Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1429/09.4PIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: AMEAÇA
OFENSA A ORGANISMO
SERVIÇO OU PESSOA COLETIVA
Nº do Documento: RP201205231429/09.4PIPRT.P1
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O receio, relativamente ao comportamento do arguido, posto que objetiva e subjectivamente adequado, não é jurídico-penalmente protegido se não é causado pela cominação de um tipo legal de crime de entre os que protegem os interesses contidos no artigo 153º do CP.
II - A ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva [187º CP] se cometida por escrito, gesto ou imagem ou por qualquer outro meio de expressão que não o verbal, não está penalmente protegida
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 1429/09.4PIPRT da 3ª secção do 2º Juízo do Tribunal Criminal do Porto

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – Artur Oliveira

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento veio a ser proferida sentença, onde, se decidiu julgar parcialmente procedente por provado, o despacho de pronúncia e, em consequência,

1. absolver o arguido B…,

1. 1. da autoria material de um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço p. e p. pelo artigo 187º/1 e 2 C Penal, este ultimo com referência à alínea b) do nº1 do artigo 183º do mesmo diploma;
1. 2. da autoria material de dois crimes de ameaças, pp. e pp. pelo artigo 153º/1 C Penal;
1. 3. da autoria material de dois crimes de coacção agravada na forma tentada, pp. e pp. pelos artigos 21º, 22º, 154º/1 e 2 e 155º/1 alínea c) C Penal, em concurso aparente com dois crimes de ameaça agravada, pp. e pp. pelos artigos 153º/1 e 155º/1 alínea a) C Penal;
1. 4. da autoria material da autoria material de um crime de injúria, p. e p pelos artigos 181º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º C Penal;

2. condenar o arguido B…,
2. 1. pela autoria material de um crime de injúria, p. e p pelos artigos 181º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º C Penal, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 10,00;

2. 2. pela autoria material de um crime de injúria, p. e p pelos artigos 181º e 184º, com referência à al. l) do nº 2 do artigo 132º C Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 10,00, em resultado da convolação operada do crime de difamação em que o arguido vinha acusado, p. e p. pelos artigos 180º e 184º;

2. 3. pela autoria material de um crime de injúria, p. e p pelos artigos 181º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º C Penal, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de € 10,00, em resultado da convolação operada do crime de difamação em que o arguido vinha acusado, p. e p. pelos artigos 180º e 184ª;

2. 4. pela autoria material de um crime de injúria, p. e p pelos artigos 181º e 184º, com referência à alínea l) do nº 2 do artigo 132º C Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 10,00, em resultado da convolação operada do crime de difamação em que o arguido vinha acusado, p. e p. pelos artigos 180º e 184ª;

2. 5. na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de € 10,00, o que perfaz o valor € 1.500;00.

I. 2. Inconformados, com o decidido, recorreram, os assistentes C…, D…, Hospital …, o MP e o arguido – pugnando, respectivamente,
os dois primeiros, também, pela condenação do arguido pelos crimes de ameaças,
o 3º pela condenação do arguido pelo crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço,
o 4º, condensando todas estas pretensões e,
o arguido pela sua absolvição – aparentemente – tão só em relação ao crime em que o visado é o assistente D…, Director Clínico do Hospital …, atinente ao conteúdo do blog, com a consequente redução da multa aplicada, rematando, cada um deles, os respectivos recursos através da formulação das seguintes conclusões:

a. o assistente C…:

1. estão preenchidos os elementos do tipo lega de crime de ameaça, p. e p. no artigo 153º C Penal;
2. é irrelevante para a definição do conceito de ameaça, se se trata de ameaças genéricas ou concretizadas, sendo relevante a adequação das ameaças a acusar receio no ameaçado, pois estamos perante um crime de perigo concreto (cfr. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao C Penal, I, 342 e ss.);
3. as afirmações feitas pelo arguido configuram a ameaça de um mal concretizado, porquanto são descritas as acções que irá tomar, as atrocidades que irá praticar e, ainda, é afirmado que irá destruir o assistente e pôr termo à vida do assistente;
4. ficou provado que as ameaças feitas pelo arguido causaram receio e ansiedade ao assistente, que alterou as suas rotinas em face e ta receio e, ainda, que o Hospital … teve que reforçar as medidas de segurança no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica;
5. foi violado o disposto no artigo 153º C Penal;

b. o assistente D…:

1. estão preenchidos os elementos do tipo lega de crime de ameaça, p. e p. no artigo 153º C Penal;
2. é irrelevante para a definição do conceito de ameaça, se se trata de ameaças genéricas ou concretizadas, sendo relevante a adequação das ameaças a acusar receio no ameaçado, pois estamos perante um crime de perigo concreto (cfr. Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao C Penal, I, 342 e ss.);
3. as afirmações feitas pelo arguido configuram a ameaça de um mal concretizado, porquanto é dito expressamente que destruirá a vida do assistente;
4. ficou provado que as ameaças feitas pelo arguido causaram receio e ansiedade ao assistente, que alterou as suas rotinas em face e ta receio e, ainda, que o Hospital … teve que reforçar as medidas de segurança no Serviço de Cirurgia Cardiotorácica;
5. foi violado o disposto no artigo 153º C Penal;

c. o assistente Hospital …:

1. dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas referido na sentença, resulta inequívoco que o arguido ao ter escrito e enviado o manifesto, bem assim como as missivas cujo conteúdo consta dos factos assentes, quis atingir a credibilidade e o prestígio da instituição Hospital …;
2. dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas referido na sentença, resulta inequívoco que o arguido quis ao ter escrito e enviado o manifesto, bem assim como as missivas, colocar em causa o bom nome e a competência profissional e técnica de todos os profissionais do Serviço de Cirurgia Torácica e o seu bom e regular funcionamento e ainda o próprio hospital;
3. dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas referido na sentença, resulta inequívoco que o arguido quis, com o manifesto e as missivas enviadas, colocar em causa o prestígio e a credibilidade do Conselho de Administração Clínica e Direcção do Internato Médico;
4. dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas referido na sentença, resulta inequívoco que o arguido quis, com o manifesto e as missivas enviadas, colocar em causa o prestígio e a credibilidade e confiança do público nos serviços prestados no Serviço de Cardiologia Tóracica e assim no Hospital …;
5. dos documentos juntos aos autos e do depoimento das testemunhas referido na sentença, resulta inequívoco que o arguido quis imputar ao Hospital … uma actuação e um mau servir dos doentes e de desonestidade;
6. o arguido no manifesto de 13.9.2008 e nas cartas que ficou dado como provado que enviou, imputou factos relativamente ao Hospital …, ofensivos da sua imagem, credibilidade, prestígio e confiança;
7. resulta dos depoimentos das testemunhas acima transcritos, que as afirmações constantes do manifesto e das ditas cartas são falsas;
8. ficou provado que “o serviço de cirurgia Cardiotorácica do … dispõe de um quadro de cirurgiões qualificados, com experiência cirúrgica em instituições estrangeiras de grande reputação; privilegia a investigação científica, que mantém uma relação estrita de cooperação com a E… e tem protagonizado linhas de investigação clínica que mereceram prémios e bolsas de relevo nacional e internacional”;
9. ficou provado que "o referido Serviço de Cirurgia Torácica é um serviço que tem funcionado de modo a satisfazer os seus utentes e público em geral, o que lhe tem valido reconhecimento como um serviço competente por ter cirurgiões de excelência o que tem contribuído para a credibilidade e o prestígio do Hospital …";
10. estão preenchidos os elementos do tipo de legal de crime, a saber:
a) afirmação ou propalação de factos inverídicos: resulta dos depoimentos das testemunhas acima transcritos que os factos vertidos no manifesto e nas cartas enviadas pelo arguido são inverídicos;
b) factos capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança: ficou provado que o … é uma instituição credível, prestigiada e digna de confiança - cfr. factos provados n.ºs 17 e 18;
o mesmo resulta dos depoimentos das testemunhas em que se louva a sentença recorrida, conforme excertos acima transcritos;
c) o agente, ao afirmar ou propalar factos inverídicos o faça sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar de verdadeiros: não é necessário, para a verificação deste elemento do tipo, que o agente tenha conhecimento do carácter não verídico dos factos; basta que não tenha fundamento para em boa fé os reputar de verdadeiros, o que se verifica no caso concreto;
11. no que respeita ao elemento subjectivo, é necessário o dolo, em qualquer das formas previstas no artigo 14° C penal, tendo ficado demonstrado que o arguido agiu com a intenção de ofender;
12. das afirmações dadas como provadas resulta uma ofensa clara ao funcionamento de um serviço do hospital, bem como uma ofensa ao funcionamento do próprio hospital enquanto organização de profissionais de saúde, que põe em causa a sua credibilidade, prestígio e confiança;
13. das afirmações acima transcritas, o visado é directamente o …, já que são factos dirigidos ao … e que abalam a sua credibilidade, prestígio e confiança;
14. mesmo no que respeita às afirmações que visam directamente o Dr. C… verificam-se todos os elementos do tipo legal de crime de ofensa à pessoa colectiva, pois sendo factos e juízos relativos à actuação do Dr. C…, prendem-se com o desempenho da sua actividade profissional no …, como director o Serviço de Cirurgia Torácica, como médico e como formador de médicos internos;
15. os factos provados são inverídicos, susceptíveis de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança do …, e que o arguido afirmou e divulgou, com a intenção de ofender o …;
16. nas afirmações que resultam provadas, o arguido põe em causa a competência profissional, técnica e académica dos profissionais do …;
17. ao ofender a imagem do Serviço de Cirurgia Torácica e dos seus profissionais de saúde, bem como os elementos do Conselho de Administração do Hospital …, foi a imagem do próprio Hospital assistente que o arguido ofendeu;
18. com os factos falsos imputados ao … e aos seus profissionais, o arguido ofendeu a confiança, credibilidade e prestígio do assistente;
19. o arguido bem sabe do carácter não verdadeiro dos factos que afirmou, ou, pelo menos não tem fundamento para em boa fé reputar tais factos como verdadeiros;
20. o arguido ser condenado pela prática do crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, p. p. pelo artigo 187º/1 e 2 C Penal, com a agravação da alínea b) do n.º 1 do artigo 183° do mesmo Código;
21. com a sentença recorrida foi violado o disposto no artigo 187º/1 e 2 C Penal;

d. o MP.;

