Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1328/16.3T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
CONTRATO DE SEGURO DE VIDA
ALTERAÇÃO DO SPREAD
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201803191328/16.3T8MTS.P1
Data do Acordão: 03/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 671, FLS 164-177)
Área Temática: .
Sumário: I - Às instituições de crédito está vedado fazer depender a celebração ou renegociação dos contratos para aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para aquisição de terrenos para construção de habitação própria, de outro produtos ou serviços financeiros, e quando sejam propostos ao consumidor outros produtos ou serviços financeiros como forma de reduzir as comissões e demais custos do empréstimo, nomeadamente o spread de taxa de juro, o direito de exigir o seu cumprimento prescreve no prazo de um ano após a sua não verificação (cfr. artigo 9.º, nº 4, do D. Lei nº 51/2007, de 07/03, alterado pelo D.L. nº 192/2009, de 17/08).
II - Porém o referido prazo de prescrição já não se aplica se, por exemplo, em determinada cláusula contratual como forma de reduzir o spread se impôs a verificação de três, de seis condições aí enumeradas, entre as quais a subscrição de um contrato de seguro de vida se essa obrigação também emergia de cláusula contratual acordada, em que os mutuários podiam celebrar o referido contrato de seguro com diferente companhia não associada ou mesmo pertencente à entidade financeira mutuante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1328/16.3T8MTS.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível de Matosinhos-J2
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B... e mulher, C..., casados entre si, residentes na Rua ..., nº ...., ....-... ..., instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Banco D..., S.A., com sede na Rua ..., nº .., ....-... Lisboa, peticionando a condenação do Réu a:
a) reconhecer que não houve qualquer razão que legitimasse a referida alteração contratual, devendo manter-se o spread em 3 pontos percentuais tal como consta na cláusula quarta, ponto quatro, do contrato de mútuo;
b) indemnizar os Autores com a quantia correspondente à diferença entre o valor das prestações que pagaram e venham a pagar até ao trânsito em julgado da sentença, e o valor das mesmas se não tivesse havido aumento do spread, a liquidar posteriormente.
Para o efeito, alegam, em síntese: que em 03/06/2005 o Réu lhes deu de empréstimo € 224.720,00, mediante contrato escrito, no qual ficou convencionada a taxa de juro; que aquando da celebração do contrato os Autores foram fazer exames médicos à companhia de seguros indicada pelo Réu, com vista à celebração do seguro de vida; que como o Autor padecia de doença cardíaca a seguradora recusou-se a celebrar contrato de seguro; que o Réu não valorizou esse facto como impeditivo da celebração do contrato de seguro, até porque o mútuo estava garantido por hipoteca; que durante 10 anos o contrato decorreu sem incidentes; que em 26/05/2014 o Réu levantou a questão da inexistência do contrato de seguro; que face à insistência do Réu subscreveram proposta de seguro de vida; que até então pagavam uma prestação média mensal de €1.580,00; que no dia 02/11/2014 o Réu sacou da conta dos Autores €1.786,17 para pagamento da prestação do crédito, mantendo-se os valores sacados desde então próximos dessa quantia; que o Réu lhes comunicou que por a seguradora não aceitar a subscrição do contrato de seguro de vida o valor da prestação mensal não seria reduzido e que o Réu não altera a sua posição, apesar das reclamações apresentadas. Mais alegou que a alteração unilateral do valor spread é ilegal e que mesmo que o Autor tivesse o direito de alterar o contrato nesses termos tal direito estaria prescrito; que o Réu não cumpriu com a obrigação de comunicação aos autores do seu direito à resolução do contrato, nem especificou o montante a partir do qual as alterações introduzidas unilateralmente seriam aplicáveis.
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O Réu apresentou contestação alegando, em síntese: que a celebração de seguro de vida era uma obrigação contratual a que o mutuário estava obrigado e que o seu não cumprimento implicaria a não redução do spread de 4% para 3%, do que os Autores foram informados; que os Autores são pessoas informadas e experientes na contratação de produtos bancários; que na data da celebração do contrato, devido à urgência dos Autores na celebração do mútuo e cientes da dificuldade em contratar seguro devido à sua idade solicitaram que a contratação do seguro fosse efectuada após a celebração do contrato, o que foi autorizado pelo Réu, que aprovou a operação de crédito com a celebração do seguro a posteriori; que foi realizado um pedido de adesão a seguro de saúde, que requereu a realização de exames médicos pelos Autores, que estes não realizaram, não tendo sido realizado o seguro; que o Réu ficou a aguardar que os Autores fizessem o seguro e lhe dessem conhecimento do mesmo, o que não ocorreu; que num processo de revisão dos contratos em 2014 se detectou a falta de seguro, do que foi dado conhecimento aos Autores, bem como lhes foi dado conhecimento da alteração da bonificação do spread no caso de não lhe ser demonstrada a existência do seguro; que os autores diligenciaram novamente pela realização de seguro, o que, face à sua idade já não foi possível; que a não alteração anterior do spread não traduz qualquer renúncia a este direito, nem abuso de direito; que o que está em causa não é a alteração do contrato, nem da taxa de juro, mas apenas a aplicação de uma cláusula contratual explicada aos Autores.
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Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador e seleccionados temas de prova.
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Procedeu a julgamento com observância das formalidades legais.
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A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados.
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Não se conformando com o assim decidido vieram os Autores interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela seguinte forma:
A.- Na cláusula do contrato de mútuo celebrado entre os recorrentes e o Banco recorrido, em que especificamente se consignam as consequências da falta de subscrição de apólice de seguro de vida, não se prevê o aumento do spread.
