Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA | ||
| Descritores: | MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO AÇÃO EXECUTIVA TRANSAÇÃO RISCO DE PERDA DA PRESTAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202511101852/12.7TBOAZ-D.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Se o apelante, pretendendo impugnar a decisão relativa à matéria de facto, se basta com a invocação de conclusões de natureza jurídica ou aduz factos que nada alteram ao dado como provado, a sua impugnação é manifestamente improcedente, e não há lugar à reapreciação da prova. II – Se os devedores cumprem integralmente o acordado na transação celebrada no processo executivo e depositam as prestações mensais na conta (sediada no Banco exequente) identificada nessa transação, o risco de perda da prestação, ou seja, de os depósitos não serem imputados ao fim acordado, corre por conta do credor. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1852/12TBOAZ-D.P1
Recorrente – Banco 1..., SA Recorrido – AA
Relator – José Eusébio Almeida Adjuntos – Nuno Marcelo da Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo e Maria de Fátima Andrade
Acordam na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório Por apenso à execução que o Banco 1... instaurou contra A..., Lda., AA; BB; CC; DD e EE, veio o executado AA deduzir oposição à penhora realizada em 24.09.2021, peticionando que seja ordenado o seu levantamento e ainda que seja decretada a extinção da instância executiva.
Para fundamentar as suas pretensões, o executado veio alegar: - A quantia exequenda, indicada pela da Sra. Agente de Execução, acrescida das custas prováveis, ascende a 11.449,40€, mas tal não corresponde à verdade, pois foi efetuado acordo no apenso A, no qual se reduziu a quantia exequenda em 3.674,45€, fixando, nos presentes autos, essa quantia em 9.700,68€, e o seu pagamento em 70 prestações mensais e sucessivas de 150,00€. - O executado procedeu, pontualmente, ao pagamento das prestações acordadas, sendo que, em maio de 2020, em virtude das contingências do COVID, viu-se impossibilitado de cumprir com regularidade as prestações em falta, tendo a exequente, em janeiro de 2021, solicitado a renovação da instância e indicado como valor da execução o montante de 8.783,27€. - Todavia, àquela data, já havia o executado liquidado 63 prestações, perfazendo o total de 9.450,00€, encontrando-se em dívida apenas 7 prestações, para cumprimento integral do acordo. - Sucede porém que, o executado, encontrando-se o processo suspenso para habilitação dos herdeiros, com anuência da exequente, retomou em janeiro de 2021, o pagamento das prestações em falta e considerando o valor em dívida, à data da renovação da instância, a penhora efetuada sobre a verba n.º 1, afigura-se claramente excessiva, não sendo admissível na extensão com que foi realizada, pois o imóvel já penhorado como verba n.º 2, pertença do executado BB, ultrapassa claramente o valor da quantia exequenda, e é um prédio livre de quaisquer ónus ou encargos. - Sem prescindir, na presente data encontrava-se o acordo efetuado totalmente liquidado, devendo como tal ser a execução extinta pelo seu pagamento e consequente inutilidade superveniente da lide.
Peticionou, ainda, a condenação da exequente como litigante de má-fé, em multa e em indemnização a seu favor de montante não inferior a 1.000,00.
O exequente contestou, impugnando, parcialmente, a versão dos factos apresentada e alegando, em síntese, que os executados, na sequência da celebração de uma transação a 1.07.2014, efetuaram pagamentos no valor de 3.311,80€, entre junho de 2014 e março de 2016; que o saldo da conta titulada pela executada foi objeto de várias penhoras que inviabilizaram a sua utilização na amortização da quantia exequenda, tendo sido transferida a quantia de 2.195,40 para os processos onde foram ordenadas as penhoras e encontrando-se, na referida conta, o saldo de 1.650,00, mas penhorado; que, face ao bloqueio da conta bancária da executada, em 15.07.2016, lhe solicitou a indicação de outro IBAN para pagamento das prestações, o que lhe facultou no próprio dia, tendo as prestações a partir de julho de 2016 passado a ser feitas para esse novo IBAN; que desde abril de 2016 se verificou um incumprimento do acordo de pagamento, com o pagamento irregular das prestações e posteriormente passou a não ser realizado qualquer pagamento; que os valores depositados e penhorados à ordem de outros processos não podem ser abatidos à quantia exequenda; que a execução foi sustada relativamente à verba n.º 1 por existir penhora anterior, pelo que a execução apenas pode prosseguir sobre a verba n.º 2; que além da penhora registada anteriormente sobre a verba n.º 1 se encontra também registada hipoteca a favor do Banco 1..., não existindo probabilidade de ressarcimento à custa desta verba; que não consta na descrição do prédio que constitui a verba n.º 2 a existência de qualquer construção, tendo esta verba como valor patrimonial 36,61€; que a dívida se encontra reduzida ao capital de 4.041,91€, ao qual acrescem os juros vencidos e vincendos, imposto de selo e custas judiciais, até efetivo e integral pagamento.
O Opoente respondeu. Aceitou “por confessado os montantes pagos à exequente bem como o facto desta ter dado a sua anuência à retoma dos pagamentos, do acordo, em Janeiro de 2021” e “que aceita por confessado pela exequente” o pagamento das prestações, entre 2014 e 2016, no montante total de 3.311,80€, o valor que alega ter sido penhorado (2.195,40€) e o saldo positivo da conta (1.650,00); sustenta que, tendo o exequente aceitado a retoma dos pagamentos, está impedido de exigir o vencimento antecipado das prestações em falta; desconhecia as penhoras referidas, impugnando o alegado quanto às mesmas; que cumpriu com o acordado entre junho de 2014 e março de 2016 e não tinha qualquer outro movimento nessa conta; que existe um saldo positivo de 1.650,00€, que deverá ser afeto ao acordo; que as alegadas penhoras não poderiam ser concretizadas se a exequente tivesse afetado tais prestações ao acordo; que a exequente nunca informou não estar a receber as prestações, nem indicou IBAN alternativo, sabendo que as prestações iriam ficar retidas por conta do valor a penhorar.
