Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NELSON FERNANDES | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO TRABALHADOR INDEPENDENTE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO ACIDENTE DE TRABALHO LOCAL E TEMPO DE TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RP202010211804/17.0T8AGD.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/21/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A falta de cumprimento pelo tribunal de 1.ª instância do princípio do contraditório, que podemos ter como emanado do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – direito constitucional a um processo equitativo –, encontra atualmente consagração expressa no Código de Processo Civil, assim no seu artigo 3.º, n.º 3, em que se estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. II - Trata-se de princípio que, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz – respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC –, impõe ao juiz, que antes de decidir, dê a possibilidade às partes de se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo. III - O requisito fundamental para aferir a abrangência do seguro infortunístico laboral que atinge um trabalhador independente, é o do exercício da atividade objeto do contrato de seguro, não sendo no entanto o único, pois que se impõe reflexão sobre os demais requisitos necessários para a verificação sobre se está em causa um acidente de trabalho – para que um acidente sofrido por um trabalhador independente seja qualificado como de trabalho, tem também de se estabelecer um elo de ligação entre o momento da ocorrência do acidente, o local e o tempo de trabalho. IV- Ainda que com as devidas adaptações, sendo os conceitos de «local e tempo de trabalho» coincidentes na NLAT e na Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes, a análise jurídica feita no caso concreto, em que está em causa um trabalhador independente, não deve diferir da que seria feita no caso de um trabalhador dependente. V- Se a factualidade provada permitir concluir, não só que o evento danoso ocorreu em atividade relacionada com a profissão que foi declarada para efeitos de seguro, assim de pedreiro, como ainda que ocorreu no local de trabalho – podendo este pode ser na sua residência habitual ou ocasional, sendo que a lei do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes prevê a possibilidade do trabalhador exercer a atividade objeto do contrato de seguro para si próprio ou para o seu agregado familiar – e no tempo de trabalho – mesmo que tenha ocorrido entre as 17.00 e as 18.00 horas de um sábado, tratando-se de trabalhador independente, que em regra não está sujeito a um horário de trabalho, nada obsta a que se considere que estaria dentro do período normal de laboração –, deve o acidente ter-se por abrangido pelo seguro celebrado, salvo se esse excluir expressamente da cobertura a atividade que estava a ser realizada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação 1804/17.0T8AGD.P1 Autor: B… Ré: C… – Companhia de Seguros, SA ______ Relator: Nélson Fernandes 1ª Adjunto: Des. Teresa Sá Lopes 2ª Adjunto: Des. António Luís Carvalhão _________________________________ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1. B…, dando início à fase contenciosa do processo, em ação declarativa com a forma de processo especial para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, apresentou a respetiva petição inicial, indicando como Ré C… – Companhia de Seguros, SA, e pedindo a condenação desta: a reconhecer o acidente por si sofrido, no tempo e local de trabalho onde se encontrava a ser realizado; o seu nexo de causalidade; que todo o serviço de limpeza, manutenção do telhado, não se subsume nas cláusulas de exclusão do contrato de seguro celebrado; que a Ré, em consequência do acidente, é responsável pelo pagamento de € 10.513,24 a título de indemnização diferencial pelos períodos de incapacidade temporária; da pensão anual e vitalícia de € 3.757,32, com início em 21.08.2018; de € 572,44 a título de despesas; de € 30,00 de transportes com deslocações aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de Águeda; e de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre tais montantes, até efetivo e integral pagamento. Para tanto alegou, muito em síntese, que, exercendo a atividade de pedreiro da construção civil por conta própria, auferindo € 12.600,00 anuais, e tendo transferido para a Ré a responsabilidade por acidentes de trabalho, no dia 13.05.2017, cerca das 18h00, quando se encontrava a proceder à manutenção de um telhado na moradia sita na Rua …, nº .., e …, …, sofreu uma queda de uma escada metálica de pelo menos 4m de altura, da qual resultaram lesões que afetaram a sua capacidade de trabalho em termos temporários e, uma vez concedida a alta clínica, sequelas que lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial. Mais invocou ter despendido € 572,44 em assistência médica e tratamentos por causa do sinistro e € 30,00 em deslocações obrigatórias a Tribunal, termos em que deduziu as pretensões supra elencadas. 1.1 O Instituto da Segurança Social, IP deduziu um pedido de reembolso contra a C… – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação no pagamento de € 4.435,50, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Fundou essa sua pretensão no facto de ter pago tal quantitativo ao Autor a título de baixa média subsidiada entre 26.06.2017 e 24.08.2018, sendo a demandada responsável pelo mesmo, na medida em que esteja em causa um acidente de trabalho. 1.2 Regulamente citada, a Ré, na contestação que apresentou, pugnou pela improcedência da ação, sustentando que o contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores liberais pressupõe que esteja em causa a prestação de um serviço remunerado, o que não está em causa na situação dos autos por se ter tratado de um sinistro ocorrido no âmbito da atividade pessoal, doméstica do Autor e não contratada por terceiro. Diz ainda que o risco foi declarado relativamente à atividade de pedreiro e não já de realizar de trabalhos em altura ou reparação em telhados ou coberturas, cujo risco é superior e que reclamaria o pagamento de um prémio também superior, mais invocando que o telhado em causa não apresentava sinais de ser lavado, que o Autor não utilizou os meios de proteção coletiva possíveis para o exercício de tal atividade, sendo a escada utilizada velha, encontrando-se em péssimo estado de conservação e sem qualquer segurança, não averiguando também previamente se estava em condições físicas e fisiológicas para tal atividade, tudo levando a que o sinistro tenha de ser descaracterizado como acidente de trabalho. 1.3 Exercendo o contraditório em face do pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, IP, a Ré manteve, na essência, a posição que assumiu na contestação, bem como que, a ser procedente tal pedido, sempre haveria que descontar às já recebidas as indemnizações e pensões a liquidar. 1.2 Foi proferido despacho saneador, procedendo-se de seguida à seleção da matéria de facto assente, bem como da que se considerou controvertida. 