B.- Nos termos da cláusula quarta, ponto “quatro”, do contrato de mútuo, a falta de seguro de vida, por si só, não confere ao Banco recorrido o direito de aumentar o spread de 3 para 4 pontos percentuais, na medida em que, desde que o mutuário tenha três dos produtos ou serviços aí elencados, o spread tem de manter-se nos 3 pontos processuais, mesmo que nenhum desses três produtos ou serviços seja o seguro de vida.
C.- A douta sentença baseou-se no ponto “Cinco” dessa mesma cláusula quarta para a decisão que proferiu, mas este ponto “Cinco” é inaplicável ao caso concreto.
D.- O contrato tem de ser analisado e interpretado como um todo. E havendo, como acontece no caso concreto, cláusulas específicas que regulamentam a obrigação de subscrição de apólice de seguro de vida e as consequências da sua falta (cláusula décima segunda pontos “Dois” e “Cinco” e cláusula quarta ponto “Quatro”), não pode entender-se que uma cláusula genérica, como a que consta do ponto “Cinco” da cláusula quarta, as derroga, muito menos quando essa própria cláusula salvaguarda a redução do spread “enquanto forem cumpridos os requisitos acima indicados”.
E.- O Banco recorrido não podia ter aumentado o spread, a não ser que verificasse que os recorridos não preenchiam pelo menos três das condições referidas nas alíneas a) a f) do ponto “Quatro” da cláusula quatro do contrato de mútuo.
F.- A douta sentença recorrida violou as regras de interpretação das declarações negociais previstas nos artigos 236º a 238º do Código Civil.
G.- A inexistência de seguro de vida não foi razão impeditiva da celebração do contrato de mútuo e este vigorou durante quase 10 anos sem que essa mesma inexistência justificasse a alteração do spread
H.- O Banco recorrido sempre soube da inexistência do seguro de vida.
I.- No contrato de mútuo está expresso que o seguro de vida é um produto com virtualidade para reduzir o spread da taxa de juro, estando, por isso, abrangido pelo n.º 2 do citado artigo 9º do DL 51/2007
J.- Consequentemente, nos termos do n.º 4 desse mesmo artigo 9º, o Banco recorrido teria de exigir o cumprimento da obrigação de subscrição de apólice de seguro de vida no prazo de um ano a partir da data da celebração do contrato.
K.- Não o tendo feito, já há muito se encontrava prescrito o seu direito a exigir o cumprimento da obrigação de subscrição de apólice de seguro de vida.
L.- Por isso, mesmo que se considerasse que o Banco recorrido tinha direito à retirada da bonificação do spread (no que não se concede), sempre tal direito teria de ser declarado prescrito.
M.- A douta sentença também aqui violou as regras interpretativas previstas nos artigos 236º a 238º do Código Civil, bem como fez errada interpretação dos nºs 2 e 4 do artigo 9º do DL 51/2007, violando o disposto no art.º 9º do mesmo diploma legal.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa apreciar:
a)- saber no âmbito do contrato de mútuo celebrado entre as partes havia, ou não, fundamento contratual para o Banco Réu aumentar o spread de 3% para 4%;
b)- saber se mesmo a existir tal fundamento o referido direito estava, ou não, prescrito.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1 – Por acordo a que o Réu deu o nº ................., celebrado no dia 3 de Junho de 2005, os Autores, como mutuários, obtiveram do Réu um empréstimo de €224.720,00 para fazer face a compromissos financeiros–cfr. doc. junto a fls. 243 a 247, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2 – O prazo do contrato foi fixado em 216 meses.
3 – Consta da cláusula quarta de tal contrato o seguinte:
“TAXA DE JURO”
Um–O capital mutuado vencerá juros calculados tendo por base a média aritmética das cotações diárias da taxa “Euribor a 3 meses” do mês civil anterior ao da contagem de juros, excluindo os dois últimos dias, arredondando ao 1/8 p.p. (um oitavo de ponto percentual) imediatamente superior, acrescida de 4 pontos percentuais.
Dois–A TAEG é de 7,814%.
Três–A taxa de juro determinada nos termos do Parágrafo Um será ajustada trimestralmente, mantendo-se constante durante cada período de contagem de juros.
Quatro–A “IC” reduzirá o acréscimo de 4 pontos percentuais estabelecido no Parágrafo um para 3,0 pontos percentuais, desde que o “Mutuário” preencha, em cada momento, no Banco onde a conta adiante referida se encontra domiciliada, pelo menos três das condições indicadas nas seguintes alíneas, com respeito pelas características próprias de cada um dos Produtos e Serviços:
a) Ter a domiciliação do recebimento do ordenado b) Possuir no mínimo duas ordens de pagamento domésticas a favor de terceiros emitidas sobre a sua conta à ordem.
c) Ser detentor de cartão de débito ou crédito activo com média de utilização no mínimo de € 50 (cinquenta euros) mensais respeitante ao último trimestre
d) Ter em vigor contrato de crédito ao consumo, de aluguer de longa duração (ALD) ou de locação financeira (leasing) com montante mínimo superior ou igual a €5.000 (cinco mil euros).
e) Possuir saldo médio trimestral de aplicações financeiras igual ou superior a € 1.000 (mil euros), incluindo valores mobiliários e excluindo Produtos de Poupança.
f) Possuir Produtos de Poupança (Planos Poupança Reforma/Educação) com montante mínimo superior ou igual a € 500 (quinhentos euros) ou o Seguro Protecção Vida.
Cinco–A redução do acréscimo, revista trimestralmente, fica igualmente condicionada ao pontual cumprimento pelo “Mutuário” das suas obrigações emergentes do presente contrato e apenas terá lugar se e enquanto forem cumpridos os requisitos acima indicados.”