1. este recurso visa a reapreciação de matéria de direito, quanto a uma parte da sentença;
2. segundo a melhor doutrina e jurisprudência, constitui matéria de direito a interpretação e subsunção dos factos nas normas legais em causa;
3. o Tribunal da Relação conhece de facto e também de direito – artigo 428º C P Penal;
4. a Mª Juiz nesta instância fez uma subsunção errada dos factos nas normas jurídico-penais aplicáveis – ressalvada melhor opinião;
5. escrever-se e espalhar-se esse escrito – divulgando-o por várias entidades e pessoas –- que o o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica tem sido palco dos espectáculos mais bizarros da vida deste Hospital. (...) abala o prestígio desse Serviço e do …, na medida em que, num Hospital, seja em que departamento for, não podem passar-se espectáculos bizarros; um Hospital não é uma arena de circo e no seu interior só podem ocorrer as actividades normais da assistência médica e cirúrgica e todas as actividades adjacentes a estas;
6. e escrever-se e divulgar-se nesse escrito que "O pior de tudo é que o pior de tudo (...) Tem que ver com a sua completa aceitação do facto de o Serviço estar a desaparecer, de dirigir um Serviço de Mortos-Vivos com um prazo de validade de 1/2 década”….. resulta abalada a confiança e a credibilidade do … e do seu SCCT., porque se transmite a ideia de que naquele Hospital e serviço não se trabalha, ou trabalha-se mal, de tal forma que o serviço se extinguirá em menos de 5 anos;
7. o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica (SCCT) do Hospital de …, é uma unidade hospitalar de ponta, grandemente prestigiada junto da população e da comunidade médica nacional e internacional, onde se praticam as mais complexas e arriscadas cirurgias cardíacas, nomeadamente transplantes, tanto a adultos como a crianças;
8. no norte do país, a população expressa-se em termos elogiosos, seja em artigos de jornal, seja em programas televisivos relativamente ao …, por ser uma unidade de saúde que presta bons cuidados assistenciais à população, integrada no SNS; além disso, alberga a E… da …, a escola mais pretendida pelos estudantes, a nível nacional, que desejam cursar medicina e aquela onde entram sempre os de mais elevadas classificações;
9. os escritos e os factos propalados pelo arguido foram lidos por muita gente, que questionava o serviço e o … para se inteirar do que se passava;
10. o arguido conhecia a falsidade do que escreveu e sabia que ao divulgar tais factos abalava a credibilidade, o prestígio e a confiança que o … e o seu SCCT merecem e de que efectivamente desfrutam;
11. quis, com tal conduta, que desenvolveu com vontade livre e consciente, abalar essa confiança, o prestígio e a credibilidade do … e do SCCT;
12. a sua conduta integra os pressupostos, objectivos e subjectivos do crime p. e p. pelo artigo 187º C Penal;
13. o arguido deverá ser condenado pela prática deste crime, em pena de multa de 100 dias;
14. num quadro circunstancial de hostilidade para com os assistentes, o arguido enviou-lhes mensagens telefónicas em que anunciava:
“o teu dia vai chegar C…. Não paro de pensar no que lhe vou fazer quando lhe caçar. O teu dia vai estar próximo!”;
“Uma fina linha. O vosso cérebro mesquinhamente português nem desconfia do perigo que corre.”
- esta ao assistente C….
“Não temos mais nada a conversar. Mas não duvides. Quando chegar a altura certa, vais-me pedir misericórdia. Juro pela minha vida: a destruição da minha vida vai ser compensada pela destruição da tua” – esta ao assistente D…;
15. estes anúncios, no contexto já referido, só podem significar que o arguindo anuncia a prática de algum mal que não especifica, mas que só pode ser alguma ofensa física e/ou da própria vida;
16. o arguido sabia que anunciava um mal e quis fazê-lo, com plena consciência da sua atitude, para amedrontar e abalar a liberdade de movimentos e a tranquilidade da vida dos assistentes, o que conseguiu, como se deu, aliás, por provado;
17. por conseguinte, como exposto, estão verificados todos os pressupostos, objectivos e subjectivos do crime de ameaça, tal como previsto no artigo 153º C Penal perpetrados nas pessoas dos assistentes C… e D…. E o arguido deveria ter sido declarado culpado da sua prática, em penas consentâneas com a sua culpa;
18. o arguido conhecia o carácter ilícito das suas condutas antes descritas;
19. ao não condenar o arguido pela prática, em concurso, de:
- um crime de ofensa a organismo ou serviço;
- dois crimes de ameaça;
sendo que foram apurados todos os factos, nomeadamente os relativos à culpa, a douta sentença recorrida violou as normas dos artigo 14º, 153º e 187º C Penal e 368º/2 C P Penal;
20. deve portanto ser parcialmente revogada e substituída por outra que condene o arguido B… pela prática dos três ilícitos acima referidos.

e. o arguido:

1. o arguido vinha acusado, nos presentes autos, da prática dos crimes que a seguir se elencam:
- um crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço, p. e p. pelo artigo 187º/1 e 2 C Penal, neste último com referência à alínea b) do n.º 1 do artigo 183º do mesmo diploma; dois crimes de injúria, p. e p. pelo artigo 181º/1 e 184º/1 C Penal; dois crimes de ameaça, p. e p. pelos artigos 30º/2 e 223º/1 C Penal; três crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º/1 e 184º C Penal; dois crimes de coação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 21º. 22º, 154º/1 e 2 e 155º/1 alínea c) C Penal, em concurso aparente com dois crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º/1 e 155º alínea a) C Penal;
tendo o tribunal a quo condenado o arguido pela prática de: um crime de injúria, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 10 euros; em resultado da convolação operada do crime de difamação em que o arguido vinha acusado, para a autoria material de um crime de injúria, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 10 euros; em resultado da convolação operada do crime de difamação em que o arguido vinha acusado, para a autoria material de um crime de injúria, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 10 euros e, por fim, em resultado da convolação operada do crime de difamação em que o arguido vinha acusado, para a autoria material de um crime de injúria, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de 10 euros;
2. o arguido foi condenado numa pena única de 150 dias de multa à taxa diária de 10 euros, nos termos do artigo 77º C Penal;
3. o tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática dos quatro crimes de injúria baseou-se nos seguintes factos que aqui se transcreve:
4. o arguido dirigiu ao director clínico do Hospital … a expressão "sacana nojento filho da mãe" e que continua a passear a sua careca nojenta pelos corredores daquele hospital;
5. o arguido "apelida num mesmo contexto o director de serviço de cirurgia cardiotorácica de "porco sub-humano racista, covarde e estúpido";
6. e ainda dirige noutra circunstância ao director de serviço do Hospital … "besta sadomasoquista sanguinária. Verme traidor, racista repugnante, miserável e nojento. Sapo indecente, saco de esterco, cobarde que levou no cu toda a vida e que mesmo assim, apanhou calado. Homens que levam no cu e ficam calados. Imundos ratos de esgoto. Nasceram, viveram e hão-de m ... como cães doentes que são";
7. finalmente em 7 de Agosto de 2010, "cabrões panduleiros sub-humanos";
8. a frase alegadamente dirigida pelo arguido ao director clínico do Hospital …, a expressão " sacana nojento filho da mãe" e que continua a passear a sua careca nojenta pelos corredores daquele hospital, foi extraída do blogue F…, criado para publicitar a greve de fome do arguido;
9. o arguido esclareceu que o blogue F… foi criado em 29 de Junho de 2009 (não tendo dito por si) e para publicar a greve de fome em que entrou, por ter sido readmitido ao serviço mas onde o esvaziaram de funções, tendo negado expressamente (nas suas declarações) tê-lo criado, bem como ser o responsável pelo seu conteúdo;
10. tendo concluído o tribunal a quo, na sua douta sentença, que ... no que respeita aos factos assentes 25 a 26, 28 a 32, estes vertem o conteúdo do blog. Não se estabeleceu que o arguido é o criador do blog, (cfr. alínea h), pois em tal sentido não se logrou fazer prova) mas apenas que aquela acompanha as acções de protesto do arguido a partir do momento em que o mesmo retoma as suas funções e é impedido, ficando esvaziado das mesmas, isto é, impedido de prosseguir o seu internato, e que ali o arguido escreve, coloca "posts". Todavia não podemos afirmar com a certeza constitucionalmente exigida, por não ser uma decorrência unívoca, certa, lógica e coerente pela autoria dos factos vertidos nas alíneas i) a p), atento o clima de conflitualidade que se instalou, daí a sua não prova;
11. ao arrepio do concluído pelo tribunal, veio o mesmo decidir pela condenação do arguido na pena de multa, por ter dirigido ao director clínico do Hospital …, através do blogue, a expressão "sacana nojento filho da mãe" e que "continua a passear a sua careca nojenta pelos corredores daquele hospital'';
12. ora, não resultou como provado dos presentes autos que o arguido tenha sido autor do aludido blogue;
13. pelo que a sentença objecto de recurso encontra-se ferida de insuficiência para a decisão da matéria de facto provado no que toca ao crime referido em 4. alínea a), nos termos do artigo 410º/2 alínea a) C P Penal;
14. com efeito, não pode ser atribuída ao arguido a prática desse crime de injúria, na medida em que não se provou ser ele o autor do aludido blogue;
15. aliás, a fundamentação da sentença, ao que essa parte toca, na realidade não assenta nos factos provados;
16. é antes consequência de uma construção, aparentemente, lógico-dedutiva contrária à factualidade apurada;
17. é assim evidente a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
18. estamos, sem dúvida perante a violação do princípio do "in dubio pro reo", segundo o qual o juiz deve decidir "sobre toda a matéria que não se veja afectada pela dúvida", de forma que "quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório”, Cristina Líbano Monteiro, "Perigosidade de inimputáveis ...", 54;
19. o invocado princípio é duplamente atingido, porquanto e, no seguimento da sua consolidação jurídico-normativa, a doutrina entende que "o universo fáctico – de acordo com o “pro-reo” - passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza", Cristina Líbano Monteiro, "Perigosidade de inimputáveis ...", 54;
20. em suma, nos presentes autos não só não ficou provado que o arguido tenha praticado o crime supra referido, como foi criada uma claríssima dúvida razoável quanto aos factos pelos quais o arguido vem acusado, que concernem às publicações no blogue, pelo que a sua absolvição quanto a esse crime aparece como a única atitude legítima a tomar.
Pelo exposto, resulta líquido que o tribunal a quo violou, entre outros, o artigo 410º/2 alínea a) C P Penal e o artigo 32º/2 da CRP.

I. 3. Nas respostas que apresentaram, quer o MP., quer os assistentes, pessoas singulares, pugnam pelo não provimento do recurso do arguido.

II. Subidos os autos a este Tribunal, dele teve vista o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, que emitiu parecer aderindo no essencial ao recurso dos assistentes e do MP, bem como às respostas que estes apresentaram ao recurso interposto pelo arguido.

No exame preliminar o relator teve o recurso como admitido sob o legal regime e que nada obstava ao conhecimento do respectivo mérito.

Seguiram-se os vistos legais.

Foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre agora apreciar e decidir.

III. Fundamentação

III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

Assim, as questões suscitadas pelos recorrentes, para apreciação pelo tribunal de recurso, são as seguintes:

1. recurso dos assistentes C… e D…:
saber se estão preenchidos os elementos do tipo legal de crime de ameaça, p. e p. no artigo 153º C Penal;

2. recurso do assistente Hospital …:
saber se estão preenchidos os elementos do tipo legal de ofensas a organismo, serviço ou pessoa colectiva;

3. recurso do MP.;
saber, da mesma forma se estão verificados os elementos dos tipos de ameaça e de ofensas a organismo, serviço ou pessoa colectiva;

4. recurso do arguido:
saber se se verifica o vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e,
se se mostra violado o princípio in dubio pro reo.

III. 2. Vejamos como habitualmente, o que se consignou na sentença recorrida em termos de fundamentação de facto.

Factos Provados.

