Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
504/11.0TTVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO JOSÉ RAMOS
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ERRO NA DECLARAÇÃO
Nº do Documento: RP20140120504/11.0TTVRL.P1
Data do Acordão: 01/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: l - Estamos perante um erro na declaração, também chamado erro obstáculo ou obstativo, quando alguém, por lapso, manifesta uma vontade que não corresponde à sua vontade real. Tal erro pode ser conhecido, ostensivo (cognoscível) ou não conhecido e não ostensivo.
II - No erro conhecido, o declaratário conhece o erro e a vontade real do declarante, pelo que a questão inerente à divergência resolve-se não em sede de erro, mas através da aplicação dos critérios de interpretação do negócio jurídico.
III - O erro conhecido é, assim, irrelevante e o negócio válido, tal como o declarante efetivamente o queria.
IV - Tem-se por válida a declaração da entidade empregadora que comunica à trabalhadora a vontade de fazer caducar o contrato de trabalho a termo certo, indicando, contudo, uma data posterior à do termo do contrato quando a trabalhadora, professora, sabia que o contrato terminava um mês antes da data indicada e tinha a obrigação de constatar que haveria um manifesto erro nessa indicação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
RECURSO Nº 504/11.0TTVRL.P1
RG 340

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. EDUARDO PETERSEN SILVA
2º ADJUNTO: DES. PAULA MARIA ROBERTO

PARTES:
RECORRENTE: B…
RECORRIDA: C…, LDA.
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Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
1. B…, professora, residente na Rua …, nº .., …, Chaves, intentou, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra C…, LDA., com sede no …, …, Bloco ., …, Chaves, pedindo que a acção seja julgada procedente por provada e, em consequência:
“a) Ser declarada a ilicitude do despedimento da Autora, com todas as legais consequências;
b)ser a Ré condenada ao pagamento de €22.252,58 (vinte e dois mil, duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta e oito cêntimos), calculados da seguinte forma:
€11.857,70 (onze mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e setenta cêntimos), a título de remunerações devidas até ao término do contrato (até 30 de Junho de 2012); €5.058,90 (cinco mil e cinquenta e oito euros e noventa cêntimos), a título de compensação pela caducidade do contrato; €3.557,31 (três mil, quinhentos e cinquenta e sete euros e trinta e um cêntimos), pelas férias, respectivo subsídio e subsídio de Natal que a Autora receberia pelo trabalho prestado em 2011; €1.778,67 (mil, setecentos e setenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos) pelos proporcionais dos meses que o contrato duraria em 2012;
c)sem prescindir, mas a título subsidiário e nos termos acima peticionados, ser a Ré condenada ao pagamento dos montantes de € 5.897,43 (cinco mil, oitocentos e noventa e sete euros e quarenta e três cêntimos) a título de compensação pela caducidade e proporcionais do contrato a termo e de € 9.454,74 (nove mil, quatrocentos e cinquenta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos),acrescidos das remunerações vincendas, como consequência do despedimento ilícito;
d)por último e apenas caso não se entenda pela ilicitude do despedimento, ser a Ré condenada ao pagamento de€5.897,43 (cinco mil, oitocentos e noventa e sete euros e quarenta e três cêntimos), a título de compensação pela caducidade do contrato e de pagamento dos proporcionais pelos meses trabalhados em 2011;
e)ser finalmente a Ré condenada nas custas e condigna procuradoria”
Para o efeito, alegou, em suma, que foi admitida em 01/10/2009, com a categoria profissional de professora, para exercer a sua actividade profissional, por conta, sob a autoridade e direcção da R., no D…, em Mirandela, estabelecimento de ensino explorado pela aqui demandada. A A. exerceu estas funções de forma contínua e ininterrupta até 31/08/2011, data em que a R. lhe comunicou a cessação do seu contrato de trabalho a termo por caducidade.
Sucede que o contrato de trabalho a termo celebrado entre as partes tinha a duração de 11 meses e foi renovado no dia 31/08/2010 por igual período, cessado em 31/07/2011,contudo a A. continuou a trabalhar após esta data o que determinou a sua renovação até 30/06/2012, pelo que a declaração de caducidade que lhe foi endereçada constitui um despedimento ilícito.
