Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2689/13.1IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ACORDO DE PAGAMENTO
REGULARIZAÇÃO DA DÍVIDA
RESPONSABILIDADE PENAL
APROPRIAÇÃO
Nº do Documento: RP201501142689/13.1IDPRT.P1
Data do Acordão: 01/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O acordo de pagamento da dívida fiscal não extingue a responsabilidade penal.
II – Há apropriação quando se prova que o arguido utilizou os valores retidos para pagamento de dívidas da sociedade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº2689/13.1IDPR.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. C.S. nº 2689/13.1IDPR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes foram julgados os arguidos
“B…, Lda”, pessoa colectiva nº ………, e
C…,

Após julgamento por sentença de 18/06/2014 foi proferida a seguinte:
“IV – Decisão.
Pelo exposto julgo a acusação procedente, por provada e em consequência:
a) Condeno a arguida B…, Ldª, como autora material de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos artigos 105º, nº1 e 5 e 7º Lei n.º 15/2001, 30º, nº2 e 79 do c. Penal, na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 10 (dez) euros.
b) Condeno a arguida C… como autora material de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos artigos 105º, nº1 e nº5 e 6º da Lei n.º 15/2001, de 05/06 e 30º, nº2 e 79º do C. Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão que ao abrigo do disposto no art. 58º, nº1 do C. Penal substituo por 450 (quatrocentos e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
c) E condeno ainda cada uma das arguidas em 3 UCS de taxa de justiça – art. 513º, 514º do C. P. Penal e 8º, nº9, tabela anexa III, do R.C. Processuais.
*
Após trânsito remeta boletins ao registo criminal, e com cópia desta sentença, solicite à Equipa de Reinserção Social com competência na área de residência da condenada que, nos termos do disposto no artº 490º, nº 2, do Código de Processo Penal, informe quais as entidades, públicas ou privadas, situadas na área de residência da arguida, que se mostram disponíveis e podem ser beneficiárias do trabalho determinado em substituição da prisão, bem como sobre as respectivas funções a desempenhar, horários em que o trabalho poderá ser prestado e a competente elaboração de plano para o mesmo prestar trabalho em substituição da pena aplicada, nos termos do artº 58º do Código Penal.”

Recorrem as arguidas as quais no final da motivação conjunta apresentam as seguintes
“… CONCLUSÕES
A. Foi o presente recurso interposto do teor da, aliás douta, Sentença, proferida nos autos, que, julgando provados os factos imputados na Acusação, condena as Arguidas, como autoras materiais de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelos artigos 105.º, n.º 1 e 5 e 7.º da Lei n.º 15/2001, 30.º, n.º 2 e 79.º do Código Penal, nas penas de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 10 (dez) euros quanto à 1.ª Arguida; e de 15 (quinze) meses de prisão substituídos por 450 (quatrocentos e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade quanto à 2.ª Arguida; e, finalmente, no pagamento das custas do processo.
B. Ora, não podem as Recorrentes conformar-se com o facto de, mesmo tendo efectuado o pagamento da dívida fiscal por meio de acordo de pagamento em prestações nos termos e para os efeitos do artigo 196.º do CPPT deferido pela Administração Tributária em 11-10-2014, não ter sido extinta a sua responsabilidade tributária e, bem assim por, à data da sua notificação (07-01-2014), nos termos e para os efeitos da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT – enquanto derradeira oportunidade para evitar a punição da conduta omissiva – o pagamento já havia sido efectuado, conforme resulta do despacho da Administração Tributária de 11-10-2013 que veio deferir o pedido de pagamento prestacional da dívida fiscal e acréscimos legais em 24 (vinte e quatro) prestações.
C. Do que resulta não se verifica a condição de punibilidade enunciada na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, extinguindo-se a responsabilidade penal tributária quanto às aqui Recorrentes, pelo que, salvo o devido respeito, que é obviamente muito, deveriam estas terem sido absolvidas do crime de abuso de confiança fiscal que lhes é imputado nos termos e para os efeitos dos números 1, 2 e 4, alínea b) do artigo 105.º do RGIT.
D. Foram as Arguidas, ora Recorrentes, acusadas da prática do crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º do Regime Geral da Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
E. Todavia, e salvo o devido respeito, que é muito, nenhuma actuação ou omissão das Arguidas, aqui Recorrentes, permite dar como aferidos os pressupostos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime que lhe é imputado, por não verificação da condição de punibilidade a que alude a alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT.
F. De referir que a sociedade Recorrente está enquadrada para efeitos de IVA no regime de periodicidade mensal, pelo que vende os seus produtos às grandes superfícies, que, por regra e sem que possa haver qualquer controlo, apenas pagam a 90 dias, resultando para a aqui 1.ª Recorrente uma obrigação de suportar o IVA retido pelos seus próprios meios, recebendo apenas mais tarde o valor de imposto que reteve.
G. À 2.ª Recorrente, na qualidade de gerente da sociedade arguida desde o dia da sua constituição e até hoje, era imputado o não pagamento do IVA, não obstante o envio da declaração periódica indicativa de que o imposto terá, alegadamente, sido cobrado aos clientes e retido pela 1.ª Recorrente, sem que tenha havido, até à presente data, a competente liquidação e pagamento, do que frontalmente se discorda, como ao deante se demonstrará.
H. O número 4 do artigo 105.º do RGIT estabelece uma condição objectiva de punibilidade, só sendo a não entrega do IVA retido punível se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, e se a prestação comunicada à Administração Tributária não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.
I. Na categoria da punibilidade incluem-se os pressupostos adicionais que a fundamentam (as chamadas condições objectivas de punibilidade) e os pressupostos que a excluem (as chamadas causas de exclusão da punibilidade ou da pena).
J. As condições objectivas de punibilidade são circunstâncias que devem somar-se à acção para que se gere a punibilidade, devendo a concreta punição do facto depender da sua afirmação.
K. Delas devem distinguir-se as condições objectivas de procedibilidade que condicionam, não a existência do crime, mas a sua perseguição penal, ou seja, a abertura de um processo penal.
L.A alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, configurando uma condição objectiva de punibilidade, implica que se vá buscar o elemento que passou a faltar para punir e depois aplica-se ou não a sanção, conforme o arguido satisfaça ou não a condição.
M.O que aqui se pretende – e que in casu foi conseguido – é a reintegração da unidade do ilícito que “poupa” a punição.
N. Dito de outro modo, com o não pagamento da dívida fiscal após a notificação a que alude a alínea b) do número 4 do artigo 105.º é dado por verificado o preenchimento ulterior dos elementos essenciais para a punição criminal do arguido, do que resulta que deveriam as ora Recorrentes ter sido absolvidas, por ter sido efectuado o pagamento da dívida fiscal em tempo, excluindo a sua responsabilidade tributária e, por via disso, a sua responsabilidade criminal por falta de um dos elementos do tipo do ilícito.
O. De acordo com o vertido nos factos provados da, aliás, mui douta sentença, no período de Setembro e Outubro de 2012, a sociedade Recorrente, através da sua gerente, aqui também recorrente, submeteu a declaração periódica do IVA sem a fazer acompanhar do respectivo meio de pagamento, tendo entre aqueles meses emitido facturas às quais corresponde um valor de IVA apurado de € 31.666,45 e € 65.533,82, respectivamente.
P. Todavia, não podem as Recorrentes conformar-se com o n.º 6 dos factos provados, porquanto procedeu a sociedade Recorrente ao pagamento do montante de imposto retido, através dos meios legalmente autorizados, ainda antes da efectivação da notificação efectuada nos termos da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT.
Q. Não podem aquelas, também, conformar-se com os números 7 a 10 dos factos provados na douta sentença recorrida, por tentarem demonstrar, de uma forma um tanto ao quanto injusta, que a 2.ª Recorrente reteve os quantitativos não entregues ao Estado para seu proveito próprio ou para retirar uma vantagem ilegítima para a sociedade.