“1. O Arguido é médico interno de especialidade do .º Ano do Serviço de Cirurgia Torácica (daqui em diante CCT) do Hospital …, desde 01/02/2008.
2. O «Hospital ….» (daqui em diante …), que funciona igualmente como Hospital Universitário, é gerido por um Conselho de Administração em que figuram como elementos, nomeadamente um Presidente e um Director Clínico representante da classe médica, sendo o nível de gestão intermédia composto por Directores de Serviço, nomeados pelo Conselho de Administração.
3. O assistente C… é desde MAIO/2004, Director de Serviço da Cirurgia Torácica do referido Hospital.
4. O assistente D… foi entre Maio /2004 e Abril/2010, Director Clínico de tal Hospital, pertencendo, como médico especialista de Medicina Interna, aos quadros dessa instituição hospital.
5. O arguido requereu, a 28/JUL/2008, a interrupção do internato médico, por um período de cinco meses, a iniciar a 01.08.2008 e a terminar no final desse ano, o que foi deferido pela «Administração Central do Sistema de Saúde, IP»
6. Tal aconteceu na sequência de incidente ocorrido no decurso de intervenção cirúrgica, respeitante a «remoção de cânula aórtica» efectuada no bloco operatório do dito Serviço de Cirurgia Torácica a 07. 07.2008 em que o arguido, como ajudante, teve uma conduta considerada pelo director clínico como inadequada por intempestiva, com perigo de hemorragia grave, que foi reparada pelo assistente C…, como médico cirurgião.
7) Sequentemente, em SET/2008, o arguido requereu a suspensão da mencionada suspensão, vindo, depois de não lhe ter sido deferida tal pretensão a ser admitido ao serviço em FEV/2009, embora afastado de funções clínicas.
8. O arguido elaborou e subscreveu um documento que designou por "Manifesto", datado de 13.07.2008, que dirigiu e entregou, o mais tardar a 14.07.2008, na mencionada instituição hospitalar, à Directora do Internato Médico e Adjunta da Direcção Clínica do mesmo Hospital, Dra. G….
9. E remeteu tal Manifesto:
9.1 Em OUT/2008, por carta datada de 17.10.2008, para o Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Médicos (Secção Regional Norte), Senhor Dr. H…; e
9.2 Em JAN/2009, mas antes de 16.01, por carta datada de 06.01.2009, para o Sr. Presidente do Conselho Nacional dos Internatos Médicos.
10. Ainda em JAN/2009, o arguido elaborou, com a data de 20.01.2009, uma carta que enviou ao referido Director Clínico do Hospital ….
11. Em tal manifesto o arguido fez constar que:
«(...) o Serviço de Cirurgia Cardiotorácica tem sido palco dos espectáculos mais bizarros da vida deste Hospital. (...)
Comecei então a compreender melhor a mentalidade brutal e quase esclavagista encarnada não mais no que no seu actual Director de Serviço, Dr. C…, que, irremediavelmente, tem levado jovens talentosos a desistirem de um sonho (...).
Esse Director (o sublinhado é nosso) está, na minha opinião longe de perceber e de conhecer as técnicas, também não menos complexas, do treino e potenciação das capacidades jovens, garantes do futuro de um Serviço, barrando quase implacavelmente, mas abertamente, a participação em programas científicos ou meramente de formação contínua académica externos, imputando-lhes horários selváticos, no limiar da humanidade e do esclavagismo, levando-os a um desgosto e infelicidade tremendos, que nenhuma compensação financeira jamais pode fazer esquecer. (...)
É insustentável, incompreensível, que um serviço praticamente acabado de fazer de raiz, com condições excelentes de trabalho e, sobretudo, de prestação de cuidados, acabe por afundar por causa da impotência de alguns dos seus líderes. (...)
O pior de tudo é que o pior de tudo (...) Tem que ver com a sua completa aceitação do facto de o Serviço estar a desaparecer, de dirigir um Serviço de Mortos-Vivos com um prazo de validade de 1/2 década. A alegoria que eu usei com um colega recentemente, repito a V. Exª, para que me ajude a esclarecer-lhe quanto aos factos que lhe estou a relatar. Achei que o Serviço comportava-se como uma família disfuncional e amedrontada que tendo perdido prematuramente, por via de maldições lançadas por pessoas de mau coração em séculos longínquos, grande parte dos seus filhos em idade juvenil, mais não pode fazer que levá-los a saírem de casa e refugiarem-se noutras instituições ou, entregá-los irremediavelmente para adopção. Acredito, enfim, que este seja, ultimamente o grande handicap do Centro. Não saber formar por nunca formar, não saber lidar porque nunca lida. (...)
mais não me resta que pedir a V. Exa. que traga à discussão com o actual director de Serviço tais temas, já que tem-se visto totalmente impotente no que diz respeito a garantir o futuro do CCT, investindo cada vez mais numa cultura "assassina" de todos os valores minimamente aceitáveis de uma cultura de aprendizagem e felicidade para os membros (aos formandos me refiro) que se encontram sob a sua Direcção e que dele dependem, muito embora ele sequer nem o suspeite na maior parte do tempo, para ultrapassarem dificuldades enormíssimas e chegarem por fim ao porto mais desejado de que já dei conta, ou que continuando no que o próprio considera como sendo um bom trilho, assuma no presente e no futuro todos os fracassos que poderão advir dessa lei de arrasa-internos /mata-o-futuro. (...)
Pelo que o que lhe expuser nos parágrafos seguintes verá V. Exa. que não se tratará nunca de cansaço físico ou psicológico, se bem que ele existisse, mas sim de uma atitude esclavagista e humanamente implacável, por parte do Director de Serviço, o Dr. C…. Na sua louca visão do futuro do serviço e dos números que o SNS não se cansa de exigir aos hospitais, o meu director de serviço não de coibia nas últimas semanas, de fazer para o dia seguinte uma urgência de 24 h oras, duas marcações para o bloco operatório para cirurgias das mais desgastantes fisicamente; (...)
Esta é uma triste verdade se levarmos em conta com os números que já apresentei, e uma óptima, sádica e implacável forma de matar um serviço que não lhe pertence nem por direito nem por mérito (...)
No dia da minha saída decorria uma cirurgia de revasculação do miocárdio (...) Perto do final, ocorreu um erro que considero trivial da minha parte (...) O que não se admite foi a atitude do Director: num acto de perfeita loucura gritou enfurecido em alta voz, cerrou os punhos, encarniçou a voz, gritou outra vez, nesse instante vi que os seus olhos chamejavam de um furor quase insano, tendo ficado com a ideia que estava a olhar para os olhos de um possesso (...)”
12. E na mencionada carta que elaborou e dirigiu ao Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Médicos, após ter tido conhecimento do indeferimento, pelo Conselho de Administração do referido Hospital, do seu pedido de reintegração, referiu designadamente que o assunto da mesma era o seguinte: "Assuntos: Violação, da parte de colegas de: 12.1. Código Deontológico dos Médicos; 12.2. Vários artigos do Regulamento de Conduta nas Relações entre Médicos (RCRM); 12.3. Prejuízo moral, atingimento irreversível do bom nome, da honra e dignidade pessoais; 12.4. Afastamento e dispensa de funções médicas, sem fundamentação, sem produção de prova, sem oportunidade de defesa por parte do Médico dispensado; 5. Decisões e comportamentos ilegais, racistas e discriminatórias por parte de colegas e do conselho de Administração do Hospital …. 6. Abuso de Poder» (...)
13. E, depois de afirmar nessa missiva que, segundo o informaram, as decisões e o ponto de vista do referido Director de Serviço, Dr. C…, tinham o apoio incondicional da Administração do Hospital, expendeu que:
«Ora, acontece que para que o Dr. C… (o sublinhado é nosso) atingisse os seus objectivos, incorreu em várias transgressões da ética profissional, transgressões essas que são aliás, o assunto principal desta exposição.
Primeiro, fazendo uso claramente abusivo e moralmente condenável de um discurso ofensivo e vitriolante, que mancharam o meu Bom - Nome, honra e dignidade profissionais. (...)
Ademais, sugeriu à Administração Hospitalar tratamentos médicos e psicológicos absurdos para os quais não tem competência, mais uma vez estigmatizando e usando de tudo para atingir a minha honra e dignidade, para que sua vontade seja cumprida. (...)
Usou e abusou mais uma vez de uma atitude claramente propositada de exagero fraudulento e mentiroso de tudo o que lhe tivesse ocorrido. (...) ..... e a um grupo distinto de profissionais, que, digo-o com toda a frontalidade, constitui um grupo hediondamente racista, preconceituoso e discriminatório. E posso prová-lo. Refiro-me a quase totalidade do grupo de profissionais do Bloco Operatório, nos quais inclui-se enfermeiros e outros. (...) É minha intenção demonstrar e denunciar um comportamento claramente racista e discriminatório da grande maioria dos meus colegas, com apenas duas excepções categóricas. São escandalosamente ricos, arrogantes, preconceituosos e negligentes quanto a formação de internos. (...) Mas vamos ser claros e realistas: até eu se fosse português, repito, se fosse português, ficaria' assustado' com um bicho tão exótico.(...)
Admito que possa não ser exclusivo do serviço onde estou, mas neste o circulo tornou-se tão fechado e a autoridade tornou-se tão arbitrária, que lá só está quem querem, como e quando querem. Considero neste caso haver um aproveitamento da hierarquia assistencial como instrumento de domínio e de exaltação pessoais. Abusam arbitrariamente dos poderes, destroem carreiras, fazem infelizes e continuam e continuam. (...)»
14. E nas cartas que elaborou e dirigiu ao Presidente do Conselho Nacional dos Internatos Médicos e ao referido Director Clínico do Hospital …., Dr. D…, o ora arguido escreveu nomeadamente o seguinte:
"Assuntos: 14.1. Impedimento ilegal, pela instituição de Formação (…), de um interno de formação específica em proceder com o seu programa de formação; 14.2. Lesão irreversível por aquele dos direitos conferidos ao interno pela portaria 183/2006/ de 22/02/ Regulamento do Internato Médico. 14.3. Actuação incompetente da Directora do Internato Médico da instituição de formação, levando a dano irreparável da formação e carreira profissionais e agravando-os, por omissão e por acção; 14.4. Não cumprimento por parte da Directora do Internato Médico das funções que lhe são confiadas pela portaria acima referida e pelo Decreto Lei 203/2004 (Modelo do Internato Médico), posteriormente redigido sob o Decreto Lei 60/2007; (...)
O que move o Dr. C… é um orgulho impiedoso e uma veia revanchista. O seu grande erro foi ter julgado ser fácil "liquidar" o pobre do interno. Hoje, tenho a séria impressão de que é o próprio Dr. C… que padece de sérias perturbações psiquiátricas, a julgar pelo caminho inconcebível e incompreensível que tem seguido apenas e só para considerar o desiderato de me ver fora do "seu" Serviço. (...)
De todo este caso decorre que: 1 - Estou tecnicamente afastado e impedido de continuar a minha formação profissional, sem fundamento moral ou jurídico válido, vítima de uma estratégia bem conhecida de abuso de poder por parte de um Director de Serviço que me quer expulsar do "seu" Serviço e forçar-me a mudar de especialidade, com vista a resolução dos seus problemas de relacionamento; (...) 3 - A Directora do Internato Médico ignorou propositadamente o meu esforço inicial de tentar contribuir para melhorar os padrões de formação no SCT do …, retribuindo-me com uma típica facada nas costas, dando sempre cegamente seguimento e apoio ao meu Director de Serviço, sem nunca hesitar, mesmo sabendo que a minha vida está a ser irremediavelmente devastada; 4 - Sendo assim a mesma Directora não cumpre com as funções que lhe são confiadas pela portaria 183/2005/ no seu artigo 140/ alíneas c) e h). 5 - As afirmações da própria chegam a ser escandalosas e vexantes para os internos do Hospital … .... É minha séria convicção estar a litigar com pessoas irracionais, com uma Directora de Internato Médico incompetente, com uma administração despotista e fora de lei e com um Director de Serviço louco e, provavelmente, a precisar de tratamento psiquiátrico ou de umas longas Férias. (...)
15. E se na missiva dirigida ao Conselho Nacional do Internato Médico o arguido pede mormente: «Parecer com vista a avaliação do Director do SCCT pelo Serviço de Saúde Ocupacional do …, por me parecer claramente estar incapaz de dirigir os destinos do CCT e por apresentar sinais comportamentais de alguém com perturbações psíquicas gravíssimas e perigosas para os doentes»
16. Na carta dirigida ao referido Director Clínico do Hospital … solicita designadamente: «Avaliação do Director do SCT pelo Serviço de Saúde Ocupacional do …, por me parecer claramente estar incapaz de dirigir os destinos do SCT e por apresentar sinais comportamentais de alguém com perturbações psíquicas gravíssimas e perigosas para os doentes»
17. O Serviço de Cirurgia Torácica do … dispõe de um quadro de cirurgiões qualificados, com experiência cirúrgica em instituições estrangeiras de grande reputação; privilegia a investigação científica, que mantém uma relação estreita de cooperação com a E…, vem acolhendo os alunos do .° ano da E…, e tem protagonizado linhas de investigação clínica que mereceram prémios e bolsas de relevo nacional e internacional.
18. O referido Serviço de Cirurgia Torácica é um serviço que tem funcionado de modo a satisfazer os seus utentes e publico em geral, o que lhe tem valido reconhecimento como um serviço competente por ter cirurgiões de excelência o que tem contribuído para a credibilidade e o prestigio do Hospital …,
19. O Hospital …, mantém o mesmo Director de Serviço de Cirurgia Cardio-torácica desde, pelo menos, meados de 2008, por reputar não assistir razão ao arguido e serem inveridicas as acusações de outra forma teria tomado medidas para sanar os eventos.
20. O arguido conhece e reconhece nas missivas envidas a qualidade dos serviços prestados pelo CCT, mas quis denunciar as técnicas formativas do Director de Serviço, Dr. C…, das quais discorda e a quem as não reconhece qualidades formativas -por destas discordar, - já que cumpria horário para além das 42h semanais, designadamente a partir de Março de 2008, teve meses de fazer sete urgências, de 24h (Abril) seguidas de idas para o bloco operar, como primeiro ajudante, (cfr. dias 24-04-08 (fez urgência a 23-04-08)- 28-04-08 (fez urgência de 24 h a 27-04-08) com blocos de 33h seguidas de trabalho, em Maio onde fez 6 urgências de 24h e 5 prevenções, indo operar após 24h de urgência, e onde se pode verificar períodos de trabalho seguido de 33 horas o que se ainda ocorre em Junho e Julho).
21. O arguido regressou ao serviço após a suspensão do internato por este requerido em 2 de Janeiro de 2009, (após uma tentativa de regresso em Setembro de 2008, sem êxito) tendo sido impedido pelo director de serviço de retomar funções, com a alegação que estaria na situação de incapacidade temporária, o que mereceu a concordância da Administração do ….
22. Foi pedido pela Administração do Hospital …, nova marcação de consulta para apurar da aptidão física e psíquica na pessoa do arguido, à medicina ocupacional ou do trabalho, para realizar as funções que lhe estavam acometidas.
23. O arguido sujeitou-se a consulta da medicina ocupacional que pediu a uma entidade externa, uma junta medica que foi realizada pela … e um parecer sobre a aptidão psíquica do arguido, a que o arguido se submeteu, tendo realizado designadamente perícia psiquiátrica, tendo tal junta médica deliberado em 17 de Março de 2009, “que o funcionário está abrangido pela alínea f) do art. 11º, do Decreto Regulamentar nº 41/90, de 29.11, isto é, apto física e psicologicamente capaz para desempenar o seu cargo, isto é, prosseguir o seu internato.
24. Perante o regresso do arguido ao Hospital …, o Conselho de Administração daquele deliberou que aquele ficaria esvaziado de funções clínicas, remetendo-o a um gabinete, ficando o arguido desta forma impedido de prosseguir o internato.