Mais alega que a R. não liquidou o montante correspondente à compensação devida pela caducidade do contrato, nem os valores relativos a férias, subsídio de férias e de Natal quer relativos ao trabalho prestado em 2011, quer os que seriam devidos pelo trabalho a prestar até Junho de 2012.
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2.Realizada a Audiência de Partes não foi possível alcançar qualquer acordo.
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3. A Ré contestou, alegando que celebrou contrato de trabalho a termo com a aqui A., em 01/10/2009 e termo em 31/08/2010, com a duração de 11 meses e que o mesmo se renovou em 01/09/2010,por igual período, ou seja, com termo em 31/07/2011, tendo a R. remetido carta à A. comunicando-lhe a não intenção de renovar este contrato em 24/06/2011, referindo por manifesto erro que tal contrato cessaria em 31/08/2011, tal como os demais contratos que a R. celebra com os demais docentes, invocando por este motivo um vício na sua vontade, traduzido no erro constante da comunicação de cessação do contrato o qual determina a sua invalidade quanto à consequência da renovação do contrato pretendida pela A.
Invoca ainda a R. que a A. age na presente lide em claro abuso de direito já que vem exigir o pagamento das remunerações devidas até Junho de 2012, dado que tomou conhecimento com a devida antecedência de que o seu contrato de trabalho cessaria no final do período de vigência em 31/08/2011, tendo ainda auferido o salário correspondente ao mês de Agosto de 2011. Reconhece, assim, a R. que lhe são devidos apenas os valores correspondentes aos montantes relativos a férias, subsídio de férias e de Natal pelo trabalho prestado em 2011 e a compensação pela caducidade do contrato, que correspondem ao valor peticionado de € 5.897,43, montante que a R. já ofereceu em diversas ocasiões à A. e que esta rejeitou.
Conclui no sentido da improcedência dos pedidos formulados, para além, do que aceitou expressamente e a sua consequente absolvição em conformidade.
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4. Em articulado de resposta à contestação a Autora veio pugnar pela improcedência das excepções invocadas pela R. e reiterar os pedidos formulados na petição inicial, concluindo em igual sentido.
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5.Proferiu-se despacho saneador tabelar, tendo-se procedido à selecção da matéria de facto assente e controvertida.
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6. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.
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7. O Tribunal a quo deu resposta à matéria de facto controvertida, não tendo sido apresentada qualquer reclamação
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8. Foi proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte conteúdo:
“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a R. a pagar à A. a quantia de € 5.897,43 (cinco oitocentos noventa e sete euros e quarenta e três cêntimos), a título de férias, subsídio de férias e de Natal proporcional ao trabalho prestado até 31/08/2011 e de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo que vigorou entre as partes, absolvendo-se a R. do demais peticionado.
Custas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento – cfr. art. 446º do C.P.C.
Registe e notifique.”
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9.Inconformada com esta decisão dela recorre a Autora pugnando pela revogação da sentença na parte julgada improcedente, tendo formulado as seguintes conclusões:
1 – A recorrente é professora, tendo celebrado um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo com a R. em 1/10/2009 pelo período de 11 meses.
2 – Chegado ao termo inicialmente aposto no contrato (31/08/2010) o contrato renovou-se por igual período, até 31/07/2011.
3 – A R. operou a cessação deste contrato no dia 31/08/2011, um mês após a renovação automática do mesmo por mais onze meses.
4 – Consequentemente, a cessação ocorrida em 31/08/2011 consistiu num despedimento ilícito, pois se considerarmos o contrato como renovado a 31/07/2011 não se verificou qualquer termo em 31/08/2011 e se considerarmos que o contrato a termo cessou em 31/07/2011, então o trabalho prestado em Agosto de 2011 foi ao abrigo de um novo contrato e a cessação continua a consistir num despedimento ilícito porquanto o mesmo não foi precedido por qualquer procedimento.