R. O que não corresponde à verdade, porquanto diligenciou no sentido de regularizar, assim que lhe foi possível, a situação tributária da 1.ª Recorrente, o que veio a ser concretizado aquando do deferimento do pagamento prestacional em 11-10-2013.
S. Tanto mais que não resultou provado da sentença recorrida que a Recorrente C… pretendesse enriquecer o seu património pessoal com a intenção concretizada de se apropriar das quantias retidas e não entregues ao Estado - cfr. Número 1 dos factos não provados.
T. De resto, até por apelo aos números 11 e 12 dos factos provados se retira que as aqui Recorrentes “actuaram num contexto de dificuldades económicas fruto da grave crise económico-financeira que assolou os mercados quer internos, quer externos; 12 – A que acresceu a insolvência da sociedade arguida cuja administração judicial terminou em Junho de 2012 e que dificultou o acesso ao crédito bancário.”
U. Mais acresce resultar da sentença recorrida que “no depoimento da testemunha D…, TOC da sociedade arguida (…), relatando de forma credível e objectiva ser a falta de pagamento consequência das dificuldades financeiras daquela, assentes sobretudo na falta de crédito subsequente ao processo de recuperação” e, bem assim, dos depoimentos de E… e F…, caracterizados na sentença recorrida como “depoimentos elucidativos e sinceros”, que deram a conhecer ao tribunal a quo “a luta diária e séria para fazer face aos compromissos, pese embora as dificuldades inerentes à conjuntura económica e ao período de recuperação financeira”.
V. Assim sendo, aquando da entrega ao Estado do IVA retido referente a Setembro e Outubro de 2012, foi a 2.ª Recorrente obrigada a um juízo de prognose que passava por manter a laboração da sociedade, com o pagamento a dezenas de trabalhadores que da 1.ª Recorrente dependem em termos económicos, ou entregar os montantes retidos ao Estado de imediato, o que certamente implicaria o depauperamento da Sociedade Recorrente, com o consequente arrastamento da sociedade para um processo de insolvência que redundaria na dissolução daquela com a extinção de dezenas de postos de trabalho.
W. No entanto, e como prova da boa-fé com que agiram as Recorrentes, logo que foi possível equilibrar a situação económica da sociedade Recorrente, foi regularizada a situação tributária desta, o que, de resto, foi sempre encarado como uma prioridade por qualquer uma das Recorrentes.
X. Neste sentido, considera-se que o crime de abuso de confiança fiscal se encontra totalmente desfasado da realidade social e, principalmente, económica de um país que vive permanentemente em crise e que, quando os administradores/ gerentes são confrontados com a escolha entre manter a solvabilidade de uma sociedade comercial e, em última instância a sua sobrevivência, e pagar os impostos que, de facto, são devidos ao Estado, tem a coragem de optar pela primeira solução, agindo sem dolo e mesmo no contexto de estado de necessidade ou de inexigibilidade de outro comportamento, o que se invoca não obstante ser pacífica a posição da doutrina e da jurisprudência neste ponto, embora com tal posição não possam as Recorrentes concordar.
Y. Face aos interesses em causa, parece claro que uma contra-ordenação serve os propósitos de prevenção geral e especial estabelecidos na lei, sendo que as quantias em falta continuam sempre a ser devidas à Administração Tributária.
Z. De resto, à data da notificação a que alude a alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, já a sociedade Recorrente havia celebrado o acordo de pagamento prestacional do montante em dívida, nos termos e para os efeitos do artigo 196.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, tendo, ademais, sido prestada garantia idónea.
AA. Motivo pelo qual não se conformam as Recorrentes com o constante do número 2 dos factos não provados na sentença recorrida, uma vez que foi amplamente demonstrado que as quantias retidas e não entregues ao Estado foram pagas ainda antes ainda da notificação a que alude a alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, por força do deferimento do pedido de pagamento em prestações da 1.ª Recorrente por iniciativa da própria Administração Tributária.
BB. Tendo, naturalmente, como efeito a extinção da execução fiscal respectiva, o que resulta da declaração de não dívida oportunamente junta aos autos, isto é, de prova documental plena, conforme se afere da leitura da sentença recorrida, da qual se retira que “o deferimento do plano de pagamento em prestações da dívida fiscal e a sua regularização deste modo, resulta dos documentos juntos de fls. 141 a 149”.
CC. Não se pode, por isso, concordar com a sentença recorrida neste ponto, até porque o acordo válido no âmbito de execução fiscal contende – e nem de outra forma poderia ser sob pena de a própria Administração Tributária agir em constante abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium – com a verificação do crime e a sua punibilidade.
DD. Ora, o facto de não existir pagamento integral do valor em dívida, por força do pagamento prestacional requerido e deferido nos termos do artigo 196.º do CPPT é absolutamente contraditório com a certidão de não dívida emitida pela própria Autoridade Tributária.
EE. Aqui chegados, e à míngua de melhor exposição que pudesse ser feita, impõe-se citar largamente o lapidar Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-02-2012 (proc. n.º 267/10.6IDBRG.G1), em função da similitude factual com o caso sub judice: “Compulsados os autos, verifica-se que tal requerimento (de pagamento em prestações) foi efectuado antes da notificação a que alude o art. 105°, n° 4, al. b) do RGIT, na redacção introduzida a tal normativo pela Lei n° 53-A/2006, de 29/12, no qual se introduziu uma nova condição de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal, o que foi deferido por despacho proferido.
E com tal notificação, tal como se escreveu, aliás, no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n° 6/2008 de 9/4/2008, pretendeu o legislador "conceder uma última possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva". E para que tal notificação se possa considerar perfectibilizada, nos termos que constam do aludido normativo deverá ser comunicado ao agente de que dispõe de 30 dias para proceder ao pagamento da prestação tributária em falta, dos respectivos juros e do valor da coima aplicável.
Ora, constata-se que a Divisão de Justiça Tributária do Núcleo de Investigação Criminal da Direcção de Finanças de Braga notificou os arguidos em 10 de Setembro de 2010, no sentido de estes procederem ao pagamento do IVA referente ao período de Novembro de 2009, no valor global de € 22.331,28 e respectiva coima no valor de € 5.169,70, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105°, no 4, al. b) do RGIT.
Contudo, decorre de fls. 60 a 62 e 201 a que aquando de tal notificação, já os arguidos haviam procedido ao pagamento de três prestações mensais (nos dias 30/06/2010, 30/07/20190 e 31/08/2010), em conformidade com o acordado no processo de execução tributária que foi determinado pelos Serviços de Finanças de Barcelos.
Isto posto, verifica-se, no caso, que aquando do recebimento da acusação, o tribunal desconhecia em absoluto tal situação, pois que, se assim não fosse, tê-la-ia desde logo rejeitado.
Na verdade, entendemos, salvo melhor opinião, que a mencionada notificação - que em si encerra uma condição de punibilidade, tal como atrás se referiu - carece de legitimidade e admissibilidade legal, violando até os mais elementares princípios da boa fé a que o Estado, como qualquer outra pessoa, está obviamente sujeito.
De facto, tendo a Administração Fiscal, nos termos supra referidos, concedido aos arguidos um prazo suplementar de pagamento, prazo esse de um ano, com vista à entrega faseada dos montantes em dívida, acrescidos dos respectivos juros, neles criando a legítima expectativa de que disporiam de tal prazo para sanar a sua falta e ademais vindo os arguidos a liquidarem integralmente a dívida, não se compreende que aquela mesma Administração Fiscal tivesse lançado entretanto mão da notificação prevista na aI. b) do n° 4 do art. 105.° do RGIT.
Diferente seria a situação, caso os arguidos deixassem de pagar alguma das prestações em causa, situação essa que implicaria o vencimento das restantes, a legitimar já, e então, a notificação em causa e pelo valor em dívida naquele preciso momento.
É certo que a última prestação não foi paga no prazo que lhes foi fixado; porém, tal não invalida o que se disse, porquanto todos o processado anteriores e que se manteve inalterado (já que não houve uma nova notificação com a importância concretamente em dívida), mostra-se ab initio inquinado.
