Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | HIPOTECA DIVISIBILIDADE DA HIPOTECA | ||
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Nº do Documento: | RP202503241315/24.8T8PRT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/24/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Sendo admissíveis expurgações parciais de hipotecas globais, distrate parcial que se verifique tem como, normal, consequência, a renúncia à indivisibilidade da hipoteca (esta a regra, consagrada no art. 696.º, do Código Civil, a admitir convenção em contrário), passando a hipoteca sobre a parte não distratada a divisível por força do referido acordo. II - Com efeito, a convenção de divisibilidade da hipoteca, que pode ser contemporânea ou posterior à sua constituição, pode ser expressa ou tácita (cfr. nº1, do art. 217º, do CC). III - Constitui convenção tácita de divisibilidade da hipoteca a aceitação, pelo credor hipotecário, do distrate da hipoteca sobre uma das frações prediais autónomas integradas na hipoteca global, facto praticado pelo credor que, inequivocamente, revela a renúncia à indivisibilidade (o acordo de divisibilidade). IV - Passando a hipoteca a divisível, tem de se encontrar o critério adequado a estabelecer a divisão da garantia pelas frações que se mantêm oneradas, em função do crédito atual. V - E, no caso de divisibilidade da hipoteca de frações autónomas de um prédio, o critério que se revela claro e objetivo para a divisão da garantia pelas frações ainda oneradas é o critério da permilagem adequado e capaz de traduzir a proporcional participação de cada uma das frações oneradas, compreendendo o título constitutivo da propriedade horizontal a individualização das frações com o seu valor relativo, expresso em permilagem do valor total do prédio, a vincular os adquirentes das frações (cfr. arts 1418º e nº1, do art. 1419º, do Código Civil). VI - Assim, para o cálculo do valor pelo qual responde a fração autónoma hipotecada penhorada ao executado/embargante, o que releva é a participação de cada fração das que se encontram, ainda, oneradas (sendo de considerar no cálculo a permilagem relativa da fração aqui em causa de entre a permilagem correspondente às frações ainda hipotecadas) por referência à dívida exequenda atualmente existente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1315/24.8T8PRT-B.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo de Execução do Porto - Juiz 5
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… *
Recorrente: o executado AA Recorrida: a exequente, A..., SA
AA veio deduzir embargos de executado, por oposição à execução ordinária para pagamento de quantia certa baseada em escritura de mútuo garantido por hipoteca sobre imóvel que Banco 1..., SA, entretanto substituída, por habilitação de cessionário, por A... SA. moveu contra o ora embargante, pedindo a extinção da execução. Fundamenta tal pretensão invocando que a exequente já recebeu, pelo produto da venda de outras frações, parte do seu crédito e aceitou o distrate das hipotecas que incidiam sobre essas frações, pelo que renunciou à indivisibilidade da hipoteca, e, assim, quando muito, a sua responsabilidade está limitada ao valor proporcional e, ainda, que os juros estão parcialmente prescritos. Liminarmente recebidos os embargos, contestou a embargada, pugnando pela total improcedência dos embargos, dizendo que o embargante sempre soube que a fração por si adquirida estava onerada com uma hipoteca, garantia se mantém válida e nunca foi cancelada, que nunca renunciou à indivisibilidade da hipoteca e que a hipoteca nem sequer incide sobre a totalidade do prédio, pelo que a posição do embargante não tem aplicabilidade no caso dos autos. * Dispensada a audiência prévia, com o acordo das partes, foi proferida decisão por os autos fornecerem todos os elementos, a tal, necessários. * Tem a decisão recorrida a seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, decido: a) julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, e em consequência determino o prosseguimento da execução pelo valor de €81.650,16, acrescido dos juros de três anos sobre este montante. b) condenar ambas as partes nas custas do processo, na proporção do decaimento. c) fixar o valor da acção em 1 056 503,55 €”. * CONCLUSÕES: A. Vem o presente recurso da circunstância do aqui Apelante não se conformar com a douta Sentença proferida nos presentes autos que, julgando parcialmente procedentes os embargos deduzidos, determinou o prosseguimento da execução pelo valor de €: 81.650,78. B. Desde logo, por padecer a mesma de incorrecta apreciação e interpretação dos factos e, consequente, errada aplicação do direito. C. COM EFEITO, considerou o Dign.º Tribunal “a quo”, na sua motivação de recurso, que, seguindo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/05/2024, proferido com o nº 1502/22.3T8PRT-A, pelo mesmo Juiz 6 do Juízo de Execução do Porto, «o critério da permilagem deve ser aplicado ao valor do crédito existente na presente data, sendo evidente que o montante em dívida no momento atual é distinto do crédito inicial, seja por força das amortizações parciais levadas a cabo, seja pelo vencimento de juros. (…) Ora, aplicando este entendimento ao caso concreto, temos que a execução dos autos foi instaurada para cobrança da quantia de €1 056.503,55, sendo tal crédito garantido, atualmente, por hipotecas constituídas sobre 7 frações (frações C, F, Q, R, S, T e U)). Assim, o valor ainda em dívida (quantia exequenda) encontra-se garantido por hipoteca registada sobre frações que representam 427/1000 (frações C, F, Q, R, S, T e U), o que significa que o valor pelo qual a presente execução deve prosseguir é de €175 590,89 (correspondente à permilagem de 33 correspondente à fração pertencente ao Embargante por referência àquela quantia exequenda).» D. OU SEJA, o Tribunal “a quo” considera parcialmente procedentes os embargos aduzidos, e determina o montante pelo qual a fração da propriedade do aqui Embargante responderá, como seja, a quantia de €: 81.650,16, correspondente à permilagem de 33 sobre aquela quantia exequenda garantida por hipoteca registada sobre 7 (sete) frações que representam 427/1000 (€: 1.056.503,55 x 33 /427). E. Consideramos, no entanto, que esta solução não é a que se