4 - E consta da Clausula Décima Segunda do mesmo contrato:
“SEGUROS”
Um–O “Mutuário” obriga-se, nos termos e para efeitos do Artigo 702º do Código Civil, a ter o imóvel ora hipotecado seguro contra os riscos de perda total ou parcial (de incêndio e outros danos) em companhia seguradora aceite pela “IC”, devendo a respectiva apólice mencionar a existência da hipoteca constituída pelo presente contrato a favor da “IC”, para que, em caso de sinistro, esta seja a beneficiária da respectiva indemnização, até ao limite do que no montante do sinistro se encontrar em dívida.
Dois–O “Mutuário” obriga-se, ainda, a subscrever uma apólice de seguro de vida, cobrindo o risco de falecimento e de invalidez total e permanente, cujo beneficiário será a “IC”, até ao limite do que lhe estiver em dívida no momento em que possa ocorrer qualquer um desses acontecimentos.
Três–Os seguros referidos nos Parágrafos anteriores devem manter-se válidos durante toda a vigência do presente contrato, cabendo ao “Mutuário” pagar pontualmente os respectivos prémios.
Quatro–A “IC” poderá solicitar, quando o entender, a exibição das respectivas apólices e dos documentos comprovativos do seu pagamento.
Cinco–Em caso de incumprimento das obrigações identificadas na presente Cláusula, pode a IC” efectuar, por conta do “Mutuário”, os pagamento que se mostrem em falta, debitando os respectivos custos na conta de depósitos à ordem acima identificada, bem como, em caso de sinistro, receber em seu nome as indemnizações a que houver lugar.
Seis–Os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio da “IC” ou com o seu prévio acordo.”
5–À data da negociação do acordo, devido à urgência dos Autores na celebração do mesmo, ficou acordado entre os Autores e o Réu que o Autor efectuaria o contrato de seguro após a celebração do contrato, tendo o banco Réu dispensado a Autora da realização do seguro–cfr. doc. junto a fls. 147, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
6–O banco Réu aprovou a operação de crédito com a celebração do seguro pelo Autor a posteriori.
7–Facto de que os Autores foram informados.
8–À data da celebração deste contrato de empréstimo, os Autores foram informados pelo colaborador do balcão que negociou com os mesmos a celebração do mútuo, de que era obrigatória a celebração do seguro de vida por parte do Autor marido.
9-Tendo os Autores, na sequência dessa informação, ficado bem cientes daquelas condições contratuais.
10-Aquando da formalização do contrato de mútuo, os Autores foram informados através da leitura e explicação, designadamente, das cláusulas 3ª e 12ª do contrato, daquela referida obrigatoriedade e das consequências da sua não celebração.
11–O Autor marido é pessoa bem informada sobre a actividade bancária e experiente na contratação de produtos bancários.
12-Quer antes, quer depois da celebração do contrato, nunca os Autores solicitaram qualquer esclarecimento sobre o teor daquelas cláusulas.
13–O mútuo estava garantido por hipoteca sobre a fracção autónoma “A” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 00403 da freguesia ..., concelho de Matosinhos, então inscrito na matriz predial sob o artigo urbano 4216, a que actualmente corresponde o artigo 12.289 da União das freguesias ..., ... e ...–cfr. docs juntos a fls. 28 a 33, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
14–O contrato referido em 1 foi outorgado sem que houvesse seguro de vida dos mutuários.
15-Na sequência do pedido de adesão ao seguro, foram solicitadas pela seguradora exames médicos e informações adicionais, que foram realizados e prestadas pelo Autor marido.
16–Em 05/03/2007 os Autores elaboraram nova proposta de adesão ao seguro de vida à D1...–cfr. docs. juntos a fls. 181 e 183.
17–A referida companhia de seguros aceitou a realização desse seguro com exclusões nas coberturas para ambos os Autores, atentas as suas condições de saúde–cfr. doc. junto a fls. 20 verso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
18–Os Réus não responderam à proposta de realização do seguro com exclusões, pelo que o seguro não foi então realizado.
19-O Réu continuou a aguardar que os Autores A celebrassem o seguro de vida e comprovassem a sua celebração, o que não ocorreu.
20-Durante praticamente 10 anos, apesar de nunca ter existido seguro de vida, o contrato decorreu sem incidentes.
21-Num processo de revisão dos contratos de mútuo em vigor, o Réu detectou essa falta.
22–Por carta datada de 26.05.2014, que remeteu ao Autor marido, o banco Réu veio levantar a questão da inexistência de seguro–cfr. doc. junto a fls. 34 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
23–Nessa carta o Réu alertava os Autores para a alteração da bonificação do spread no caso da celebração do seguro não ser demonstrada junto do banco.
24–Os Autores dirigiram-se ao Balcão ... do banco Réu e lembraram que, 10 anos antes, o seguro de vida tinha sido recusado, pelo facto de o autor marido ser cardíaco, e avisaram que este, entretanto, tinha sido operado ao coração e que, como já tinha 67 anos de idade, ninguém faria tal seguro.
25-Mais tarde, na sequência de novo contacto do banco Réu, os Autores dirigiram-se à mesma agência bancária, sendo-lhes solicitado que subscrevessem uma proposta de seguro de vida.
26 - Os Autores repetiram as razões pelas quais nunca obteriam seguro de vida, mas, face à insistência do banco Réu, acabaram por subscrever, no dia 30.10.2014, a proposta de seguro, cuja cópia se encontra junta a fls. 35 a 40 e aqui se dá por integralmente reproduzida.
27-Até esta data, os autores com vista à amortização do empréstimo, pagavam ao dia 2 de cada mês, uma prestação média de €1.580,00, como decorre dos valores que lhes foram debitados nos 6 meses anteriores:
- Maio de 2014 --------------------------------------- €1.583,91
- Junho de 2014 ------------------------------------- €1.583,78
- Julho de 2014 -------------------------------------- €1.583,65
- Agosto de 2014 ------------------------------------ €1.578,90
- Setembro de 2014 -------------------------------- €1.578,78
- Outubro de 2014 ---------------------------------- €1.578,65.