Acresce ainda que, se atentarmos ao teor das notificações em referência - cada uma delas se reportando ao período tributário em causa - verificamos que as mesmas não consideram os pagamentos parciais já efectuados (três prestações como vimos supra), o que as torna substancialmente inválidas por não retratarem devidamente a realidade.
De facto, no que concerne ao valor da prestação tributária em dívida, afigura-se nos como certo que o agente tem de ter o concreto conhecimento do seu valor, para em função disso poder tomar a decisão de proceder ou não ao seu pagamento, sendo que tal conhecimento é absolutamente indispensável à tomada da correspondente decisão (neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 03/11/2010, referente ao processo n° 61/05.6IDPRT-B.P1, disponível no sítio www.dgsi.pt/jtrp).
Assim sendo, considerando ilegítimas as notificações entretanto efectuadas pela Administração Fiscal nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do n° 4 do art. 105° do R.G.I.T., pelas razões supra expostas, entendemos por não verificada a condição de punibilidade ali prevista, motivo pelo qual, sem necessidade de maiores explanações, não nos resta senão que concluir pela extinção da responsabilidade criminal dos arguidos (...)” (sublinhados e carregados nossos).
FF. Do que resulta que a sentença recorrida, com o devido respeito, que é muito, andou mal ao condenar as Recorrentes por autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, quando não estava, à imagem do aresto ora citado, verificada a condição de punibilidade prevista na alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, o que sempre deveria redundar na extinção da responsabilidade criminal das ora Recorrentes.
GG. Caso contrário, e se apenas o pagamento integral, efectivo e total do valor em dívida fosse condição para a extinção da responsabilidade criminal, não poderia ser deferido o pagamento em prestações da dívida tributária, nem sequer emitida – como foi - uma certidão de não dívida à 1.ª Recorrente, sob pena de se estar perante uma actuação em abuso do direito.
HH. Ou seja, por um lado a Administração Tributária acorda no pagamento em prestações nos termos e para os efeitos do artigo 196.º do CPPT e, por outro, notifica, logo depois, a 1.ª Recorrente para efectuar o pagamento da totalidade da dívida nos termos e para os efeitos da alínea b) do número 4, do artigo 105.º do RGIT, desrespeitando por completo os compromissos por si anteriormente assumidos.
II. De resto, existe uma contradição entre este facto não provado e a motivação de facto e exame crítico das provas, na medida em que o tribunal a quo considera o seguinte, que se dá por reproduzido por comodidade de exposição: “mais revelou de forma corroborada, designadamente, pela prova documental junta estar em curso plano de pagamento em prestações da dívida fiscal que engloba os montantes em dívida, levado a efeito em execução fiscal onde foi prestada garantia e que se encontra a ser cumprido” (sublinhado e carregado nosso).
JJ. Por conseguinte, não se compreende a solução jurídica dada pela sentença recorrida, não se concebendo, pois, que, uma vez cumprida a obrigação tributária – até antes - no prazo da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, se possa considerar que a omissão de entrega do IVA retido à Administração Tributária pudesse configurar um crime de abuso de confiança fiscal previsto e punível nos termos do artigo 105.º do RGIT, por não estar verificada a condição de punibilidade contida na alínea b) citada infra; ou seja, não foi por parte das aqui Recorridas levada a cabo qualquer actuação susceptível de conduzir à imputação criminal pela qual vieram aquelas a ser condenadas pelo tribunal a quo.
KK. Desmistificando e subsumindo, a Autoridade Tributária instaurou um processo de execução fiscal que, sob o n.º ……………. e apensos, correu os seus termos no Serviço de Finanças de Paredes e cuja quantia exequenda ascendia a € 317.202,96, com os legais acréscimos.
LL. No entanto, no âmbito desse processo de execução fiscal, conforme se referiu supra, foi pelas Recorrentes requerido, junto do Serviço de Finanças de Paredes o pagamento em prestações, nos termos e para os efeitos do artigo 196.º do CPPT e do artigo 42.º da LGT, tendo sido dados por verificados os apertados requisitos do artigo 196.º do CPPT em 11-10-2013, data do deferimento – por meio de despacho da própria Administração Tributária - do pedido de pagamento em vinte e quatro prestações, tendo sido prestado como garantia um penhor dos activos tangíveis e stocks médios anuais.
MM. Ora, o pagamento em prestações da dívida fiscal e acrescidos conduziu à regularização da situação tributária da 1.ª Recorrente, o que dependeu de despacho proferido em 11-10-2013, não se compreendendo o motivo pelo qual em 07-01-2014 veio a Administração Tributária, numa actuação violadora do princípio da boa-fé e confiança, notificar a 1.ª Recorrente nos termos e para os efeitos da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT.
NN. Numa primeira fase, a Administração Tributária acede no pagamento em prestações da dívida tributaria por verificação dos pressupostos contidos no artigo 196.º do CPPT para, logo depois, vir notificar a 1.ª Recorrente nos termos da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, o que é revelador da ligeireza com que a Administração Tributária joga com o futuro do tecido produtivo português, o que não surpreende.
OO. De resto, a situação tributária da 1.ª Recorrente encontra-se, até ao dia de hoje, regularizada, tal como resulta das diversas certidões de não dívida que foram sendo emitidas pela Administração Tributária, pelo que, insofismavelmente, a 1.ª Recorrente tem a sua situação tributária regularizada, sendo a própria Administração Tributária quem reconheceu tal facto!
PP. Acresce notar – perdoe-se a repetição, que não é do agrado dos signatários, mas se revela precisa - que aquando da notificação, nesse mesmo dia 07-01-2014, nos termos e para os efeitos da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, já a situação tributária da 1.ª Recorrente se encontrava regularizada com o inerente pagamento das dívidas fiscais com o qual a Administração Tributária anuiu por meio de despacho de 11-10-2013.
QQ. De facto a responsabilidade tributária e a responsabilidade criminal tributária são distintas, uma vez que a responsabilidade tributária resulta do incumprimento das obrigações tributárias e existe independentemente da prática de qualquer crime.
RR. No entanto, a responsabilidade criminal tributária só poderá existir se houver incumprimento de quaisquer obrigações tributárias, o que não sucede in casu!
SS. Por conseguinte, a condenação das aqui Recorrentes após a regularização em tempo da situação tributária da 1.ª Recorrente, consubstancia uma violação ostensiva do contrato social, por arrasar a lei, a Constituição e, bem assim, o conteúdo do princípio da protecção da confiança.
TT. Seja como for, qualquer uma das Recorrentes sempre pautou a sua conduta junto da Autoridade Tributária sem que lhe possa ser apontada qualquer crítica, pois que sempre foram efectuados os pagamentos dos impostos devidos em tempo.
UU. No entanto, e com o devido respeito, não se poderá exigir às Recorrentes que operem milagres, porquanto é consabida a grave crise económico-financeira que assolou quer os mercados internos, quer os mercados externos.
VV. Sendo também consabido que a 1.ª Recorrente enfrentou uma situação económica muito deficitária na última década, o que redundou num processo de insolvência (que, com o n.º 1292/08.2TBPRD, correu termos no 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Paredes) com aprovação de plano de insolvência, tendo a administração judicial terminado em Junho de 2012.
WW. Tudo tendo contribuído para transformar o acesso ao crédito bancário numa tarefa quase impossível, particularmente quando também algumas entidades bancárias declararam – errada e negligentemente - o incumprimento de responsabilidades da 1.ª Recorrente junto do Banco de Portugal, motivo pelo qual o cumprimento de todas as responsabilidades da 1.ª Recorrente se tornou muito difícil.
XX. No entanto, a dedicação, esforço e boa-fé da 1.ª Recorrente, por meio de quem comanda os seus destinos, fez com que aquela voltasse a emergir e se voltasse a afirmar como uma marca de renome quer nos mercados nacionais, quer nos mercados internacionais.