ajusta ao caso dos autos, em face das suas específicas cambiantes fácticas. Com efeito, F. Conforme flui da matéria dada como provada, para garantia do mútuo foram hipotecadas a favor do primitivo exequente, Banco 1..., as 12 frações identificadas em 2. dos factos provados. Dentre tais imóveis, permanecem hipotecadas, na presente data, as frações autónomas designadas pelas letras “C”, “F”, "Q", “R”, “S”, “T” e “U”. Isto porque, a Banco 1... aceitou distratar a hipoteca constituída a seu favor sobre cinco das doze frações autónomas abrangidas por aquela garantia, frações B, G, L, O, e P, contra o pagamento das quantias correspondentes aos valores do mercado dessas frações (factos provados 3 e 9). G. Ora, o artigo 696º do C. Civil estabelece o princípio geral da indivisibilidade da hipoteca, nos seguintes termos: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.” H. A indivisibilidade da hipoteca pode ser afastada por convenção das partes, como ressalta do teor do segmento inicial do artigo 696º - “salvo convenção em contrário”. Essa convenção, integrando uma declaração negocial, pode ser tácita (art. 217º, nº 1, do C. Civil). I. Desse distrate concluiu-se que a Exequente anuiu de modo tácito à divisibilidade da hipoteca, pois ao ver satisfeito o seu crédito, distratando as hipotecas, mesmo que seja a apenas a um ou alguns dos seus titulares, acabou por renunciar ao direito de ser ressarcido pela totalidade do remanescente do crédito apenas contra um dos restantes devedores, mormente o ora executado. J. Tendo distratado a hipoteca relativamente a 5 frações autónomas, deve entender-se que cada uma das restantes, que nestes autos é apenas uma a fração “F” não garantem a totalidade da dívida que a hipoteca garantia, mas apenas a dívida na proporção da permilagem da fração respetiva, aferida relativamente ao conjunto das 12 frações cuja aquisição foi financiado pela exequente (B, G, L, O, P + C, F, Q, R, S, T, U). K. Com efeito, sabemos que, nos termos do artigo 696.º do CC, a regra é a da indivisibilidade da hipoteca, mas, também sabemos que, no caso dos autos, houve renúncia ao cariz indivisível da hipoteca, ou, pelo menos, mas que vai dar ao mesmo, anuência à sua divisibilidade, em função das 12 frações hipotecadas. L. Pois, reitera-se, se a dita hipoteca, registada sob a Ap. ..., de 2008/08/06, abrange as 12 (doze) frações, identificadas pela Exequente – frações B, C, F, G, L, O, P, Q, R, S, T e U - tal qual assim melhor consta, para os devidos e legais efeitos, do registo predial de cada uma das frações autónomas, ao ter permitido a venda, com a emissão dos respetivos títulos de distrate, a aqui Exequente “dividiu” a hipoteca em causa em 12. M. Assim, consabido o montante global em dívida, e que a hipoteca em causa incidia sobre 12 frações, neste caso, a permilagem que se impõe é de 624/1000 - correspondente àquelas 12 frações hipotecadas (B, G, L, O, P, + C, F, Q, R, S, T, U) – e não de 427/100 – correspondente às 7 frações não distratadas (C, F, Q, R, S, T, U). EM SUMA, N. Por força do mencionado princípio da indivisibilidade tinha a Exequente o direito de garantir a totalidade do seu crédito também através da fração ou frações que distratou, O. No entanto, abriu mão da garantia nessa parte, no momento em que autorizou o distrate de várias frações, P. Não sendo, pois, concebível que o Banco pudesse, depois, - tal como pretende nestes autos - fazer recair sobre o titular, ou titulares, das restantes frações uma obrigação global, cobrando deste ou destes, ou de cada um destes, a totalidade do seu crédito. Q. Foi essa a solução, e bem, decretada na decisão recorrida: porquanto, bem entendeu que os distrates operados quanto a cada uma daquelas cinco frações constituem factos concludentes que revelam, com toda a probabilidade, a manifestação de uma declaração negocial no sentido de concordar com a divisibilidade da hipoteca. R. No entanto, menos bem, foi o critério definido, pois que, entendeu o Tribunal recorrido - seguindo o entendimento vertido no Ac. do STJ, de 15/05/2024, proferido nos autos de processo nº 1502/22.3T8PRT-A (que correu termos naquele mesmo Juízo) - que tal cálculo haveria de ser aferido em função do somatório da permilagem das 7 frações ainda hipotecadas (427/1000); S. Quando, salvo o devido respeito, se entende que a fixação do montante da obrigação exequenda haverá de ter por objeto o valor correspondente à proporção da permilagem da fração “F” no total de 12 frações (624/1000) cuja aquisição foi financiada pela Banco 1.... O que, assim sendo, perfaz a quantia de €: 55.872,78 (€: 1.056.503,55 x 33 / 624). T. Conforme, aliás, assim foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2023, devidamente transitado em julgado, e proferido nos autos de processo 1501/22.5T8PRT-A, do Juiz 3, do Juízo de Execução do Porto (situação igual à dos autos, mudando apenas o Executado), cuja certidão se junta aos presentes autos, nos termos do art.º 651.º do CPC, por não se encontrar publicado em www.dgsi.pt, e assim sumariado: «- Admitindo o credor a divisão de uma hipoteca que era originalmente una, consentindo no distrate em relação a diversas frações que vão sendo vendidas e mantendo a hipoteca em relação a outras não vendidas, fica afastado o regime de indivisibilidade que antes se verificava. - Como tal, não pode ulteriormente o credor prevalecer-se do mesmo regime de invisibilidade, pretendendo depois obter de cada um dos titulares das frações remanescentes a totalidade do remanescente do seu crédito. - Querendo o credor executar a garantia constituída pela hipoteca de cada fração restante, para cobrança do seu crédito, só haverá de o poder fazer na proporção do que essa fração representar naquele prédio (permilagem), se o crédito tiver sido referido à totalidade das frações; ou na proporção do que essa fração represente num conjunto de frações financiadas, sem prejuízo de outros critérios que se mostrem pertinentes.» U. Conforme, o entendimento que aqui vai reproduzido: «Somos, por isso, remetidos para a necessidade de se encontrar um critério com base no qual se possa determinar qual a proporção da dívida que deve ter-se por garantida pela hipoteca de que beneficia a exequente, por cujo montante deverá prosseguir a execução – tal como decretado na sentença