Foi realizada uma tentativa de conciliação (29.03.23), a qual não foi bem sucedida[1]. Depois da junção de diversos documentos e pronúncia das partes, obrigando ao seu reagendamento, a tentativa de conciliação veio a prosseguir (1.07.24), novamente sem sucesso. Os autos prosseguiram com a produção de prova (21.10.24) e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo a presente oposição parcialmente procedente por provada e, em consequência determino o levantamento da penhora que incide sobre o imóvel penhorado como verba n.º 1 nos autos principais, prosseguindo quanto ao imóvel penhorado como verba n.º 2, até ao pagamento da quantia de €750,00, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde 01/06/2020, até efetivo e integral pagamento, bem como das demais despesas e honorários da Senhora Agente de Execução”.
II – Do Recurso Inconformado, o exequente veio apelar. Pretende a revogação da sentença e apresenta as seguintes Conclusões: (…) Na resposta ao recurso defendeu-se a improcedência da apelação, tendo-se concluído: (…) III – Fundamentação Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto O recorrente veio impugnar a decisão relativa à matéria de facto, pretendendo, conforme resulta expresso nas sua conclusões, que os factos dados como provados como pontos 14 e 31 sejam eliminados (não provados).
A identificação dos pontos de factos que se pretendem alterar/eliminar ou acrescentar tem, efetivamente, de constar das conclusões do recurso, uma vez que são estas que delimitam o seu objeto (635 do Código de Processo Civil – CPC). O AUJ n.º 12/23, esclarece o entendimento precedente, uma vez que, fixando jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, não deixa de dizer, na sua fundamentação e de modo explicito, que “Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso”[2].
Assim, e numa primeira conclusão, o apelante (não estando em causa a pretensão à renovação dos meios de prova ou, sequer, a precisa indicação das passagens da gravação) tem um ónus tripartido, ao impugnar a decisão relativa à matéria de facto: “a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, que no seu entender determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; (...) e) O recorrente deixará expressa na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzida, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”[3].
Aquele primeiro ónus – já se disse – há de ser cumprido, também, mas necessariamente, nas conclusões do recurso. Os demais, além referenciados, podem sê-lo na motivação, nas alegações propriamente ditas.
Por ser assim – e com vista à relevância e validade/admissibilidade da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, transcrevemos a motivação do recurso, apesentada pela apelante, no que à impugnação respeita. Aí escreveu o que agora, com sublinhados nossos, se transcreve: “(...) O Tribunal a quo deu como provado, nos pontos 14 e 31, que o Banco Exequente não retirou da conta bancária titulada pela sociedade comercial “A..., Lda.” os montantes das prestações mensais acordadas no plano de pagamentos, não a tendo disso informado, permitindo que tais montantes se acumulassem e posteriormente fossem penhorados a favor de terceiros. No entanto, em nosso entendimento, resultam dos presentes autos outros elementos probatórios que determinam necessariamente que não sejam dados como provados os pontos 14 e 31 do elenco dos factos provados. Vejamos, No ponto 14 da matéria de facto dada como provada, o Douto Tribunal a quo deu como provado que “O Exequente não retirou da conta bancária referida em 3.º, 4.º os montantes referidos em 7 que aí foram depositados pela Executada A... Lda., de modo a amortizar com as mesmas o valor acordado, conforme referido em 3, tendo permitido que os mesmos se mantivessem como saldo da conta bancária dessa Executada.” Por sua vez, no ponto 31, o Douto Tribunal a quo deu como provado que “O Exequente não informou a Executada A..., Lda., de que não estaria a receber a prestação, nem indicou IBAN alternativo, sabendo que as prestações que a Executada ia realizando até então iriam ficar retidas por conta dos valores a penhorar, permitindo que essa Executada o fizesse até março de 2016.” O Douto Tribunal a quo concluiu que a Executada fez os pagamentos acordados na conta que tinha junto do Exequente e que este não podia deixar de saber que podia fazer seus tais montantes que a Executada ia depositando nessa mesma conta para pagamento do acordado. No entanto, salvo o devido respeito e melhor entendimento, o Douto Tribunal a quo não considerou outros factos, igualmente relevantes, que determinariam uma decisão diferente da questão controvertida. Com efeito, conforme se demonstrará, dos depoimentos das testemunhas FF e GG, funcionários do Banco Exequente resulta, por um lado, que os pagamentos não eram feitos por débito direto (mas por depósitos) e, por outro, que o Banco podia ir retirando os valores depositados, mas não tinha de o fazer mensalmente. Os referidos factos, conjugados com o que foi dado como provado no ponto 7, nomeadamente, da inconsistência dos dias dos depósitos da executada, determinam necessariamente que exigência para o Banco Exequente de retirar todos os meses os valores depositados na conta da cliente. Vejamos, A testemunha FF, advogado do Banco Exequente e gestor do processo em causa, começou por afirmar que o pagamento acordado era mensal e era efetuado na conta titulada pela sociedade comercial “A..., Lda.”, tendo ainda resultado do depoimento que tais pagamentos eram efetuados por depósito (e, consequentemente, não existia qualquer débito direto). [00.05.06-00.06.20]: Testemunha: “Foi dado entrada em juízo do acordo, pelo que eu tive aqui a ver, foi em julho de 2014 que o acordo deu entrada em juízo e, efetivamente, foram feitas, foram feitos pagamentos por força do mesmo. Eu, em termos dos valores e o que é que foi entregue, tenho a colega que trata mais dessa parte da entrega. Temos, efetivamente, o registo de todas as entregas que foram feitas. Inicialmente, na conta do cliente e, a partir de 2016, numa conta do Banco.” Mandatária: “Era isso que ia questionar. A forma de pagamento.” Testemunha: “Era pagamento mensal.” Mandatária: “Numa conta da própria executada?” Testemunha: “No acordo judicial está fixado, a conta para pagamento era a conta da sociedade, de onde era originaria a dívida. Depois, houve a questão, o problema das penhoras que caíram na conta e, a partir de 2016, entendeu-se que seria preferível, nenhuma das partes beneficiava o que fosse com aquilo, tinha o problema criado, seria preferível fazer o pagamento diretamente ao Banco, numa conta interna do Banco, que depois fazia a amortização.” [00.13.15-00.15.20]: Mandatária: “O senhor disse que, a partir do momento que entra a penhora, deixa de se poder movimentar o saldo, certo?” Testemunha: “Certo.” Mandatária: “Vocês estavam conscientes e sabiam que o acordo foi feito aqui no tribunal, inclusive, que o débito daquela prestação ia ser feita mensalmente na conta do cliente?” Testemunha: “Correto.” Mandatária: “Vocês levantaram alguma vez essa quantia?” Testemunha: “Levantaram, o quê? Pedimos para liquidar? Não, Senhora Doutora.” Mandatária: “O método do pagamento seria: o meu cliente, o executado ia depositar todos os meses 70 prestações de 150 euros, certo? Foi o que foi acordado.” Testemunha: “Foi.” Mandatária: “Na conta da cliente, certo?” Testemunha: “Na conta da cliente, exatamente.” Mandatária: “Qual é o procedimento por parte do Banco quando os acordos são feitos assim? Vocês regularmente iam ver se foi feito o pagamento, vocês levantaram o pagamento ou deixavam o pagamento depositado na conta da cliente?” Testemunha: “Neste caso em concreto, provavelmente, o acordo deu entrada em julho, não sei se, entretanto, meteram-se as ferias. Normalmente, o que é que acontece? Quando é formalizado um acordo judicial é feito um carregamento informático (...) Nós espelhamos o acordo que é feito em tribunal, normalmente, no fundo, vai espelhar, informaticamente, é feito um espelho do que é, do que deu entrada em tribunal. Há um carregamento informático.” Mandatária: “Fica a constar no Banco, no histórico do Banco?” Testemunha: “Exatamente. Fica lá o registo. Neste caso em concreto eu penso que não chegou sequer a ser carregado esse plano. Portanto, tenho ideia que a dívida, ainda está refletida a dívida originaria da sociedade por força de todas estas penhoras, penso eu que nunca houve uma condição efetiva para que o Banco pudesse.... A não ser que tivesse sido feito logo no dia a seguir à entrada do acordo. Mas, neste caso em concreto, não havia condições para que o Banco pudesse fazer o carregamento informático.” Mandatária: “Mas porquê? Por causa das penhoras?” Testemunha: “Das penhoras.” Portanto, do exposto resulta que os pagamentos efetuados pelos executados no âmbito do plano de pagamentos acordado eram por depósitos na conta titulada pela sociedade comercial e os mesmos tinham de ser retirados pelo Banco, não existindo um débito direto. Por outro lado, a mesma testemunha afirmou que, caso o acordo de pagamento tivesse sido carregado informaticamente, “poderia ter havido a possibilidade de o Banco debitar” os depósitos efetuados pelos Executados. Mas a referida testemunha também afirmou que o Banco Exequente dava como certos os valores depositados na conta à ordem da cliente, a qual foi especificamente indicada para o pagamento das prestações do acordo. [00.24.05-00.24.50]: Mandatária: “Se veio em outubro a ordem de penhora, vocês já lá tinham uma, duas, três prestações.” Testemunha: “O saldo estava lá, certo.” Mandatária: “(...) Porque é que não levantaram estas três prestações?” Testemunha: “(...) Se o acordo tivesse sido carregado no dia a seguir à entrada do acordo, as penhoras, claro, são posteriores, poderia ter havido a possibilidade de o Banco debitar. Agora, estes valores, o Banco deu-os como certos, estavam depositados na conta da cliente especificamente para o pagamento das prestações e estão aqui os depósitos.” Por sua vez, a testemunha GG afirmou que o carregamento informático do acordo de pagamento não era obrigatório e que não conseguiram mobilizar as verbas existentes face aos pedidos de penhora e, por outro lado, que todos os movimentos da conta da cliente eram feitos manualmente. [00.08.59-00.09.37] Testemunha: “Eu sei que na conta do cliente foram sendo recebidos valores que nos não pudemos utilizar porque estavam penhorados. Alias, por isso é que na altura não se conseguiu sequer fazer o carregamento informático do próprio acordo.” Mandatária: “Já aqui foi referido que poderia haver essa hipótese de não ter sido carregado informaticamente.” Testemunha: “Não, não foi carregado. Apesar de nem sempre ser obrigatório mas, pelo menos, tínhamos de ir amortizando os valores que, entretanto, iam sendo recebidos ao valor do próprio acordo e à divida efetiva do cliente.” [00.15.07-00.15.29]: Testemunha: “Quando foi dado pelo gestor para nós carregarmos já não conseguíamos carregá-lo informaticamente porque o dinheiro que estava supostamente para as rendas vencidas na conta do cliente já estava com penhoras, já não podia ser movimentado.” Mandatária: “Tudo isso era manualmente, é isso?” Testemunha: “Sim.” Portanto, dos referidos depoimentos resulta que os pagamentos do acordo de pagamento eram feitos mensalmente na conta da cliente, não existindo um débito direto, sendo necessário o Banco retirar tais pagamentos e aplicar na dívida existente. Não resulta dos referidos depoimentos que existia uma obrigatoriedade de o Banco retirar tais montantes mensalmente, até porque, conforme afirma a testemunha FF, tais valores depositados eram tidos como certos pelo Banco Exequente para o pagamento das prestações do acordo. Também não resulta de nenhum dos depoimentos prestados em sede de discussão e julgamento, nem de nenhum dos documentos juntos aos autos, que os Executados tenham mensalmente informado o Banco Exequente dos depósitos que tinham feito. Note-se que, conforme resulta dos pontos 7 a 10 da matéria de facto provada, os depósitos acordados de € 150,00 não eram feitos sempre no mesmo dia, variando entre o dia 15 e o dia 30 de cada mês, para além de que, nos meses de abril, maio e junho de 2016 nem sequer foi feito qualquer depósito. Portanto, o Douto tribunal a quo faz recair sobre o Banco Exequente a obrigatoriedade de consultar todos os dias a conta da cliente “A..., Lda.” para efeitos de debitar as prestações do acordo, já que, conforme ficou provado, os depósitos não eram feitos todos no mesmo dia. Contudo, sobre a cliente não existe qualquer obrigatoriedade de comunicar os pagamentos efetuados, sendo certo que o Banco Exequente tem inúmeros clientes e inúmeros acordos de pagamentos em vigor. Do supra exposto, resulta que não se provou que o Banco Exequente tinha de retirar mensalmente da conta da cliente os depósitos efetuados, tal como não se provou que os executados comunicavam mensalmente ao Banco Exequente o depósito das quantias acordadas. Por sua vez, foi dado como provado que os pagamentos não eram feitos por débito direto, era necessária uma intervenção manual, sendo que o Banco Exequente dava como certos os valores depositados na conta da cliente para efeitos do acordo. Assim, o Banco exequente entende que os pontos 14 e 31 da matéria de facto dada como provada devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados, uma vez que o Banco não era obrigado a retirar mensalmente os valores depositados (considerando que não foi mensalmente informado dos depósitos), tal como não inviabilizou o cumprimento do acordo de pagamento em virtude das penhoras efetuadas na conta da cliente ao não ter debitado os depósitos”.