1.3 Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta o seguinte: “Decisão Em face de todo o exposto, julga-se: . a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: - declarar que o Autor B… se encontra, em virtude do acidente de trabalho objecto deste processo, afectado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 25,875% desde 21.08.2018 (dia após a alta); - condenar a Ré C…– Companhia de Seguros, SA a pagar ao Autor B…: a) € 6.077,74 a título de indemnização diferencial pelo período de incapacidade temporária absoluta sofrida; b) o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 2.282,18; c) a quantia de € 567,94 referente e despesas médicas, com tratamentos e meios complementares de diagnóstico; d) a quantia a apurar em sede de incidente de liquidação, correspondente ao valor de três deslocações, em transporte público, de casa do Autor ao Juízo de Trabalho de Águeda e regresso; - condenar a Ré C… – Companhia de Seguros, SA no pagamento, ao Autor B…, dos juros de mora sobre as referidas prestações pecuniárias referidas, em atraso, à taxa legal supletiva, vencidos e vincendos, até integral pagamento; - absolver a Ré C… – Companhia de Seguros, SA do demais contra si peticionado pelo Autor B…; - procedente o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, IP contra a C… – Companhia de Seguros, SA, condenando-se a mesma: - no pagamento da quantia de € 4.435,50; - acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a notificação para exercer o contraditório, até efectivo e integral pagamento. Custas da acção fixadas provisoriamente (a corrigir em eventual incidente de liquidação) a cargo do Autor B… na proporção de 12% e da Ré C… – Companhia de Seguros, SA na proporção de 88% (n.os 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho). Custas do pedido de reembolso a cargo do Instituto da Segurança Social, IP a cargo da C… – Companhia de Seguros, SA (n.os 1 e 2 do art. 527º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art. 1º do Código de Processo do Trabalho). Valor processual: € 43.070,90 – art. 120º do Código de Processo do Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13 de Janeiro. Registe e notifique (art. 24º do Código de Processo do Trabalho). Oportunamente, proceda-se ao cálculo do capital de remição da pensão (n.os 3 e 4 do art. 148º, aplicável por força do art. 149º, ambos do Código de Processo do Trabalho e al. a) do nº 2 do art. 4º do Regulamento das Custas Processuais).” 2. Inconformada com o decidido, interpôs a Ré recurso de apelação, formulando a final, após convite do relator ao seu aperfeiçoamento, as conclusões que se seguem (transcrição): ……………………………… ……………………………… ……………………………… 2.1 Contra-alegou o Autor, concluindo pela improcedência do recurso interposto pela Apelante, devendo em consequência ser mantida a decisão constante da sentença recorrida, nos seus precisos termos. 2.2 O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo. 3. Subidos os autos a esta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da não ocorrência da nulidade invocada e, quanto ao recurso, da respetiva improcedência. * Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC – aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas questões que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) nulidades invocadas / da invocada falta de cumprimento do contraditório / decisão surpresa / do excesso de pronúncia; (2) matéria de facto: (2.1) decisão sobre reclamação / base instrutória; (2.2) apreciação do recurso sabre impugnação da matéria de facto; (3) dizendo o direito: saber se a sentença aplicou adequadamente a lei e o direito ao ter considerado que estamos perante sinistro / acidente coberto pelo seguro celebrado. III - Fundamentação A) Da sentença resulta ter sido considerada provada a factualidade seguinte (transcrição): “A. O Autor B… nasceu no dia 02.05.1968 – cfr. doc. de fls. 5, que se dá por integralmente reproduzido; B. O Autor exerce a actividade de pedreiro da construção civil por conta própria, auferindo a quantia anual ilíquida de € 12.600,00; C. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AC…….., o Autor transferiu a responsabilidade por acidentes de trabalho a Ré C… - Companhia de Seguros, SA, com base na remuneração anual ilíquida de € 12.600,00 e tendo por referência “profissão: pedreiro (excepto poços)” – cfr. docs. de fls. 47 e 119 e ss., que são dados por integralmente reproduzidos; D. A Ré C… - Companhia de Seguros, SA pagou ao Autor, em consequência do sinistro sofrido, a quantia global de € 869,91 a título de indemnização por períodos de incapacidade temporária sofridos até 21.06.2017; E. O Instituto da Segurança Social, IP pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, € 4.435,50, dos quais € 2.803,26 referente ao período de 26.06.2017 a 26.11.2017 com um subsídio diário de € 12,58 no período de 26.07.2017 a 23.09.2017 e de € 13,71 no período de 24.09.2017 a 26.11.2016; e € 1.632,24 referente ao período de 27.11.2017 a 24.08.2018, com um subsídio diário de € 10,34 no período de 27.12.2017 a 24.02.2018 e de € 12,06 no período de 25.02.2018 a 24.08.2018 – cfr. doc. de fls. 184v. que se dá por integralmente reproduzido; F. O Autor, no âmbito dos presentes autos, deslocou-se ao Juízo do Trabalho de Águeda em 10.10.2017 pelas 09h45m e em 02.10.2018 pelas 09h15m para a realização de exame médico, bem como do dia 30.10.2018 para realização de tentativa de conciliação – cfr. fls. 48, 49, 105, 106, 129 e 130; G. O Autor reside na Rua …, nº .., em ..., …; H. O Autor, no dia 13.05.2017, a hora em concreto não apurada entre as 17h00 e as 18h00, encontrava-se a proceder à analise do telhado da moradia sita na Rua …, nº .., em …, …, com vista a apurar se necessitava de o lavar com máquina de pressão, ou mudar algumas telhas que estivessem partidas; I. Quando no exercício dessa actividade, o Autor ficou com as pernas trilhadas na escada metálica colocada para o efeito contra a parede da moradia; J. E caiu de uma altura não superior a 4m; L. O que lhe causou um traumatismo crânio-encefálico, com perda de conhecimento e um traumatismo no membro superior esquerdo; M. Ficando com lesão do nervo axial esquerdo e rotura dos rotadores do ombro; N. O Autor despendeu € 18,00 em consulta de urgência ocorrida no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE – CHUC – em 15.07.2017; O. E € 7,00 em consulta de fisiatria que teve lugar no Hospital da Misericórdia da Mealhada – HMM – em 28.07.2017; P. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados – UCSP – Mealhada, em 07.07.2017; Q. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 28.07.2017; R. Assim como € 55,00 numa consulta de ortopedia que teve lugar no HMM em 08.08.2017; S. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 29.08.2017; T. E € 7,00 numa consulta de ortopedia ocorrida em 31.08.2017 no CHUC; U. E € 7,00 numa consulta de fisiatria que teve lugar no HMM em 07.09.2017; V. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada, em 08.09.2017; X. Bem como € 40,00 num exame de electromiografia realizado no laboratório de neurobiologia, “ALVIM-COSTA, LDA” em 28.09.2017; Z. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 28.09.2017; AA. E € 7,00 numa consulta de fisioterapia que teve lugar no HMM em 19.10.2017; AB. E € 84,00 em “Técnicas Especiais de Cinesiterapia; Ultrasonoterapia; Estimulação Eléctrica Neuro-Muscular; Massagem manual de uma região” realizadas no HMM em 19.10.2017; AC. Assim como € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 30.10.2017; AD. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 16.11.2017; AE. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 27.11.2017; AF. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 11.12.2017; AG. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 09.01.2018; AH. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 08.02.2018; AI. E € 7,00 numa consulta de fisiatria que teve lugar no HMM em 09.02.2018; AJ. E € 86,00 em “Técnicas Especiais de Cinesiterapia; Ultrasonoterapia; Estimulação Eléctrica Neuro-Muscular”, realizadas no HMM em 20.02.2018; AL. E ainda € 8,44 em “Eléctrodo Auto Adesivo em Carbono”, realizado no HMM em 01.03.2018; AN. Assim como € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 09.03.2018; AO. E € 7,00 numa consulta de fisiatria que teve lugar no HMM em 16.03.2018; AP. Bem como € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 19.03.2018; AQ. E pagou € 14,00 por uma consulta médica no CHUC em 05.04.2018; AR. O Autor despendeu € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 10.04.2018; AS. Assim como € 86,00 em “Técnicas Especiais de Cinesiterapia; Ultrasonoterapia; Estimulação Eléctrica Neuro- Muscular”, realizadas no HMM em 26.03.2018; AT. E € 7,00 numa consulta de fisioterapia que teve lugar no HMM em 03.05.2018; AU. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 11.05.2018; AV. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 06.06.2018; AX. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada, em 24.06.2018; AZ. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 10.07.2018; BA. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 03.08.2018: BB. Bem como € 7,00 numa consulta de “ombro de consulta externa, ortopedia A” ocorrida no CHUC em 20.08.2018; BC. E € 4,50 numa consulta ocorrida na extensão UCSP Mealhada em 03.09.2018; BD. E € 35,00 numa “ecografia partes moles” que teve lugar no HMM em 15.07.2017; BE. A diligência realizada em 30.10.2018, referida em F., encontrava-se designada para as 14h00; BF. O Autor efectuou as deslocações referidas em F. em transporte próprio; BG. A Ré Companhia Seguradora cobra taxas comerciais superiores a trabalhos em altura do que para as actividades sem ser em altura; BH. O telhado da residência do Autor encontra-se a uma altura entre 3,5m e 4m; BI. Nele estavam ausentes, em 13.05.2017, tábuas de rojo, plataformas, andaimes ou rede anti-queda; BJ. No local era possível colocar um andaime; BL. O Autor encontrava-se sem cinto ou arnês presos a linha de vida; BM. O que era possível de implementar; BN. A escada utilizada pelo Autor era de alumínio; BO. A escada foi encostada à parede sem que ninguém ficasse junto da mesma para a agarrar; BP. O Autor não sofria de vertigens ou tonturas; BQ. O Autor subiu a escada sem implementar fichas de segurança para detectar os riscos e meios de os eliminar ou minorar; BR. O Autor, trabalhando na área há cerca de 35 anos, não teve formação específica dada por terceiros em matéria de telhados; BS. O Autor levava a cabo a actividade referida em H. por sua própria vontade de decisão; BT. O Autor esteve afectado de incapacidade temporária absoluta de 14.05.2017 a 20.08.2018; tendo ficado afectado de uma incapacidade permanente parcial de 25,875% desde 21.08.2018 (dia seguinte ao da alta) – cfr. decisão de fls. 183 do Apenso A, que se dá por integralmente reproduzida;” * Por sua vez, considerou-se que, com relevo para a decisão da causa, não está provado que: “a). O Autor caiu por a escada metálica ter quebrado; b). O Autor lesionou-se no membro superior direito; c). Inexistiam transportes ferroviário e rodoviário que lhe permitissem chegar a horas aos exames médicos marcados, assim como quanto à tentativa de conciliação; d). Os transportes rodoviários faziam o percurso da parte da manhã e nunca com partida na área da residência e freguesia do Autor; e). O Autor gastou € 30,00 nas três deslocações referidas em F.; f). O telhado da casa do Autor tem inclinação acentuada; g). A escada utilizada pelo Autor encontrava-se destituída de borrachas antiderrapantes nos pés e tinha dobras e rachas; h). O Autor carecia de conhecimentos na reparação de telhados ou coberturas e realização de trabalhos em altura.” B) - Discussão 1. Nulidades invocadas 1.1 Da invocada falta de cumprimento do contraditório / decisão surpresa / do excesso de pronúncia No recurso que apresentou, fazendo-o constar também das conclusões das alegações, a Apelante começa por arguir nulidade, invocando o disposto no artigo 5.º do CPC e 71.º, n.º 2, do CPT, pois que, diz, a sentença considera, para a sua fundamentação, factos que são verdadeiramente essenciais mas que não foram sequer alegados pelas partes – in casu, pelo Apelado, sobre quem, por se tratar de factos constitutivos do seu direito, impedia o ónus da sua alegação –, assim por serem consubstanciadores do acidente de trabalho propriamente dito – que tarefas estava o Autor a executar, em que exatos moldes, ou seja, o que fazia e como –, o que em lado algum foi alegado, sendo que, acrescenta, na decisão deu-se como provado algo que, uma vez mais, ninguém alegou também, a saber, que aquando do acidente o A. se encontrava ainda em fase preliminar do seu trabalho, a analisar o telhado, para ver se o mesmo precisava de ser lavado ou de mudar uma telha. Conclui sustentando que ao assim se proceder foi violado o disposto nos artigos 342.º, do Código Civil, e 72.º, n.ºs 1 e 2, do CPT, o que, por ter influência no exame e decisão da causa – seja porque se deu como provada dada factualidade seja ainda porque se impediu a Apelante de produzir contraprova quanto a tal factualidade –, determina a ocorrência de nulidade da decisão, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC. Mais, diz, a decisão é ainda uma decisão surpresa, que viola o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, por a impedir de exercer qualquer contraditório, o que acarreta nova nulidade. Pronunciando-se o Apelado pela não ocorrência de qualquer nulidade, no que é acompanhado pelo Ministério Público junto desta Relação, apreciando, diremos o seguinte: Em primeiro lugar, e como primeira nota, importa esclarecer, desde já, que a ocorrer a invocada nulidade da falta de cumprimento do contraditório e decisão surpresa a mesma dirá respeito a atividade anterior à da prolação da sentença propriamente dita, assumindo-se assim como processual, referente a essa atividade que a Recorrente diz não ter sido a adequada – ou seja, a pretensa existência de decisão surpresa, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC. Sendo assim, introduziremos de seguida algumas considerações a respeito das nulidades da sentença, a que alude o artigo 615.º, n.º 1, do CPC[1], no sentido de distinguirmos os dois tipos de nulidade. Avançando então com tal objetivo, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é afinal através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto – nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[2] Sendo pois esse o objetivo perseguido pela sentença, pode no entanto essa estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC. No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo. Já diversamente, quanto às nulidades processuais, enquanto desvios entre o formalismo prescrito na lei e o formalismo efetivamente seguido no processo – vício formal que pode consistir: a) na prática de um ato proibido; b) na omissão de um ato prescrito na lei; c) na realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem as formalidades requeridas[3] –, dessas, em princípio, como é consabido, cabe reclamação e não recurso, reclamação essa também em princípio dirigida ao tribunal em que foi cometida a nulidade, sendo que só assim não ocorrerá quando essa estiver a coberto de uma decisão judicial, pois que nesta situação o meio de impugnação será o recurso e não aquela reclamação. Assim o afirmava já o Professor Alberto dos Reis[4], com a autoridade que por todos lhe foi sempre reconhecida, cujos ensinamentos neste âmbito se têm por atuais, ao referir o seguinte: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo.”[5] Distinguindo a lei entre duas modalidades distintas de nulidades processuais, na terminologia da doutrina as principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas) e as secundárias (ou, de 2.º grau, atípicas ou inominadas), as primeiras configuram-se como as mais graves pelas suas consequências, estando especificamente previstas na lei e podendo o Tribunal delas conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[6], enquanto as segundas, por sua vez, serão todas aquelas que caiam na fórmula genérica do n.º 1 d o artigo 195.º do mesmo Código: “Fora dos casos previstos nos artigos, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”[7]. Importa ainda ter presente que, neste último caso, tratando-se pois de nulidade secundária, o seu conhecimento depende de arguição, posto que o tribunal só pode conhecer oficiosamente das nulidades principais[8], regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º), o prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º) e as consequências/modo do seu suprimento (artigo 195.º, n.ºs 2 e 3, e 200.º, n.º 3). No caso dos autos, face à posição da Apelante, se bem a percebemos, o vício invocado é pela mesma vislumbrado também numa imputada falta de cumprimento pelo tribunal de 1.ª instância do princípio do contraditório, princípio esse que, como é consabido, podemos ter como emanado do n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa – direito constitucional a um processo equitativo – e que encontra atualmente consagração expressa no CPC, assim no seu artigo 3.º, n.º 3, em que se estabelece que o “juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Estamos aqui perante princípio que, estando ainda diretamente associado aos deveres de gestão processual e de cooperação para com as partes, também cometidos ao juiz – respetivamente, pelo artigo 6.º e 7.