YY. Não se podendo olvidar que a 1.ª Recorrente não entregou o IVA retido ao Estado imediatamente para assegurar, nos termos expendidos supra, a sua sustentabilidade imediata e os salários das dezenas de funcionários que há longos anos dependem da 1.ª Recorrente, que sempre se sacrificou para não falhar nos seus compromissos imediatos.
ZZ. Aqui chegados, impõe-se referir que uma das causas de extinção da execução fiscal é o pagamento da quantia exequenda e dos acrescidos, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 176.º e n.º 1 do art. 264.º, ambos do CPPT.
AAA. Sendo esta também, nos crimes de abuso de confiança fiscal, uma das causas de extinção da responsabilidade penal tributária, ou seja, o pagamento da prestação tributária em dívida nos prazos estipulados no a alínea b) do artigo 105.º do RGIT.
BBB. Não bastando, contudo, que tenha sido extinta a responsabilidade tributária pelo pagamento da dívida, é ainda necessário que o tenha sido no prazo estipulado no n.º 4 do artigo 105.º do RGIT.
CCC. Recorde-se que, aquando da notificação, nos termos e para os efeitos da alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, já a situação tributária da 1.ª Recorrente se encontrava regularizada com o inerente pagamento das dívidas fiscais; e, os factos descritos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 105.º do RGIT só são puníveis se verificadas as circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) do n.º 4 do mencionado preceito normativo.
DDD. Estas circunstâncias, pela natureza com que se apresentam na estrutura da norma e pela função e finalidades a que nela estão determinadas, não integram o ilícito típico e a culpa, constituindo condições objectivas de punibilidade.
EEE. Neste sentido, propugnou Paulo Marques (in Crime de Abuso de Confiança Fiscal. Problemas do Actual Direito Penal Tributário, Coimbra Editora, Janeiro de 2011, págs. 126 e 127) que “As condições de punibilidade são exteriores à conduta típica, as quais o legislador estabelece como indispensáveis para a punibilidade. O facto apenas se torna punível a partir do exacto momento em que a condição se verifica. (…) Deste modo, inexistindo uma condição de punibilidade justifica-se a absolvição do arguido (…). Daqui decorre que a lei permite que o infractor seja notificado entre o momento da consumação do crime (termo do prazo de entrega do tributo) e o momento da aplicação da sanção criminal, ou seja, até à cessação da execução desta.”.
FFF. Infere-se “da ratio deste preceito legal que o sistema penal fiscal privilegia e incentiva o cumprimento das obrigações fiscais (principais e/ou acessórias), recorrendo-se aos instrumentos coactivos penais apenas quando a colaboração dos contribuintes não é conseguida num patamar aceitável (…)”, espartilhando-se, deste modo as condutas puníveis (Paulo Marques, in op. Cit. Pág. 133).
GGG. Pretendeu, assim, o legislador com a introdução da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, conceder uma última possibilidade de o agente evitar a punição da sua conduta omissiva.
HHH. Neste conspecto, e atendendo ao supra exposto, forçoso é concluir que, a 1.ª Recorrente efectuou o pagamento da dívida fiscal extinguindo a sua responsabilidade tributária e, porquanto, à data da sua notificação (07/01/2014), nos termos e para os efeitos da alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT – enquanto derradeira oportunidade para evitar a punição da sua conduta omissiva – o pagamento já havia sido efectuado, por ter sido deferido o pagamento prestacional por despacho de 2013-10-11, do Chefe de Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças do Porto.
III. De resto, encontra-se tal plano de pagamento em prestações a ser religiosa e escrupulosamente cumprido por meio do pagamento de cada uma das prestações de € 11.008,87, acrescida de custas e juros de mora.
JJJ. Daí que se verifica que, em relação aos mesmos créditos tributários são assumidas duas posições inconciliáveis e antagónicas: por um lado, a Administração Tributária determina e acorda o pagamento dos débitos fiscais em prestações (24) mensais, pagamento este que se encontra devidamente assegurado, por garantia prestada e suficiente para o pagamento das dívidas, como sendo penhor dos activos tangíveis e dos stocks médios anuais; por outro condena-se a 1.ª Recorrente na pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 10 e a 2.ª Recorrente a 15 (quinze) meses de prisão substituída por 450 (quatrocentos e cinquenta) horas de trabalho a favor da comunidade; tendo ambas sido ainda condenadas em 3 UCS de taxa de justiça.
KKK. Dito de outro modo, as Recorrentes fizeram extinguir, pelo pagamento, a sua responsabilidade tributária, tendo regularizado a situação tributária da 1.ª Recorrente antes da notificação a que alude a alínea b) do número 4 do artigo 105.º do RGIT, isto é, antes ainda de ter sido conferida a última chance para evitar punição da sua conduta omissiva.
LLL. Ora, cumprirá fazer um reparo à actuação da Administração Tributária, por se considerar a mesma ilegítima, ilegal, desleal e imoral, porque violadora do disposto nos artigos 13.º, 29.º (em particular o seu número 4), e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
MMM. Aliás, posição assumida pelo Ministério das Finanças e da Administração Pública: “Neste sentido, não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que, tendo cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação Tributária em prazo a conceder”- cfr. Orçamento do Estado para 2007, Relatório, 2006, pág. 44.
NNN. Pelo que se encontram preenchidos, quanto a ambas as Recorrentes, os elementos condicionantes da ocorrência da extinção da responsabilidade criminal pela não entrega da prestação”, não podendo ser criminalmente censurada a sua conduta, uma vez que a regularização do débito se encontra assegurada pelo deferimento do requerimento para pagamento em prestações.
OOO. Até porque a reposição da situação tributária foi já alcançada por força do acordo de pagamento dos débitos de contribuições em 24 prestações mensais, com a prestação de garantia suficiente, sendo dados por verificados os elementos necessários à despenalização da conduta que conduziu à condenação das ora Recorrentes.
PPP. De facto, a douta sentença contraria a intenção e os objectivos do legislador, com a instituição do pagamento prestacional, violando a lei e o ideal de Justiça que ao Estado cumpre assegurar, violando, pois, as expectativas legitimamente fundadas e tuteladas dos contribuintes.
QQQ. Configurando uma clara inversão injustificada da posição assumida pela Administração Tributária em anterior (de 11-10-2013) decisão, que havia, inclusivamente, sido já sujeita a homologação judicial por ter sido proferida no âmbito do processo de execução fiscal, que é, consabidamente, um processo de cariz judicial, tendo sido prestada garantia idónea que assegurava plenamente os créditos da Administração Tributária.
RRR. O que tudo resulta numa clara violação dos princípios da Legalidade no exercício da actividade da Administração Pública, da Igualdade, da Boa fé e da Imparcialidade, mais se verificando, por parte da Recorrida, um claro abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium – cfr. artigo 334.º do Código Civil -, na medida em que a Administração Tributária assumiu uma posição ao aceitar o pagamento em prestações da Sociedade Arguida, tendo depois defraudado as expectativas criadas naqueles, o mesmo se verificando com a condenação que emerge da douta sentença de que ora se recorre.
SSS. Por tudo, e sem prescindir, não podem as ora Recorrentes conformar-se com a excessiva medida concreta da pena aplicada, pelo que, não se verificando nenhuma condição de punibilidade nos termos da supra mencionada alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, outra hipótese não se poderá conceber que não a extinção da responsabilidade penal tributária quanto às aqui Recorrentes.
TTT. Caso assim não se entenda e sem prescindir, o que por mero dever de ofício se concebe, o Tribunal a quo no enquadramento jurídico-penal e na escolha e doseamento da medida da pena não considerou devidamente as circunstâncias em que ocorreu o crime e a personalidade das arguidas, nem ponderou a dispensa e atenuação especial da pena, violando, por isso, o artigo 22.° da Lei 15/2001 de 05 de Junho (RGIT).