25. O arguido perante a situação descrita em 24, deu inicio a uma greve de fome, a qual foi acompanhada por um blogue na internet cujo endereço é “http://F....blogspot.com”, e onde se mostram colocados “posts” sendo um datado de 3.08.09, pelas 15h25, com o titulo “Im still here you bastards”, isto é “ainda estou aqui bastardos”
26. No Blogue identificado em 25 foram colocadas diversas fotografias de uma T-shirt, preta com dizeres, assim
- em 6.08.09 pelas 18h06 a T-Shirt preta dizia “CCT=Arrogants”
- em 6.08.09 pelas 18h08 a T-Shirt preta dizia “CCT=Traitors”
- em 7.08.09, pelas 8h15 a T-Shirt preta dizia “CCT=Racists” e outra com os dizeres “CTT= Cowards worms”
- em 10.08.09, pelas 8h22 e pelas 17h04, a T-Shirt preta dizia “CCT=DIRTY RATS e CCT = VERMIN”
27 Em 11.08.09, pelas 16h21, foi colocado no blogue acima identificado um texto com o título “ A guerra estalou” onde o assistente D…, director clínico do Hospital … é apelidado de “sacana, nojento filho da mãe” e que continua a passear a sua careca nojenta pelos corredores daquele hospital, pelo arguido.
28. Ainda se expendeu em tal texto que: «Olho por olho, dente por dente! Podem até ter esta minha pele exótica, mas isto vai-lhes sair muito caro. Caríssimo. Meus amigos exorto-vos a tentarem a justiça por outros meios, se nenhum dos outros legais ou outros funcionam. Há sempre uma forma de fazer justiça. Get it? Quem faz destas a um homem tem de assumir as consequências dos seus actos. A não ser que aquele a quem foram feitas sejam ratos. Há algum rato que me esteja a ler. Sei que sim, mas esses são ratos anónimos. Ignoremo-los.» (...)
«Não irei telegrafar os meus golpes, obviamente, mas asseguro-vos uma coisa: vivam os envolvidos 100 anos, não passará nenhum dia em que não se lembrarão destes tempos magníficos, principalmente da minha cara e dos horrores que me têm feito passar. Quais sanguinários têm-se deliciado com este espectáculo de tortura, onde eu sou a fera exanguinada. Ninguém espetará aquele golpe de misericórdia, pelo menos olhando-me nos olhos. É essa a lógica de todo o processo ter passado para as mãos do todo poderoso Director Clínico; do processo disciplinar estar totalmente a ser controlado por ele.»
29. Ainda ali se fez referencia à operação «Barbarossa» da 2ª Guerra Mundial, dizendo que «nesta guerra, com o exército russo, o Fuhrer declarou que ou Exército inimigo marcharia sobre os seus cadáveres ou eles marcariam sobre os deles. Adoro esta postura de ou tudo ou nada, confesso-vos. Ao menos tenho as tripas prontas para NÃO deixar injustiças darem um passo sobre o meu cadáver. Acusem-me do que bem entenderem. É altura então de declarar o mesmo. A partir do dia de hoje, ou aqueles que destruíram a minha vida marcharão sobre o meu cadáver, ou marcharei sobre o deles. A guerra começou. Estou irremediavelmente metido nisto até o pescoço, e podem ficar descansados de que não tenho nenhum plano para o meu futuro»
30. No Blogue identificado em 25 foram colocadas diversas fotografias de uma T-shirt, preta com dizeres, assim:
- em 12.08.09 pelas 08h41duas T-Shirt pretas com os dizeres: “CCT e mais abaixo Duas suásticas e CCT e mais abaixo, Uma suástica”
31. A abreviatura CCT usada no blogue identificado em 24, corresponde a Centro de Cardiologia Torácica.
32. O arguido usou em data indeterminada de Agosto de 2009, camisolas negras com a cruza suástica no interior do Hospital …, Porto, designadamente nas áreas de demais profissionais e nas áreas afectas a doentes:
33. Os textos e fotos colocados no blogue estavam aí colocados em 12.01.2011
34. O arguido ao empreender a conduta descrita em 27, dos factos assentes quis ofender por palavras a honra e consideração do assistente D…, por causa das funções que este exercia no Hospital …- Director Clínico.
35. Entre 22/JUN/2010 e 07/AGO/2010, o arguido através do telemóvel n° ………, enviou para o telemóvel n° ………, pertencente ao assistente C…, mensagens escritas, com o seguinte conteúdo:
- A 22.Jun.2010, pelas 23H22: “ Se destruir a minha vida não pense que vai viver despreocupado. Nunca mais enquanto eu viver vai viver descansado. Vou cobrar-lhe o que me tirou” acrescentou, em inglês, em suma, que não entrasse em erro e que jurava pela sua vida: «destróis a minha vida , hei-de destruir a tua, seu porco submarino/(traduziríamos como subhumano) racista»,
- A 22.Jun.20l0, cerca das 23H57, em inglês: «chegará o dia em que vais entalar-te e engolir os abusos e insultos; chegará o dia em pedirás misericórdia, irás pagar, racista covarde.
- A 23.Jun.20l0, pelas 1H05, «Ignoraste o meu direito à minha carreira e a seriedade da situação. Assim seja, estúpido, até o dia em que vou enfiar teus crimes pela tua garganta abaixo, Estas a Jogar um Jogo muito perigoso, dá-me a minha vida de volta e acaba tudo em paz.»
- A 27.Jun.20l0, pelas 22H24, a dizer designadamente que: «Amanhã não vou trabalhar outra vez. Transformou-me num completo inútil. Este deve ser o vosso maior acto de crueldade»
- A 02.JuI.20l0, pelas 20H51: «Nota-se o sr: racista de sempre na sua voz, Seja paciente: vai-lhe ser enfiado pela garganta abaixo mil vezes mais o que me fez passar»;
- A 04.JuI20l0, cerca das 02H3l: «Tenho esperança que este meu exílio forçado termine. Se não terminar e destruírem-me, destruo-vos imediatamente. Juro por deus. Ao condenarem-me estarão a condenar-se, pelas 02H50: ”Aceitem a solução mais fácil e melhor para as nossas famílias: salvarmo-nos a todos. A alternativa é: guerra total, não se salva ninguém. "Não sejam estúpidos. Depois do fim da minha especialidade, saio do país e nunca mais me vêm na vida. Estou sem trabalho há dois anos.»; pelas 14H57: «Acaba com este crime e salva-nos a todos. Depois do internato, desapareço para sempre das vossas. Ouça o que eu lhe digo. Não estrague as nossas, pois, no outro caminho só haverá perdedores e será tarde demais.»; cerca das 21H21: «Estou a ver uma reportagem do … em São Tomé. Sabe dr, quando eu vejo essas coisas fico a explodir de raiva e com uma certeza: a vossa atitude vai condenar-nos a todos. Irão cair comigo.»; pelas 21H26: «Neguem-me tudo, mas não durante muito mais tempo. Vão ver...»; cerca das 21H44: « A pior tragédia na historia de Portugal está mais perto de acontecer do quer acreditar, C…. Convença-se duma coisa; minha destruição = sua destruição. Vai ver...»;
- A 06.Ago.2010, pelas 02H18: «o teu dia vai chegar C…. Não paro de pensar no que lhe vou fazer quando lhe caçar. O teu dia vai estar próximo. Besta sadomasoquista sanguinária. Verme traidor, racista repugnante, miserável e nojento. Sapo indecente, saco de esterco, cobarde que levou no cu toda a vida e que mesmo assim, apanhou calado. Homens que levam no cu e ficam calados. Imundos ratos de esgoto. Nasceram, viveram e hão-de m ... como os cães doentes que são»;
-A 07. Agosto. 2010, pelas 17H09 «Uma fina linha. O vosso cérebro mesquinhamente português nem desconfia do perigo que corre. É um processo. Quero faze-lo, mas o meu instinto de sobrevivência diz-me que não. Mais cedo ou mais tarde o meu instinto vai ceder. E será o vosso fim. Cabrões panduleiros subhumanos.».
36- O arguido, igualmente através do seu telemóvel n° ……… enviou para o telemóvel n° ………, pertencente ao assistente D…, a seguinte mensagem escrita
- A 23.06.10, pelas 19H10, em inglês, em suma, que :«# Não temos mais nada a conversar. Mas não duvides. Quando chegar a altura certa, vais-me pedir misericórdia. Juro pela minha vida: a destruição da minha vida vai ser compensada pela destruição da tua. G###»
37. O arguido ao enviar as mensagens fez anúncios aos assistentes, que sentiram-se incomodados e receosos com o conteúdo respectivo, tendo apresentado queixa às autoridades policiais, e passaram a rodear-se de maior atenção, informando a família.
38. Actuou o arguido ao enviar, em 2010, tais mensagens com o propósito conseguido de ofender a honra e consideração do assistente C…, por causa das suas funções de director de serviços e médico cirurgião e de director Clínico, respectivamente, movido por uma resolução criminosa, quanto ao envio a cada ofendido dessas mensagens ofensivas.
39. O arguido agiu de modo voluntário, livre e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
40. Em Abril de 2010, foi colocada na caixa do correio da residência do arguido, dois escritos cujas assinaturas e rubricas apostas se assemelham à do assistente C… e D… onde se mostra aposta a data de 2 de Janeiro de 2009, cujo assunto é a reintegração do arguido.
41. O teor do escrito cuja assinatura é semelhante ao do Director do Serviço de Cirurgia Cardio –Torácica, do … dirigida ao Dr. D…, é o seguinte:
(….) “1. Como sabe o Dr. B… é Cabo-Verdiano. Embora tenha entrado para o internato com uma nota alta (18 valores), é evidente para mim que podemos estar a investir seis anos na sua formação, para depois o vermos sair para o seu pais de origem. Na minha opinião, se concordar, deve ser feita uma selecção de internos, de modo a que internos africanos não façam o internato neste serviço, situação que também devia ser, ponderada pelos outros Serviços de todo o país, sejam eles de Cirurgia Torácica ou não; 2. Desde o dia em que o Dr. B… foi admitido no Serviço que reparei que estava na presença de um individuo dotado e de um profissional com uma maturidade clínica invulgar, para o seu estágio de formação, Porém, também desde o primeiro dia estive convicto que ele teria de ser removido o mais breve possível, o mais tardar no final do seu primeiro ano de Internato, fosse através de não atribuição de aproveitamento para o primeiro ano, ou por sugestão directa ao próprio pelos profissionais do Serviço que teriam de gradualmente mostrá-lo que não terá futuro neste serviço. Esta pratica, aliás, já foi posta em pratica noutras ocasiões, com outros internos, com resultados positivos; 3. Soube, através de amigos e da consulta do seu processo-clinico que o Dr. B… teve alguns problemas psicológicos enquanto aluno, situação que podemos aproveitar, quer para o dissuadir em ficar, quer para liquidar a sua credibilidade, se a sua insistência continuar de futuro. 4 Nesta fase tomei a liberdade de o impedir de entrar no Serviço. Decorre, porém, que essa situação carece de uma comunicação do Hospital, o que pode ser conseguido, por exemplo com o pedido de uma junta médica. Tal junta, preferencialmente, terá de ser feita por alguém da nossa confiança no hospital, que terá de o dar como inapto. Desta forma teremos dado o assunto por resolvido e teremos destruído a sua credibilidade: Aguardo uma resposta de sua parte e sugestões para a resolução do problema. “ (…)
42. O teor do escrito cuja assinatura é semelhante ao do Director Clínico do … dirigida ao Dr. C…, é o seguinte:
(….) Além dos pontos que o Dr. C… propõe, eis o que eu gostaria de acrescentar: Dei ainda hoje instruções ao Director de Saúde Ocupacional para iniciar o processo de pedido de junta médica para o Dr. B…. Faremos tudo ao nosso alcance para que o processo seja o mais moroso possível, o que além de nos dar tempo, o desgastará ainda mais. Falei também com alguém da minha confiança do Serviço de Psiquiatria, para saber se seria possível ele próprio presidir à junta medica e obter a conclusão que desejamos. Adiantou-me ele que, neste momento, a presidente da junta muito provavelmente, será a Drª I…, profissional esta que não poderei abordar para discutir o tema, visto que não faz parte do nosso circulo. Porém, mesmo que a junta nos seja desfavorável, o que é muito provável dado o carisma do Dr. B…, não teremos de o admitir. Aqui fazemos o quisermos como quisermos e não haverá justiça que o valha.
A providência cautelar do Dr. B… também não lhe servirá de nada. Mesmo que seja deferida, hão o deixaremos prosseguir o seu internato.
Dei instruções também para se iniciar um processo disciplinar, com vista ao seu despedimento, utilizando como base o manifesto e, mais importante, o testemunho do Dr. C…, processo que também podemos retardar o mais possível para o desgastar.
Uma queixa-crime por difamação também será feita contra o Dr. B… utilizando outra vez o manifesto como principal prova.
Nesta fase, só teremos de esperar pelo resultado da junta e logo veremos o que podamos fazer, caso ele seja dado com apto. Nesse caso, a solução mais simples seria esvaziá-lo de quaisquer funções clínicas e deixá-lo no gabinete o dia todo. Isto o desgastará ainda mais e mais cedo ou mais tarde ele sairá e escolherá outra especialidade.
Como sabe, não tenho nenhuma simpatia pelos pretos. Embora seja muito difícil, uma das minhas missões tem sido fazer de tudo para que não façam o internato neste hospital, Concordo consigo quando diz que não valerá pena Investir em africanos que depois deixarão o hospital pelos países de origem. Embora a informação que obtive dos seus antigos tutores foi de que o Dr. B… é um excelente médico e profissional seu lugar não é, no Hospital … e já é altura de o removermos de uma vez por todas.
Asseguro-lhe que tem toda a minha confiança e o meu apoio para todas as decisões que vier a tornar relativamente a este caso, (….)”
43. O arguido realizou para retomar funções no … por imposição da Direcção daquele organismo em 9.03.2009, Avalição Medico-Legal Psiquiátrica, por perita médica que diagnosticou e concluiu:
- O examinado não padece de doença mental ou uma qualquer perturbação mental major.
- É acompanhado, pontualmente, em consulta de psiquiatria (há 5 anos e na data actual) e encontra-se medicado, com recuperação ad integrum do seu estado psicológico.
- A ideia de que pode ter vindo a sofrer um processo eventual de estigmatização não parece tratar-se de uma ideia de carácter delirante por parte do examinado.
-Tal é assim comprovado pelo director do serviço ao qual pertence quando este admite ter pedido informações sobre os antecedentes do estado de saúde mental a terceiras pessoas, sem o consentimento e o conhecimento do examinado.
- Apesar de não ser claro se tais informações foram facultadas ao referido director, tal atitude revela a existência de possíveis pré-conceitos sobre o examinado por parte do seu superior hierárquico, o qual não terá comunicado as suas eventuais apreensões ao directamente interessado (ora examinado).
- O silêncio ao qual se remeteu a direcção do internato médico não foi bem aceite por parte do examinado, ou sequer compreendido, uma vez que este teria depositado esperanças que esta entidade, no seu entender a única capaz de o defender, iria zelar para que fossem supridas as suas necessidades enquanto interno da especialidade no ….
- Este ambiente poderá ter potenciado, numa personalidade introvertida e independente, e possivelmente sensitiva, determinadas reacções por parte do examinado as quais não sendo adequadamente interpretadas, terão contribuído para a existente situação de conflitualidade.
Parecer: o examinado encontra-se, a nível mental, apto para o exercício de funções para as quais se encontra habilitado, na Administração Pública.
44. Da Avaliação mencionada em 43, consta que o arguido tem antecedentes psiquiátricos desde há cerca de 5 anos, enquanto aluno da E…, tendo, na época, sido internado duas vezes no Serviço de Psiquiatria do …, por períodos curtos de 18 e 15 dias. Terá tido alta clínica com o diagnóstico de Perturbação de Ajustamento (CID-10, OMS).
45. A Perturbação de Ajustamento (CID-10, OMS), é uma hipersensibilidade que leva sofrimento e perturbação emocional subjectiva, que entrava o funcionamento e o desempenho sociais, ocorrendo durante um período de adaptação a uma mudança existencial importante ou a um acontecimento stressante.
46. O arguido é solteiro, tem trinta anos, tem de fundo desemprego o valor de 1.110€, reside em casa própria adquirida com recurso ao crédito pela qual paga a mensalidade de 800€, tem viatura própria, e tem três irmãos. Como habilitações literárias tem a licenciatura em Medicina. Do CRC do arguido junto aos autos nada consta”.