5 – Entendeu o tribunal recorrido que o términus do contrato ocorreu em 31/07/2011 e que o mesmo não se renovou; entendeu igualmente que o trabalho prestado em Agosto de 011 não configurou um novo contrato de trabalho; não obstante, entendeu que o cálculo dos proporcionais do trabalho presado em 2011 e a compensação pela caducidade devem ser calculadas com referência ao mês de Agosto de 2011, ou seja, no entender da decisão recorrida os proporcionais e a compensação pela caducidade foram calculados com referência ao mês seguinte ao do termo do contrato.
6 – Este entendimento não é juridicamente fundamentado ou sustentável, além de contraditório na medida em que considera duas datas de termo do contrato consoante a magnitude dos efeitos jurídicos em causa.
7 – Em conformidade, a decisão recorrida deve ser anulada na parte que improcedeu, decidindo-se conforme à ao Código do Trabalho e assacando a legal consequência ao facto provado do trabalho prestado para além do termo certo aposto no contrato.
8 – Concluímos, por isso, que não assiste razão à douta sentença recorrida, a qual deve ser anulada.
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10.Não foram apresentadas contra-alegações.
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11. A Exª.Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer no sentido da procedência da apelação, uma vez que a comunicação de caducidade do contrato não chegou ao poder da trabalhadora com a antecedência de 15 dias, tendo-se o contrato renovado pela 2ª vez e por igual período de duração, por falta de estipulação em contrário, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 149º do CT..
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12.Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a questão a decidir consiste em saber se a Autora/recorrente foi ou não despedida ilicitamente.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. DE FACTO
1.2. A SENTENÇA RECORRIDA CONSIDEROU PROVADOS OS SEGUINTES FACTOS, OS QUAIS NÃO FORAM OBJECTO DE QUALQUER IMPUGNAÇÃO:
1. A R. é uma sociedade comercial que se dedica à exploração de estabelecimento de ensino – D… – em Mirandela, aí desenvolvendo todas as actividades necessárias à educação de crianças.
2. No exercício da sua actividade a R. admitiu a A. ao seu serviço, em 01/10/2009,mediante contrato individual de trabalho a termo certo, para que esta, sob a orientação, direcção e fiscalização da R. exercesse as funções docentes inerentes à categoria profissional de professora – cfr. doc. de fls. 13 a 15, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.
3. Funções essas que a A. efectivamente exerceu até ao dia 31/08/2011.
4. A R. entregou carta à A. – cfr. doc. de fls. 16, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido, mediante a qual se apresenta rescisão do contrato de trabalho a termo certo que vigorava entre as partes a partir de 31/08/2011.
5. A A. é licenciada e detentora de habilitação profissional para o ensino e é sócia do Sindicato dos Professores do Norte, o qual integra a Federação Nacional de Professores.
6. O contrato de trabalho a termo certo que titula a relação laboral entre A. e R. foi inicialmente celebrado por 11 meses, com início em 01/10/2009 e término em 31/08/2010, tendo-se, nessa data, renovado por igual período.
7. A R. não pagou à A. a compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho a termo celebrado entre ambas.
8. Bem como não liquidou o valor relativo a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal a serem pagos em 2011 e ainda os proporcionais quanto ao restante período de vigência do contrato.
9. A carta acima indicada na al. D) dos factos assentes foi enviada à A. em 24/06/2011,informando a R. que não pretendia operar a 2ª renovação do contrato a termo celebrado com a A.
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2. DE DIREITO
2.1.Analisemos agora a questão que nos foi trazida pelo presente recurso: saber se a recorrente foi despedida ilicitamente.

Ambas as partes estão de acordo que a autora foi admitida ao serviço da ré em 01/10/2009, mediante um contrato a termo certo, pelo período de 11 meses. E também não discutem que este contrato se renovou em 31/08/2010, por igual período temporal, até 31/07/2011. Igualmente aceitam que a Ré entregou no dia 24 de Junho de 2011 uma carta à Autora mediante a qual se apresenta rescisão do contrato de trabalho a termo certo que vigorava entre as partes a partir de 31/08/2011. E também é pacífico que a Autora trabalhou até ao dia 31/08/2011.