UUU. Em verdade, está-se perante um crime com expressão factual reduzida – senão inexistente, como acima se deixou demonstrado -, como, crê-se, será assim julgado.
VVV. De acordo com o artigo 13.º do RGIT, na determinação da pena atende-se sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime, sendo que no caso presente o valor global a ter em consideração se cifra em € 317.202,96.
WWW. Ora, impõe-se, de imediato, referir que, de acordo com o artigo 22º, n.º 1 do R.G.I.T., se o agente repuser a verdade sobre a situação tributária e o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a três anos, a pena pode ser dispensada se: a) a ilicitude do facto e a culpa do agente não forem muito graves; b) a prestação tributária e demais acréscimos legais tiverem sido pagos, ou c) à dispensa da pena se não opuserem razões de prevenção.
XXX. Sendo, ainda, a pena especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado (cfr. n.º 2 do sobredito normativo).
YYY. Com estas medidas visa-se, por conseguinte, dotar a administração da justiça penal tributária de um meio idóneo de substituição de curtas penas de prisão ou mesmo de pronúncia de curtas penas que nem a protecção da sociedade nem a recuperação do delinquente parecem seriamente exigir.
ZZZ. Nesta perspectiva, a dispensa de pena não é uma medida de clemência, apresentando-se, ao invés, a pena como desnecessária face à pequena gravidade do delito.
AAAA. Trata-se, pois, de uma sanção especial do Direito Penal, cuja peculiaridade consiste na condenação do arguido pelo delito cometido, sem que se lhe imponha uma pena.
BBBB. Por outro lado, a atenuação especial coloca-se no domínio da determinação da moldura penal, desde que, do supra mencionado condicionalismo legal, resulte uma diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena.
CCCC. Ora, a sociedade arguida sempre manifestou – e tanto manifestou que pagou – o propósito de pagar as quantias confessadamente em dívida, e num curto espaço de tempo, pelo que, tendo assim em vista a reparação do dano, sempre se configurariam preenchidos os pressupostos para a dispensa da pena, ou pelo menos, para a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 22.º do RGIT.
DDDD. E mesmo que assim não fosse, sempre aquela dívida se encontra devidamente garantida, pelo que, mesmo que a sociedade Recorrente incumpra o referido plano de pagamento – o que jamais sucedeu, tendo sido pontualmente pagas, pelo menos, até ao momento da elaboração da douta sentença, 10 prestações - sempre a Administração Tributária tem meios de assegurar o seu pagamento.
EEEE. Pelas razões acima expostas, deverão as penas concretamente aplicadas às Recorrentes serem dispensadas, ou, caso assim não se entenda, serem substancialmente reduzidas, porquanto as mesmas se revelam excessivas, por se ter valorado acentuadamente as agravantes e desconsiderado as atenuantes, designadamente o facto de ter confessado os factos, de ter pugnado pela reparação do dano no mais curto espaço de tempo possível, da ilicitude do facto ser reduzida, e a simples censura do facto e a ameaça da aplicação de uma pena se mostrar suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição.
FFFF. A decisão em causa viola, pois, o preceituado nos artigos 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 74.º do Código Penal e os artigos 12.º, 13.º, 22.º, 105.° e 107.º do RGIT.”
O MºPº respondeu pugnando pela improcedência do recurso
Nesta Relação a ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP e as recorrentes responderam em conformidade com o seu recurso

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
“II. Fundamentação.
A. – Com interesse para a decisão da causa resultou provado.
1. A sociedade arguida encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Paredes, com o NIF nº ……… e o seu objecto social é a produção, comercialização e distribuição de produtos têxteis, estando enquadrada para efeitos de IVA no regime de periodicidade mensal e para efeitos de Imposto Sobre o rendimento das pessoas colectivas -IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável.
2. A arguida C… é gerente da referida sociedade desde o dia da sua constituição e até hoje.
3. No período de Setembro e Outubro de 2012, a sociedade arguida, através da arguida sua representante e gerente de facto e de direito actuando em nome e no interesse e tal sociedade, enviou a declaração periódica do IVA (imposto sobre o valor acrescentado) aos Serviços de Administração do IVA sem a fazer acompanhar do respectivo meio de pagamento.
4. Assim, no período correspondente a Setembro (2012/09) e Outubro (2012/10) de 2012, a arguida em nome e em representação da sociedade emitiu facturas às quais corresponde um IVA apurado de 31.666,45€ e 65.533,82€ respectivamente.
5. O montante referente a Imposto de IVA, foi efectivamente recebido porque cobrado aos seus clientes e retido pela sociedade arguida, não tendo sido liquidado até à presente data à Administração Tributária.
6. Assim, a arguida não obstante ter enviado a referida declaração de IVA, não procedeu ao pagamento do montante de imposto apurado, em qualquer dos locais ou através dos meios legalmente autorizados, nos prazos legais e notificada nos termos e para os efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art. 105º do RGIT, também não procedeu ao respectivo pagamento do imposto, dos juros e da respectiva coima.
7. A arguida sujeito singular tinha perfeita consciência da obrigação de entregar ao Estado dos quantitativos retidos nos montantes e períodos mencionados.
8. A arguida C… por si e na qualidade de sócia e gerente da co-arguida sociedade, actuou de forma livre e consciente, bem sabendo que os dinheiros em causa se destinavam e eram devidos ao Estado pelo que não estava por qualquer forma legitimada a retê-la e a dilui-la no património da sociedade.
9. E agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, no interesse da sociedade arguida e na qualidade de sua representante legal.
10. Bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou:
11. As arguidas actuaram num contexto de dificuldades económicas fruto da grave crise económico-financeira que assolou os mercados quer internos, quer externos;
12. A que acresceu a insolvência da sociedade arguida cuja administração judicial terminou em Junho de 2012 e que dificultou o acesso ao crédito bancário.
13. A arguida C… em representação da sociedade arguida requereu e viu-lhe deferido por despacho de 17 de Outubro de 2013 o pedido de pagamento da sua divida fiscal e objecto de execução no valor global de €317.202,96 e acréscimos legais, em 24 prestações, tendo prestado para o efeito garantia consistente no penhor de activos tangíveis e stocks médios anuais.
14.A arguida enquanto gerente da sociedade arguida aufere cerca de €1000/mensais;
15. Tem uma filha de 11 meses de idade;
16. Vive em casa própria relativamente à qual paga de prestação a titulo de empréstimo a quantia de €470 por mês;
17. Tem como habilitações literárias a licenciatura em gestão e marketing;
18. As arguidas têm antecedentes criminais:
- A arguida sociedade foi condenada pela prática em Dezembro de 2006 de um crime de abuso de confiança à segurança social p. e p. pelo art. 107º do RGIT na pena de 330 dias de multa à taxa diária de €22, por decisão de 29.03.2011 e transitada em julgado em 04.01.2012, proferida no Proc. Comum Singular nº2237/07.2TAMTS, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos; pela prática em 01.01.2012 de um crime e abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º do RGIT na pena de 300 dias de multa à taxa diária de €15, por decisão de 02.10.2013, transitada em julgado em 20.01.2014, proferida no proc. 3734/12.3IDPRT, deste juízo e tribunal;
- A arguida C… foi condenada pela prática em 01.01.2012 de um crime e abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º do RGIT na pena de 160 dias de multa à taxa diária de €7, por decisão de 02.10.2013, transitada em julgado em 20.01.2014, proferida no proc. 3734/12.3IDPRT, deste juízo e tribunal.

B. - Não resultou provado com interesse para a decisão da causa.
1. Ao proceder à liquidação e ao receber o IVA acima indicado a arguida C…, sabia que com a referida conduta estava a enriquecer o seu património pessoal com a intenção concretizada de se apropriar, como se apropriou das quantias mencionadas.
2. As arguidas procederam ao pagamento das quantias objecto dos autos antes da notificação que lhes foi efectuada ao abrigo do disposto no art. 105º, nº4 do RGIT;L
3. E em consequência do deferimento do pagamento em prestação a que se reporta a factualidade provada viram extinta a execução fiscal respectiva.