recorrida, em termos que não são questionados neste recurso. Um tal critério – adianta-se desde já - não poderá ser o da permilagem da fração no prédio em que se integra. Como refere a apelante, isso tem sentido numa hipótese em que a totalidade do prédio, designadamente das frações que o compõem, é abrangida pela hipoteca. Então, a permilagem da fração há-de corresponder em idêntica medida, à proporção do crédito que haverá de garantir, em caso de divisão da hipoteca. Veja-se, o exemplo de aplicação deste critério, no Ac. do STJ citado supra, de 11/3/2021. Porém, no caso em apreço, o crédito garantido pela hipoteca foi concedido apenas para a aquisição de 12 das 21 frações em que o prédio se dividia. A proporção da fração “C”, fixada em 24,000 em relação ao prédio completo com 21 frações, haverá de ser maior quando aferida ao conjunto das 12 frações cuja aquisição foi financiada pela exequente. Por conseguinte, na ausência de outro critério admissível (por exemplo, casos há em que o mutuante e mutuário estabelecem antecipadamente uma tabela de valores de distrate, por fração) a proporção do crédito da exequente a ter-se por garantido pela fração “C” haverá de identificar-se depois de calculada a proporção dessa fração naquele universo das 12 frações financiadas. Ou, como alega a apelante: “ter-se-ia que apurar, primeiramente, qual a proporção da fração em apreço relativamente às doze frações objecto de hipoteca.” Dado que a determinação dessa proporção (da mesma forma que aconteceria quanto a proporção baseada na permilagem da fração) depende apenas de cálculo aritmético, desnecessário se torna determinar a anulação da decisão para ampliação da matéria de facto, para esse efeito. Assim, em conclusão, haverá de proceder parcialmente a apelação, cumprindo alterar a decisão recorrida apenas no segmento em que determinou a medida pela qual haverá de prosseguir a execução, que não haverá de ter por objecto o valor correspondente à proporção da permilagem da fração “C” no crédito exequendo, mas sim e como limite a cobrança de um valor proporcional, no crédito exequendo, à proporção da fração “C” relativamente ao conjunto das 12 frações cuja aquisição foi financiado pela Banco 1....» Em conclusão: V. Aplicando o raciocínio/forma de cálculo supra, tendo por referência o somatório de permilagem das 12 frações cuja aquisição foi financiada pela Banco 1..., ter-se-ia que limitar a presente execução ao que resulta de tal divisibilidade, seja, €: 55.872,78. W. O que, por assim não ter sucedido, nos leva a concluir que, salvo o devido respeito, a douta sentença sob recurso enferma de erro grave na apreciação da prova e na decisão de direito, em clara violação do disposto nos art.º 217.º e 696.º do CC, X. Termos em que, entende o aqui Apelante dever ser revogada a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser determinada a procedência parcial dos embargos deduzidos, determinando-se que a execução prossiga tendo por objeto e limite a cobrança do valor proporcional, no crédito exequendo, à proporção da fração “F” relativamente ao conjunto das 12 frações cuja aquisição foi financiado pela exequente, ou seja, limitando-se a execução ao montante de €: 55.872,78. * Apresentou-se a recorrida a responder pugnando por que o recurso seja julgado improcedente e mantida a decisão recorrida, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: “… F) A sentença proferida pelo tribunal a quo sustenta a sua decisão com base num recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça …, Acórdão esse proferido sobre a mesma questão aqui em discussão: processo idêntico, relativo ao mesmo negócio e mesma hipoteca (só o executado é diferente). G) A sentença a quo aplicou o critério da permilagem da fração em discussão nos autos ao valor da execução (€ 1.056.503,55), o que, nos autos, correspondeu à quantia de € 81.650,16. H) Ou seja, o que relevou para o tribunal a quo – decisão que não merece qualquer censura – foi a participação de cada fração ainda onerada por hipoteca por referência à actual dívida exequenda. I) Conforme explanado na sentença do tribunal a quo: “temos que a execução dos autos foi instaurada para cobrança da quantia de €1056.503,55, sendo tal crédito garantido, atualmente, por hipotecas constituídas sobre 7 frações (frações C, F, Q, R, S, T e U)). Assim, valor ainda em dívida (quantia exequenda) encontra-se garantido por hipoteca registada sobre frações que representam 427/1000 (frações C, F, Q, R, S, T e U), o que significa que o valor pelo qual a presente execução deve prosseguir é de €81.650,16 (correspondente à permilagem de 33 correspondente à fração pertencente ao Embargante por referência àquela quantia exequenda).” J) Conforme supra mencionado, sobre esta mesma questão – num processo idêntico, relativo ao mesmo negócio, mesma hipoteca, que correu termos com o nº 1502/22.3T8PRT-A no Juiz 6 do Juízo de Execução do Porto – já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça muito recentemente, em 15.05.2024, através de Acórdão disponível em www.dgsi.pt. K) O Sumário desse Acórdão do Supremo Tribunal de 15.05.2024 foi o seguinte: “1. Em caso de hipoteca indivisível constituída sobre uma pluralidade de coisas, nada impede o credor hipotecário de executar uma ou várias hipotecas à sua escolha pela totalidade do crédito garantido. 2. No caso de divisibilidade da hipoteca, o único critério que se revela claro e objetivo é, à semelhança do já vem sendo defendido por este STJ, o critério da permilagem. 