º do CPC –, tem normalmente como campo de aplicação os casos em que o tribunal tenha de debruçar-se sobre questões (de facto ou direito) de conhecimento oficioso que as partes não tenham considerado/invocado, impondo-se ao juiz, mesmo nesses casos, que antes de decidir dê a possibilidade às partes de se pronunciarem, independentemente da fase em que se encontre o processo[9]’[10]. São de resto bem evidentes as vantagens que desse regime podem resultar, seja para o julgador, por lhe permitir após a audição das partes que a sua posição seja afirmada com maior convicção e segurança, seja para as partes, ao dar a estas a possibilidade de esgrimirem os seus argumentos de modo a poderem influenciar aquela decisão[11]. Pois bem, por decorrência do regime que antes sinteticamente se expôs, tentando perceber-se o que se invoca no caso, estaríamos então, a ocorrer o vício que é avançado pela Recorrente, como o dissemos já, perante nulidade processual, ocorrida não na sentença propriamente dita e sim, diversamente, em momento prévio, nulidade essa que, a verificar-se, chamando à colação o que se referiu anteriormente, não integraria o núcleo das nulidades principais (ou, de 1.º grau, típicas ou nominadas), as quais estão especificamente previstas na lei e de que pode o Tribunal conhecer oficiosamente, conforme estabelecido no artigo 196.º do CPC[12], assumindo antes, diversamente, a natureza de nulidade secundária (ou, de 2.º grau, atípica ou inominada), caindo assim na fórmula genérica do n.º 1 do artigo 195.º do CPC – omitindo o juiz a aplicação do analisado princípio do contraditório, daí pode pois resultar nulidade, a apreciar nos termos gerais do artigo 201.[13], caindo na previsão do referido artigo 195.º, pois que a decisão surpresa, salvos os casos de manifesta desnecessidade, ao não ter dado às partes a oportunidade de se pronunciarem, pode influir no exame ou na decisão a causa –, razão pela qual, como desse resulta, sempre o seu conhecimento, pela sua afirmada natureza, dependeria de arguição, regulando a lei a legitimidade de quem pode invocá-las (artigo 197.º) e o momento/prazo em que pode fazê-lo (artigo 199.º, n.º 1: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência”). Ora, no caso, porque foi na sentença que o Tribunal a quo se pronunciou sobre a matéria de facto, a ocorrer tal nulidade, a Apelante só com a notificação daquela estaria em condições de se aperceber da sua ocorrência, razão pela qual, estando desse modo ainda a coberto da própria sentença, o meio de reação será neste caso o recurso, nos termos anteriormente afirmados. Porque assim é, estamos em condições de analisar o invocado pela Recorrente, que aponta à sentença o vício da nulidade por falta de cumprimento do princípio do contraditório, fazendo nomeadamente apelo ao disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, e 72.º, n.ºs 1 e 2, do CPT, afirmando que foi proferida uma decisão-surpresa, quanto a factos que foram considerados provados sem que tivessem sido alegados e ainda sem cumprimento do contraditório quanto aos mesmos. Cumprindo esse objetivo, adiantamos desde já ser nosso entendimento que não lhe assiste razão, como procuraremos evidenciar de seguida. Na petição inicial o Autor alegou que “no dia 13/05/2017, por volta das 18:00h, o sinistrado ora A. quando se encontrava a proceder à manutenção de um telhado na moradia sita na Rua …, nº .. em …, ….-… …, foi vítima de um acidente de trabalho” (artigo 4.º) e que “o acidente supra citado ocorreu no momento em que este subia ou descia as escadas metálicas colocadas para o efeito na parede da moradia e que após a quebra daquelas fizeram com que o sinistrado caísse de uma altura de pelo menos 4 metros” (artigo 5.º). Mais consta do artigo 31.º da mesma petição inicial que “o sinistrado tem a categoria profissional de pedreiro e aquando da ocorrência do sinistro encontrava-se a proceder à manutenção e limpeza de um telhado, com vista à sua conservação e até reparação, que é indiscutivelmente uma função cometida àquela categoria profissional”, como depois do artigo 32.º que “o documento que agora se junta sob. o n.º 51, não deixa margem para duvidas, uma vez que nele se encontram definidas as habilitações do alvará de construtor geral, vulgo pedreiro, e onde pode ler-se precisamente que aquela atividade inclui, “a reparação, alteração e reconstrução de coberturas”, assim como a “limpeza e conservação de edifícios”. Por sua vez, na contestação que apresentou, a Ré / aqui recorrente, não impugnando o artigo 4.º, assentou no geral a sua defesa na invocação de que o sinistro ocorrido estaria fora do âmbito / objeto do seguro celebrado, pois que, por um lodo, o alegado acidente se deu na sua (do Autor) própria casa, na sua vivenda unipessoal onde reside com o seu agregado familiar, sita na Rua …, n.º .., …, ….-… …” (artigo 29.º), e, por outro, “porque a actividade declarada pelo A. aquando da contratação do seguro ora accionado foi a de pedreiro, jamais tendo dito que efectuava também trabalhos em altura ou reparações em telhados ou coberturas” (artigo 31.º), “actividades de muito maior risco e que a R. não incluiu nas actividades cobertas pela apólice contratada” (artigo 32.º), jamais tendo sido “comunicado à contestante que o A. poderia desenvolver tais actividades que excedem a normal actividade de um pedreiro” (artigo 33.º). Ora, sendo verdade que em lugar algum da petição inicial o Autor alegou expressamente que se encontrasse “a proceder à análise do telhado” “com vista a apurar se necessitava de o lavar com máquina de pressão, ou mudar algumas telhas que estivessem partidas”, como se fez constar na alínea H dos factos provados, a verdade é que a alegação que fez no artigo 4.º, assim que “se encontrava a proceder à manutenção de um telhado na moradia”, não obstante algo genérica, não impedia, como não impediu, a Ré de se defender, como aliás o fez na contestação, pois que, afinal, a realização de uma operação de manutenção de um telhado de uma moradia, como é do conhecimento geral e comum para qualquer pessoa, tem inerente, para além da análise do telhado e em função do que resulte dessa, o verificar-se se há ou não necessidade de proceder à sua lavagem e, sendo o caso, substituir qualquer telha. Na verdade, salvo o devido respeito, com facilidade se inserem tais atos na atuação de manutenção de um telhado. Aliás, vista a contestação que apresentou, como seria de esperar, sequer se pode dizer que a Ré não tenha percebido isso mesmo, pois que, afinal, na defesa que apresentou, alude precisamente à atividade de reparação de telhados ou coberturas” (artigo 31.º), para sustentar que essa não estaria a coberto do seguro celebrado. Do exposto resulta, pois, que não pode dizer-se que o que se fez constar da alínea H dos facos provados, sem prejuízo agora da questão de saber se a prova o sustenta – essa que porém apreciaremos mais tarde, assim aquando da reapreciação do recurso em sede de matéria de facto –, diversamente do que invoca a Recorrente, se traduza na introdução de um qualquer facto ex novo, traduzindo-se antes, como se viu anteriormente, na mera concretização da própria alegação das partes nos seus articulados, sujeita à discussão e julgamento da causa, como o foi – veja-se aliás que, agora também em face das conclusões do recurso que apresentou, quanto ao conhecimento que tinha do teor da participação, refere (conclusão 14.ª) que “a participação do alegado acidente de trabalho à ora Apelante, datada de 15/05/2017, documento este que, por ter sido lavrado pelo próprio, faz prova plena contra o mesmo – cfr. Art.. 376º CCiv. e de que resulta que o A. apenas efectuara uma limpeza ou lavagem do telhado.” Estamos pois, salvo o devido respeito, perante questão levantada no processo, sujeita assim ao contraditório das partes, razão pela qual sempre teria o tribunal, enquadrada como está a sua atuação no cumprimento efetivo do seu dever de conhecimento, de sobre a mesma se pronunciar. De resto, esclareça-se ainda, sendo o facto essencial / fundamental[14] invocado a ocorrência do acidente quando o Autor procederia à operação de manutenção de um telhado, desde que essa concretização decorresse da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, sempre poderia o tribunal a essa atender, tendo tido as partes a oportunidade de se pronunciarem. Do que se disse anteriormente decorre, também, que não estaríamos perante um qualquer caso em que, por falta de cumprimento de contraditório que se impusesse, se pudesse chamar à aplicação a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento), vício esse que, como se sabe, tem a ver diretamente com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos no artigo 608º, nº2 do CPC[15], tratando-se pois, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de outubro de 2012[16], “de anomia atinente aos deveres e limitações do decisor em matéria de cognição da causa, ou seja, relativa ao poderes/deveres de cognição do julgador”.