A longa transcrição que antecede pretende evidenciar tudo quanto o Banco apelante trouxe ao recurso, enquanto razão e fundamento da sua pretensão impugnatória da decisão relativa à matéria de facto. Repetimos, agora, o que antes deixámos sublinhado, ou agora sublinhamos, para melhor entendimento da inviabilidade da impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Assim, e conforme vem alegado: “Portanto, do exposto resulta que os pagamentos efetuados pelos executados no âmbito do plano de pagamentos acordado eram por depósitos na conta titulada pela sociedade comercial e os mesmos tinham de ser retirados pelo Banco, não existindo um débito direto. (...) todos os movimentos da conta da cliente eram feitos manualmente. (...) Portanto, dos referidos depoimentos resulta que os pagamentos do acordo de pagamento eram feitos mensalmente na conta da cliente, não existindo um débito direto, sendo necessário o Banco retirar tais pagamentos e aplicar na dívida existente. Não resulta dos referidos depoimentos que existia uma obrigatoriedade de o Banco retirar tais montantes mensalmente, até porque, conforme afirma a testemunha FF, tais valores depositados eram tidos como certos pelo Banco Exequente para o pagamento das prestações do acordo. (...) o Douto tribunal a quo faz recair sobre o Banco Exequente a obrigatoriedade de consultar todos os dias a conta da cliente “A..., Lda.” para efeitos de debitar as prestações do acordo, já que, conforme ficou provado, os depósitos não eram feitos todos no mesmo dia. Contudo, sobre a cliente não existe qualquer obrigatoriedade de comunicar os pagamentos efetuados, sendo certo que o Banco Exequente tem inúmeros clientes e inúmeros acordos de pagamentos em vigor. Do supra exposto, resulta que não se provou que o Banco Exequente tinha de retirar mensalmente da conta da cliente os depósitos efetuados, tal como não se provou que os executados comunicavam mensalmente ao Banco Exequente o depósito das quantias acordadas. Por sua vez, foi dado como provado que os pagamentos não eram feitos por débito direto, era necessária uma intervenção manual, sendo que o Banco Exequente dava como certos os valores depositados na conta da cliente para efeitos do acordo. Assim, o Banco exequente entende que os pontos 14 e 31 da matéria de facto dada como provada devem ser eliminados do elenco dos factos dados como provados, uma vez que o Banco não era obrigado a retirar mensalmente os valores depositados (considerando que não foi mensalmente informado dos depósitos), tal como não inviabilizou o cumprimento do acordo de pagamento em virtude das penhoras efetuadas na conta da cliente ao não ter debitado os depósitos”.
Os artigos que o recorrente pretende ver eliminados são do seguinte teor: - 14 – O exequente não retirou da conta bancária referida em 3, 4.º os montantes referidos em 7 que aí foram depositados pela executada A... Lda., de modo a amortizar com as mesmas o valor acordado, conforme referido em 3, tendo permitido que os mesmos se mantivessem como saldo da conta bancária dessa executada. - 31 – O Exequente não informou a executada A..., Lda., de que não estaria a receber a prestação, nem indicou IBAN alternativo, sabendo que as prestações que a executada ia realizando até então iriam ficar retidas por conta dos valores a penhorar, permitindo que essa executada o fizesse até março de 2016.
Na fundamentação da sua pretensão à eliminação dos factos provados n.ºs 14 e 31, o recorrente afirma que os depósitos eram feitos segundo o acordado; que os mesmos tinham de ser retirados pelo Banco, para aplicar na dívida e que sobre o cliente não existia qualquer obrigatoriedade de comunicar os depósitos. E vem a concluir que não era obrigado a retirar mensalmente o valor depositado e que não inviabilizou o cumprimento do acordo.
O recorrente, quando não é meramente conclusivo (não inviabilizou o acordo... ao não ter debitado os depósitos) alega factos – factos nos quais sustenta a sua impugnação – que em nada contrariam a factualidade levada àqueles pontos 14 e 31. Dito de outro modo, o impugnante confunde um juízo legal (não tinha de debitar; não tinha de o fazer mensalmente) com a factualidade dada como provada ou, então, aduz factos que não contrariam os factos dados como provados.
Mas, sendo assim, a sua pretensão revela-se manifestamente infundada, a pretensão de eliminar aqueles factos carece de fundamento, pois das razões aduzidas não se retira minimamente a divergência entre o dado como provado e o fundamento para a sua eliminação.
A manifesta falta de fundamento da impugnação implica o seu indeferimento imediato, o que se decide.