3. O que releva é a participação de cada fração onerada por referência à dívida exequenda atualmente existente”. L)Perante factualidade em tudo idêntica com a destes autos, o STJ ensinou neste recente Acórdão de 15.05.2024 que: “o credor hipotecário aceitou constituir a hipoteca sobre 12 frações autónomas, cujas permilagens já se encontravam definidas e eram do conhecimento do credor. Sabia, então, o credor hipotecário, à data da constituição da hipoteca, quais as permilagens das frações hipotecadas, não tendo, certamente, tais elementos sido alheios à decisão tomada quanto à escolha dos bens a hipotecar.” M) E continuou o mesmo Acórdão do STJ de 15.05.2024: “Todos estes aspetos a que se fez referência impõem a conclusão de que o único critério que se revela claro e objetivo é, à semelhança do já vem sendo defendido por este STJ, o critério da permilagem. Aqui chegados, importa apenas clarificar que o critério da permilagem deve ser aplicado ao valor do crédito existente na presente data, sendo evidente que o montante em dívida no momento atual é distinto do crédito inicial, seja por força das amortizações parciais levadas acabo, seja pelo vencimento de juros. Como é evidente, o critério da permilagem não pode ser, ao contrário do que pretende a recorrente, aplicado ao montante inicial do crédito, porquanto tal corresponderia, no limite, à desproteção do crédito hipotecário, o que não foi, de todo em todo, pretendido pelo legislador.” N) A este propósito, e contextualizando, cumpre relembrar a factualidade dada por provada sob o nº 3 e nº 12 na sentença a quo: “Facto nº 3: “Dentre tais imóveis, permanecem hipotecadas, à data da propositura da execução, as frações autónomas designadas pelas letras “C”, “F”, "Q", “R”, “S”, “T” e “U”, supra melhor identificadas. (…) Facto nº 12: “A execução de que estes autos dependem foi instaurada em 12/01/2024” O) E continua o Acórdão do STJ de 15.05.2024 a ensinar-nos para determinação do critério a adoptar: “(…) para a determinação do critério a observar para efeitos de aferição do valor pelo qual cada fração responde “haverá desde logo de ter em conta que pela ‘natureza das coisas’ o cálculo do montante da dívida garantido por cada fração autónoma sempre padecerá de alguma aleatoriedade. Com efeito, no tipo de contrato em causa, o montante da dívida é sempre um montante variável na medida em que depende quer do montante do crédito efectivamente utilizado, quer dos pagamentos parcelares efectuados, quer do tempo decorrido e do consequente montante de juros, quer dos percalços no cumprimento do contrato e das suas repercussões nos acessórios do crédito também garantidos.” – Acórdão de 11/03/2021, já citado. O que releva é, pois, a participação de cada fração onerada por referência à dívida exequenda atualmente existente. Ora, aplicando este entendimento ao caso concreto, temos que a execução dos autos foi instaurada para cobrança da quantia de €1.056.503,55, sendo tal crédito garantido, atualmente, por hipotecas constituídas sobre 7 frações (frações C, F, Q, R, S, T e U)). Assim, valor ainda em dívida (quantia exequenda) encontra-se garantido por hipoteca registada sobre frações que representam 427/1000 (frações C, F, Q, R, S, T e U), o que significa que o valor pelo qual a presente execução deve prosseguir é de €175 590,89 (correspondente à permilagem de 71 correspondente à fração pertencente à Embargante por referência àquela quantia exequenda). (…) Como explica Rui Estrela de Oliveira, “os propósitos do legislador, com a norma em causa, centram-se, pois, na garantia do crédito, tendo pretendido evitar-se que as eventuais vicissitudes a ocorrer na coisa dada em garantia pudessem prejudicar a satisfação do crédito, nomeadamente, que parte daquele crédito deixasse de ser garantido ou que a garantia, ao invés do seu momento inicial, se viesse a revelar curta ou insuficiente para os propósitos iniciais.” - A Renúncia Tácita do Credor à Indivisibilidade da Hipoteca”, in Estudos de Direito do Consumidor, n.º 17, 2021, disponível em https://cdc.fd.uc.pt/revista/, p.606. Assim, se é certo que o devedor não deve ser responsabilizado pela totalidade da dívida em cenário de divisibilidade da hipoteca, é também evidente que não é possível defender a degradação da função de garantia do crédito inerente à hipoteca, que não pode ficar em causa. P) Não se vê razão para se divergir do entendimento acolhido neste Acórdão do STJ de 15.05.2024. Q) Pelo que bem esteve o tribunal a quo na sentença proferida. R) Contrariamente ao que pretende o executado, o critério da permilagem não pode ser, como é evidente, aplicado ao montante inicial do crédito, porquanto tal corresponderia, no limite, à desprotecção do crédito hipotecário, o que não foi, de todo em todo, pretendido pelo legislador. S) Assim, o valor ainda em dívida (quantia exequenda) encontra-se garantido por hipoteca registada sobre frações que representam 427/1000 (frações C, F, Q, R, S, T e U), o que significa que o valor pelo qual a presente execução deverá prosseguir é de € 81.650,16 (correspondente à permilagem de 33 correspondente à fração F pertencente ao executado por referência àquela quantia exequenda), acrescido dos juros de três anos sobre este montante. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto. * II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do recurso tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir são as seguintes: - Da divisibilidade da hipoteca e do limite da garantia. * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1. FACTOS PROVADOS São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão: 1. No dia 31-07-2008 a exequente Banco 1..., S.A. celebrou com a sociedade "B..., Lda." uma escritura pública denominada de compra e venda e empréstimo com hipoteca e mandato, mediante a qual na parte relevante declararam as partes que a exequente concedia à dita sociedade um empréstimo a que atribuíram o n.º ..., do montante de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros), destinado a aquisição de doze frações para revenda 2. Mais declararam que, para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito, respetivos juros e despesas, a sociedade mutuária constituiu hipoteca voluntária, em benefício da Exequente, sobre os seguintes imóveis: a. fração autónoma designada pela letra “B” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-B e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-B; b. fração autónoma designada pela letra “C” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-C e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-C; c. fração autónoma designada pela letra “F” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-F e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-F; d. fração autónoma designada pela letra “G” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-G e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-G; e. fração autónoma designada pela letra “L” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-L e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-L; f. fração