[17] Nos termos expostos, sem prejuízo da apreciação a fazer infra sobre a matéria de facto, não colhe assim fundamento, nos termos expostos, improcedendo pois, a questão levantada pela Recorrente referente à existência de qualquer das nulidades que invoca. 2. Matéria de facto 2.1 Decisão sobre reclamação / base instrutória Nas suas conclusões 40.ª a 43.ª sustenta a Recorrente que, tendo apresentado reclamação contra a base instrutória, por na mesma não se indagar, além do mais, da matéria alegada no artigo 49.º da sua contestação – a saber: “Ninguém contratou o A. para lavar ou reparar o telhado da sua própria casa” –, não obstante tal reclamação ter sido parcialmente deferida, aditando-se o ponto 59.º à base instrutória, no entanto, diz, na redação dada não se se indaga o que a Apelante alegou mas algo totalmente distinto, a saber: O Autor, no dia 13/05/2017, cerca das 18,00, procedeu à lavagem ou reparação do telhado da casa sita na Rua …, nº .., em …, …, por sua própria vontade e decisão?” Sustenta, por fim, que o quesito formulado, ao não indagar o que a Apelante alegou, corresponde, no fundo, a um indeferimento da sua reclamação, pelo que viola, além do mais, os artigos 3.º, 5.º, do CPC, sendo este o momento para recorrer de tal decisão (artigo 596.º nº 1 e 3 CPC), pelo que deve por isso “ser anulada a decisão que, ao fim e ao cabo, indeferiu a reclamação apresentada e substituída por outra que defira nos seus exactos termos tal reclamação, aditando o alegado a novo ponto da BI, por ter interesse para decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de Direito, o que determina a repetição do julgamento para conhecer de tal matéria”. Ora, cumprindo-nos decidir, desde já avançamos que carece em absoluto de fundamento a pretensão da Recorrente. Na verdade, em face do quesito formulado pelo Tribunal a quo que é mencionado pela Recorrente, em que se fez constar que o Autor atuou “por sua própria vontade e decisão”, a inclusão do que agora se pretende em sede de recurso, para além de se assumir como expressão que pode ser tida como genérica e com a agravante de o ser com formulação negativa, traduz-se afinal na pretensão de que seja incluído algo que, estrando em oposição ao que se fez constar no quesito e que, diga-se, mereceu resposta provada na alínea BS da factualidade provada – “O Autor levava a cabo a actividade referida em H. por sua própria vontade de decisão” –, impunha que, pelo menos, a Recorrente tivesse dirigido o recuso sobre a matéria de facto também a essa alínea, o que manifestamente não é o caso. Sendo assim, estando provado que “o Autor levava a cabo a actividade referida em H. por sua própria vontade de decisão”, torna-se absolutamente carecido de sentido que se pretenda agora aditar, para que seja objeto de julgamento, algo que, a provar-se, colidiria diretamente com esse facto considerado provado – para além, como se disse, de estar em causa expressão genérica. Nos termos expostos, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quanto a esta questão. 2.2 Impugnação da matéria de facto 2.2.1 Da verificação sobre cumprimento de ónus legais. ……………………………… ……………………………… ……………………………… Em face do exposto, não nos merecendo ainda reserva a redação que foi dada à alínea H), que por essa razão se mantém, improcede totalmente o recurso na parte dirigida à reapreciação da matéria de facto. 4. O Direito Das conclusões apresentadas pela Apelante pode retirar-se que a mesma, baseando-se também na alteração que sustentou e defendeu em sede de matéria de facto, avança no essencial, para defender a errada aplicação do direito na sentença, com o seguinte: - O ato que o Autor pretendia realizar, assim de “dar uma mangueirada ou lavar ainda que muito minuciosamente um telhado com uma mangueira” é algo que não se insere manifestamente no exercício das funções de um pedreiro (sendo antes “algo que a maior parte dos proprietários de moradias já fez várias vezes por si só, ou através dos seus jardineiros, ou contratando um biscateiro ou faz-tudo, mas seguramente que nunca contratando um pedreiro – pelo menos em atenção a tal qualidade de pedreiro, ou seja, pelo menos NÃO em execução da sua arte ou profissão”), do que decorre, diz, a sua absolvição na ação, “por não se encontrar preenchido o requisito da profissionalidade – a actividade em que se dá o acidente - limpeza da sujidade do telhado de casa, de ninhos de pombas, com uma mangueira – não se inclui no âmbito da profissionalidade, daquilo que são as tarefas normais ou mesmo acessórias de alguém com a profissão de pedreiro”; - Ainda que não só não se alterasse a decisão da matéria de facto, ainda assim deveria ela Ré ser absolvida, tendo havido erro na aplicação do Direito, pois que, diz, com a profissionalidade não se pode entender que se exige apenas que a atividade exercida seja uma que habitualmente ou até mesmo mais esporadicamente caiba no exercício da categoria profissional do sinistrado, sendo ainda necessário, para que se respeite a dita profissionalidade, que se esteja no âmbito do exercício da atividade profissional, o que manifestamente não sucede quando um pedreiro está a trabalhar por conta própria, por não corresponder a ato que esteja a coberto do seguro de acidentes de trabalho de trabalhador independente, celebrado para dar cumprimento ao estipulado nos artigos 1.º e 2.º do DL 159/99 – “o interessado no resultado da atividade não pode ser o tomador do seguro mas tem que ser um terceiro, um cliente seu, que contrata os seus serviços – e isto mesmo que não venha a pagar nada, beneficiando de uma “borla” –, pois que o que o legislador pretendeu com tal diploma foi tão só garantir aos trabalhadores independentes um grau de proteção igual ou equivalente ao que é garantido aos trabalhadores dependentes e nunca um grau superior (“E é por ser assim que, nos termos do nº 2 do Art. 1º desde DL 159/99, se consagra a dispensa de os trabalhadores independentes efectuarem o seguro a que se refere tal diploma se a sua produção se destinar exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio ou pelo seu agregado familiar”). - Resultando “dos Arts. 1º ss do Dl 159/99 que com o mesmo se quer garantir aos trabalhadores independentes uma protecção análoga à dos trabalhadores independentes”, “em lado algum se pretende operar qualquer alteração ao conceito de acidente de trabalho pela qual se prescinda da ideia de retribuição nem, muito menos, da ideia de prestação de serviço, de trabalho a outrem que não o sinistrado”, sendo que, pelo contrário, “do artigo 4º do DL 159/99 retira-se expressamente que se exige, para que um trabalhador independente sofra um acidente de trabalho, que esteja no âmbito da prestação de serviço” – sendo essencial ao contrato de prestação de serviço tratar-se de um contrato bilateral, ou seja, tem necessariamente que haver duas partes, sendo ainda essencial que, por força do mesmo, uma das partes preste À OUTRA o resultado do seu trabalho –, levando solução distinta, como a da decisão em crise, “até a um absoluto desequilíbrio das prestações vedado por lei – cfr. Art. 237º CCiv”. - “Assim sendo, ao contrário do decidido não estamos perante um acidente de trabalho – o evento dos autos deu-se, mesmo na versão do Apelado, no âmbito da sua vida e actividades pessoais, domésticas, e não do exercício da sua actividade profissional, como trabalhador independente – não se encontrava a prestar um serviço da sua arte a um cliente que o contratasse para o efeito, mesmo que sem (embora normalmente com) retribuição”; No essencial, o que transpôs a Apelante para o pedido final, na eventualidade de não ser alterada a matéria de facto, como é o caso