III. 3. Vejamos, então, o mérito dos recursos, agrupando-os, de forma a uniformizar o seu conhecimento, quanto às questões comuns, pela forma e ordem seguinte:
1. o preenchimento do tipo de ameaça;
2. o preenchimento do tipo de ofensas a organismo, serviço ou pessoa colectiva;
3. a verificação do vício da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e,
4. a violação do princípio in dubio pro reo.

III. 3. 1. A subsunção dos factos no tipo legal de crime de ameaça.

Provado, com relevo neste segmento, vem que o arguido, num contexto de acesa controvérsia, viva disputa e pegada discussão, tendo como pano de fundo a forma como estava a decorrer o internato médico de especialidade do .º Ano do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital …,
dirigiu aos assistentes,
C… e D…, respectivamente, as expressões,
em relação ao primeiro:
se destruir a minha vida não pense que vai viver despreocupado. Nunca mais enquanto eu viver vai viver descansado. Vou cobrar-lhe o que me tirou; destróis a minha vida, hei-de destruir a tua;
chegará o dia em que vais entalar-te e engolir os abusos e insultos; chegará o dia em pedirás misericórdia, irás pagar;
até o dia em que vou enfiar teus crimes pela tua garganta abaixo;
seja paciente: vai-lhe ser enfiado pela garganta abaixo mil vezes mais o que me fez passar;
tenho esperança que este meu exílio forçado termine. Se não terminar e destruírem-me, destruo-vos imediatamente. Juro por deus. Ao condenarem-me estarão a condenar-se;
a alternativa é: guerra total, não se salva ninguém;
no outro caminho só haverá perdedores e será tarde demais;
a vossa atitude vai condenar-nos a todos. Irão cair comigo;
neguem-me tudo, mas não durante muito mais tempo. Vão ver...;
C…. Convença-se duma coisa; minha destruição = sua destruição. Vai ver...;
o teu dia vai chegar C…. Não paro de pensar no que lhe vou fazer quando lhe caçar. O teu dia vai estar próximo.
nasceram, viveram e hão-de m ... como os cães doentes que são;
o vosso cérebro mesquinhamente português nem desconfia do perigo que corre. É um processo. Quero faze-lo, mas o meu instinto de sobrevivência diz-me que não. Mais cedo ou mais tarde o meu instinto vai ceder. E será o vosso fim;

em relação ao segundo:
não temos mais nada a conversar. Mas não duvides. Quando chegar a altura certa, vais-me pedir misericórdia. Juro pela minha vida: a destruição da minha vida vai ser compensada pela destruição da tua.