Entende a recorrente que a cessação operada pela Ré em 31/08/2011 constitui um despedimento ilícito, uma vez que se considerarmos o contrato como renovado a 31/07/2011 não se verificou qualquer termo em 31/08/2011 e se considerarmos que o contrato a termo cessou em 31/07/2011, então o trabalho prestado em Agosto de 2011 foi ao abrigo de um novo contrato e a cessação continua a consistir num despedimento ilícito porquanto o mesmo não foi precedido por qualquer procedimento.

Entendimento diverso teve a sentença recorrida. Segundo a mesma ”[…] o contrato de trabalho em apreço cessou efectivamente no terminus da sua primeira renovação, tendo ambas as partes, aqui intervenientes, incorrido em erro quanto à data da cessação, mas que não afectou a convicção que ambas formaram, a partir da declaração emitida pela R. de que não pretendia renovar novamente este contrato de trabalho a termo (cfr. doc. de fls. 16).
Senão, vejamos.
A aqui A. tomou conhecimento da vontade da R. de não renovar o seu contrato de trabalho em 24/06/2011 e, eventualmente, por não se ter apercebido, como sucedeu com a demandada, que o contrato vigorava apenas até 31/07/2011 trabalhou até à data ali indicada de 31/08/2011. Ora, se estivesse convencida de que o contrato se havia renovado uma segunda vez, até Junho de 2012, porque motivo não continuou a trabalhar no dia 01/09/2011 e nos dias que se lhe seguiram? Porque razão deixou de trabalhar no dia 31/08/2011? A única resposta lógica e plausível é porque a própria A. sabia e estava convicta que o seu contrato havia cessado a partir da data indicada na declaração de vontade da sua entidade patronal.
A este propósito referem Paula Quintas e Hélder Quintas, In, Código do Trabalho, Anotado e Comentado, 2009, pág. 693 “Conforme já dissemos, a ocorrência por si só do termo não promove a cessação contratual (apesar de no próprio contrato de trabalho ser indicada, inclusive, a data da respectiva cessação, art. 141º nº 1 al. f) in fine) essa caducidade para produzir efeitos exige uma (manifesta) declaração de vontade das partes envolvidas no contrato.”. Esta declaração expressa e formalmente válida foi emitida e entregue à A. que tomou conhecimento da mesma em 24/06/2011, daí que se considere ser de integrar a presente situação na previsão legal do art. 247º do Cód. Civil que estatui “Quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorara essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”.Contudo, o art.236º nº 2 deste mesmo diploma legal prevê que “2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
No caso dos autos, como se viu, ambas as partes haviam subscrito contrato de trabalho a termo, pelo prazo de 11 meses e que vigoraria até 31/07/2011, por ter sido renovado por igual período, pelo que o erro na indicação da data correspondente ao seu terminus era do conhecimento de ambas e se concede que estando A. e R. em erro quando a declaração de vontade de não o renovar foi emitida e recebida pela trabalhadora, ambas entenderam o seu conteúdo e o aceitaram como sendo o que o contrato de trabalho em vigor cessaria no final da sua renovação então pendente, isto é, a A. conhecia o sentido da vontade real do declarante (a aqui R.) e é com base nessa vontade real que se terá, em nossa opinião, de apreciar a comunicação de cessação do contrato de trabalho, assim o exigem igualmente os princípios de boa-fé que devem imperar na interpretação das declarações negociais.
Neste sentido, refere-se ainda, a título meramente exemplificativo e por paradigmático do sentido dominante da jurisprudência do Ac. do STJ de 16/04/2013, In, proc. nº2449/08.1TBFAF.G1.S1 “Na interpretação dum contrato a efectuar de acordo com as normas previstas nos arts. 236º a 238º do CC, deve buscar-se não apenas o sentido das declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, mas procurar-se o sentido juridicamente relevante daquele contexto, atendendo em especial à leitura do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que antecederam a celebração do contrato ou são contemporâneas dos mesmos, às negociações entabuladas peças partes e às finalidades por elas prosseguidas...”. Todo o contexto que rodeou a declaração que se aprecia (cfr. doc. de fls. 16) nos levam a crer que a A. ficou ciente de que a vontade real e expressa da R. era a de fazer terminar o seu contrato de trabalho por caducidade, no final da sua renovação, o que deveria ter ocorrido no final do período lectivo, coincidente com os 11 meses estipulados de duração ao mesmo negócio jurídico e que apenas por erro se disse serem 31/08/2011.