em face do que decidimos anteriormente, está em causa saber se, como o defende, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que, “declarando que o evento dos autos, ocorrido no âmbito da vida pessoal, doméstica, do Apelado, não tem a necessária profissionalidade, conexão à sua actividade profissional declarada no contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes, pelo que, não sendo qualificável como acidente de trabalho, não pode fazer acionar o seguro por força do qual é a Apelante demandada, absolvendo por isso a Apelante dos pedidos”. Defendendo o Apelado o acerto do julgado, no que é acompanhado pelo Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, cumprindo-nos decidir, constata-se que se fez constar da sentença recorrida nomeadamente o seguinte[18]: “(…) No caso dos autos, o Autor exercia uma actividade profissional sem subordinação jurídica ou integração na respectiva estrutura organizativa de terceiro. Não era trabalhador dependente ou por conta de outrem, mas independente, exercendo a sua actividade por conta própria, matéria não colocada em crise pela Ré. (…)” Tendo o legislador procurado garantir um nível de protecção infortunística idêntico ao dos trabalhadores que prestam a sua actividade dentro dos parâmetros de um contrato de trabalho, designadamente quanto às regras de saúde e segurança no trabalho10, aos trabalhadores por conta própria aplica-se o regime da Lei nº 98/2009, devidamente adaptado (art. 3º da Lei nº 98/2009, al. c) do nº 1 do art. 4º da Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro e art. 2º do Decreto-lei nº 159/99 de 11 de Maio). Para tal têm, contudo, de celebrar o contrato de seguro de acidentes de trabalho, condição que o legislador fez depender a atribuição dos benefícios previstos no referido diploma.11 De acordo com os n.os 1 e 2 do art. 1º do Decreto-lei nº 159/99 de 11 de Maio (a que se refere o art. 184º da Lei nº 98/2009), “os trabalhadores independentes são obrigados a efectuar um seguro de acidentes de trabalho que garanta, com as devidas adaptações, as prestações definidas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares. 2 - São dispensados de efectuar este seguro os trabalhadores independentes cuja produção se destine exclusivamente ao consumo ou utilização por si próprio e pelo seu agregado familiar”. Quanto aos trabalhadores que laboram para terceiros, embora sem subordinação jurídica, a regra é a da obrigatoriedade de celebração do contrato de seguro.12 De notar que, sendo a situação típica, normal, a prestação dessa actividade mediante o recebimento de uma contrapartida monetária, tal não impede que possam esporadicamente realizar a actividade para terceiro de modo gracioso, ou fazer um trabalho para si mesmos e/ou para os seus agregados familiares, sem que deixe de cair na hipótese legal do nº 1.13 Já no tocante aos trabalhadores cuja produção de destina a consumo ou utilização próprios ou do seu agregado familiar inexiste obrigatoriedade de celebração do contrato de seguro de acidentes de trabalho. Celebrando-o, beneficiam das prestações previstas na Lei º 98/2009; não o celebrando, o risco corre por conta dos mesmos. O contrato seguro de acidentes de trabalho pode, pois, ser celebrado mesmo que o trabalhador não seja remunerado pela sua actividade (o que, de igual jeito, nem sequer é exigido relativamente aos trabalhadores subordinados – vide al. b) do nº 1 do art. 9º da Lei nº 98/2009), ou ainda que labore para si próprio (sem auferir directamente rendimento, sendo certo que a actividade sempre implicará um ganho económico, traduzido na despesa que deixará de fazer).14 Conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto15, “não se exige (…) para que ao trabalhador independente se reconheça o mencionado direito, que este estivesse a exercer no momento do sinistro, uma actividade remunerada com base num contrato (em princípio de prestação de serviços), celebrado com outrem. Se fosse de outro modo, nunca tais trabalhadores independentes citados no nº 2 do art. 1º do Decreto-lei nº 159/99 poderiam ser abrangidos por este tipo de garantia. E além do mais nem a lei exige que o trabalhador independente exerça actividade para fornecer um resultado (embora na prática seja essa a regra), bastando-se com o exercício de uma «actividade por conta própria» nem mesmo nos trabalhadores juridicamente subordinados, a existência de uma contraprestação por trabalhos prestados é elemento essencial para a caracterização, como se alcança do art. 6º, nº 2, al. b), da LAT, que considera como acidente de trabalho o que ocorra na execução de serviços espontaneamente prestados de que possa resultar proveito económico para o empregador”. In casu, exercendo o Autor a sua actividade profissional por conta própria, tendo celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho. Tendo sofrido uma queda, cumpre verificar se estão reunidos os pressupostos de que depende a qualificação como acidente de trabalho. * O critério fundamental para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral – e, como tal, da aplicação do regime da Lei nº 98/2009 – relativamente ao trabalhador independente é o da actividade objecto do contrato de seguro, à qual a actividade exercida no momento do sinistro tem de se subsumir, isto é, tem de se enquadrar no âmbito da profissionalidade objecto do contrato de seguro. De facto, os contratos de seguro de acidentes de trabalho são definidos pela natureza da actividade profissional (económica) a que a pessoa se dedica. A declaração do risco pelo tomador do seguro consiste fundamentalmente na informação relativa ao objecto da actividade (que varia atendendo à natureza dessa actividade e às condições de prevenção implantadas no local de trabalho), sendo que a cobertura fica circunscrita à actividade declarada, em função da qual é estipulado o prémio e as restantes condições contratuais16. Este, contudo, não é o único requisito. De acordo com os n.os 1 e 2 do art. 8º da Lei nº 98/2009 “é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. 2 – Para efeitos do presente capítulo, entende -se por: a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador; b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho”. Temos, assim, três elementos cumulativos: um espacial (local de trabalho); outro temporal (tempo de trabalho); e um último, causal (nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença). (...) Revertendo, uma vez mais, ao caso dos autos, o Autor caiu da escada metálica que havia encostado à sua residência a fim de verificar se o telhado necessitava de ser lavado ou era necessário proceder à substituição de telhas. O telhado consiste na cobertura externa e superior de edifícios, num ou mais planos de inclinação variável conforme as exigências climatéricas locais (“águas”), composta por telhas encaixadas umas nas outras e respectiva estrutura de suporte. Ora, é do conhecimento comum que, seja por força de uma ventania ou intempérie, que levante ou parta telhas, seja pelo próprio decurso do tempo pela acumulação de detritos e fixação de líquenes, musgos ou mesmo plantas cujas raízes “alavancam” as telhas, é necessário proceder à manutenção dos telhados dos edifícios, por força a garantir a estanquicidade da casa e prolongar a respectiva vida útil. Tais tarefas envolvem os mais diversos trabalhos, que podem ir do varrer folhas e outros detritos das telhas, passando pela respectiva lavagem com máquina de alta pressão, até ao levantar as próprias telhas, colocar tela isolante, ou proceder à respectiva substituição por outras ou painéis que exerçam a mesma função. E era neste domínio de actividade que, ao que resulta da matéria factual dada como provada, se inseria a actuação do Autor. Sustenta a Ré que esta era uma actividade que não se inseria na declarada para efeitos de celebração do contrato de seguro, de pedreiro. Não acompanhamos tal entendimento. O pedreiro é o profissional que labora em construções de edifícios em alvenaria, levantando paredes, constituindo lajes, coberturas, chaminés, revestindo tectos, fazendo as respectivas infraestruturas de saneamento, utilizando para o efeito os mais diversos materiais, como pedra, tijolo, areia, cimento, mosaico, azulejo, lãs e placas de