autónoma designada pela letra “O” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-O e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-O; g. fração autónoma designada pela letra “P” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-P e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-P; h. fração autónoma designada pela letra “Q” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-Q e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-Q; i. fração autónoma designada pela letra “R” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-R e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-R; j. fração autónoma designada pela letra “S” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-S e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-S; k. fração autónoma designada pela letra “T” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-T e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-T; l. fração autónoma designada pela letra “U” descrita na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º .../...-U e inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...-U. 3. De entre tais imóveis, permanecem hipotecadas, à data da propositura da execução, as frações autónomas designadas pelas letras “C”, “F”, "Q", “R”, “S”, “T” e “U”, supra melhor identificadas. 4. A referida hipoteca foi registada a favor da Banco 1..., ora Exequente, pela inscrição lavrada com base na Ap. ... de 2008/08/06. 5. O prédio em causa é composto pelas frações e correspondentes permilagens: A. PERMILAGEM: 33; B. PERMILAGEM: 37; C. PERMILAGEM: 24; D. PERMILAGEM: 24; E. PERMILAGEM: 98; F. PERMILAGEM: 33; G. PERMILAGEM: 30; H. PERMILAGEM: 28; I. PERMILAGEM: 25; J. PERMILAGEM: 28; K. PERMILAGEM: 25; L. PERMILAGEM: 26; M. PERMILAGEM: 65; N. PERMILAGEM: 50; O. PERMILAGEM: 50; P. PERMILAGEM: 54; Q. PERMILAGEM: 85; R. PERMILAGEM: 71; S. PERMILAGEM: 71; T. PERMILAGEM: 70 e U. PERMILAGEM: 73; 6. A última prestação paga pela sociedade mutuária data de setembro de 2011. 7. A aquisição da referida fração autónoma designada pela letra “F” mostra-se registada, por decisão judicial à MASSA INSOLVENTE DE "B..., LIMITADA, a favor do embargante, mediante a AP. ... de 2023/10/13, nos seguintes termos: «Decretada a execução específica do contrato promessa celebrado por escritura de 30/11/2012 e, em consequência, declarada transferida para a esfera jurídica do sujeito ativo a propriedade da presente fração autónoma.» 8. Por sentença proferida, nos autos de apenso T, do processo n.º 952/12.8TBEPS – Juiz 1 – Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, já transitada em julgado, veio a julgar-se parcialmente procedente a ação, instaurada pelo ora aqui Executado, consignando-se na sua parte decisória o seguinte: «a) – decreto a execução específica do contrato promessa celebrado por escritura de 30.11.2012 e, em consequência, declaro transferido para a esfera jurídica do A. AA a propriedade da fração autónoma, designada pela letra “F”, destinada a habitação, correspondente ao 1.° andar, do tipo T1, com um lugar de estacionamento na segunda cave e designados pela letra “F”, do Edifício ..., sito na Rua ..., freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ... e descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... – F, com aquisição provisória inscrita a favor da ora Insolvente pela Ap. ... de 26.5.2008, convertida em definitiva pelo averbamento - Ap. ... de 6.8.2008 da 1.ª Conservatória do Registo Predial do Porto; b) – a venda assim decretada é feita livre da apreensão para a insolvência cujo levantamento ordeno, mas mantém-se em pleno vigor a hipoteca registada a favor da Banco 1... pela Ap. ... de 6.8.2008, da Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto; c) – Condeno a Insolvência de “B..., Lda.”, a entregar ao Autor o valor correspondente ao débito A sociedade mutuária "B..., Lda." foi declarada insolvente no âmbito do processo que, com o n.º 952/12.8TBEPS, corre atualmente termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1.». 9. A Banco 1... aceitou distratar a hipoteca constituída a seu favor sobre cinco das doze frações autónomas abrangidas por aquela garantia, frações B, G, L, O, e P, contra o pagamento das quantias correspondentes aos valores da sua avaliação. 10. No dia 29.04.2024, A... SA. apresentou um requerimento pedindo a sua habilitação como cessionária da exequente Banco 1..., SA, em virtude de contrato celebrado em 6 de março de 2024. 11. Por sentença proferida no apenso A, no dia 19/06/2024, a sociedade A... SA. foi habilitada como cessionária do crédito exequendo. 12. A execução de que estes autos dependem foi instaurada em 12/01/2024. * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - Da divisibilidade da hipoteca e do limite da garantia.
Insurge-se o apelado contra a sentença recorrida, que pretende ver revogada, e, que na procedência parcial dos embargos, seja determinado que a execução se limita ao montante de € 55.872,78, dada a divisibilidade da hipoteca, apontando o critério que se lhe afigura adequado a fixar o limite da garantia, entendendo ser o que atende, no cálculo, às 12 frações da hipoteca global em vez das 7 consideradas (as ainda oneradas). Conclui que ao incluir no somatório de permilagem para cálculo do crédito exequendo garantido pela fração “F” as 7 frações, com hipoteca não expurgada, não as 12 que foram hipotecadas, a sentença incorreu em erro, em violação do disposto nos art.º 217.º e 696.º do CC. Verifica-se que o apelante/executado não é o devedor e que, quanto a ele a exequente apenas pode executar o bem hipotecado e pelo valor da garantia, sendo que a hipoteca, registada, que garante o crédito exequendo foi constituída sobre 12 das 21 frações que compõem o prédio em causa. “I - Nos termos do art. 696.