legal do negócio contrário à lei, a doutrina entende que, existe impossibilidade legal «quando a ordem jurídica não prevê tipos negociais ou meios para “a realização do objeto” ou quando não o admite sequer em relações jurídicas privadas» (Heinrich Hoster, A Parte Geral do Código Civil Português, 200o, p. 523).
Já será contrário à lei, o objeto quando viola uma disposição legal, isto é, quando a lei não permite uma combinação negocial com aqueles efeitos (objeto imediato) ou sobre aquele objeto mediato (C. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p. 557).
Não há dúvida que os dois contratos em apreço respeitam a dois mútuos e que a A. estava habilitada a realizar tais operações, como se diz na sentença:
«O artigo 1º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92 de 31 de Fevereiro2, contém a noção de instituição de crédito definindo-a como “a empresa cuja atividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis e em conceder crédito por conta própria”.
Os tipos de instituições de crédito foram enunciados pelo artigo 3.º 3 figurando como tais os bancos, as caixas económicas, a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo e as caixas de crédito agrícola mútuo, as instituições financeiras de crédito, as instituições de crédito hipotecário, outras empresas que, correspondendo à definição do artigo anterior4, como tal sejam qualificadas pela lei e as empresas de investimento que tenham obtido autorização ao abrigo do regime especial de autorização previsto no artigo 21º-A.
Contrariamente ao que sucede relativamente às sociedades financeiras, que só podem efetuar as operações permitidas pelas normas legais e regulamentares que regem a respetiva atividade, bem como as enunciadas no artigo 4º nº 1 nas alíneas (b) operações de crédito, incluindo concessão de garantias e outros compromissos, locação financeira e factoring, (c) serviços de pagamento, tal como definidos no artigo 4º do regime jurídico dos serviços de pagamento e da moeda eletrónica, (d) emissão e gestão de outros meios de pagamento, não abrangidos pela alínea anterior, tais como cheques em suporte de papel, cheques de viagem em suporte de papel e cartas de crédito, (e) transações, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos do mercado monetário e cambial, instrumentos financeiros a prazo, opções e operações sobre divisas, taxas de juro, mercadorias e valores mobiliários, (f) participações em emissões e colocações de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos, (g) atuação nos mercados interbancários, (h) consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários, (i) gestão de outros patrimónios, (r) emissão de moeda eletrónica e (s) outras operações análogas e que a lei lhes não proíba, só as instituições de crédito e, particularmente os bancos, podem exercer a atividade de receção, do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria.»
Quer isto dizer que a A. estava autorizada a conceder mútuos, sendo que nos contratos de mútuo (art. 1142.º CC) não é necessário indicar o bem para o qual o mútuo é concedido, sendo o seu objeto a coisa fungível emprestada ao mutuário.
Contudo, o mútuo é um contrato real quoad constitutionem, ou seja, para o negócio se concluir exige-se que o mutuante entregue ao mutuário a coisa mutuada.
Efetivamente, a função da tradição corresponde a um elemento essencial para a constituição do contrato, sendo exigida em casos de juridicidade duvidosa, em que os vínculos assumidos pelas partes tanto podem corresponder efetivamente a relações jurídicas, como a relações de obsequiosidade e cortesia (pense-se, por exemplo, na promessa de empréstimo gratuito). Ao se exigir a tradição, garante-se que a relação entre as partes deixa o plano da mera obsequiosidade e cortesia, passando a atingir o nível da juridicidade, uma vez que a partir da tradição há um indício seguro de que a vontade das partes é efetivamente a de constituir um vínculo contratual, pelo que todas as pretensões resultantes desse vínculo passam a ser juridicamente tuteladas.
O mútuo é assim claramente entre nós um contrato real quoad constitutionem, exigindo a tradição das coisas mutuadas para a sua constituição. Essa tradição não tem, no entanto, que corresponder a uma entrega material das coisas mutuadas, podendo considerar-se suficiente que o mutuante atribua ao mutuário a disponibilidade jurídica das quantias mutuadas, como sucederá, por exemplo, se a forma for creditada na conta-corrente do mutuário.