Expressões contidas em mensagens enviadas por telemóvel que, fez qualquer dos assistentes sentir-se incomodado e receoso, tendo apresentado queixa às autoridades policiais, e tendo passado a rodear-se de maior atenção, informando a família.

O artigo 153º C Penal, prevê o crime de ameaça, na situação de alguém “ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.
O tipo legal de crime de ameaça está inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade pessoal e visa sancionar, inequivocamente os ataques ou afectações ilícitas da liberdade individual, pretendendo tutelar a liberdade de decisão e de acção.
O crime de ameaça, hoje em dia, após a revisão do C Penal operada em 1995, passou de crime material ou de resultado, a crime de mera actividade, como o era, aliás, no C Penal de 1886.
Passou a ser crime de perigo e concreto.
Assim, o que se exige, como elemento constitutivo e objectivo, deste tipo legal, é que a acção reúna certas características, não sendo necessário que em concreto, chegue a provocar medo ou inquietação, antes que de forma adequada a conduta do agente, provoque o resultado dos crimes materiais, de medo ou inquietação.
Para o preenchimento deste conceito de adequação, devemos fazer apelo, quer ao ponto de vista do visado, sentido, sensibilidade e personalidade do sujeito passivo, quer ao ponto de vista do que é geralmente reconhecido.
Não basta a simples ameaça para que se verifique o apontado tipo legal de mera acção e de perigo. Torna-se necessário que a ameaça, na situação concreta, seja adequada a provocar medo e inquietação. O critério para ajuizar da adequação da ameaça a provocar medo e inquietação, ou para prejudicar a liberdade de determinação, deverá, ser por um lado objectivo e por outro individual:
objectivo, no sentido de que a ameaça se deve considerar adequada, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida, bem como a personalidade do agente e a susceptibilidade de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa e,
individual, no sentido de que devem revelar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada. [1]

Ameaçar, etimologicamente, significa prometer ou pronunciar um mal futuro, anunciar a intenção de praticar, no futuro, um acto maléfico.
São, assim, 3 as características essenciais do conceito de ameaça:
mal,
futuro,
cuja ocorrência dependa da vontade o agente.
No entanto, o objecto da ameaça tem de constituir crime “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”.
Donde, o mal ameaçado, o objecto da ameaça tem de constituir crime, isto é, tem de configurar, em si mesmo, um acto ilícito típico – mas não um qualquer – apenas um que integre o leque dos valores ali previstos.
Diferentemente do C Penal1886 e da redacção primitiva do C Penal 1982 (em que bastava a ameaça da prática de um qualquer crime) a Revisão de 1995 restringiu a amplitude deste elemento, especificando que o crime, objecto da ameaça tem de ser “contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”.
Donde não basta aqui (ao contrário do que se exige para o crime de coacção do artigo 154º) a ameaça de um mal importante.

Na decisão recorrida, a propósito do afastamento deste crime, em relação aos 2 assistentes, pessoas singulares, considerou-se que, as expressões utilizadas “na situação em concreto e em face da factualidade assente “ a minha destruição = sua destruição”; “destruo-vos imediatamente”; “ao condenarem-me estão a condenar-se”, “destróis a minha vida destruirei a tua”, “dá-me a minha vida de volta e acaba tudo em paz” são anúncios que por falta de uma qualquer concretização de como tal destruição ou condenação ocorrerá, terão de ser qualificados como genéricos e por isso, não integram o crime de ameaça.

Mais se considerou que, “destruição e condenação assumem na língua portuguesa uma diversidade de significados atento o conteúdo da sua respectiva utilização, de ruína, de estrago, de grande perda, e não forçosamente de morte e alguns destas destruições e condenações podem resultar do exercício de direitos, designadamente fazendo queixas, dando causa a processos disciplinares ou propondo processos judiciais, que em caso de vencimento “destroem” arruínam, estragam a vida das pessoas e que nesse sentido não podem ser considerados o anúncio de um “mal” sem mais.

Discordam desta fundamentação, os recorrentes assistentes e o MP, argumentando que, estão preenchidos os elementos constitutivos de tal tipo de crime, sendo irrelevante se estamos perante ameaças genéricas, ou concretizadas, pois que, claramente estamos perante anúncios de um mal, que ainda que não esteja especificado quanto à forma de execução, não deixa de o ser, com o carácter futuro, na dependência da vontade do arguido, que acabou por amedrontar os visados, nomeadamente porque, dada a personalidade evidenciada pelo arguido, acreditaram que pudesse ser concretizado.
Os assistentes consideram (o MP não chega a tal ponto de concretização) que os males ameaçados integrarão, designadamente, a lesão do direito à vida, à integridade física e à liberdade pessoal.
Enquanto que na decisão recorrida se concluiu que, destruição e condenação assumem na língua portuguesa uma diversidade de significados atento o conteúdo da sua respectiva utilização, de ruína, de estrago, de grande perda, e não forçosamente de morte e alguns destas destruições e condenações podem resultar do exercício de direitos, designadamente fazendo queixas, dando causa a processos disciplinares ou propondo processos judiciais, que em caso de vencimento “destoem” arruínam, estragam a vida das pessoas e que nesse sentido não podem ser considerados o anúncio de um “mal” sem mais, entendem estes que, pelo contrário, tais expressões, consubstanciam a prática de um crime de ameaça.

Cremos que não lhes assiste razão.
Não tanto por que se não deva entender - colocando o ênfase não tanto no meio, ou na forma, mas mais, na natureza do crime objecto da ameaça - que ameaças genéricas não sejam susceptíveis de integrar a factualidade típica da ameaça, mas, essencialmente, porque no contexto que a controvérsia surge e se desenvolve – quase com contornos patológicos (para se fazer uma aproximação ao teatro de operações) – as expressões utilizadas têm que ser integradas e interpretadas de harmonia, desde logo, não tanto, é certo, com o móbil da actuação do arguido, mas sim, decisivamente, na procura do que possa ser a linha de actuação traçada.
Arguido que se vê impedido de continuar a frequentar o internato de especialidade médica e que agastado com tal percalço na sua vida académica (independentemente das responsabilidades próprias que para o caso possam existir, que aqui não relevam) com repercussão na perspectiva de vida profissional futura, utiliza uma linguagem figurada, encriptada, mesmo, que não pode ser tomada à letra, aquela e, que não pode ser, valorada contra si, em sede de tipificar um ilícito típico, se não absolutamente acima de qualquer dúvida séria.
O que está, sem margem para qualquer dúvida séria na mente (embora a motivação seja irrelevante) do arguido é a destruição das perspectivas que tinha idealizada para o seu futuro profissional que assim vê ou afigura como destruído, por causas que imputa aos assistentes e que por esse via lhe diz, repetitivamente e, com várias nuances, que se eles lhe destruírem a vida dele, da mesma forma lhes destruirá a deles.
Obviamente que a ser tomada à letra esta expressão, de tirar a vida ou no limite de ofender a integridade física, de tal modo grave, teria que pressupor que os próprios visados também eles visassem, intentassem tirar-lhe a vida dele.
O que manifestamente está fora de causa e ajuda, então, a interpretar o sentido da linguagem utilizada pelo arguido, contextualizando-a.
Cremos assim, que o inequívoco, indesmentível mal ameaçado que traduz e evidencia um forte sentido de vingança contra aqueles que o arguido considera como responsáveis pela situação em que se encontra, não é susceptível de integrar a factualidade típica de um qualquer crime de entre os que visam tutelar os interesses jurídicos – catálogo – constantes da norma.
Nem sequer, reportados à liberdade pessoal - capítulo onde de resto se insere, o próprio crime de ameaça, a par dos emblemáticos crimes de rapto, sequestro ou tomada de reféns.
Liberdade pessoal que por ser o mais o mais ameaçado será sempre o mais difícil de proteger e em relação ao qual a protecção surge já mais distante, sendo necessário circunscrever às hipóteses da ameaça da prática de um crime, cfr. Prof. Costa Andrade, in Actas, 1993, 233.

Se é certo que a conduta do arguido, justificadamente os fez sentirem-se incomodados e receosos, tendo apresentado queixa às autoridades policiais, e tendo passado a rodear-se de maior atenção, informando a família, não menos certo é que não basta a simples ameaça para que se verifique este receio, medo, inquietação, intimidação e intranquilidade.
Está fora de causa que os assistentes tenham ficado com receio e inquietos, com o comportamento do arguido.
É certo que ele é adequado, objectiva e subjectivamente, a tal.
Mas a questão não é essa.
Este receio, ou melhor a adequação a provocá-lo, tem que resultar da ameaça de um mal que ele próprio constitua crime contra os interesses previstos na norma.
Para que estes estados de alma possam assumir relevo em sede do tipo legal aqui em causa, torna-se necessário, ainda e, desde logo, que sejam, adequadamente causados pela ameaça de um tipo legal de crime de entre os que protegem os interesses catálogo contidos na norma do artigo 153º.

Assim, não acontecendo, as expressões, insistente e veementemente, dirigidas pelo arguido se podem ter a virtualidade de fazer adivinhar que algo de menos bom poderá vir a acontecer, no futuro, aos assistentes, não consubstanciam, no entanto, o anúncio de qualquer mal, reportado a atentado à vida, à integridade física, à liberdade pessoal, à liberdade e autodeterminação sexual ou a bens patrimoniais de considerável valor.
De nenhuma das, imensas e variadas, expressões nem de toda elas conjugadamente se pode concluir pelo preenchimento da factualidade típica do crime de ameaça, uma vez que não é possível considerar-se como seguro – nem pouco mais ou menos - que a única interpretação possível, de acordo com as regras da experiência e o contexto e os contornos da controvérsia, é a de que o arguido pretendeu ameaçar a vida, ou a integridade física, ou a liberdade pessoal, ou a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

É tempo de concluir, afirmando, por um lado o bem fundado da decisão recorrida e, por outro, a falta de fundamento, para os recursos apresentados pelos assistentes pessoas singulares, bem como pelo MP, neste preciso segmento.

Deste modo, por não se verificar um dos elementos objectivos do tipo de ilícito, anúncio de mal que constitua ele próprio, um facto ilícito típico – apesar de a conduta do arguido ser adequada a causar receio e inquietação – impõe-se a confirmação da absolvição do arguido.