C. - Motivação de Facto e Exame Crítico das Provas.
a. Quanto à factualidade provada o Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida, nomeadamente:
Nas declarações da arguida que confirmou as funções exercidas na sociedade e a entrega das declarações periódicas de IVA nos momentos temporais em questão desacompanhadas dos meios de pagamento, argumentando de forma sustentada as dificuldades económicas sentidas com a situação de insolvência da sociedade e posteriormente ao período de recuperação com as dificuldades de acesso ao crédito. Mais revelou de forma corroborada, designadamente, pela prova documental junta estar em curso plano de pagamento em prestações da dívida fiscal que engloba os montantes em dívida, levado a efeito em execução fiscal onde foi prestada garantia e que se encontra a ser cumprido. De igual modo credível relatou a sua situação socioeconómica.
No depoimento prestado pela testemunha G…, inspectora tributária que procedeu à análise e tratamento dos elementos contabilísticos da empresa arguida juntos em suporte digital contendo as facturas e correspondentes recibos e ainda os constantes de fls. 30 e ss. (declarações periódicas), tudo respeitante aos períodos em questão, a qual, de forma objectiva e isenta, referiu os procedimentos utilizados, os documentos consultados, distinguindo a final o montante devido, totalmente recebido.
No depoimento da testemunha D…, TOC da sociedade arguida o qual confirmou os dados enviados à administração tributária, relatando de forma credível e objectiva ser a falta de pagamento consequência das dificuldades financeiras daquela, assentes sobretudo na falta de crédito subsequente ao processo de recuperação.
Na conjugação dos depoimentos elucidativos e sinceros das testemunhas E… e F…, a primeira gestora de marketing da sociedade arguida e irmã da arguida C… e o segundo colaborador e amigo destas, os quais relataram as funções efectivamente exercidas por C…, o percurso da empresa e a luta diária e séria para fazer face aos compromissos, pese embora as dificuldades inerentes à conjuntura económica e ao período de recuperação financeira.
Quanto ao propósito da arguida, este resulta patente desde logo na sua actuação, sabendo a arguida que devia proceder ao pagamento do imposto em questão, tanto mais que os autos não evidenciam que a mesma não seja pessoa minimamente dotada e informada, (pelo contrário, era e é gerente da sociedade arguida), a qual liquidou, descontou e não entregou pagando no entanto outra despesas, como resulta do funcionamento da empresa. A arguida enquanto representante da sociedade arguida sabia assim, insiste-se, que tinha obrigação de pagar os montantes em falta, não o tendo feito e agindo desse modo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que tal conduta não era permitida por lei com intenção de se subtrair ao cumprimento das obrigações fiscais, obtendo consequentemente vantagem patrimonial indevida, para a sociedade, o que conseguiu no valor em falta.
A notificação das arguidas nos termos e para os efeitos do disposto artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT, mostra-se efectuada a fls. 82 e ss dos autos.
Mais atentou o tribunal à certidão de registo comercial respeitante à sociedade de fls.19, quanto ao objecto e respectiva gerência.
O deferimento do plano de pagamento em prestações da dívida fiscal e a sua regularização deste modo, resulta dos documentos juntos de fls. 141 a 149, de onde se extrai também o valor da execução fiscal e da informação da autoridade tributária de fls. 97 e ss..
Os antecedentes criminais resultam dos CRCs de fls.124 e ss..
b. Quanto à factualidade não provada. Nenhuma prova foi produzida que lograsse a tal propósito formar a convicção do tribunal, resultando antes desta nos termos expostos que a falta de pagamento dos impostos em causa surgiu na sequência de um agravamento da situação económica da empresa, que implicou o pagamento de determinadas despesas necessariamente em detrimento de outras e bem assim do pagamento de impostos.
Acresce que no que tange ao pagamento das quantias devidas e extinção da execução tal mostra-se infirmado pela prova testemunhal e documental produzida. O que ocorreu nos termos constantes da notificação efectuada pela própria administração tributária junta a fls, 141, foi que a execução fiscal em consequência do deferimento do pagamento em prestações, com prestação de garantia ficava naturalmente suspenso, estando apenas pagas em Fevereiro de 2014 as três primeiras prestações (cfr: fls.97).”
+
São as seguintes as questões a apreciar:
- se o acordo de pagamento em prestações da divida fiscal extingue a responsabilidade penal;
- medida da pena (dispensa, atenuação e redução da pena)
+
O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP, Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), mas há que ponderar também os vícios e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 in DR I-A de 11/12/94 e 7/95 de 19/10 in Dr. I-A de 28/12 - tal como, mesmo sendo o fundamento de recurso só de Direito: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; ou o erro notório na apreciação da prova (Ac. Pleno STJ nº 7/95 de 19/10/95 do seguinte teor:“é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo” in G. Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III vol. pág. 367, e Simas Santos e Leal Henriques, “C.P.Penal Anotado”, II vol., pág. 742, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100 - e constitui a chamada “revista alargada” como forma de sindicar a matéria de facto.
Destes as recorrentes nenhum suscitam e vista a sentença sob recurso também não os vislumbramos.
+
Vejamos as questões suscitadas
Alegam as recorrentes que a responsabilidade penal está extinta e como tal devia ser declarada, para tal invocam o acordo de pagamento da divida (já em execução fiscal) em prestações da divida fiscal de 11/10/2013 de modo que se encontra em “situação tributária regularizada” e já nessa situação estava aquando da notificação em 7/1/2014 para os fins do artº 105º 4b) RGIT.
Tal questão foi apreciada na sentença recorrida nos seguintes termos:
“Pretendem as arguidas que existindo tal acordo de pagamento à data em que foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº4 do RGIT, a respectiva conduta não é punível porquanto se tem no essencial de considerar ter ocorrido pagamento.
Não lhes assiste, porém, razão.
O acordo válido no âmbito de execução fiscal em nada contende com a verificação do crime e a sua punibilidade porquanto não ocorreu o pagamento integral do imposto em dívida e destes objecto. Acresce que nem sequer importou a extinção daquela execução como invocado e tão só a sua suspensão, afirmando os dispositivos legais citados em sede de defesa (art. 176º e 264 do CPPT) que tal apenas que apenas ocorreria em caso de pagamento (efectivo e total) da quantia exequenda e do acrescido.
A reforçar tal entendimento atente-se ainda ao determinado no D.L. nº151-A/2013 de 31 de Outubro, art. 2º, nº4, que não afasta o indicado regime, antes tendo permitido a aplicação (nos prazos aí estipulados) do instituto da dispensa de pena para os casos em que apenas estivesse pago o capital do imposto devido e coima associada ao incumprimento tempestivo ainda, ainda que atenuada (cfr. nº2 do referido preceito legal e art. 3º do mesmo diploma legal, pagamento que sempre terá de ocorrer, antes da dedução da acusação). E apenas previu a extinção da execução fiscal em que estivesse tão só em dívida a cobrança de juros e custas (art.4º).
Termos em que se conclui, considerando que a quantia não entregue relativa ao IVA devido em Outubro de 2012 ascende €65.533,82, superior portanto a €50.000, que incorreram as arguidas na prática do crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º, nº5, do C. Penal (e não pelo nº1, como vinha acusado), conforme alteração da qualificação jurídica.”
Não há duvida que existe o acordo de pagamento em prestações da divida fiscal.
Por natureza tal divida só se extingue com o pagamento da totalidade das prestações, pelo que enquanto isso não ocorrer não existe pagamento total da divida mas apenas pagamento parcial, que no caso equivale ao não pagamento.
“Divida regularizada” na sequência de um acordo de pagamento, não equivale a “divida paga” enquanto todas as prestações acordadas não tiverem sido satisfeitas.
Não estando a divida paga, obviamente que nos termos legais, teriam as arguidas (como responsáveis criminalmente) de ser notificadas nos termos e para os efeitos do artº 105º 4º b) RGIT que dispõe que os factos só são puníveis “b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.”