Uma vez que a celebração do mútuo, para a qual se exige a entrega das coisas mutuadas (art.1142º) vai implicar a produção de efeitos reais, não há obstáculos à qualificação do mútuo como um contrato real quoad effectum, na medida em que a sua celebração produz efeitos reais.
Veja-se ac. STJ, de 13.2.2007, Proc. 07A079: Sendo o contrato de mútuo um contrato real quod constitutionem, isto é, um contrato que só se completa com a entrega da coisa, e não tendo havido qualquer entrega, então tal "contrato" é nulo por falta de objecto, nos termos do art. 280º do CC. Embora nulo, o contrato sempre poderia ser convertido num outro, em homenagem ao princípio do favor negotii, desde que tivesse sido possível apurar a vontade conjectural ou hipotética das partes, como resulta do art. 293º do Código Civil.
No caso dos autos, os dois contratos de mútuo a que se faz alusão, cujos nºs terminam em 876 e 877, não corresponderam a empréstimo de dinheiro da A. à Ré.
Tiveram apenas em vista “a introdução do financiamento no sistema” (pontos de factos 21 e 23), sendo que a dívida da Ré à A. não resulta do financiamento ou mútuo mas dos negócios jurídicos unilaterais descritos em 20 e 22, celebrados em 31.3.2009 (docs. juntos a 28.11.2017), onde se lê:
Cláusula Primeira
A Segunda Outorgante confessa-se devedora ao Banco 1... da quantia de 22.850,00€ (vinte e dois mil oitocentos e cinquenta Euros), decorrente da revogação do contrato de crédito n° ..., cujo objecto consistia no financiamento da aquisição do veículo automóvel, com a matrícula ..-..-RZ e que corresponde ao valor do capital mutuado no âmbito do referido contrato de crédito, que foi pago pelo Banco 1... à A... em 26/11/2007 e em relação ao qual a A... aceitou proceder ao reembolso desse montante ao Banco 1....
Cláusula Quinta
1 - No caso de mora no pagamento da prestação, incidirá sobre o montante dessa prestação, e enquanto a mora perdurar, a taxa de juro fixada no presente Contrato, acrescida de uma sobretaxa de 4%, a título de cláusula penal.
2 - Os juros de mora poderão ser capitalizados nos termos da Lei.
Cláusula Sexta
O não cumprimento por parte da A... de quaisquer obrigações aqui assumidas, confere ao Banco 1... o direito de considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do Contrato, e em consequência importa a exigibilidade imediata de tudo quanto constituir o crédito do Banco 1..., que poderá imediatamente resolver o presente Contrato sem necessidade de interpelação para o efeito.
Cláusula Sétima
1 – Serão da responsabilidade da A... todos os encargos e despesas que resultem da celebração do presente Contrato.
2 - Correrão também por conta da A... todas as despesas extrajudiciais e judiciais a que o Banco 1... venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, designadamente honorários de Advogados e Solicitadores, despesas que, desde já, se fixam, em 10% (dez por cento) do montante que se encontrar em dívida.”
É de idêntico teor o documento relativo à quantia de € 6.805,07.
Trata-se de dois negócios unilaterais previstos no art. 458.º CC (Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida).
Assim, o crédito da A. tem origem nestes negócios unilaterais e não nos supostos mútuos uma vez que não foi efetuado qualquer empréstimo real de dinheiro à Ré.
Assim, quer pela via do art. 280.º CC, por falta de objeto, quer pela via da inexistência, por não ter havido entrega da coisa mutuada, estes contratos não produzem efeitos.
Todavia, aqui chegados, duas observações se impõem:
- não cabe à Ré peticionar o reembolso do que pagou por força de promessa de pagamento e assunção de dívida que subscreveu e cumpriu, o que seria suficiente para manter a improcedência da reconvenção neste tocante;
- ainda que assim não fosse, a A. invoca abuso de direito.
O abuso de direito, previsto no art. 334.º CC, decompõe-se em vários objetivos, sendo um deles a tutela da confiança, por via da qual se visa acautelar a posição da pessoa colocada numa situação de crença legítima, devidamente justificada no plano social e pessoal, em termos que o levem a desenvolver uma atividade significativa que não possa, sem dano, ser revertida (o investimento da confiança). É, assim, uma decorrência do princípio da boa fé.