III. 3. 2. A subsunção dos factos no tipo legal de crime de ofensas a organismo, serviço ou pessoa colectiva.

III. 3. 2. 1. Dispõe o artigo 187º C Penal, que:
“1. quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. é correspondentemente aplicável o disposto:
a) no artigo 183º e,
b) nos n.ºs 1 e 2 do artigo 186”.

O artigo 187º C Penal foi introduzido na Reforma operada pelo Decreto Lei 48/95 de 15MAR, colocando-se fim à controvérsia a que se vinha assistindo sobre a questão de saber se as pessoas colectivas podiam ou não ser sujeito passivo de crimes contra a honra.
Como consta da acta n.º 25 da Comissão Revisora do C Penal de 1995, “visa o tipo legal previsto no artigo 187º C Penal criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem em rigor no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria”.

III. 3. 2. 2. Na decisão recorrida para julgar não preenchidos os elementos deste tipo, considerou-se que,
analisado o manifesto e as missivas dirigidas, entregues, subscritas e enviadas pelo arguido, estamos perante, não de factos, antes de juízos de valor em que os visado são, o assistente C…, Director de serviço e ainda a Directora do Internato Dra. G…, bem assim como outros médicos, não se vislumbrando que o arguido tenha querido dirigir as imputações ao assistente Hospital …, para abalar a sua credibilidade, prestígio e confiança;
antes afigura-se-nos forçoso concluir que o arguido pede atenção do assistente Hospital … para as acusações que faz e a respectiva intervenção;
aliás as acusações dirigidas àquele seu Director leva o arguido a fazer vaticínios sobre o que em seu entender poderá no futuro vir a acontecer ao serviço, na perspectiva da sua formação - em curso - e ainda aos destinos do serviço, avançando com propostas para a respectiva melhoria;
o que não pode ser deixada de ser visto como o exercício da sua liberdade de pensamento e expressão, que ainda que incomode, perturbe, ou até seja apto a ferir ou ofender tem de ser tolerado, pelo assistente Hospital, por assim o exigir a sociedade democrática;
o Tribunal Criminal só pode ser chamado a interferir se aquela chamada de intervenção corresponder a uma necessidade social imperiosa, atendendo o seu carácter fragmentário e de ultima ratio.

Previamente, entendeu-se, ainda que, apesar de o artigo 187º/2 não remeter para o artigo 182º (imputação por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão), [2] não é necessária qualquer remissão a prever a equiparação, já que os artigos 180º e 181º são tipos previstos na base da oralidade das afirmações (o que está precisamente relacionado com o facto de se tratarem de sujeitos activos e passivos enquanto pessoas físicas e daí que se diga “dirigindo-se a terceiro” ou “dirigindo-lhe palavras”) e daí necessitar da extensão do artigo 182º e, por seu lado, quanto às pessoas colectivas, o artigo 187º/1 prevê os actos de “afirmar ou propalar”, donde este tipo legal de crime abrangerá as ofensas quer verbais quer escritas, pois que, mal se entenderia que assim não fosse já que tal resultaria numa impunidade sistemática da ofensa à pessoa colectiva (já que o modo escrito será o modo mais vulgar de ofensa à pessoa colectiva).

III. 3. 2. 3. Discordamos, no entanto, deste segmento da decisão recorrida – continuando a sufragar o entendimento contrário – a exigir a norma de equiparação, que não existe, contudo - que já antes tínhamos adoptado.
Isto porque, como deixamos escrito na referida decisão e que aqui passamos a transcrever:
Como é sabido os tipos legais de difamação e de injúria, previstos, respectivamente, nos artigos 180º e 181º C Penal, pressupõem a comissão através do uso da palavra dita – prevêem crimes de difamação e injúria verbais.
É através do artigo 182º - que não constituindo uma norma incriminatória, antes se assume como uma norma de equiparação, como de resto, da própria epígrafe consta - que se concede à difamação e à injúria, feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão, igualdade de tratamento, que o concedido às verbais - previstas nos citados artigos 180º e 181º C Penal.
Este artigo 182º constitui, então, uma norma que alarga as margens de punibilidade dos tipos legais de crime de difamação e de injúria previstos nos artigos 180º e 181º C Penal.
Isto porque os tipos legais previstos nestas 2 normas estão estruturados, definidos – enfim, previstos – tão só, em termos de comissão por palavras.
Através desta norma de equiparação atribui-se à comissão por escrito, gestos imagens ou qualquer outro meio de expressão uma posição de equivalência em face daquelas, cfr. C Penal anotado e comentado por Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette.
Não fora esta norma de equiparação e o crime de difamação e o de injúria apenas previa a comissão através do verbo. Assim, podem ser cometidos por meio de palavras, por meio de escrito, por gestos, por imagens ou através de qualquer outro meio de expressão.
A norma do artigo 187º pressupõe, desde logo, a afirmação ou a propalação de factos.
Se, afirmar significa, desde logo, declarar com firmeza; dizer algo assumindo o carácter de verdade do que é dito; asseverar, sustentar, do mesmo modo, propalar, significa divulgar, espalhar, reiterar, apregoar, cfr dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
O n.º 2 do artigo 187º C Penal - que prevê e pune o novel crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva - espelha uma norma de remissão interna, o que vale por dizer que manda aplicar, de maneira correspondente, as normas contidas no artigo 183º e ainda as que se sedimentam nos n.ºs 1 e 2 do artigo 186º, nas palavras precisas do Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense.
O legislador consagrou no n.º 2 do artigo 187º uma determinação de correspondência, o que permite afastar aquilo que se considera inaplicável perante uma rigorosa análise de teleologia da norma, ibidem.
Como resulta manifesto, não existe norma remissiva para o artigo 182º C Penal – a tal norma que equipara a difamação e a injúria cometidas por escrito, por gestos, por imagens ou por qualquer outro meio de expressão, às que são cometidas através da palavra dita.
Donde, não pode deixar de se concluir, a propósito do tipo legal de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva - uma vez que a norma remissiva do artigo 187º/2 não inclui o artigo 182º - que a ofensa das entidades ali previstas, se cometida por escrito, gesto ou imagem ou por qualquer outro meio de expressão, que não o verbal, não está penalmente protegida.
Outra qualquer interpretação violaria o princípio da legalidade, no dizer do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário.
Princípio consagrado, quer no artigo 29º/1 da CRP, quer no artigo 1º C Penal, segundo o qual ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão.
Este princípio, “nullum crimen, nulla poena sine lege” constitui, de resto, uma decorrência do estado de Direito democrático e como tem corolários as máximas seguintes: “nullum crimen sine lege”, reserva de lei; “nulla poena sine crimem”, princípio da conexão; “nullum crimem, nulla poena sine lege certa”, princípio da tipicidade; “nullum crimem, nulla poena sine lege praevia”, proibição da retroactividade”.

Donde, com este fundamento, sempre estaria a acusação votada ao insucesso.
E porque, ainda, como de resto também ali escrevemos – sendo que neste particular, a decisão recorrida acolhe igual entendimento - “a esta mesma conclusão somos forçados a chegar, por aplicação do princípio da intervenção mínima do direito penal, ínsito no princípio da fragmentaridade, que afirma que o direito penal constitui a ratio extrema, donde deriva a circunstância de apenas ser previsto como crime o comportamento que atente contra valores fundamentais da vida em sociedade de modo particularmente grave. Ou seja e, dito de outro modo, só determinados comportamentos - os mais graves – são qualificados como crime, sendo o critério de selecção, o da gravidade do facto, não existindo a pretensão de a lei penal abranger todo o sector da vida social”.

Entendimento que bastaria, para que no caso concreto, uma vez que o meio usado na prática dos factos foi a escrita, através do manifesto e das cartas, qualquer deles, meio, de todo, não previsto, no tipo legal do artigo 187º C Penal, nem directamente nem por remissão, se entender que a conduta do arguido não assume, nesse segmento, dignidade penal, por falta de tipicidade.

III. 3. 2. 4. Ademais e decisivamente, a anteceder tal género de apreciação, atinente à objectividade das expressões, ao contrário do que exige o tipo em questão, as expressões que o arguido utilizou não encerram em si, quaisquer factos mas, tão só, se traduzem em juízos de valor que a norma em causa não prevê, como forma de cometimento do ilícito. [3]
Se em sede de difamação tanto importa, pois, fazer uma imputação desonrosa de um facto, ”fulano tirou-me a carteira”, como formular um juízo, de igual sorte, desonroso, “fulano é um ladrão” e se em sede de injúria tanto basta a imputação do mesmo facto ou a afirmação da palavra, já no âmbito da ofensa a pessoa colectiva, apenas releva a imputação de factos.
Donde, ressalta um evidente interesse, real e efectivo na distinção (tarefa, as mais das vezes, plena de dificuldades) entre facto, por um lado, juízo e palavras, por outro.
A noção de facto constitui, assim, agora o ponto nuclear, no conhecimento da relevância jurídico-criminal da conduta do arguido.
A propósito da distinção facto versus juízo, refere o Prof. Faria Costa in Comentário Conimbricense:
“facto é o que se traduz naquilo que é ou que acontece, na medida em que se considera como um dado real da existência, facto é um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, um juízo de existência.
Um facto é um elemento da realidade, traduzível na alteração dessa mesma realidade, cuja existência é incontestável, que tem um tempo e um espaço precisos, distinguindo-se, neste sentido, dos acontecimentos, que são também factos, mas que se expressam por conjunto de cações que se protelam no tempo.
Por sua vez, o juízo, independentemente dos domínios em que pode operar (juízos psicológico, lógico, axiológico, jurídico) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa a existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor”.
No caso concreto, com as expressões utilizadas no manifesto e nas missivas, seguramente que não estamos na presença, da imputação de factos, mas fundamentalmente, perante a formulação de juízos de valor, sobre a imagem que o arguido tem, concretamente do serviço em que estava inserido, no … - directamente relacionada com os comportamentos e posturas que conhece de quem ali trabalha com funções de responsabilidade, no caso o Director de Serviço e a Directora do Internato Médico.
Escrever no manifesto que,
o serviço de Cirurgia Cardiotorácica tem sido palco dos espectáculos mais bizarros da vida deste hospital; que o pior que tudo tem a ver com a sua (do Directo de serviço) completa aceitação do facto de o serviço estar a desaparecer, de dirigir um serviço de mortos-vivos com um prazo de validade de 1/2 década,
não contém qualquer elemento de descrição/narração de realidade factual.
Igual realidade se não vislumbra em qualquer das cartas enviadas quer ao Presidente do Conselho Regional da Ordem dos Médicos, quer a enviada ao Presidente do Conselho Nacional dos Internatos Médicos, ou ao Director Clínico do ….
O que o arguido sempre, invariavelmente, fez, foi formular um quadro de juízos de valor, não concretizando aqui, com a descrição de factos - não afirmando, ou propalando factos, modo, via, instrumento, de todo, não previsto, no tipo legal do artigo 187º C Penal.
Donde, também, com este fundamento, não assume a conduta do arguido dignidade penal, por falta de tipicidade, podendo, então, a assistente, através de outro ramo de direito – o civil – satisfazer perfeita e plenamente – aliás até de maneira sistematicamente mais coerente e eficaz – os seus interesses, em ver ressarcidos os prejuízos que a alegada violação da sua credibilidade, do seu prestígio e confiança, provocou.