Em conformidade:
III.I - Fundamentação de facto Factos Provados 1 – A execução foi instaurada para pagamento da quantia de 13 249,53€. 2 – Por transação realizada no apenso A e homologada por sentença de 22.01.2014, o exequente reduziu a quantia exequenda no valor de 3 674,45€. 3 – Em 1.07.2014, o exequente e a executada A..., Lda. requereram a suspensão da execução por terem acordado o seguinte plano de pagamento: “1.º - Pagamento da quantia exequenda e respetivos juros vencidos atualmente no valor de 9.700,68€ (nove mil e setecentos euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros vincendos, calculados à taxa Euribor a 6 M. acrescida de 4%, em 70 prestações mensais sucessivas. 2.º - O valor da prestação mensal é de 150,00€. 3.º - O não pagamento de qualquer prestação implica o vencimento de todas, prosseguindo a execução os seus termos para cobrança da quantia exequenda. 4.º - A conta para pagamento das prestações é a correspondente ao NIB ..., devendo no descritivo do depósito fazer menção ao nome ou ao número judicial do processo (1852/12.7TBOAZ). 5.º - As custas da responsabilidade da executada já se encontram pagas. 6.º - Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 807 do CPC, a exequente declara não prescindir da penhora registada sobre prédio rústico sito em ..., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz predial sob o artigo ... e descrito na competente CRP sob o n.º ..., da referida freguesia.” 4 – Em consequência deste acordo, a Senhora Agente de Execução extinguiu a instância. 5 – A conta referida em 3, 4.º era a conta da executada A..., Lda. no Banco Exequente. 6 – Em 12.06.2014 o saldo dessa conta bancária era de 533,60€ e em 13.06.2014 era de 695,40€ – doc. n.º 2 junto em 17/04/23. 7 – A executada A..., Lda. procedeu à transferência da quantia de 150,00€, para essa conta bancária, com referência ao número do processo, nos dias: 15/07/2014; 25/08/2014; 25/09/2014; 17/10/2014; 27/11/2014; 23/12/2014; 27/01/2015; 26/02/2015; 27/03/2015; 28/04/2015; 28/05/2015; 29/06/2015; 29/07/2015; 28/08/2015; 29/09/2015; 30/10/2015; 27/11/2015; 30/12/2015; 29/01/2016; 26/02/2016; 29/03/2016 e no dia 12.06.2014 transferiu para aí nos mesmos termos 161,80€, perfazendo o valor total de € 3 311,80. 8 – Porque a conta bancária supra referida foi bloqueada em consequência de penhoras, a referida executada solicitou à exequente, em 15.07.2016, outro NIB para efetuar o pagamento das prestações, tendo-lhe sido facultado no mesmo dia o IBAN .... 9 – A partir de julho de 2016 a referida executada procedeu ao pagamento das prestações para o novo IBAN, tendo procedido à transferência para essa conta em 29.07.2016 e 02.09.2016, das quantias de 300,00€, 10 - E a quantia de 150,00€ em 30/09/2016; 31/10/2016; 30/11/2016; 30/12/2016; 30/01/2017; 31/03/2017; 02/05/2017; 31/05/2017; 06/07/2017; 28/07/2017; 31/08/2017; 29/09/2017; 31/10/2017; 30/11/2017; 29/12/2017; 31/01/2018; 01/03/2018; 02/04/2018; 14/05/2018; 18/06/2018; 30/07/2018; 24/09/2018; 29/10/2018; 26/11/2018; 04/02/2019; 04/03/2019; 03/06/2019; 08/07/2019; 05/08/2019; 02/09/2019; 28/10/2019; 02/12/2019; 27/01/2019; 20/03/2020 e 25/05/2020. 11 – Em 8 de janeiro de 2021 a exequente requereu a renovação da instância executiva por força do incumprimento pela executada do acordo de pagamentos, indicando como valor então em dívida de 8 783,27€. 12 - Porque a ação executiva se mostrava suspensa para habilitação de herdeiros, com a anuência da exequente a referida executada retomou os pagamentos, tendo realizado, em 22.06.2021, 7 transferências no valor de 150,00€ para a conta referida em 9. 13 – No período referido em 7 a executada A..., Lda., não fez qualquer outro uso da conta bancária referida em 3, 4.º que não para o depósito das quantias aí referidas. 14 – O exequente não retirou da conta bancária referida em 3, 4.º os montantes referidos em 7 que aí foram depositados pela executada A... Lda., de modo a amortizar com as mesmas o valor acordado, conforme referido em 3, tendo permitido que os mesmos se mantivessem como saldo da conta bancária dessa executada. 15 – Em 31.10.2014 o exequente recebeu pedido de penhora do saldo bancário da conta referida em 3, 4.º, no valor de 600,00€ por parte do Agente de Execução do processo executivo n.º ... em que era Exequente B... SA. 16 – O exequente satisfez essa penhora transferindo para esse processo essa quantia em 27.12.2014. 17 – Em 25.11.2014 foi penhorado o saldo da mesma conta bancária, após bloqueio do mesmo efetuado em 19.11.2014 até ao montante de 1 295,40€, por parte do processo n.º ..., em que era Exequente C..., Lda. 18 – Nessa data, não existia saldo na conta para satisfazer integralmente a penhora referida em 17. 19 – Não obstante, essa conta bancária após a satisfação da penhora referida em 15 ter passado a ter o saldo de 995,40€, o exequente satisfez integralmente a penhora referida em 17 em 27.01.2015, ficando a conta com saldo negativo de 300,00€. 20 - Nesse processo a executada foi citada em 04.12.2014. 21 – Em 30.09.2015 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social notificou o exequente para proceder à penhora do saldo da referida conta bancária no montante de 1 284,24€, mantendo-se a penhora em vigor pelo prazo de um ano, sem prejuízo de renovação ficando a conta bancária congelada até esse pagamento. 22 – Em 06.01.2016, o exequente foi notificado para proceder à penhora do saldo da mesma conta na quantia de 300,00€ à ordem do processo n.º ..., em que era Exequente D..., SA. 23 – O exequente satisfez essa penhora entregando esse montante em 29.01.2016. 24 – A penhora do IGFSS foi levantada sem que tenha sido debitado da referida conta bancária qualquer quantia para seu pagamento. 