Tendo-se concluído pela validade da declaração que determinou a extinção do contrato de trabalho a termo que vigorava entre as partes, passa-se então à análise dos demais pedidos formulados pela A., considerando a validade da cessação do contrato de trabalho como reportada a 31/07/2011.
A circunstância da A. ter, em virtude do erro acima explanado, trabalhado ainda durante o mês de Agosto de 2011, não tem, por si só, a consequência de se ter iniciado naquele período qualquer outro vínculo laboral, dado que, como se viu, ambas as partes entenderam que a declaração emitida em 24/06/2011 punha termo ao vínculo laboral no final do período de renovação do contrato de trabalho então em vigor e no lapso de tempo que mediou entre a referida declaração e o final da prestação laboral pela A. – 24/06/2011 a 31/08/2011 – não houve lugar a qualquer outra declaração, expressa ou tácita, por parte de ambas as partes que levasse à conclusão de quer a A., quer a R., tencionassem manter o vínculo laboral que tinham extinguido.
A prestação de trabalho por parte da A. que era indevida, determinou o pagamento da correspondente remuneração, já que não sendo viável a devolução do trabalho prestado o pagamento do respectivo salário constitui a contra-prestação da R. que obviou, deste modo, a um enriquecimento ilegítimo da sua parte, já que por via do erro acima referido, beneficiou do trabalho prestado pela ora demandante.”

Diga-se que na generalidade estamos de acordo com a solução encontrada pela sentença recorrida que, na nossa opinião, se mostra adequada aos factos e ao direito aplicável.
Senão vejamos:
No caso, estamos perante um contrato de trabalho a termo certo e que não se discute qualquer invalidade do mesmo, quer formal, quer material. O contrato teve o seu início em 01/10/2009 e o seu termo em 31/08/2010. Face à ausência de qualquer declaração de ambas as partes no sentido de o fazer cessar naquela data, o mesmo renovou-se no final do termo, por igual período, uma vez que não foi acordado qualquer outro, ou seja, até 31/07/2010 – cfr. artigo 149º, nº 2 do Código do Trabalho de 2009[1] (doravante apenas designado por CT/2009).
Uma das formas de cessação do contrato de trabalho é a sua caducidade – artigo 340º, alínea a) do CT/2009.
E a caducidade verifica-se, entre outras causas, com a verificação do termo do contrato – artigo 343º, alínea a) do CT/2009.
Sendo que, o contrato de trabalho a termo certo caduca no final do prazo estipulado, ou da sua renovação, desde que o empregador ou o trabalhador comunique à outra parte a vontade de o fazer cessar, por escrito, respectivamente 15 ou oito dias antes de o prazo expirar– artigo 344º, nº 1 do CT/2009.
No caso, a Ré, entidade empregadora, comunicou à Autora/trabalhadora a vontade de não renovar o contrato a termo certo no dia 24 de Junho de 2011, ou seja, cumpriu com o período legalmente imposto para o fazer, uma vez que o mesmo tinha o seu termo em 31 de Julho de 2011[2].
No entanto, essa comunicação mencionava que o contrato em questão terminava no dia 31/08/2011 e não em 31/07/2011. Daí que a recorrente considere que a cessação operada pela Ré em 31/08/2011 constitui um despedimento ilícito, uma vez ou se considera o contrato como renovado a 31/07/2011 e, então, não se verificou qualquer termo em 31/08/2011, ou se considera, que o contrato a termo cessou em 31/07/2011 e então o trabalho prestado em Agosto de 2011 foi ao abrigo de um novo contrato e a cessação continua a consistir num despedimento ilícito porquanto o mesmo não foi precedido por qualquer procedimento.