28-No dia 02/11/2014, e sem que houvesse qualquer resposta relativamente à proposta de seguro subscrita pelos Autores, o banco Réu sacou da conta daqueles, para pagamento do crédito, a quantia de €1.786,17
29–E de então para cá, apesar dos protestos dos Autores, o Réu sacou da conta dos Autores, para o mesmo efeito:
- Dezembro de 2014 ----------------------------------- €1.785,96
- Janeiro de 2015 --------------------------------------- €1.785,75
- Fevereiro de 2015 ------------------------------------ €1.784,38
- Março de 2015 ---------------------------------------- €1.784,16
- Abril de 2015 ------------------------------------------- €1.783,95
- Maio de 2015 ------------------------------------------- €1.779,89
- Junho de 2015 ------------------------------------------ €1.779,68
- Julho de 2015 ------------------------------------------- €1.779,46
- Agosto de 2015 ----------------------------------------- €1.776,40
- Setembro de 2015 ------------------------------------- €1.776,19
- Outubro de 2015 --------------------------------------- €1.775,97
- Novembro de 2015 ------------------------------------ €1.774,20
- Dezembro de 2015 ------------------------------------ €1.773,98
- Janeiro de 2016 ---------------------------------------- €1.773,97
- Fevereiro de 2016 ------------------------------------- €1.767,96
- Março de 2016------------------------------------------- €1.767,74
cfr. doc. junto a fls. 41 a 63.
30-Mal tomaram conhecimento do aumento do valor da prestação referida em 15, os Autores deslocaram-se ao balcão do banco Réu, protestando contra o que entendiam ser uma actualização indevida e abusiva.
31-Foi-lhes pedido que aguardassem a decisão da seguradora, porque se fosse positiva, tudo reverteria à situação anterior.
32–Por carta datada de 15/12/2014 foi comunicado aos Réus que a Seguradora não aceitava a subscrição do contrato de seguro de vida por ter sido ultrapassado o limite de idade–cfr. doc. junto a fls. 64.
33-E o banco Réu comunicou aos Autores que, por esse motivo, o valor da prestação mensal não seria reduzido.
34-Os Autores não se conformaram e, por carta remetida a 29/12/2014 pelo seu advogado, reclamaram, solicitando a devolução dos valores indevidamente cobrados e a reposição do spread nos 3 pontos percentuais contratualmente fixados–cfr. doc. junto a fls. 65 e 66.
35-O banco Réu respondeu por carta de 26/01/2015, que endereçou aos Autores, defendendo ter direito ao aumento do spread, conforme documento junto a fls. 67 e 68.
36-Inconformado, o Autor marido em 05.03.2015, apresentou reclamação escrita no balcão ... do banco Réu, conforme documento junto a fls. 69 a 76.
37-O banco Réu respondeu em 19/03/2015, mantendo a sua posição, e o Banco de Portugal, em 29/06/2015, dizendo não ter encontrado indícios de infracção, alertando que a sua intervenção está limitada à verificação do cumprimento das normas que regem a actividade das instituições de crédito e sugerindo que o autor, se assim o entendesse, submetesse a situação à apreciação judicial.–cfr. docs juntos a fls. 77 a 79.
38-O Autor ainda recorreu à DECO, mas não conseguiu obter qualquer resultado.
39–A situação mantém-se.
40–Se o valor do spread se tivesse mantido em 3% o valor das prestações a pagar pelos Autores seria o constante do documento junto a fls. 133 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
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Factos Não Provados
a) Quando da inicial negociação do contrato, os Autores deslocaram-se à Seguradora indicada pelo banco Réu, e foram fazer exames com vista à celebração do seguro de vida.
b) À data da negociação do contrato os Autores estavam cientes das dificuldades que iriam ter na contratação do seguro, devido à sua idade.
c) Como o Autor marido, então com 57 anos padecia de doença cardíaca, a seguradora recusou a celebração do seguro de vida.
d) Desta recusa foi dado imediato conhecimento ao banco Réu que não a valorizou como impeditiva da celebração do contrato de mútuo e lhe não deu importância.
e) À data da celebração do contrato de mútuo o banco Réu sabia da recusa da seguradora em o contratar, face à doença do autor marido.
f) Foi solicitada aos Réus a realização de exames médicos que estes não realizaram.
g) Na sequência da não apresentação dos exames médicos, a seguradora recusou a adesão dos Autores ao seguro.
h) O Réu aumentou o valor da prestação de Novembro de 2014, sem qualquer aviso.
i) Aquando da contratação o Réu explicou aos Autores que, no caso de não cumprimento da obrigação contratual de realizar o seguro, o spread contratual se manteria nos 4%.
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:
a)- saber no âmbito do contrato de mútuo celebrado entre as partes havia, ou não, fundamento contratual para o Banco Réu aumentar o spread de 3% para 4%;
Não há dúvidas, nem constitui matéria controvertida, que entre os Autores e o Banco Réu foi celebrado um contrato de mútuo.
Diz o artigo 1142.º do C. Civil que o “mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.
Evidentemente que, a noção atrás referida se refere à noção civilista de mútuo, sendo o mútuo bancário uma modalidade especial, especialidade que reside essencialmente no plano dos sujeitos contratantes (o mutuante é uma empresa bancária), do objecto contratual (que consiste em dinheiro legal ou escritural, investindo fundamentalmente o cliente mutuário na propriedade da quantia mutuada) e da sua finalidade (ficando frequentemente o mutuário obrigado a utilizar a quantia mutuada apenas para fins legais ou contratualmente predeterminados).[1]
Porém, nenhuma destas particularidades retira ao contrato de mútuo bancário as características marcantes do contrato de mútuo na sua expressão civilista. Assim, tem-se doutrinado a partir das disposições do Código Civil que definem o regime jurídico deste contrato-artigos 1142º e seguintes-de que o mútuo e, por natureza um contrato real, no sentido que só se completa pela entrega da coisa mutuada. No dizer dos Professores Pires de Lime e Antunes Varela, Código Civil Anot., III, ed. vol. II, pág. 681, “o mútuo implica a transferência da propriedade não porque a função do contrato se dirija a esse fim, mas porque a transiatio domini é indispensável-como meio ou instrumento jurídico-ao gozo da coisa que se visa proporcionar ao mutuário, dada a natureza dela”.