25 - Por ofício de 19/07 de ano desconhecido a Autoridade Tributária solicitou a penhora de saldos bancários existentes em nome da executada A..., Lda., até ao valor de 17 960,05€, no processo executivo .... 26 – Em 21.07.2016 a Autoridade Tributária notificou o exequente para penhora do saldo da referida conta bancária referida em 3, 4.º, à ordem desse processo, instaurado em 15.10.2010. 27 – Em 23.12.2016 a Autoridade Tributária recebeu resposta do exequente informando que a executada era cliente mas tinha ativos impenhoráveis, por se encontra penhorado à ordem de outro processo anterior e que havia efetuado um bloqueio do saldo da conta à ordem desse processo, sem prejuízo da penhora já existente. 28 – A executada foi citada para essa execução em 09.11.2010 e fez acordo de pagamento da quantia exequenda em prestações cumprido o mesmo até 29.05.2011, tendo o remanescente do crédito da Autoridade Tributária sido pago em reversão contra AA e BB em 14/03/2017, encontrando-se já extinta essa execução, pelo menos desde 05.05.2023. 29 – Em 09.05.2023 o exequente informou a Autoridade Tributária, no processo referido em 25 de que se encontrava penhorado o valor de 1 650,00€. 30 – E, após a remessa da guia para esse pagamento pela AT em 11.05.2023 o exequente procedeu à entrega dessa quantia à Autoridade Tributária, para pagamento da quantia objeto do processo de execução referido em 25, esgotando o saldo da conta referida em 3, 4.º. 31 – O Exequente não informou a executada A..., Lda., de que não estaria a receber a prestação, nem indicou IBAN alternativo, sabendo que as prestações que a executada ia realizando até então iriam ficar retidas por conta dos valores a penhorar, permitindo que essa executada o fizesse até março de 2016. 32 – Mostram-se penhorados nos autos principais os seguintes imóveis: - Verba n.º 1, prédio urbano composto de casa de habitação de rés do chão, 1.º andar, anexo e logradouro, com a área coberta de 253 m2 e descoberta de 948 m2, sito em ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art. ... da União de Freguesias ... e ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de Estarreja, sob o n.º ..., da freguesia ... e aí inscrito em nome de BB e mulher, HH; - Verba n.º 2 prédio rústico composto de terra de cultura eucaliptal e mato, com a área de 4150 m2, sito em ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art. 6388o, da freguesia ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis, sob o n.º ..., da freguesia .... 33 – No prédio referido como verba n.º 2 mostra-se construída uma benfeitoria composta de casa de habitação. 34 – Esse prédio deu origem ao prédio urbano com o art. ... daquela freguesia com a área de 3150 m2, mantendo-se o rústico com cerca de 1.000 m2. 35 – Este prédio encontra-se onerado apenas com penhora posterior ao registo da hipoteca a favor do exequente. 36 – Tendo sido avaliado em avaliação extraordinária efetuada pela autoridade tributária no âmbito do IMI em 2018, pelo valor de 112 614,25€. 37 - Sobre a verba n.º 1, para além de penhora a favor da Banco 2... para garantia da quantia de 53 009,33€ registada em 19.03.2015, encontra-se ainda registada hipoteca a favor do Banco 1..., com data de 22.03.2001, para garantia do montante máximo de 13.376.600$00. 38 – O exequente beneficia de hipoteca sobre esse prédio registada em 05.04.2013, em consequência da conversão da penhora realizada nestes autos nessa data em consequência da extinção da instância em 2014. 39 – Na descrição predial da verba n.º 2 não se encontra averbada qualquer construção, tendo o prédio rústico a que corresponde o artigo matricial ..., atualmente, a área de 1 000m2, sendo o seu valor patrimonial avaliado em 1989 de 51,26€.
Factos não provados a) A execução foi sustada relativamente à verba n.º 1, atenta a existência de penhora anterior.
III.II – Fundamentação de Direito Ainda que tenhamos, oportunamente, definido o objeto do recurso, importa, para a sua melhor compreensão voltar a olhar para as conclusões apresentadas pelo apelante. E, seguindo de perto essas conclusões, constatamos que o apelante discorda: - De terem sido dados como provados os pontos 14 e 31 (conclusões 10 a 23); - Entende que não há mora do credor, e que essa eventual mora não desonera o devedor da sua obrigação (conclusões 24 e 25); - Considera que, no caso presente, “Os depósitos foram sempre efetuados em datas distintas, sendo manifestamente inexigível que o exequente tivesse de consultar diariamente a conta da cliente para aferir se os depósitos tinham sido feitos” e, por isso, “Não há mora do credor relativamente às quantias que não foram aplicadas no acordo entre julho de 2014 e março de 2016” (conclusões 35 e 36) e, por fim, “Relativamente à entrega pelo Banco, em maio de 2023, da quantia de 1.650,00€ à Autoridade Tributária, quando o respetivo processo de execução fiscal já se encontrava pago, mesmo sendo tal facto do conhecimento do Banco, existia uma ordem de penhora pendente” e “Se não houve um cancelamento da ordem da penhora, salvo o devido respeito, o exequente não podia ignorar a ordem de penhora, até porque poderia já existir outro montante em dívida à Autoridade Tributária” (conclusões 37 e 38).
Relativamente ao primeiro ponto de discórdia, já nos pronunciámos em sede da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, a qual, pelas razões então expostas, indeferimos liminarmente.
Os dois restantes pontos de discordância acabam por se fundir na questão fulcral do recurso, a de saber se, como entendeu o tribunal recorrido, a apelante, enquanto credora, se colocou numa situação de mora, e as consequências daí decorrentes.