Impunha-se por isso a sua notificação, para esse efeito, como foi feito, preenchendo com isso a condição de punibilidade tal como o STJ pelo AFJ 6/2008 de 15/5 estabeleceu: “A exigência prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, configura uma nova condição objectiva de punibilidade que, por aplicação do artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, é aplicável aos factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. Em consequência, e tendo sido cumprida a respectiva obrigação de declaração, deve o agente ser notificado nos termos e para os efeitos do referido normativo [alínea b) do n.º 4 do artigo 105.º do RGIT].”
As recorrentes confundem assim situação regularizada com divida de imposto paga quando são realidades diferentes, tal como o são a execução fiscal (que visa o para pagamento da divida do imposto) e o crime fiscal que visa sancionar os comportamentos criminais, no caso traduzidos na falta de pagamento do mesmo imposto, de desvalor perante o bem jurídico que essa incriminação visa obviar pondo em causa o sistema financeiro público do Estado, através do qual este obtém as receitas necessárias ao funcionamento do próprio Estado, propiciador de bem estar a todos os seus cidadãos.
Tal como mesmo que o crime estivesse extinto (por qualquer razão que não o pagamento), nem por isso a divida tributária estava extinta.

Ora esse pagamento em prestações (24 prestações), não equivale a pagamento da dívida nem à extinção desta, mas a um pagamento que se vai realizando, como as próprias recorrentes alegam ao expressar que na data da sentença já tinham pago 10 prestações.
Tal como não exclui o crime (por exclusão da ilicitude por constituir causa de justificação), o facto de o valor da divida (imposto não pago) ter sido afecto a outros fins empresariais, (como alegam de sobrevivência da empresa e postos de trabalho) pois como aliás assumem, está assente na Jurisprudência que a apropriação não deixa de existir quando se prova que o arguido utilizou os valores em causa para pagamento de outras dívidas da sociedade, uma vez que assim, se inverteu o título da posse (cfr. Ac.TRP 07/03/2003, proc. nº 0111289, www.dgsi.pt e o Ac.STJ Proc. nº 2448/01-5) convindo referir que as quantias declaradas e retidas pertenciam ao Estado, razão pela qual apenas era consentido que actuasse como detentor, encontrando-se-lhe vedado que das mesmas dispusesse como sendo bens próprios, e ao omitir a entrega do valor deduzido e retido, assenhorou-se das prestações que lhe estavam confiadas, integrando-as no seu património e revelando através de concludente conduta, a apropriação das mesmas;
Por isso não pode servir como tentativa de explicar ou justificar a conduta, no que a Jurisprudência tem sido uniforme ao não a considerar como um estado de necessidade, não integrando a causa excluidora da ilicitude (cfr. Ac. R. P. 22/9/04 Proc. 0412635 Des. Fernando Monterrosso, de 26/9/07 Proc. 0712239 Des. Borges Martins, Ac. TRP 15/2/06 Ac. TRP 18/2/09 Proc. 0846954 www.dgsi.pt/jtrp., e Ac. R. Lx, 12/7/05 CJ 2005, IV, 133), pois não compete às arguidas decidir do destino de um dinheiro que já não lhes pertence, e reafectá-lo à satisfação de outras necessidades ou ao cumprimento de outras obrigações, pois isso seria inócuo pois que como se expressa o Ac. R. Lx, 12/7/05 CJ 2005, IV, 133 “ O dever de pagar os salários dos trabalhadores e a necessidade de subsistência da respectiva empresa não podem ser considerados como justificação da falta de pagamento (…) das importâncias descontadas naqueles salários para esse efeito”, ou o Ac. R.Ev. de 19/4/2005 de que “O facto de se ter dado com o provada a situação económica difícil da empresa não afasta a consciência da ilicitude e a culpa dos arguidos na prática do crime p.p.pelo artº 107º do RGIT” ou ainda o Ac. R.P. de 15/2/2006 de que “Em geral não é correcto falar em conflito de deveres, direito ou estado de necessidade nos casos em que a entidade patronal, em vez de os entregar ao Estado utiliza os valores retidos ou deduzidos a titulo de imposta para manter a empresa em funcionamento. Não é pois legitimo que uma empresa erija e aplique os seus critérios fazendo tábua rasa dos comandos legais….”
Expressa-se o STJ no ac. 13/12/2001 www.dgsi.pt/: “O conflito de deveres que exclui a culpa é, necessariamente, um conflito de deveres para com os outros. Por isso, na actuação dos arguidos, que integraram montantes de IVA liquidados no património da sociedade de que eram sócios gerentes, e os afectaram a outras finalidades, para assegurar a continuação da laboração da empresa, designadamente ao pagamento dos salários dos trabalhadores, não se verifica qualquer conflito de deveres juridicamente relevante; com efeito, um dos deveres conflituantes - o de assegurar o funcionamento do negócio - não é alheio mas próprio (a satisfação do interesse dos trabalhadores é secundária relativamente à daquele interesse próprio prevalente).”
E o STJ no Ac de 20.6.01 (in CJSTJ, II, pág. 227) expressa «nada permite concluir que o dever de empresa a funcionar, nomeadamente através do pagamento dos salários aos seus trabalhadores, seja superior ao de cumprir as obrigações fiscais, sendo certo que esse dever é uma obrigação legal e assim superior ao interesse em manter a empresa com os pagamentos».
Donde não têm fundamento estas razões invocadas, pois a divida não se mostra integralmente paga nem existe causa que justificando as suas condutas exclua a ilicitude e a culpa pelas recorrentes, improcedendo a questão suscitada, não havendo que alterar qualquer facto.

- Medida da pena (dispensa, atenuação da pena e redução desta)
Questionam as arguidas a medida da pena em diversas vertentes, desde a atenuação e dispensa da pena até à sua medida concreta, invocando o artº 22º do RGIT (Lei 1/2001 de 5/6)
Como argumentos, invocam de igual maneira o pagamento, as circunstâncias do crime e a personalidade e terem pugnado pela reparação no mais curto espaço de tempo e já terem pago 10 prestações estando garantido o demais, e à pequena gravidade do ilícito.
A sentença recorrida no que a esta questão respeita pondera:
“A medida concreta da pena vai ser determinada tendo em atenção o disposto no art. 71º do CP, isto é “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes”.
Culpa e prevenção são “(…) os dois termos do binómio com auxilio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena”- FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português, as Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 214.”
A determinação da medida concreta da pena far-se-á, assim, dentro das molduras penais abstractas aplicáveis, sendo que a sua determinação obedece ao seguinte critério: dentro da moldura abstracta aquela fixar-se-á em função da culpa do agente (limite máximo), das exigências de prevenção geral (limite mínimo) e de prevenção especial (fixação do quantum da pena dentro daqueles limites).
Haverá ainda que atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuseram a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as circunstâncias de carácter geral enumeradas de forma exemplificativa no art. 71º, nº2 do C.P., considerando, sempre que possível, o prejuízo sofrido (art.13º do RGIT).
I – Quanto à arguida pessoa singular há que atender:
Ao grau médio/elevado da ilicitude, atendendo aos valores retidos e à duração da retenção;
Ao dolo que foi intenso, por directo;
Aos antecedentes criminais.
Depõe a favor da arguida:
O facto de estar social, familiar e profissionalmente integrada;
A existência de um plano de pagamento e prestações de dívidas fiscais englobando as quantias aqui em dívida que se encontra a ser cumprido.
Ponderado o exposto, julgo justa e adequada a aplicação à arguida de uma pena de 15 (quinze) meses, de prisão.
(…)
No caso em apreço como decorre da fundamentação de facto a arguida encontra-se integrada profissional, social e familiarmente, as dívidas fiscais em causa estão a ser objecto de um plano de pagamento que está a ser cumprido, pelo que pese embora as exigências de prevenção geral no que respeita ao crime em apreço as finalidades de punição estas serão realizadas de forma adequada e suficiente com tal substituição.