Por isso, a efectiva transferência do dinheiro efectuada pelo mutuante é, no mútuo bancário, elemento constitutivo ou integrante do contrato, de tal modo que este não existe sem que o banqueiro proceda à entrega efectiva da quantia mutuada. Só então nasce a única obrigação resultante do contrato unilateral, que é o mútuo-a obrigação do mutuário restituir a quantia mutuada e respectiva remuneração. Sem isso não haverá obrigação alguma.[2]
Isto dito, como se evidencia do quadro factual supra descrito, no caso em apreço o banco Réu concedeu aos Autores, a pedido destes, um empréstimo no valor de € 224. 720,00, pelo prazo de 216 meses, sendo que nesse prazo os capital mutuado e os respectivos juros seriam pagos em 216 prestações mensais, ou seja, não há dúvida que entre as partes se celebrou um contrato de mútuo.
Como se sabe primeira fonte das obrigações na sistematização da lei é constituída pelos contratos.
O actual Código Civil português não define expressamente a figura do contrato ao contrário do que acontecia com o Código de 1867, onde no seu artigo 641.º se “definia o contrato como o acordo, por que duas ou mais pessoas transferem entre si algum direito, ou se sujeitam a alguma obrigação”.
Apesar disso pode definir-se o contrato como sendo o acordo vinculativo de vontades, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses.[3]
Mas mais que uma das fontes das obrigações, o contrato como negócio bilateral que é, pode considerar-se em certo sentido a fonte natural das relações de crédito, pois que é por vontade de ambos os titulares (através do acordo contratual) que o vínculo em princípio há-de ser constituído.
Na nossa lei civil vigente, a maior parte do regime comum aos diferentes contratos, no que designadamente se refere à sua formação, capacidade dos contraentes, forma de declaração, perfeição do acordo, requisitos substancias de validade, cláusulas acessórias etc. é fixada na parte geral, dentro do capítulo que tem por objecto o negócio jurídico (artigos 217.º e seguintes do C.Civil).
Acontece que à teoria geral das obrigações interessa apenas os efeitos do contrato como fonte de relações jurídicas creditórias, e esse aspecto importante da vida dos contratos desdobra-o a lei em duas partes: numa delas estabelece a disciplina de cada um dos vários contratos em especial (contratos típicos ou nominados) que, sendo as espécies mais correntes no comércio jurídico servem de padrão ou modelo na grande massa das operações negociais (artigos 874.º a 1250.º do C.Civil) na outra que vai do artigo 405.º ao artigo 456.º, traça uma espécie de teoria geral do contrato, com as regras aplicáveis, em princípio não só aos contratos em especial regulados na lei, mas a quaisquer outros contratos celebrados pelas partes.
Os princípios fundamentais em que assenta toda a disciplina legislativa dos contratos são o princípio da autonomia privada que atribui aos contraentes o poderem de fixarem, em termos vinculativos a disciplina que mais convém aos seus próprios interesses; o princípio da confiança segundo o qual cada contraente deve responder pelas expectativas que justificadamente cria, com a sua declaração, no espirito da contraparte; e o princípio da justiça comutativa segundo o qual nos contratos onerosos à prestação de cada um dos contraentes deve corresponder uma prestação de valor equivalente da parte do outro contraente.
O princípio da autonomia privada reveste, na área específica dos negócios bilaterais ou plurilaterais, a forma de liberdade contratual.
Ora, o principio basilar que serve de introdução à teoria dos contratos é, efectivamente, o da liberdade contratual descrito no artigo 405.º do C.Civil. Trata-se da faculdade que as partes têm de, dentro dos limites da lei, fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos prescritos no Código ou incluir neles as cláusulas que entendam.
Antes, porém, da liberdade de fixação do conteúdo do contrato está implicitamente consagrada no referido normativo legal a liberdade de contratar, que como o próprio nome indica consiste na faculdade reconhecida às pessoas de criarem livremente entre si acordos destinados a regular os seus interesses recíprocos.
Por outro lado, a liberdade reconhecida às partes aponta à criação do contrato, e o contrato é um instrumento jurídico vinculativo, é um acto com força obrigatória, e digamos assim a lex contractus.
Portanto, liberdade de contratar é, por conseguinte, a faculdade de criar um instrumento objectivo, um pacto que, uma vez concluído, nega a cada uma das partes a possibilidade de se afastar (unilateralmente) dele-pacta sunt servanda-na medida em que a promessa livremente aceita por cada uma das partes a possibilidade cria expectativas fundadas junto da outra e acordo realiza fins dignos da tutela do direito.
Foi, portanto, dentro desta liberdade contratual que os Autores e banco Réu firmaram o referido contrato de mútuo com o clausulado específico dele constante.
No que à taxa de juro diz respeito, ficou acordado, no nº 3 da cláusula quarta que o capital mutuado venceria juros calculados tendo por base a média aritmética das cotações diárias da taxa Euribor a 3 meses, do mês civil anterior ao da contagem de juros, excluindo os dois últimos dias, arredondado ao 1/8 de ponto percentual imediatamente superior, acrescido de 4 pontos percentuais.