Antes de prosseguirmos, com alguma síntese – e sublinhados nossos – vamos transcrever a fundamentação do decidido em primeira instância, para melhor perceção da eventual viabilidade das razões que suportam o recurso. Escreveu-se na sentença: “(...) o Exequente e a Executada A..., Lda., celebraram um acordo de pagamento em 01/07/2014 pelo qual fixaram a quantia em dívida a essa data em €9.700,68, acrescida de juros vincendos, calculados à taxa Euribor a 6 M. acrescida de 4% em 70 prestações mensais sucessivas no valor de €150,00, a pagar pela referida Executada na sua conta no banco Exequente com o NIB ... (...) posteriormente a esse acordo a Executada procedeu ao depósito nessa sua conta no banco Exequente, entre julho de 2014 e março de 2016, de 21 prestações mensais de €150,00, que perfazem o valor total de €3 150,00, cumprindo nesse período de tempo integralmente com a obrigação acordada. Defende o Exequente que essa quantia não se encontra paga porque foi objeto de penhoras determinadas em outros processos que impediram que o montante depositado na referida conta bancária fosse imputado ao pagamento da dívida em execução. (...) essas quantias entraram na esfera de disponibilidade do Exequente, conforme acordado, e foi este que não procedeu à imediata retirada desses montantes da conta bancária da Executada para os imputar ao pagamento da quantia exequenda, conforme se mostrava pressuposto no acordo de pagamento. Dispõe o art. 813.º do Código Civil (...) o art. 815.º, n.º 1, prevê que a mora faz recair sobre o credor o risco da impossibilidade superveniente da prestação que resulte de facto não imputável a dolo do devedor. Importa, assim, aferir se o Exequente poderia ter feitos seus os montantes das prestações depositadas na conta, e se estava obrigado a entregar aos processos executivos os montantes penhorados, de forma a verificar se este credor incorreu em mora no recebimento das prestações pagas e se esse facto desobriga os Executados (...). O art. 780.º, n.º 1, do C.P.Civil, que prevê a penhora de depósitos bancários dispõe: (...) No caso, a Executada A..., Lda., tinha na conta bancária de que era titular no Exequente, referida no acordo de pagamento, antes da realização da primeira transferência de €150,00 para cumprimento do acordo de pagamento em julho de 2014, o saldo de €695,40. Efetuou, de seguida transferências de €150,00, nos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2014, esta última realizada 17/10/2014. Só em 31/10/2014 o Exequente recebeu pedido de penhora do saldo existente na referida conta. Assim sendo, nada obstava a que tivesse retirado da conta e imputasse ao pagamento do seu crédito a quantia de €600,00. Se o tivesse feito, como devia, a referida conta bancária à data dessa primeira penhora só teria o saldo de €695,00, aliás suficiente para a satisfação integral dessa primeira penhora. (...) Em 25/11/2014 o Exequente recebe novo pedido de penhora até ao montante de €1 295,40, que, caso tivesse retirado o montante das referidas 4 prestações depositadas em cumprimento do acordo de pagamento deveria ser apenas de €95,00. Inexplicavelmente, porém, o Exequente não subtraiu o montante de €600,00 já anteriormente penhorado e, em vez de comunicar que a conta tinha apenas um saldo de €95,00, decidiu satisfazer integralmente o valor dessa penhora em 27/01/2015, deixando a conta, mesmo já com o as prestações mensais de €150,00 depositadas nos meses de novembro de 2014 a janeiro de 2015 com o saldo negativo de €300,00. Ao transferir a quantia de €1 295,00 a título de penhora de um saldo bancário que à data da penhora deveria ser apenas de €95,00, satisfazendo parte desse pagamento com quantias que entraram na referida conta bancária posteriormente à data da penhora, por depósitos da Executada para pagamento do crédito do Exequente, e adiantando ainda dinheiro que não existia em saldo de conta, mesmo no momento da satisfação da penhora, atuou o Exequente abusiva e ilicitamente. Assim sendo e porque esta conduta só a si é imputável, após a penhora do saldo da conta bancária existente à data desta penhora, que era de apenas €95,00 e que permitia cumprir com a obrigação de penhora que sobre si recaía poderia o Exequente ter feito seus os montantes depositados pela Exequente em 27/11/2014; 23/12/2014; 27/01/2015; 26/02/2015; 27/03/2015; 28/04/2015; 28/05/2015; 29/06/2015; 29/07/2015; 28/08/2015 e 29/09/2015. (...) Em 30/09/2015 o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social notificou o Exequente para proceder à penhora do saldo da referida conta bancária no montante de €1 284,24, mantendo-se a penhora em vigor pelo prazo de um ano. O Exequente não deu satisfação a essa penhora, porque, por força da indevida penhora de €1.200,00, o saldo da conta nessa altura era de apenas €1 050,00. (...) em 06/01/2016 o Exequente foi notificado para proceder à penhora do saldo da mesma conta na quantia de €300,00 à ordem do processo no ..., em que era Exequente D..., SA e satisfez essa penhora entregando esse montante em 29/01/2016. (...) quando em 06/01/2016 foi comunicada ao Exequente a penhora do saldo da conta da Executada, não podia este deixar de satisfação ao mesmo, pelo que se mostra corretamente realizada a transferência de €300,00 para esse processo executivo, tendo necessariamente esse montante que ser descontado no montante depositado pela Executada para pagamento ao Exequente. Após o levantamento dessa penhora sempre poderia e deveria o Exequente proceder ao levantamento de todas as demais quantias que se encontravam depositadas nessa conta bancária e que a Executada aí depositou para satisfação do crédito daquele (...) Em 21/07/2016 a Autoridade Tributária notificou o Exequente para penhora do saldo da referida conta bancária referida em 3, 4.º, à ordem desse processo, instaurado em 15/10/2010, ao que o Exequente respondeu que a Executada era cliente mas tinha ativos impenhoráveis, (...) Já após a primeira sessão da tentativa de conciliação realizada nestes autos em 29/03/2023, decorridos mais de 12 anos sobre a penhora do saldo bancário pela Autoridade Tributária e mesmo após esta ter informado que essa execução se encontrava extinta por integral pagamento, o que foi comunicado à ilustre mandatária do Exequente em 08/05/2023, o Exequente, inusitadamente, sem informar nada nos autos, em 09/05/2023 comunicou à Autoridade Tributária, por referência ao referido processo de execução fiscal que se encontrava penhorado saldo bancário no valor de €1 650,00 e, após a remessa da guia para esse pagamento pela AT, em 11/05/2023, o Exequente procedeu à entrega dessa quantia à mesma (...). Este indevido pagamento, esvaziando a conta da Executada, do remanescente do dinheiro aí depositado para pagamento do crédito em execução, já na pendência destes autos, também só ao Exequente pode ser imputado e não pode prejudicar os Executados. Deste modo se conclui que, com exceção da quantia de €300,00 que o Exequente levantou da conta bancária da Executada A..., Lda., por penhora realizada em janeiro de 2016, cuja satisfação não lhe é imputável, terão que ser levadas em conta para amortização do crédito exequendo todas as demais quantias transferidas por essa sociedade para a conta bancária em que ficou acordado que o fizesse, para pagamento desse crédito, sendo o valor total a atender de €2 850,00, correspondente a 19 das prestações acordadas. (...) Dado que ambas as partes estão de acordo em que a execução deverá prosseguir apenas sobre a verba n.º 2, que ademais se encontra menos onerada, merece provimento o pedido de levantamento da penhora sobre o prédio penhorado como verba n.º 1”. Apreciemos.