º do CC, não são, em princípio, de admitir as expurgações parciais de hipotecas, a não ser que o credor, por comum acordo, renuncie à indivisibilidade parcial, aceitando o distrate parcial da hipoteca, permanecendo a hipoteca sobre todas as parcelas não distratadas. II - A convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca pode ser posterior à sua constituição e tácita; ocorre a convenção de divisibilidade da hipoteca quando o credor aceita o distrate da hipoteca sobre determinada fração predial autónoma contra o pagamento da parte proporcional do respetivo crédito. III - No caso de divisibilidade da hipoteca, o critério que se revela claro e objetivo é, como vem sendo defendido por este STJ, o critério da permilagem. O que releva é a participação de cada fração onerada por referência à dívida exequenda atualmente existente”. Analisadas, aí, foram as posições assumidas nos anteriores Acórdãos dos Tribunais superiores com relação à hipoteca global que aqui está em causa, aí se referindo e decidindo, com inteira pertinência para o caso: “Matéria idêntica à dos autos foi já decidida no âmbito do processo de embargos de executado com o n.º 1501/22.5T8PRT-A.P1, com acórdão proferido pela 2.ª secção deste Tribunal, datado de 10.10.2023, e nos embargos de executado 1502/22.3T8PRT-A.P1, com acórdão datado de 19.12.2023, parcialmente revogado pelo ac. STJ, de 15.4.2024. (…) No primeiro acórdão considerou-se ter existido renúncia tácita, consentida pela ressalva constante do artigo 696.º do Código Civil ao princípio da indivisibilidade da hipoteca, concluindo-se que, querendo o credor executar a garantia constituída pela hipoteca sobre as restantes frações oneradas para cobrança do seu crédito, só o poderá fazer numa determinada proporção. Modificando a decisão do tribunal de 1.ª instância quanto ao critério, correspondente à proporção da permilagem daquela fração “C” relativamente ao prédio para determinar a medida pela qual a execução devia de prosseguir, o acórdão desta Relação, de 10.10.2023, considerou que «na ausência de outro critério admissível (por exemplo, casos há em que o mutuante e mutuário estabelecem antecipadamente uma tabela de valores de distrate, por fração) a proporção do crédito da exequente a ter-se por garantido pela fração “C” haverá de identificar-se depois de calculada a proporção dessa fração naquele universo das 12 frações financiadas. Foram os seguintes os fundamentos para considerar existir renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca: «Dispõe aquele art. 696.º: “Salvo convenção em contrário, a hipoteca é indivisível, subsistindo por inteiro sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que as constituam, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou este se encontre parcialmente satisfeito.” Resulta desta norma a possibilidade de o regime ali previsto, de indivisibilidade da hipoteca, ser afastado por convenção das partes. O que implica, obviamente, a possibilidade de a ele renunciar o credor assim garantido, que disso beneficiaria. Tal renúncia pode ser expressa, mas pode igualmente ser tácita, atento o disposto no art. 217.º, n.º 1 do C. Civil. E é um tal significado que a jurisprudência vem atribuindo à atuação do credor que vai admitindo o distrate de hipotecas relativamente a algumas frações de um prédio constituído em propriedade horizontal, permanecendo tal garantia apenas em relação a outras. Por consequência da aplicação de uma tal solução, querendo o credor executar a garantia constituída pela hipoteca de cada fração restante, para cobrança do seu crédito, só haverá de o poder fazer na proporção do que essa fração representar naquele prédio (permilagem). Foi essa a solução decretada na decisão recorrida: “Tendo distratado a hipoteca relativamente a cinco frações autónomas, deve entender-se que cada uma das restantes (garante) apenas a dívida na proporção da permilagem da fração respetiva.” E isso porquanto “Os distrates operados quanto a cada uma daquelas cinco frações constituem factos concludentes que revelam, com toda a probabilidade, a manifestação de uma declaração negocial no sentido de concordar com a divisibilidade da hipoteca.” (…) admitindo o credor a divisão de uma hipoteca que era originalmente una – por efeito do art. 696º do C.C. - fica afastado o regime de indivisibilidade que antes se verificava. E, como tal, não pode ulteriormente o credor prevalecer-se do mesmo regime de invisibilidade, pretendendo depois obter de cada um dos titulares das frações remanescentes a totalidade do remanescente do seu crédito. Quanto a isso, é pertinente a citação feita na sentença recorrida, do ac. do STJ de 12-02-2004 (Proc. 03B2831, em dgsi.pt), onde se refere: “O que importa é que o banco, que por força do mencionado princípio da indivisibilidade tinha o direito de garantir a totalidade do seu crédito também através da fração ou frações que distratou, abriu mão da garantia nessa parte, através de um acordo entre ele e o titular ou titulares da fração ou frações distratadas (ou/e o seu devedor), acordo que, obviamente, só a eles mesmos e na medida dos seus direitos, pode vincular. Não é concebível que o banco pudesse, depois, fazer recair sobre o titular ou titulares das restantes frações um tal acordo, cobrando deste ou destes, ou de cada um destes, a totalidade do seu crédito. Também porque, a ser possível uma tal solução, o titular ou titulares das frações distratadas veriam posto em causa o acordo celebrado pelo banco, porque qualquer dos não distratados, pagando a totalidade da dívida, poderia exercer o seu direito de regresso contra aqueles outros, pedindo-lhes a parte proporcional do que tivessem pago.” Assim, não é em função do critério que o credor tenha escolhido para condicionar o distrate da hipoteca de alguma ou algumas … frações das que globalmente garantiam o seu crédito que cumpre determinar se essa atuação é ou não suficientemente esclarecedora da sua renúncia à indivisibilidade da hipoteca de que antes beneficiava o seu prédio. Essa renúncia pode retirar-se sem mais da sua vontade repetida – como no caso dos autos – de libertar do ónus os sucessivos adquirentes de diferentes frações que paulatinamente vão satisfazendo o seu crédito. Em tais casos, como se refere no ac. do TRG de 2/6/2022 (proc. nº3655/20.6T8GMR-A.G1) fica quebrada “a relação entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela da integralidade da dívida”, por vontade do próprio credor, pelo que só pode concluir-se que este “terá renunciado tacitamente à indivisibilidade da hipoteca”. Isso mesmo se extrai do Ac. do STJ de 11/3/2021 (proc. nº 2889/15.0T8OVR-A. P1. S1, em dgsi.pt), onde se afirma que sendo a base fundamental do regime da indivisibilidade “o equilíbrio genético entre a estabilidade material da