Mais ficou contratualmente previsto, no nº 4, da referida cláusula a redução do referido spread de 4 pontos percentuais para 3 pontos percentuais, no caso de os mutuários preencherem, em cada momento, no banco onde a conta referida no contrato estivesse domiciliada, pelo menos, três das condições elencadas nas diversas alíneas aí descritas, sendo que, entre essas alíneas, atendíveis para se operasse a referida redução do spread consta a existência da celebração, por parte dos mutuários, de seguro protecção vida.
Ora, à celebração do referido contrato de seguro se refere a cláusula décima segunda do contrato de mútuo com os seguinte dizeres:
“SEGUROS”
Um–O “Mutuário” obriga-se, nos termos e para efeitos do Artigo 702º do Código Civil, a ter o imóvel ora hipotecado seguro contra os riscos de perda total ou parcial (de incêndio e outros danos) em companhia seguradora aceite pela “IC”, devendo a respectiva apólice mencionar a existência da hipoteca constituída pelo presente contrato a favor da “IC”, para que, em caso de sinistro, esta seja a beneficiária da respectiva indemnização, até ao limite do que no montante do sinistro se encontrar em dívida.
Dois–O “Mutuário” obriga-se, ainda, a subscrever uma apólice de seguro de vida, cobrindo o risco de falecimento e de invalidez total e permanente, cujo beneficiário será a “IC”, até ao limite do que lhe estiver em dívida no momento em que possa ocorrer qualquer um desses acontecimentos.
Trê–Os seguros referidos nos Parágrafos anteriores devem manter-se válidos durante toda a vigência do presente contrato, cabendo ao “Mutuário” pagar pontualmente os respectivos prémios.
Quatro–A “IC” poderá solicitar, quando o entender, a exibição das respectivas apólices e dos documentos comprovativos do seu pagamento.
Cinco–Em caso de incumprimento das obrigações identificadas na presente Cláusula, pode a IC” efectuar, por conta do “Mutuário”, os pagamento que se mostrem em falta, debitando os respectivos custos na conta de depósitos à ordem acima identificada, bem como, em caso de sinistro, receber em seu nome as indemnizações a que houver lugar.
Seis–Os aludidos seguros só poderão ser alterados ou anulados por intermédio da “IC” ou com o seu prévio acordo.
Portanto, dúvidas não existem de que a celebração de um contrato de seguro de vida era uma obrigação contratual para os Autores mutuários, do que foram, aliás, devidamente informados aquando da celebração do contrato como resulta dos pontos 8. a 12. da fundamentação factual, sendo, até, o Autor marido pessoa bem informada sobre a actividade bancária e experiente na contratação de produtos bancários (cfr. ponto 11. da fundamentação factual).
Acontece que o contrato de mútuo acabou por ser celebrado, devido à urgência dos Autores na sua conclusão, sem que o referido contrato de seguro de vida tivesse sido celebrado, ficando, todavia, acordado entre as partes que o Autor efectuaria o contrato de seguro após a celebração do contrato de mútuo, tendo o banco Réu dispensado a Autora da realização desse seguro, ou seja, o banco aprovou a operação de crédito com a celebração do seguro pelo Autor à posteriori, tendo disso os Autores ficado cientes (cfr. pontos 5. a 7. e 14. da fundamentação factual).
O certo é que, devido a vicissitudes várias, um tal contrato de seguro não veio nunca a ser celebrado pelos Autores não obstante, durante praticamente 10 anos, o contrato de mútuo tivesse decorrido sem incidentes e beneficiando os Autores de um spread de apenas 3% (cfr. pontos 19. e 20. da fundamentação factual), ou seja, só em 2014 constatou o banco Réu que o referido contrato de seguro não tinha sido celebrado, perante o que pôs fim à redução do spread de que os Autores vinham beneficiando desde a celebração do contrato, passando a aplicar o valor de 4%.
É, portanto, contra este aumento de spread que os Autores recorrentes se insurgem, estribados, essencialmente, na circunstância de que nos termos do ponto quatro da cláusula quarta do contrato de mútuo, a falta de seguro de vida, por si só, não confere ao Banco recorrido o direito de aumentar o spread de 3 para 4 pontos percentuais, na medida em que, desde que o mutuário tenha três dos produtos ou serviços aí elencados, o spread tem de manter-se nos 3 pontos processuais, mesmo que nenhum desses três produtos ou serviços seja o seguro de vida.
Não foi esse, porém, o entendimento que se sufragou na decisão recorrida, para quem o spread de 3 pontos percentuais só podia ser concedido aos Autores recorrentes se o contrato de seguro de vida tivesse sido celebrado.
É, por conseguinte, este o pomo da discórdia.
Quid iuris?
Analisando.
No ponto 4. da cláusula 4ª contratualizou-se o seguinte: “A “IC” reduzirá o acréscimo de 4 pontos percentuais estabelecido no Parágrafo Um para 3,0 pontos percentuais, desde que o “Mutuário” preencha, em cada momento, no Banco onde a conta adiante referida se encontra domiciliada, pelo menos três das condições indicadas nas seguintes alíneas, com respeito pelas características próprias de cada um dos Produtos e Serviços”, sendo que, como já noutro passo se assinalou, entre essas condições, seis no total, figurava a existência de “Seguro Protecção Vida” [cfr. al. f) das referidas condições].
Perante o assim acordado e numa primeira análise a redução para 3% do valor do spread devia ocorrer sempre que o mutuário tivesse, pelo menos, três das condições aí estatuídas, quer uma delas fosse, ou não, a existência do seguro vida.
Importa, porém, atentar no conteúdo, também ele contratualizado, do ponto 5, da citada cláusula 4ª que reza assim:
A redução do acréscimo, revista trimestralmente, fica igualmente condicionada ao pontual cumprimento pelo “Mutuário” das suas obrigações emergentes do presente contrato e apenas terá lugar se e enquanto forem cumpridos os requisitos acima indicados”.
Deste ponto 5. decorre que a referida redução do spread ficava também condicionada ao pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato.