Com todo o respeito, não concordamos com esta posição.

Dúvidas não existem em que há um erro na comunicação (declaração) da Ré ao referir que a data do contrato a termo que unia as partes tinha o seu termo em 31/08/2011.
Podemos em termos genéricos dizer que se está perante um erro na declaração, também chamado erro obstáculo ou obstativo[3], o qual surge “quando alguém, por lapso, manifesta uma vontade que não corresponde à sua vontade real.”[4] Tal erro pode ser conhecido, ostensivo (ou cognoscível) e não conhecido nem ostensivo.
“O erro é conhecido quando o declaratário sabe qual é a vontade real do declarante, o que lhe permite imediatamente identificar a existência de erro na declaração”, podendo, porém, o erro “não ser conhecido do declaratário e, contudo, ser apreensível através dos próprios termos da declaração ou das circunstâncias em que está é emitida, por qualquer pessoa normalmente atenta poder deduzir, de tais elementos a vontade real. O erro diz-se então cognoscível (ou ostensivo).”[5]
Estamos perante um erro não conhecido nem ostensivo «quando se verifica em casos como o deste exemplo: A, sem nunca ter contactado B a tal respeito, recebe este uma carta que lhe propõe o arrendamento da sua casa para os meses de Abril e Março, quando B queria efectivamente o arrendamento para os meses de Abril e Maio; contudo, da carta não consta qualquer elemento a partir do qual seja possível conhecer ou deduzir a verdadeira vontade de B.”[6]
No erro conhecido o declaratário conhece aqui o erro e a vontade real do declarante. E, como salienta LUÍS A. CARVALHO FERNANDES[7] «a questão inerente à divergência resolve-se, não em sede de erro, mas através da aplicação dos critérios de interpretação do negócio jurídico. Nos termos do artigo 236º, nº 2, do C. Civ.;(…) quando o declaratário conheça a vontade real do declarante, o negócio vale de acordo com esta vontade. Por outras palavras, o erro conhecido é, como tal, irrelevante e o negócio válido, tal como o declarante efectivamente o queria.
[…]
No erro cognoscível, embora por outra via, chega-se a uma solução próxima da do erro conhecido.
Segundo o contexto ou as circunstâncias do negócio, o erro na declaração é apreensível por uma pessoa de normal diligência. Também aqui a chave da questão se encontra nas regras da interpretação negocial. O regime do art. 236º, nº 1, conduz, neste caso, à validade do negócio segundo a vontade real do errante, por ser o sentido objectivo do negócio, segundo esta norma.
Na verdade, não há, por definição, erro conhecido; contudo, um declaratário normal (nº 1 do art. 236º) não poderia atribuir a negócio outro sentido que não fosse o coincidente com a vontade real do declarante, apurado do contexto e das circunstâncias do negócio (art. 249º).”
Segundo este Autor só há verdeiro erro na declaração quando ele não é conhecido nem cognoscível e só ao erro não conhecido nem cognoscível se aplicam os artigos 247º e 248º do Código Civil.

Ora, assim sendo, não resultando qualquer facto concreto que nos possa levar à conclusão de que a Autora conhecia aquele erro, não podemos, todavia, deixar de concluir que tal erro era cognoscível. Na verdade, o mesmo era apreensível através dos próprios termos da declaração, por qualquer pessoa normalmente atenta poder deduzir, de tais elementos a vontade real. Isto porque, a Autora sendo professora, portanto de normal diligência, face ao facto de a comunicação que lhe foi feita pela Ré se referir ao seu contrato e nele se mencionar como termo a data de 31/08/2011, logo teria a obrigação de constatar que haveria um manifesto erro, pois o mesmo terminaria, não naquela data, mas em 31/07/2011.
Ora, conhecendo a vontade real do declarante, ou seja, da Ré, aquela comunicação deverá ter-se como válida para fazer cessar o contrato que unia as partes no final do seu termo, ou seja, em 31 de Julho de 2011.