isolamento, argamassa, cal, gesso, entre outras e as mais diversas ferramentas, como a talocha, a colher de pedreiro, o frio de prumo, o martelo, a pá, a picareta, entre muitas outras. Afigura-se, assim, que a tarefa de fazer a laje ou colocar as respectivas vigas (seja em madeira, seja em viga de betão pré-esforçado, seja em aço) e assentar telhados se inclui no âmbito de actuação de um pedreiro, cuja actuação não se limita a edificar as paredes e as lajes, encontrando-se englobada na construção de um edifício, tenha ele uma cobertura plana/terraço ou um telhado. E se os constrói, não se vislumbra como se poderá defender não poder proceder à respectiva manutenção, nos moldes já sumariamente descritos, pois que não se trata de actividades distintas. Conforme decidiu, de resto, o Tribunal da Relação de Guimarães19, “o autor exerce a actividade de pedreiro, como trabalhador independente, que tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré, tendo sofrido o acidente no exercício dessa actividade quando reparava o seu próprio telhado. Estes factos permitem-nos concluir (…) que o evento danoso ocorreu em actividade relacionada com a profissão que foi declarada para efeitos de seguro (pedreiro), pois como é do conhecimento geral que pedreiro é aquele que trabalha em construções com pedra, tijolo, cimento, betão ou outros materiais, não restando dúvidas que o sinistrado na altura do sinistro executava tarefa enquadrável no amplo leque das tarefas que são executadas no exercício da actividade de pedreiro”. Importa levar ainda em consideração que a actividade de pedreiro engloba necessariamente possibilidade da sua realização em altura, pois que não são apenas construídos edifícios de um só piso (aliás, mesmo se térreo, o telhado encontra-se sempre num plano mais elevado), sendo, aliás, a regra o inverso: a construção em altura como forma de potenciar o aproveitamento do elevado custo do metro quadrado de área. De referir ainda que acaba por irrelevar o facto de o Autor estar em plena realização da intervenção ou a prepará-la sem ter ainda actuado sobre o telhado, pois que os trabalhos preparatórios (o preparar das ferramentas, subir ao telhado para analisar se havia telhas partidas ou se a respectiva lavagem era suficiente, etc) em si mesmos são já considerados trabalhos.20 Concluindo, o sinistro deu-se no âmbito da profissionalidade do Autor, de pedreiro. Por sua vez, e conforme analisado, nada obsta que o trabalhador independente exerça a actividade da sua profissão na sua própria residência, inexistindo fundamento para obrigar a ter de recorrer a terceiro colega de profissão para realizar uma intervenção na sua habitação sob pena de não beneficiar da protecção infortunística. De igual jeito, atento o facto de ser trabalhador por conta própria, que em regra não está sujeito a um horário de trabalho, o facto o sinistro não ter ocorrido a um dia útil (era Sábado), não é impeditivo se considerar que o sinistro se deu dentro do período normal de laboração. Lançando mão, uma vez mais, do decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães21, tendo o sinistro ocorrido “pelas 16h00, ainda que num sábado, tratando-se de trabalhador independente, que em regra não está sujeito a um horário de trabalho, as regras da experiência impõe que se considere que estaria dentro do período normal de laboração”. Por último, sinistro resultaram lesões que, por sua vez, foram incapacitantes para o trabalho, seja em termos temporários, seja permanentes, pelo que se encontra afirmado o essencial nexo de causalidade. Estamos, pois, em face de um acidente de trabalho, cumprindo, em face da contestação apresentada, aferir se a Ré Companhia Seguradora responde pelo mesmo. (...) Vista tal fundamentação, avançando desde já a nossa decisão, consideramos que falecem, salvo o devido respeito, os argumentos apresentados pela Apelante, não se vendo razões para não se concordar com entendimento sufragado pelo Tribunal a quo. Na verdade, e em primeiro lugar, quanto ao argumento baseado na alteração da matéria de facto por que pugnou mas não conseguiu alcançar, porque assim foi, aquele cai necessariamente pela base. Diga-se ainda que, mesmo que assim não fosse, entrando pois na apreciação daquele que a Recorrente erige como primeiro argumento, assim o de que o Autor não estaria a desenvolver uma atividade incluída no âmbito daquelas que são desenvolvidas pelos pedreiros, com relativa clareza se retiraria da sentença a demonstração do contrário, em face dos argumentos aí explanados e que acompanhamos, por o ser de um modo que, salvo o devido respeito, não carece de maior ou mais aprofundada fundamentação. Apenas acrescentaremos, para melhor se esclarecer a solução, que, não obstante é certo tal sequer resultar provado como se disse, ainda que o tivesse sido não teria a nosso ver sentido o argumento baseado na invocação de que o ato de “dar uma mangueirada ou lavar ainda que muito minuciosamente um telhado com uma mangueira” é algo que não se insere manifestamente no exercício das funções de um pedreiro (sendo antes “algo que a maior parte dos proprietários de moradias já fez várias vezes por si só, ou através dos seus jardineiros, ou contratando um biscateiro ou faz-tudo, mas seguramente que nunca contratando um pedreiro – pelo menos em atenção a tal qualidade de pedreiro, ou seja, pelo menos NÃO em execução da sua arte ou profissão”), do que decorre, diz, a sua absolvição na ação, “por não se encontrar preenchido o requisito da profissionalidade – a actividade em que se dá o acidente - limpeza da sujidade do telhado de casa, de ninhos de pombas, com uma mangueira – não se inclui no âmbito da profissionalidade, daquilo que são as tarefas normais ou mesmo acessórias de alguém com a profissão de pedreiro”. Na verdade, mesmo que se admita que alguns proprietários possam ter condições e aptidões para fazer tais tarefas, a questão não se pode colocar desse modo e sim, noutros termos, se é ou não tarefa que esteja inserida na atividade desenvolvida por um pedreiro, sendo que, a nosso ver de modo claro, como se diz na sentença sem dúvidas que o é – e, acrescente-se, assim o é também tendo apenas em consideração o que resultou provado. Importando pois avançar na apreciação, ficando por responder o argumento da Apelante de que o contrato de seguro objeto dos autos não cobre no seu âmbito a atividade que o Segurado desenvolva não para outros e sim para si próprio, ou seja no seu exclusivo interesse, mais uma vez a sentença dá resposta cabal, incluindo baseando-se em jurisprudência que cita, em termos que permitem evidenciar a falta de razão da Recorrente nessa parte. Assim o afirmamos por ser também do nosso entendimento que é a atividade desenvolvida que se constitui como critério fundamental (muito embora não o único) para aferir da abrangência do seguro infortunístico laboral que atinge um trabalhador independente, ou seja, se a mesma se integrar no âmbito da sua profissionalidade e pela qual ele estava seguro, como se sustenta na decisão recorrida, não releva então o facto de estar a trabalhar para si ou para outrem, estando ou não a ser remunerado, razão pela qual, nessas circunstâncias, está a coberto do seguro celebrado, salvo caso de invalidade desse, o sinistro de que eventualmente venha a ser vítima. Labora assim mais uma vez a Recorrente em erro, salvo o devido respeito, ao considerar que seja necessário, para os trabalhadores independentes, que esses reúnam as condições semelhantes previstas para os trabalhadores por conta de outrem, designadamente que estejam a desempenhar uma atividade remunerada, ou que pelo menos a mesma seja desempenhada em benefício de uma terceira pessoa. Noutros termos, estando pois nesse caso o acidente em princípio abrangidos pelo regime dos acidentes de trabalho e assim pela apólice de seguro que é objeto dos autos, consideramos, como o dissemos já, que o requisito fundamental, assim para aferir a abrangência quanto a um trabalhador independente, será antes o do próprio exercício da atividade que é objeto do contrato de seguro – não obstante é certo não ser o único, por se impor ainda, como bem se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 7 de Fevereiro de 2019[19], “alguma reflexão sobre os demais requisitos a verificar para que se possa concluir que o acidente a que os autos se reportam é de trabalho”. Como resulta do mencionado Acórdão, que acompanhamos de muito perto, diremos também que, em face do que resulta do artigo 8.