Ora, dúvidas não existem, como acima já se referiu, que a celebração de um contrato de seguro de vida por parte dos mutuários era uma obrigação contratual.
Alegam, porém, os recorrentes, que o referido ponto 5. não é aplicável ao caso concreto.
Não vemos, todavia, como se possa defender tal asserção.
Então, o referido ponto não está inserido no clausulado contratualmente pelas partes? E não é o contrato, como supra se referiu, “lex contractus”?
Não há duvida que a cláusula 12ª trata especificamente da questão relativa aos “seguros” e, das consequências do seu incumprimento, não se prevendo aí o aumento do spread como uma delas.
Mas era aí que tinha que estar essa previsão contratual?
Referem os recorrentes que o contrato de mútuo celebrado cria várias obrigações para o mutuário, nomeadamente o pagamento das prestações destinadas à amortização do empréstimo, pagamento de juros, constituição de hipoteca, pagamento das contribuições e impostos, pagamento das despesas com a celebração e a execução do contrato e, portanto, é a estas obrigações para as quais o contrato não regula consequências próprias e específicas, que o ponto 5º da cláusula 4ª se pode aplicar.
Não cremos, salvo o devido respeito, que assim seja.
Efectivamente, o citado ponto 5º subordina a redução do spread ao cumprimento pontual de todas as obrigações emergentes do contrato e não de apenas algumas, razão pela qual a celebração do contrato de seguro de vida também aí se inclui.
Diante do exposto, a conclusão a extrair é que a referida redução do spread pressupunha não só a verificação de três, das seis, condições consignadas no ponto 4º da cláusula 4ª mas também o cumprimento de todas as restantes obrigações emergentes do contrato, ou seja, faltando qualquer delas a redução para 3% do spread deixaria de operar vigorando então os 4% fixados contratualmente.
Com efeito é essa, respeitando-se opinião em sentido contrário, a interpretação que se ajusta ao conteúdo negocial decorrente do contrato celebrado entre as partes.
Como refere o Prof. Mota Pinto[4] “a interpretação de um contrato consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com essas declarações”.
Ora, o sentido das declarações negociais das partes, nos termos do artigo 236.º, nº s 1 e 2, será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem embargo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Consagrou-se, assim, a denominada teoria da impressão do destinatário, teoria que sofre adaptação objectiva no caso dos negócios formais, em que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se tal sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (artigo 238.º, nº s 1 e 2).
Acontece que, nesse domínio da interpretação, surgem como elementos essenciais-a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações-“a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos”.[5]
Ou, como exemplifica Manuel de Andrade[6] “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de outros meios ou profissões), etc.".
Não sendo possível reconstituir a vontade real das partes, deverá atender-se a todas as circunstâncias do caso concreto, como “os termos do negócio, os interesses nele compreendidos e o seu mais razoável tratamento, o objectivo do declarante, as negociações preliminares, as relações negociais precedentes das partes, os usos do declarante e os da prática que possam interessar”.[7]
Postos estes breves considerandos doutrinários e respigando o quadro factual acima descrito, dúvidas não existem de que um declaratário normal, colocado na posição dos Autores, interpretaria a aludida cláusula contratual, no sentido de que a redução do spread pressupunha não só à verificação de três das seis condições plasmadas no ponto 4º mas também do cumprimento contratual de todas as obrigações emergentes do contrato, interpretação que, ao contrário do que defendem os recorrentes, tem correspondência evidente com o texto do mencionado ponto 5º da cláusula 4ª.
Obtemperam os recorrentes contra esta interpretação que o ponto 4º da cláusula 4ª expressa que o seguro de vida é apenas um dos vários Produtos e Serviços aí elencados, razão pela qual, verificando-se, pelo menos, três o banco recorrido estava obrigado a manter o spread em 3 pontos percentuais.
Não se pode, salvo o devido respeito, concordar com este entendimento.
Na verdade, não obstante o seguro de vida constar das condições elencadas nas várias alíneas do referido ponto 4º da cláusula 4ª, a sua celebração também era uma das obrigações contratuais, ou seja, a celebração do referido contrato de seguro teria, dentro da economia do contrato do contrato, que ocorrer sempre, e, por assim ser, em termos práticos, para que os Autores recorrentes pudessem beneficiar da redução do spread para os citados 3 pontos percentuais teriam, obrigatoriamente, para além de preencher três, das seis, das condições aí referidas, que celebrar o referido contrato de seguro vida.
É claro que, se entre aquelas três condições se verificasse a subscrição de um contrato de seguro de vida por parte dos Autores mutuários celebrado com uma companhia de seguros pertencente ao grupo financeiro do Banco Réu, tanto bastaria para estar cumprida quer a referida exigência contratual quer o preenchimento de uma das citadas condições, pois que se tratava, então (a subscrição do referido contrato de seguro vida), de um seu produto financeiro.
Mas já assim não seria se a referida subscrição do contrato de seguro vida fosse feita em qualquer outra seguradora, isto é, nessa situação teriam os Autores que preencher, para beneficiar da redução do spread para 3%, três, das seis, outras condições elencadas no citado ponto 4ª da cláusula 4ª.
E a circunstância de no referido ponto 5º da cláusula se dizer que a redução do spread “(…) apenas terá lugar se e enquanto forem cumpridos os requisitos acima indicados” em nada altera o referido entendimento.
Com efeito o que daí se extrai é que, para além de terem que estar a ser cumpridas todas as obrigações emergentes do contrato, a redução do spread apenas se mantinha se também estivessem a ser cumpridas três, das seis, condições estipuladas no ponto 4º da cláusula 4ª, ou seja, o cumprimento das obrigações emergentes do contrato e a verificação das referidas condições eram cumulativas para que ocorresse a mencionada redução do spread.