Além do mais, impendia sobre a aqui recorrente, de acordo com o princípio da boa-fé, alertar a Ré, face à constatação daquele erro, de que a cessação do contrato ocorria não na data aposta na comunicação, mas em 31/07/2011. Não o tendo feito agiu com má-fé – cfr. artigo 126º, nº 1 do CT/2009.
Assim sendo, termos por válida a declaração da Ré em que comunicava a caducidade do contrato a termo certo que a ligava à aqui recorrente para o fim do seu termo, ou seja, para a data de 31/07/2011.

É certo que a Autora trabalhou durante o mês de Agosto de 2011 e que o contrato de trabalho a termo certo caducou em 31 de Julho de 2011. Assim sendo, inexistindo qualquer renovação do contrato a termo certo, podermos dizer, como defende a recorrente, que estaremos perante um contrato sem termo e que a ré a despediu ilicitamente em 31/08/201?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Como se sabe o contrato de trabalho é um contrato consensual, já que não está dependente da observância de forma especial a não ser que a lei determine o contrário (artigo 110º do CT/2009), como qualquer outro contrato constitui o resultado de, pelo menos, duas declarações negociais convergentes, uma consubstanciada na formulação de uma determinada proposta por um dos contratantes – em regra a entidade empregadora enquanto carente da prestação de trabalho – e a outra consubstanciada na aceitação dessa proposta por parte do outro contratante – em regra o trabalhador enquanto detentor da força de trabalho bem como da vontade de o prestar –, aceitação que pode ser feita de uma forma expressa ou tácita (art. 217º n.º 1 do Cod. Civil)[8].
No caso, não existiu por qualquer das partes a intenção ou a manifestação de vontade de celebrar novo contrato com início em 1 de Agosto de 2011. Estavam sim, convencidas, pelo menos com a Ré assim sucedia, que o contrato a termo certo que as unia tinha o seu fim em 31/08/2013. Como tal a prestação de trabalho por parte da Autora em Agosto de 2011 nunca pode ser vista como constituição de uma nova vontade, seja pela sua parte seja pela parte da Ré, de constituição de novo vínculo laboral.
E como se salienta na sentença recorrida, “a prestação de trabalho por parte da A. que era indevida, determinou o pagamento da correspondente remuneração, já que não sendo viável a devolução do trabalho prestado o pagamento do respectivo salário constitui a contra-prestação da R. que obviou, deste modo, a um enriquecimento ilegítimo da sua parte, já que por via do erro acima referido, beneficiou do trabalho prestado pela ora demandante.”
E, também não existe qualquer despedimento ilícito, não só pelas razões apontadas, como pelo facto de a declaração a que a recorrente se agarra para esse efeito, produziu validamente os seus efeitos em 31/07/2011 e não em 31/08/2011, como pretende.

Assim sendo, improcede, por tal razão, o recurso.
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3. As custas do recurso serão a cargo da recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do actual Código de Processo Civil].
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IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pela Autora B… e, em consequência manter a sentença recorrida.
b) Condenar a Recorrente nas custas do recurso.
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Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do actual CPC.
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Processado e revisto com recurso a meios informáticos.
Porto, 20 de Janeiro de 2014
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
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[1] Aqui aplicável face à data da prática dos factos.
[2] Daí não poder seguir-se a posição defendida pela Exª Sr.ª Procuradora-geral Adjunta no seu parecer, uma vez que incorreu num mero lapso, ao considerar que a comunicação da entidade empregadora não chegou ao poder da trabalhadora com a antecedência de 15 dias antes do fim do termo do contrato.
[3] Cfr. LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, TEORIA GERAL DO DIREITO CIVIL, II, FONTES, CONTEÚDO E GARANTIA DA RELAÇÃO JURÍDICA, 5ªedição revista e actualizada, UCP, 2010, p. 364.
[4] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, obr. cit. p. 364.
[5] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, obr. cit. pp. 365/366.
[6] LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, obr. cit. p. 366.
[7] Obr. cit. pp. 366/367.
[8] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 25/03/2009, Processo nº 3988/05.1TTLSB-$, in www.dgsi.pt.