O venire contra factum proprium exprime uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Seria abusivo por parte a Ré, não tendo recebido um empréstimo por meio dos contratos que invoca, vir agora invocá-los para obter o reembolso do que não recebeu. Ademais, tendo subscrito dois negócios unilaterais de reconhecimento de dívida, tendo-os saldado em prestações, pretender agora reaver o que pagou, mediante a alegação da nulidade do negócio que apenas teve em vista contornar uma questão informática, é manifestamente abusivo.
Finalmente, viola flagrantemente as expetativas da A. que, tendo recebido da Ré, durante quatro anos, as quantias por aquela assumidas como devidas, mesmo após ter terminado a relação comercial entre ambas, e confrontada judicialmente pela Ré a respeito de débitos emergentes daquelas relações, sem nada mencionar quanto ao reembolso das quantias em causa, criou a expetativa de estar definitivamente concluído esse assunto. Menezes Cordeiro inclui aqui (no venire negativo) a hipótese mais típica que é a de simplesmente anunciar uma conduta que, depois, a “pretexto” da nulidade, seja negada (Tratado de Direito Civil, V, 2011, p. 282).
Não se apreciará o vício de vontade invocado em recurso – a coação moral (art. 251.º CC) – posto que não foi alegado em primeira instância e, por isso, não foi apreciado em primeira instância, sendo consabido que os recursos são de reponderação pois são um pedido de revisão de apreciação de uma decisão tomada pelo tribunal a quo dirigida a um outro tribunal hierarquicamente superior, o tribunal ad quem.
Além disso, não foram apurados factos quanto a tal vício.
As regras do enriquecimento sem causa não são aqui aplicáveis posto que o pagamento efetuado pela Ré à A. derivou das promessas de cumprimento e confissões de dívida.
Sobejam, pois, as razões para manter a absolvição da reconvinte a tal título.
Relativamente aos lucros cessantes, demonstrou-se que, não obstante ter sido celebrado contrato entre as partes para 2011, consistindo a atividade da Ré em angariar clientes que necessitassem de financiamento da A., ficou estipulado na cláusula 8.ª do chamado Acordo de colaboração, assinado entre as partes, que a análise e decisões das propostas de financiamento apresentadas seriam sempre da responsabilidade do Banco 1....
A partir do final de setembro de 2011, a A. resolveu não aprovar mais propostas de financiamento apresentadas pela Ré.
Pretende a Ré lhe seja pago o que não auferiu em comissões nos últimos três meses de 2011.
Lucros cessantes constituem a perda do benefício esperado em função de um imprevisto, decorrente de culpa, negligência, imperícia ou omissão de terceiros. Correspondem à regra geral sobre a obrigação de indemnizar (art. 564.º, n.º CC), defluindo do interesse contratual negativo. A indemnização “corresponde aos benefícios que o lesado deixou de auferir, é o que existiria se o lesado tivesse empregue os recursos à negociação (ou em confiança na eficácia do negócio concluído)” (P. Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Vol. II, 2008, p.1092).
Na situação vertente, o que estava convencionado sobre comissões da Ré é que a mesma as receberia por cada cliente angariado para a A. e tendo em conta o valor àquele financiado. Todavia, a A. reservou para si a faculdade de analisar e decidir sobre as propostas apresentadas.
Não é invocado pela Ré um comportamento ilícito imputável à A. donde tenha resultado a ausência de contratos no final de 2011, pois à segunda era lícito aceitar ou não os clientes propostos pela Ré.
Além disso, também não demonstrou a Ré a existência de contratos concretos relativos a clientes por si angariados nesse trimestre e que a A. tenha declinado.
Por estas razões, é também improcedente o recurso relativo às perdas de comissões.
Finalmente, não vislumbramos razões para condenação nos quadros da litigância de má fé.

Dispositivo
Pelo exposto, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação julgar o recurso improcedente e manter a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 13.3.2023
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
Augusto de Carvalho