º da NLAT – em que se consagra o conceito de acidente de trabalho –, “ainda que com as devidas adaptações, os conceitos de «local e tempo de trabalho» são coincidentes na NLAT e na Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores Independentes”[20]. Retomando o caso, não poderemos deixar também de concluir, como na sentença recorrida, que resulta da factualidade provada que o Autor, desempenhando a atividade profissional de pedreiro por conta própria e tendo celebrado com a Recorrente / ré um contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, foi vítima de evento que não pode deixar de ser tido como acidente de trabalho, pois que ocorrido no local de trabalho e no exercício daquela atividade – factualidade provada constante das alíneas H) a J) da factualidade provada: “H. O Autor, no dia 13.05.2017, a hora em concreto não apurada entre as 17h00 e as 18h00, encontrava-se a proceder à analise do telhado da moradia sita na Rua …, nº .., em …, …, com vista a apurar se necessitava de o lavar com máquina de pressão, ou mudar algumas telhas que estivessem partidas; I. Quando no exercício dessa actividade, o Autor ficou com as pernas trilhadas na escada metálica colocada para o efeito contra a parede da moradia; J. E caiu de uma altura não superior a 4m;” De facto, tal factualidade permite-nos afirmar, como no Acórdão que seguimos de perto, não só que o evento danoso ocorreu em atividade relacionada com a profissão que foi declarada para efeitos de seguro (pedreiro) – na medida em que a tarefa que realizava se enquadra dentro do amplo leque das tarefas que são executadas no exercício da atividade de pedreiro –, como ainda que ocorreu no local de trabalho (este pode ser na sua residência habitual ou ocasional) e no tempo de trabalho, pois que, tendo ocorrido entre as 17.00 e as 18.00 horas, “ainda que num sábado, tratando-se de trabalhador independente, que em regra não está sujeito a um horário de trabalho, as regras da experiência impõe que se considere que estaria dentro do período normal de laboração”. Citando de novo o mesmo Acórdão, “acresce dizer que a lei do seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores independentes prevê a possibilidade do trabalhador exercer a actividade objecto do contrato de seguro para si próprio ou para o seu agregado familiar, pelo que está abrangido pelo contrato de seguro para trabalhadores independentes nos termos já acima melhor explicitados”. Carecendo, pelo exposto, as conclusões do Recorrente de sustentação legal e factual, improcede o recurso na sua totalidade na vertente da aplicação do direito. A responsabilidade por custas impende sobre a Recorrente (artigo 527.º do CPC) * Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC), da responsabilidade exclusiva do relator:……………………………… ……………………………… ……………………………… *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os Juízes da Secção Social da Relação do Porto em declarar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Porto, 21 de outubro de 2020 (assinado digitalmente) Nelson FernandesTeresa Sá Lopes António Luís Carvalhão ______________ [1] Em que se dispõe: “É nula a sentença quando: a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.” [2] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93 [3] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 387 [4] In Comentário ao Código de Processo Civil, II, pág. 507 [5] No mesmo sentido, com idêntica relevância, Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 183) quando escreveu: “Mas se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho) que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se”. Ainda: - Antunes Varela (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 393), referindo que “Se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”; - Anselmo de Castro (in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, 1982, pág. 134): “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora, o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677.º, n.º 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (art.º 666.º)”. Porém, depois de algumas reticências relativamente à aplicação do disposto no art.º 666.º a todas as decisões, acrescentou que aquela construção “não tem sequer sentido quanto àquelas nulidades de que o juiz não pode conhecer oficiosamente (todas as nulidades secundárias e as principais a partir do saneador”. Veja-se, o Ac. desta Relação e Secção de 10 de Outubro de 2016, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt. [6] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [7] Nas palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in Manual de Processo Civil, 1985, pág. 391), “Serão relevantes, segundo o critério estabelecido, quando a lei especialmente o declare ou quando possam influir no exame ou na decisão da causa” [8] art.ºs 196.º e 197.º n.º1, do CPC [9] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, 3ª ed., Coimbra Ed., 2014, pág. 9. [10] Porém, como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, I, 2013, Almedina, 2012, pág. 50, não se trata aqui de uma atividade como que “assistencial à parte carenciada”, destinando-se antes, apenas, citando, “a sinalizar caminhos para a descoberta a verdade, de acordo com a estratégia heurística servida pelo processo, mantendo-se desimpedidas as vias processuais, bem como a manter a parte informada sobre os desenvolvimentos processuais que posam influenciar a sua estratégia processual, no sentido de pôr fim ao processo o mais adequada e rapidamente possível”. [11] Fernando Pereira Rodrigues, “O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes”, 2013, Almedina, pág. 49 [12] Que igualmente procede à remissão para as respectivas disposições legais: a ineptidão da petição inicial (art.º 186.º e 187º); a falta de citação, seja do réu seja do Ministério Público, quando deva intervir como parte principal (art.º 188.º); a preterição de formalidades essenciais à citação (art.º 191.º); o erro na forma de processo (art.º 193.º); e, a falta de vista ou exame do Ministério Público, quando a lei exija a sua intervenção como parte acessória (art.º 194º) [13] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. Cit., pág. 10. [14] Sendo os factos essenciais aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção, os factos complementares são os que serão indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas que não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte, sendo que, integrando ambos a categoria de factos principais, enquanto necessários à procedência aquela ação ou exceção, por contraposição, os factos instrumentais, probatórios ou acessórios são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos – Veja-se Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pág. 77. [15] “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” Também na instância recursiva, nesse caso por referência às conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objeto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal. [16] Relator Conselheiro Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt. [17] Socorrendo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2014 (Relator Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt.), por merecer a nossa plena concordância, diremos também (citando) que “constitui princípio geral do direito processual que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil (actualmente, artigo 608.º, mantendo-se inalterada a redacção do n.º 2 antigo) (...), sendo que, “omitindo o tribunal este dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula – artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil [actualmente, artigo 615.º, mantendo a alínea d) a redacção da antiga alínea)] (...)”. [18] Com exclusão de notas de rodapé. [19] Relatora Desembargadora Vera Maria Sottomayor, in www.dgsi.pt. [20] Como se afirma também no sumário do recente acórdão do STJ de 19-12-2018, proferido no proc. n.º 79/16.3T8CTB.C1.S1 (relator Conselheiro Chambel Mourisco) |