Diga-se, aliás, que a tudo isto não é estranha a circunstância de que a exigência de subscrição de um contrato de seguro de vida nestas situações-concessão de crédito a habitação-faz parte do padrão negocial adoptado pelas instituições de crédito e que, em primeira linha, visa garantir o pagamento das obrigações contraídas pelos mutuários perante o mutuante, caso ocorra a verificação de qualquer um dos riscos garantidos: morte, invalidez total e permanente por doença e invalidez total e permanente por acidente, sendo embora certo que daí também derivam óbvias vantagens para os mutuários que ficam protegidos perante a ocorrência do infortúnio garantido.
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Do que se acaba de dizer decorre que o banco recorrido estava legitimado a por fim à redução do spread de que os Autores vinham beneficiando desde a celebração do contrato, passando a aplicar o valor contratualmente previsto de 4%, designadamente para o caso de o mutuário não vir a celebrar contrato de seguro de vida a favor do mutuante.
Efectivamente só assim não seria se os Autores apelantes tivessem logrado provar que, aquando da celebração do contrato de mútuo, já era do conhecimento do banco Réu a recusa da companhia de seguros que havia indicado em celebrar um tal seguro de vida, por o Autor marido, então com 57 anos de idade, padecer de doença cardíaca, não tendo valorizado tal facto como impeditivo da celebração do contrato de mútuo, razão pela qual lhe foi cobrada sempre um spread de 3%, coisa que, manifestamente, não fizeram, como se evidencia da factualidade dada como não provada e que não foi objecto de impugnação.
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Improcedem, assim, as conclusões A) a H) formuladas pelos Autores recorrentes.
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A segunda questão colocada no recurso prende-se com:

b)- saber se mesmo a existir fundamento contratual para o aumento do spread o referido direito estava, ou não, prescrito.

Alegam os Autores apelantes que ainda que o banco Réu dispusesse do direito contratual de aumentar o spread, tal direito estaria prescrito.
Ancoram esta sua pretensão no disposto no artigo 9.º, nº 4, do D. Lei nº 51/2007, de 07/03, alterado pelo D.L. nº 192/2009, de 17/08.
Também aqui, salvo o devido respeito, falece razão aos recorrentes.
Dispõe o artigo 9.º do citado diploma legal, sob a epígrafe “Vendas associadas” que:
1 – Às instituições de crédito está vedado fazer depender a celebração ou renegociação dos contratos referidos no art. 1º da aquisição de outro produtos ou serviços financeiros.
2 – Quando sejam propostos ao consumidor outros produtos ou serviços financeiros como forma de reduzir as comissões e demais custos do empréstimo, nomeadamente o spread de taxa de juro, a instituição de crédito deve apresentar ao consumidor, clara e expressamente, a taxa anual efectiva (TAE) que reflecte aquela redução de comissões e demais custos e a taxa anual efectiva revista (TAER);
3- (…)
4 – O direito de exigir o cumprimento de condição relativa à contratação de outros produtos ou serviços financeiros acordada nos termos do nº 2 prescreve no prazo de um ano após a sua não verificação.
O citado diploma legal, que regula as práticas comerciais das instituições de crédito relativas ao crédito à habitação, é aplicável ao contrato em apreço nos presentes autos, por força do disposto no seu artigo 1.º, nº 3, que estende a sua aplicação aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre coisa imóvel, celebrados com pessoas singulares que actuem com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional, o que se verifica no contrato em apreço.
Repare-se, porém, como bem se refere na decisão recorrida que o prazo de prescrição de um ano previsto no seu nº 4, diz apenas respeito ao direito do mutuante exigir o cumprimento da obrigação assumida pelo mutuário de adquirir outros produtos financeiros contratualmente acordados como condição de redução do spread.
Acontece que no caso concreto a obrigação de o mutuário marido celebrar contrato de seguro de vida a favor do mutuante banco Réu, decorre do próprio contrato de mútuo e que nada tem que ver com a subscrição de outros produtos financeiros como condição para a redução do spread, isto é, a celebração do contrato de seguro de vida foi uma exigência contratual acordada pelas partes.
Importa enfatizar, como noutro passo já se referiu, que o que ficou acordado contratualmente, foi existência de um contrato de seguro a favor do Banco Réu, celebrado com qualquer companhia de seguros, e não que os Autores mutuários subscrevessem um contrato de seguro de vida celebrado com uma companhia de seguros específica, designadamente com a companhia de seguros do grupo financeiro pertencente àquele, não obstante se tal ocorresse estava, então, preenchida uma das condições mencionadas no ponto 4º da cláusula 4ª para os Autores beneficiarem de redução do spread.
Daqui decorre, sem margem para qualquer tergiversação, que a referida obrigação contratual não integra a facti species da citada norma legal mais concretamente os seus nºs 2 e 4.
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Destarte, improcedem as conclusões I) a M) formuladas pelos recorrentes e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pelos Autores recorrentes (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 19 de Março de 2018.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
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[1] O mútuo bancário é assim, frequentemente (embora não necessariamente) um “mútuo de escopo”, ou seja, afecto a determinada finalidade do mutuário fixada por lei ou pelo contrato.
[2] É verdade que, tratando-se em regra o mútuo bancário de um mútuo escritural, e não de moeda legal (notas moedas) o banco só raramente entregará fisicamente o dinheiro ao cliente (entrega material), limitando-se a creditar-lhe a soma mutuada na respectiva conta bancária (entrega electrónica ou simbólica), porém, em nosso entender não deixa de se verificar a referida entrega e, portanto, de se qualificar o referido contrato como um contrato real “quod constitutionem”.
[3] Cfr. neste sentido A. Varela in Obrigações em Geral, 4ª Ed. pág. 201.
[4] Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pag. 444.
[5] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pag. 344.
[6] Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pag. 213.
[7] Vaz Serra, RLJ, Ano 111, p. 220.