Se a emissão de um juízo de valor não é susceptível de integrar a factualidade típica, desde logo, com este fundamento – que precede a análise, avaliação e apreciação do sentido, que lhe é dado, com que foi utilizado e que é idóneo a traduzir – nunca por nunca, as expressões utilizadas pelo arguido, se podem traduzir ou ter a virtualidade de integrar o tipo do artigo 187º/1 C Penal – que é o que aqui está em questão.

III. 3. 2. 5. Finalmente, ainda um outro fundamento para que a acusação fosse votada ao insucesso, prende-se com o facto de que, manifestamente os escritos do arguido, quer através do manifesto, quer das cartas, visavam chamar a atenção para as práticas do Director de Serviço e da Directora do Internato, criticando a sua actuação, pedindo a intervenção da Administração do …, perspectivando o que iria ser o futuro do serviço e apontando os caminhos que, em sua opinião, deveriam ser seguidos para evitar a derrocada do serviço, avançando com propostas para a melhoria do serviço.
Este tipo de abordagem da questão, não tem a virtualidade de, objectivamente, abalar a credibilidade, o prestígio e a confiança do ….

III. 3. 2. 6. Em resumo, não pode deixar de se manter a decisão recorrida,
ainda que com outros argumentos – na consideração de que a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º/1 C Penal, não pode ser cometida, senão por meio de palavras, (verbalmente) estando excluída a possibilidade – previsto para os crimes de difamação e de injúria – de se lhe equiparar a comissão através da escrita, por gestos, por imagens ou por qualquer outro meio de expressão;
também, na consideração de que a ofensa prevista no tipo de crime do artigo 187º/1 C Penal, não pode ser cometida, senão pela afirmação ou propalação de factos, estando excluída a possibilidade – prevista para os crimes de difamação e de injúria – de ser cometido através da emissão de juízos de valor ou com palavras ofensivas e,
ainda, finalmente, pela atipicidade da conduta do arguido, em sede do tipo legal aqui em causa.

É tempo de concluir, afirmando a falta de fundamento, para o recurso apresentado pelo assistente Hospital …, bem como o do MP, neste preciso segmento.

III. 3. 3. O vício da alínea a) do n.º 2 do artigo 410º CP Penal.

Invoca o arguido a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto ao preciso facto de haver dirigido ao Director Clínico do … a expressão “sacana, nojento, filho da mãe” e que continua a passear a sua careca nojenta pelos corredores daquele hospital - frase, da sua autoria e extraída do blog F….
Alega para tanto, que não resulta provado que tenha sido ele próprio o criador/autor do dito blog, donde não lhe pode ser atribuída a prática do inerente crime, na estrita medida em que se não provou ser ele o autor do blog.

A invocação da existência deste vício resulta de um manifesto, quanto usual e incompreensível, equívoco.
Com efeito.
Este vício verifica-se quando a matéria de facto fixada se apresenta insuficiente para a decisão proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria necessária para a decisão de direito.
Donde, o vício não existe quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar.
Isto porque este vício não se pode confundir, como faz o arguido, com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão de facto tomada, nem com a discordância com o sentido do decidido.
A constatação daquela falta ou insuficiência conduzirá, não à verificação de tal vício, mas sim, ao julgamento em conformidade da matéria de facto, com a sua não prova.

Donde a argumentação do arguido não é susceptível de enquadrar o apontado vício, na noção sumariamente delineada.
Da mesma forma, se não vislumbra, do cotejo do texto da decisão recorrida com as regras da experiência comum, a existência de qualquer outro dos vícios, de conhecimento oficioso – da decisão - previstos no referido artigo 410º/2 C P Penal nem qualquer nulidade que se não deva considerar sanada, nº. 3 da mesma norma.

III. 3. 4. A violação do princípio in dubio pro reo.

Ainda no tocante à discordância do sentido do julgamento acerca do mesmo facto, expressão escrita no blog, entendendo o arguido que a sua autoria não lhe pode ser atribuída, na medida em que se não se provou ser ele o autor/criador do dito blog, conclui - depois de invocar a evidência do vício acima enunciado - agora, pugnando pelo facto de se estar perante a violação do princípio in dubio pro reo.

Como é sabido, o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico de presunção de inocência, traduz-se na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido - a dúvida resolve-se a favor do arguido.
“Em processo penal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, com consagração constitucional, artigo 32°/2 da Constituição da República Portuguesa e ainda na Declaração Universal dos Direitos do Homem, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “cuja primeira grande incidência, assenta fundamentalmente, na inexistência de ónus probatório do arguido em processo penal, no sentido de que o arguido não tem de provar a sua inocência para ser absolvido; um princípio in dubio pro reo; e ainda que o arguido não é mero objecto ou meio de prova, mas sim um livre contraditor do acusador, com armas iguais às dele.
Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação.
Em segundo lugar, do referido princípio da presunção de inocência do arguido - embora não exclusivamente dele - decorre um princípio in dubio pro reo, princípio que procurando responder ao problema da dúvida na apreciação do caso criminal (não a dúvida sobre o sentido da norma, mas a dúvida sobre o facto) e, partindo da premissa de que o juiz não pode terminar o julgamento com um non liquet, determina que na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova feita, o arguido seja absolvido”, cfr. Rui Patrício, in “O princípio da presunção de inocência do arguido na fase do julgamento no actual processo penal português”, Ass. Académica da FDL, 2000, 93/94.
O princípio do in dubio pro reo é, assim, uma imposição dirigida ao juiz, segundo o qual, a dúvida sobre os factos favorece o arguido.
Quer isto dizer, que a sua verificação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador. A simples existência de versões díspares e até contraditórias sobre os factos relevantes não implica que se aplique, sem mais, o princípio in dubio pro reo – como pretende o recorrente.
Só se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo (não o recorrente, naturalmente) chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido, é que há que concluir pela violação de tal princípio.
Cremos bem, que, de forma ostensiva, decorrerá da mera leitura da decisão recorrida, já acima transcrita, a outro propósito, que esta situação se não verifica, de todo.
O raciocínio em que se estrutura a argumentação invocado pelo recorrente tem por objectivo abalar a convicção que o tribunal de 1.ª instância formou perante a conjugação de todos os elementos de prova produzidos em audiência, onde avultam depoimentos arrasadores, para a sua pretensão em ser absolvido.
Atente-se no que na análise crítica da prova se expendeu, a este propósito:
“o arguido esclareceu que o Blogue F…, foi criado em 29.06.2009, (não tendo dito por si) e para publicitar a greve de fome em que entrou, por ter sido readmitido ao serviço mas onde o esvaziaram de funções, após o resultado da junta medica lhe ser favorável (…)
A respeito do blogue o arguido descreveu-o como um espaço público, anónimo, onde qualquer um pode colocar “posts”, comentários, negando ser responsável pelo seu conteúdo, apesar de poder tem feito um ou outro post.
(…)
O assistente D…, nunca abordou o arguido no sentido de saber se este criou o blogue F…, mas era a problemática dele ali que era a tratada e esta na internet, e trocou impressões sobre o blogue com o arguido, que parecia conhecer o conteúdo do blogue.
(…)
No que respeita aos factos assentes 25, a 26, 28 a 32, estes vertem o conteúdo do Blog. Não se estabeleceu que o arguido é o criador do blog, (cfr. alínea h, pois em tal sentido não se logrou fazer prova) mas apenas que aquele acompanha as acções de protesto do arguido a partir do momento em que o mesmo retoma as suas funções e é impedido ficando esvaziado das mesmas isto é, impedido de prosseguir o seu internato, e que ali o arguido escreve, coloca “posts”.

O processo lógico do julgamento de facto levado a cabo pelo tribunal com base no princípio da livre apreciação da prova e tendo em conta a fundamentação invocada para o mesmo, não deixa qualquer margem para dúvidas de que concorrem, todos os elementos de facto, objectivos e subjectivos, para se poder dizer que se encontram preenchidos os tipos legais de crime pelos quais vem o arguido condenado.
Da decisão recorrida não resulta – bem pelo contrário e, apesar do esforço agora levado a cabo pelo recorrente, a existência de prova de sentido contraditório.
Que não foi produzida nem, naturalmente, por si, nem por qualquer testemunha.
Na decisão de facto recorrida nada há que choque, face às regras da experiência.
A questão, como é bom de ver, não reside na autoria, na criação do blog, mas sim na inserção nele da dita frase.
Ora no contexto de aceso e exacerbado litígio em que o arguido se envolveu, só ele tinha motivo para – desagradado como estava com a postura do assistente e, num crescendo de animosidade - afirmar tal. A mais ninguém – que conste, nem de resto, o arguido o sugere, sequer - interessava entrar e alimentar aquela guerra, neste segmento personificada no assistente.
Não se vê em que é que a apreciação da prova a que o tribunal a quo procedeu possa contrariar as regras da experiência comum.
De resto, os factos provados relatam coerentemente o acontecimento a que se referem e também a motivação de facto da sentença é clara e convincente.

Donde não consta, manifestamente, que o Tribunal de 1ª instância tenha ficado na dúvida, ou a tenha sequer enunciado, em relação a qualquer facto, essencial e relevante, para a verificação da factualidade típica e, que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido, pelo que não se verificando esta hipótese, há que concluir pela não violação do apontado princípio do in dubio pro reo.
Obviamente que a conclusão afirmada pelo recorrente tem subjacente a sua própria, subjectiva, interessada e parcial, valoração do conjunto da prova produzida.
No entanto, como é sabido, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum, circunstância, que no caso concreto, não se verifica, de todo.
Donde, e, em suma, cremos não poder merecer acolhimento a crítica formulada pelo recorrente contra o julgamento da matéria de facto, que será, por isso, indubitavelmente, de manter.
No apontado contexto, não se afirmar ser o arguido o autor da dita frase, constituiria, seguramente, um caso manifesto de erro notório na apreciação da prova.

Há, então, que considerar assente, em definitivo, a matéria de facto, neste capítulo - da responsabilidade penal do arguido - posto, que não se verifica qualquer das situações invocadas que pudessem conduzir à sua alteração.

Donde, está, também, este recurso, em todos os seus segmentos, votado ao insucesso.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos acabados de expor, acorda-se em negar provimento aos recursos interpostos pelos assistentes, C…, D… e Hospital …, bem como ao interposto, quer pelo MP, quer pelo arguido B…, mantendo-se, pois, nos segmentos impugnados, a decisão recorrida.

Taxa de justiça, individual, por cada um dos recorrentes – com excepção, naturalmente, do MP – que se fixa no equivalente a 4 UC,s.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2012.Maio.23
Ernesto de Jesus de Deus Nascimento
Artur Manuel da Silva Oliveira
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[1] cfr. Ac. RL de 9FEV2000, in CJ, I, 147.
[2] O que no entendimento de P. Pinto de Albuquerque em comentário ao artigo 187º in Comentário ao Código Penal, traduz que a ofensa a entidade abstracta cometida por escrito, gesto ou imagem não está penalmente protegida, sob pena de violação do princípio da legalidade – entendimento, de resto, já por nós sufragado no Ac. deste Tribunal no processo 7515/08.
[3] Ainda para mais – sem qualquer dúvida - visando não o serviço prestado pelo …, mas a actuação concreta de pessoas que o servem, em cargos de responsabilidade, é certo.