Acresce que a arguida aceitou expressamente tal substituição.
Tendo em conta a disciplina legal estatuída nos nºs 3 e 4 do artº 58º do Código Penal a cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas, a prestação de trabalho pode ser cumprida pelo condenado em dias úteis, sábados, domingos e feriados, não podendo a duração dos períodos de trabalho prejudicar a normal jornada de trabalho, nem exceder, por dia, o regime de horas extraordinárias aplicável para a área de actividade (em regra, de duas horas por cada dia de trabalho)
(…)
II. Quanto à sociedade arguida, nos termos conjugados do art. 105º, nº5 e 12º, nº3, do RGIT, é aplicável pena de multa de 240 dias a 1200 dias.
Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €5 e €5000 tratando-se de pessoa colectiva (art. 15º, nº1 do RGIT).
No caso em apreço, não resulta da fundamentação de facto a concreta situação financeira da sociedade arguida, pelo que a este nível e relativamente ao quantitativo da taxa diária da multa a aplicar se atenderá ao contexto actual de crise económica.
Pelo que tudo ponderado entendo justa e adequada a aplicação à sociedade arguida da pena de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de 10 (dez) euros.”

Como se vê da sentença e do texto transcrito ali não foi ponderada a possibilidade de atenuação especial da pena ou dispensa desta, pois que como dela consta a pena para o crime em causa é de pena de prisão de um a cinco - artº105ºnº1 e 5 do RGIT, e o artº 22º RGIT invocado pelos recorrentes, apenas possibilita a dispensa de pena (nº1) se a pena for igual ou inferior a 3 anos de prisão, para além dos demais requisitos que não se verificam, dos quais sobressai ter a prestação tributário e legais acréscimos terem sido pagos (que teria de ocorrer até à dedução da acusação ao abrigo daquele normativo) o que como já explicitamos não ocorreu com a celebração do acordo de pagamento (ou regularização da dívida) em prestações ou até com este por ter sido antecipado o pagamento das prestações ao abrigo do artº 8º do DL 151 A/2013 de 31/10 (medidas excepcionais de recuperação das dividas à administração fiscal), e nessa medida poder beneficiar da dispensa de pena, nos termos expressos no artº 2º 4 do DL 151-A/2013 que expressamente estatuí “Considera -se que o pagamento integral da dívida, efetuado nos termos do presente decreto -lei, é enquadrável na alínea b) do n.º 1 do artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, nomeadamente para a dispensa de pena nos crimes aí previstos.”
Não estando preenchidas nem tendo sido observadas as condições legais, não podem as recorrentes beneficiar da dispensa de pena.

No que se refere à atenção da pena da pena concerne o nº2 do mesmo artº 22 impõe essa atenuação se o arguido, repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e legais acréscimos até á decisão final ou no prazo nela fixado.
Em face do já exposto, se é certo que a verdade fiscal está reposta (nem nunca esteve em causa pois as arguidas emitiram a declaração relativa aos impostos em dívida e apenas não os pagaram (e por isso respondem por abuso de confiança e não por fraude fiscal) o certo é que a prestação tributária não se mostra integralmente paga até á sentença, reconhecendo as recorrentes que apenas pagaram 10 das vinte e quatro (24) prestações em que a divida foi dividida para fins de pagamento integral.
Sendo assim, não pode a pena ser especialmente atenuada, nem em face da circunstancia concreta o tribunal podia lançar mão, da sustação na decisão, com vista a esse pagamento, pois tal só poderia ocorrer caso fosse previsível que o pagamento integral estaria concluído no prazo de um ano, o que implicaria a antecipação do pagamento das prestações, o que as recorrentes não aventam sequer (e já se o tivessem feito já teriam podido beneficiar do regime extraordinário do DL 151 A/2013 - o que não fizeram) sendo que faltando pagar 14 prestações à data da sentença e não podendo a decisão final (a sentença) ser sustada por mais de um ano, evidente se tornava não poder beneficiar dessa sustação e eventual atenuação especial da pena - artº 22º 2 RGIT e artº 74º 2 CP ex vi artº 3º RGIT - situação que as recorrentes nem aventam sequer.
Por outro lado essa sustação não poderia ser efectivada pelo tribunal sem que as arguidas manifestassem a vontade de nesse prazo efectuar o pagamento.

Resta por isso verificar se existe razão para reduzir a pena.
Ora tendo em conta as normas especificas relativas à medida da pena previstas no RGIT (artºs 12º e 13º e 15) e sem cuidar, por impossibilidade recursiva, em face do que dispõe o artº 10º RGIT, da aplicação da pena de substituição em causa à arguida C…, e as normas penais gerais, temos por correcto que na determinação da pena concreta a aplicar atender-se à nos termos do artº71º CP, à culpa de cada arguido (se pessoa singular) suporte axiológico de toda a pena, ou “A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa” - Prof. Cavaleiro Ferreira, Lições de Dto. Penal, I, págs. 184 e 185, sendo que o principio da culpa é a “consequência da exigência incondicional da defesa da dignidade da pessoa humana que ressalta dos artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa” - Figueiredo Dias in As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 84, e às exigência de prevenção, que neste campo são acentuadas quer em termos gerais, face à quantidade de crimes fiscais que ocorrem e aos efeitos nefastos que provocam na existência do Estado Social de Direito com reflexo imediato no moldo de vida dos cidadãos e que aos olhos da sociedade gera um sentimento de impunidade
Desse modo e tendo presente que se tem defendido (e assim Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 227 e sgt.s) que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção actuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer,
ou como se expressa o STJ Ac. 17/4/2008 in www.dgsi.pt/jstj
“O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, pois, nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente.”
Ora tendo em conta as circunstancias apuradas e integradas no artº 71º CP, destacadas na sentença e a confissão da materialidade dos factos (sem acentuado relevo face ao plano de pagamento e à prova documental) que não deixa revelar contudo, (face ao plano de pagamento que está a ser cumprido) uma vontade de integração na ordem jurídica (mas sem descurar que no campo do direito económico e fiscal o pensamento empresarial, como aliás resulta da motivação não segue os mesmos cânones da sociedade em geral), e a integração social (como aliás acontece mais uma vez no plano dos delinquentes económicos) da arguida, mas tendo em conta que a pena tem como finalidade primeira prevenir o cometimento de novos / futuros crimes (prevenir a reincidência) e que a arguida já vai na 2ª condenação por este tipo de crime (o que demonstra que a necessidade da pena se acentua), mostra-se adequada e justa, dentro da liberdade de quantificação que é dada ao tribunal em face dos critérios legais e a moldura entre um ano e cinco anos, a pena de um ano e meio de prisão, ainda assim apenas ligeiramente acima do limite mínimo.
Do mesmo modo a pena aplicada à sociedade arguida tendo em conta os dados apurados e os critérios legais e em função do valor em divida, da moldura penal (240 a 1200 dias) e dos limites da taxa diária (artº 15º RGIT), e dos antecedentes criminais, sendo que esta é já a terceira condenação da sociedade pelo mesmo tipo de crime (fiscal e à Segurança Social), pelo que tendo em conta as necessidades de prevenção se mostra que se há pena que não pode ser apelidada de excessiva ou inadequada e injusta é a aplicada, pois afigura-se-nos que a conduta em causa era merecia ser mais severamente punida.

Em face do exposto as razões invocadas não possibilitam a alteração da decisão recorrida, e dado que não se suscitam outras questões de que cumpra conhecer, improcedem os recursos interpostos pelas arguidas.
+
Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
Julgar improcedente o recurso interposto por cada uma das arguidas (B…, Lda” e C…), e em consequência confirma a sentença recorrida.
Condena cada uma das recorrentes no pagamento da taxa de justiça de 05 Uc e demais custas.
Notifique.
Dn
+
Porto, 14/1/2015
José Carreto
Paula Guerreiro