A sentença recorrida faz uma análise ponto por ponto (e que corresponde com precisão aos factos dados como provados), dos depósitos feitos para cumprimento do acordo estabelecido na execução, depósitos – aqui em causa – feitos numa única e identificada (no próprio acordo) conta bancária, sediada no apelante, e das retiradas ou cativação dessa mesma conta, em cumprimento de ordens de penhora. Dessa análise conclui que a dívida dos executados é apenas no montante de 750,00€, acrescida de juros, determinando o prosseguimento da execução para pagamento deste valor.
O pressuposto da sentença é que o credor, exequente, incorreu em mora, da qual deriva o risco da perda da prestação do devedor e, consequentemente, os depósitos, devem ser considerados no abatimento da dívida exequenda, independentemente de o credor os haver “usado” par dar cumprimento às penhoras de que foi notificado.
A divergência entre o decidido e a pretensão recursória assenta no desentendimento de se estar (ou não) perante um situação de mora do credor e suas consequência, sendo esse, por isso, o real e efetivo objeto do recurso, também, ou ainda, quando o apelante sustenta que essa mora não existe relativamente aos depósitos efetuados entre 2014 e 2016, quer quando sustenta a bondade da transferência do saldo de 1.650,00€, já em 2023, porquanto também este saldo estava cativado e se referia à mesma conta bancária, identificada no acordo e na qual foram feitos todos os depósitos aqui em causa.
Na (inicial) execução, as partes celebraram uma transação que, como se sabe, é um contrato, e os contratos devem ser pontualmente cumpridos. Nessa transação estabeleceu-se o valor em dívida, o pagamento prestacional (mensal) dessa dívida, a fazer-se por depósito na conta, especificamente identificada, sediada no próprio exequente, ou seja, conta da qual o exequente era o depositário. Aos executados cabia cumprir o acordado, ou seja, fazer depósitos mensais de 150,00€ nessa conta, sem que se haja estipulado no acordo que os depósitos deviam ser feitos doutro modo, noutra conta ou em dias previamente determinados.
O apelante sustenta, em apoio da sua eventual irresponsabilidade ou, dito de outro modo, da sua não incursão em mora, que os executados não procediam ao depósito em dia certo do mês, que o Banco não tinha de mecanismo automatizado para controlar os depósitos feitos, e que não podia verificá-los manual e diretamente.
Trata-se, no entanto, de alegações sem qualquer relevo ou efeito na apreciação que nos cabe fazer. Com efeito, o acordo não estipula qualquer concreto dia (dentro da periodicidade mensal) para a efetivação dos depósitos e é perfeitamente irrelevante para o devedor o modo (automatizado ou manual) como o credor haja decidido verificar os depósitos e destiná-los ao pagamento da dívida.
Efetivamente, a pergunta que tem cabimento é, salvo melhor saber, a seguinte: O que faltou os executados para cumprirem a obrigação a que ficaram adstritos no acordo? A resposta parece-nos evidente: Nada. Tinham que depositar mensalmente o valor da prestação, e depositaram; tinham que o fazer numa concreta e identificada conta, e fizeram-no.
Os executados cumpriram inteiramente a sua prestação, cumpriram a transação (contrato) pontualmente.
O exequente, oferecida a prestação pelos devedores, não a aceitou, na medida em que usou os montantes destinados ao cumprimento do acordo para outro fim ou, noutra perspetiva, não praticou os atos necessários a que a prestação oferecida, legalmente oferecida, fosse inteiramente rececionada e, naturalmente, imputada à quantia exequenda, como era – e devia ser – o seu destino.
Assim, estamos numa situação em que o credor incorre em mora (artigo 813 do Código Civil - CC). E, a partir da mora (do credor), o devedor só responde pelo seu dolo (artigo 814, n.º 1 do CC), para lá de, durante a mora, não haver vencimento de juros, sequer dos convencionados (artigo 814, n.º 2 do CC).
A sustentação, pelo exequente, de que a mora do credor não afasta ou não afasta inteiramente a responsabilidade do devedor e de que, no fundo, impunha-se-lhe o cumprimento das ordens de penhora, remete-nos para o risco, nos casos de mora do credor: a impossibilidade superveniente da prestação, não havendo dolo do devedor, recai sobre o credor (artigo 815, n.º 1 do CC). Note-se que, feito o depósito, ou seja, cumprida integralmente a prestação por parte dos executados, a decisão de aplicar os montantes depositados – em rigor, montantes já do credor – a fim diverso do acordado só ao credor é imputável.
Renova-se que os executados cumpriram integralmente o que haviam acordado com o exequente: pagaram tempestivamente as prestações e foi o incumprimento do exequente que permitiu que os depósitos fossem usados para fins diversos, fins esses que, em rigor, o exequente não tinha de cumprir. Não porque não deva cumprir as ordens de penhora, mas porque a conta, cumprido o acordo não teria o saldo que o permitia. Feito o depósito, o valor depositado é do exequente, conforme, implícita, mas necessariamente se acordou, pois os depósitos eram especificamente para pagamento da dívida e, por isso, depositados numa conta específica e identificada no acordo.
Diga-se, em acrescento final, que um eventual benefício dos executados, a ser considerado, pressupunha obrigações bilaterais (315, n.º 2 do CC), que não ocorre no caso presente, e um eventual enriquecimento dos devedores também se não equaciona, na medida em que sequer foi invocado pelo credor.
Em conformidade, a decisão recorrida não merece reparo e a sentença deve ser inteiramente confirmada.
Atento o decaimento, o recorrente é responsável pelo pagamento das custas do recurso – 527, n.º 1 do CPC.
IV – Dispositivo Pelo exposto, acorda-se na 3.ª Secção Cível (5.ª Secção) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se a sentença apelada.
Custas pelo recorrente. |