garantia originária e a tutela da integralidade da dívida, só a manutenção desse equilíbrio legitima a indivisibilidade; assim, quebrado ou interrompido esse equilíbrio, a indivisibilidade da garantia perde o seu fundamento.” Assim, … se o credor for aceitando amortizações parciais do seu crédito, concedendo distrates correspondentes aos valores que determina no âmbito da alienação de cada uma de diversas frações cuja compra ou construção financiou globalmente, claro se torna que tem de abdicar do ulterior pagamento da totalidade do seu crédito – pois que o vai recebendo parcialmente – bem como da garantia plena que constituíra por referência aquela globalidade. De resto, e tal como alega a apelante, logo no contrato de mútuo a que a hipoteca das diversas frações foi associado, logo ficou previsto que haveria de ser viável o expurgo parcial da hipoteca, mediante o pagamento do valor que a Banco 1... entendesse atribuir a cada fração para a qual o distrate fosse pretendido. Afirma a apelante que isso impede a identificação da referida renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca. Entendemos nós que, pelo contrário, logo aí ficou acordado, entre mutuante e mutuária, entre credor e devedor, que a dívida assim contraída poderia ser liquidada em tranches, com valores gerados pelo rendimento da venda das diferentes frações, ao mesmo tempo que as mesmas seriam desoneradas da hipoteca, em proporção a definir ulteriormente pela Banco 1.... Na compreensão desta solução, concordamos, assim, com o tribunal recorrido e com a maioria da jurisprudência, designadamente deste TRP, tal a que consta do ac. de 23/10/2018 (proc. nº 3746/16.8T8LOU-A.P1), além da demais citada naquele Ac. do STJ de 11/3/2021, todavia sem se ignorar a existência de entendimentos divergentes, como neste mesmo Ac. do STJ se revela. (…) Cumpre, assim, assumir que ocorreu uma efetiva, embora tácita, renúncia à indivisibilidade da hipoteca que incidia sobre uma globalidade de frações, pelo que cada uma das frações ainda oneradas pela mesma hipoteca só haverá de garantir determinada proporção do crédito da exequente, e não todo esse crédito ou uma parte dele equivalente limite das forças da fração, como pretendia a exequente». O segundo acórdão alinhou pelo mesmo entendimento. Por nós, cremos assistir motivos para assim também entender, uma vez que a indivisibilidade tem “natureza supletiva: visto o teor do preceito, a indivisibilidade pode ser afastada por cláusula em contrário, ainda que tacitamente”[12]. Seguindo os ensinamentos de Isabel Campos, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, UCP, 2018, p. 933 e ss., diremos, então: - a indivisibilidade da hipoteca (ou hipoteca solidária) tem caráter subsidiário e não resulta da ordem pública ou de uma função especial da hipoteca; - a sua vantagem é a de permitir ao credor ressarcir-se por um dos bens hipotecados, se faltarem os restantes; - o credor hipotecário não tem a faculdade de designar, de entre os vários bens hipotecados, aquele que deve ser executado com prioridade sobre os demais, uma vez que todos os bens respondem integralmente pela dívida; - nos termos do art. 721.º CC, o adquirente da fração só pode expurgar a hipoteca, se pagar a totalidade do crédito hipotecário (al. a) ou se declarar que está pronto a entregar ao credor a quantia pela qual obteve os seus bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido gratuita (al. b); - não são, por isso, em princípio, de admitir as expurgações parciais, a não ser que o credor, por comum acordo, renuncie à indivisibilidade parcial, aceitando o distrate parcial da hipoteca, permanecendo a hipoteca sobre todas as parcelas não distratadas. Continua aquela autora: “De iure condendo, seria mais ajustada à realidade a solução de admitir a possibilidade de distrate ou expurgação parcial da hipoteca nestas situações. A permilagem atribuídas às frações no título constitutivo da propriedade horizontal não pode, todavia, ser um único critério de referência para cálculo do valor pelo qual seria possível o cancelamento parcial da hipoteca relativamente a cada uma das frações. Trata-se de um valor indicado unilateralmente pelo devedor hipotecário, pelo que dever-se-á complementar com outros métodos como, por exemplo, a realização de uma avaliação das frações por peritos independentes”. Quer isto dizer que, tendo in casu a exequente aceite o distrate de hipotecas, em termos parciais, concretizou-se a sua renúncia tácita à indivisibilidade da hipoteca”[13]. E concluindo-se, como se não pode deixar de concluir, pelo referido, pela divisibilidade da hipoteca, cumpre determinar o valor pelo qual responde o bem penhorado. Decide o referido acórdão a questão que aqui cumpre resolver: - a de saber o valor pelo qual responde o titular da fração que permanece hipotecada, analisando: “No ac. desta Relação, de 10.10.2023 (não alterado pelo STJ), não se aceitou o critério da permilagem da fração no prédio em que se integra, porque o prédio tem 21 frações e a hipoteca abrange apenas 12 destas. De modo que o critério foi o da proporcionalidade da permilagem da fração em causa no processo, no universo das 12 frações hipotecadas. No ac. do STJ, de 15.5.2024, que incidiu sobre a fração “R”, depois de se mencionarem os vários critérios possíveis, escreveu-se: «De facto, não se ignora a existência de críticas à utilização do critério da permilagem, com o argumento de que o credor hipotecário não participa na fixação das daquela, o que pode ser gerador de situações fraudulentas. Por força destas interrogações, há quem defenda a hipótese de realização de avaliação das frações hipotecadas como forma de aferir o valor de cada fração nos casos em que o credor hipotecário se sinta prejudicado caso o critério da permilagem seja o mobilizado (neste sentido, Isabel Menéres Campos e Rui Estrela de Oliveira nas obras citadas). Sucede que, para além de nada ter sido invocado a esse propósito, no caso dos autos tal argumento não pode ser mobilizado, na medida em que o credor hipotecário aceitou constituir a hipoteca sobre 12 frações autónomas, cujas permilagens já se encontravam definidas e eram do conhecimento do credor. Sabia, então, o credor hipotecário, à data da constituição da hipoteca, quais as permilagens das frações hipotecadas, não tendo, certamente, tais elementos sido alheios à decisão tomada quanto à escolha dos bens a hipotecar. Ademais, com exceção de eventual atuação fraudulenta dos devedores (não alegada pela Exequente), admitir que as frações hipotecadas devem responder pelo respetivo valor de mercado equivaleria à solução que se alcança sempre em cenário de indivisibilidade. E isto porque, em caso de execução de uma concreta hipoteca indivisível, o credor hipotecário tem sempre o direito de se pagar pelo valor de mercado dos bens hipotecados até ao valor máximo garantido pela hipoteca. Na verdade, as frações hipotecadas respondem sempre pelo seu valor de mercado (valor pelo qual conseguem ser vendidas no mercado), sendo esta a expectativa máxima do credor hipotecário. Defender tal solução para cenários de divisibilidade corresponderia a não extrair quaisquer consequências jurídicas daquela mesma divisibilidade. (…) Todos estes aspetos a que se fez referência impõem a conclusão de que o único critério que se revela claro e objetivo é, à semelhança do já vem sendo defendido por este STJ, o critério da permilagem. Aqui chegados, importa apenas clarificar que o critério da permilagem deve ser aplicado ao valor do crédito existente na presente data, sendo evidente que o montante em dívida no momento atual é distinto do crédito inicial, seja por força das amortizações parciais levadas a cabo, seja pelo vencimento de juros. Como é evidente, o critério da permilagem não pode ser, ao contrário do que pretende a recorrente, aplicado ao montante inicial do crédito, porquanto tal corresponderia, no limite, à desproteção do crédito hipotecário, o que não foi, de todo em todo, pretendido pelo legislador. (…) Ora, aplicando este entendimento ao caso concreto, temos que a execução dos autos foi instaurada para cobrança da quantia de €1 056.503,55[5], sendo tal crédito garantido, atualmente, por hipotecas constituídas sobre 7 frações (frações C, F, Q, R, S, T e U)). Assim, valor ainda em dívida (quantia exequenda) encontra-se garantido por hipoteca registada sobre frações que representam ... (frações C, F, Q, R, S, T e U), o que significa que o valor pelo qual a presente execução deve prosseguir é de €175 590,89 (correspondente à permilagem de 71 correspondente à fração pertencente à Embargante por referência àquela quantia exequenda). Consideramos, assim, que a compatibilização possível dos interesses em presença determina que o critério da permilagem seja aplicado ao valor da execução, a que acima fizemos referência, o que, nos autos, corresponde à quantia de €175 590,89. Como explica Rui Estrela de Oliveira, “os propósitos do legislador, com a norma em causa, centram-se, pois, na garantia do crédito, tendo pretendido evitar-se que as eventuais vicissitudes a ocorrer na coisa dada em garantia pudessem prejudicar a satisfação do crédito, nomeadamente, que parte daquele crédito deixasse de ser garantido ou que a garantia, ao invés do seu momento inicial, se viesse a revelar curta ou insuficiente para os propósitos iniciais.” - A Renúncia Tácita do Credor à Indivisibilidade da Hipoteca”, in Estudos de Direito do Consumidor, n.º 17, 2021, disponível em https://cdc.fd.uc.pt/revista/, p. 606. Assim, se é certo que o devedor não deve ser responsabilizado pela totalidade da dívida em cenário de divisibilidade da hipoteca, é também evidente que não é possível defender a degradação da função de garantia do crédito inerente à hipoteca, que não pode ficar em causa. Consideramos, assim, que esta solução é a que se ajusta ao caso dos autos, em face das suas específicas cambiantes fácticas. A execução deverá, assim, prosseguir para cobrança deste valor.» (…) E, na ótica do ac. do STJ mencionado por último, teremos que considerar qual o valor que está atualmente em dívida – após destrate de outras hipotecas (e após decisões judiciais proferidas antes da presente) – e quais as hipotecas que já foram expurgadas (também após a instauração da presente execução e nomeadamente em função das sentenças entretanto proferidas e transitadas em julgado - as mencionadas supra, duas, da 2.ª secção deste tribunal) e, após, efetuar o cálculo proposto pelo STJ. O valor em dívida atualmente – que não será certamente o constante do requerimento executivo (porque, entretanto, pelo menos, duas frações – a “C” e a “R” – já responderam pelo crédito da ora exequente) será considerado tendo em conta a proporcionalidade da permilagem da fração “T” (70) entre as frações que permanecem registadas para garantia deste crédito (sabendo nós que as frações “C” e “R”, mencionadas no acórdão referido, e tidas em conta na proporção aí mencionada – ... – se não acham já hipotecadas). Vemos que o valor encontrado no ac. do STJ, de 15.5.2024, pelo qual responderia a fração “R” foi de € 175,590,89, equivalente a 166,2/1000, ou seja, o valor ali em dívida (€ 1.056.503,55) estaria para 1000, tal como 116, 2, estaria para x. No nosso caso, deverá apurar-se qual o valor total em dívida – posto que já abatidos, pelo menos, os créditos relativos às frações “C” e “R” – e apurar-se, depois, qual a permilagem relativa da fração aqui em causa (“T”) de entre a permilagem correspondente às frações ainda hipotecadas (devendo obter-se certidão do registo predial atualizada e indicar a exequente quais as frações cuja hipoteca foi expurgada), raciocinando-se, depois, aritmeticamente, como acabado de expor”[14]. E foi neste acórdão decidido: “… ordena-se o prosseguimento da execução para cobrança do valor achado de acordo com o raciocínio acabado de expor, limitada tal cobrança à fração “T” hipotecada e penhorada nos autos”. Ora, pelas razões explanadas, não podemos deixar de aqui afirmar esta posição com relação, também, à fração hipotecada aqui penhorada - a “F” - tendo de ser apurado o atual valor total em dívida – posto que já abatidos, pelo menos, os créditos relativos às frações “C” e “R”, e, também, “T” – e apurar-se, depois, o referente à permilagem relativa da fração aqui em causa (“F”) de entre a permilagem correspondente às frações ainda hipotecadas (devendo obter-se certidão do registo predial atualizada e indicar a exequente quais as frações cuja hipoteca foi expurgada), raciocinando-se, depois, aritmeticamente, como acabado de expor. Neste conspecto, e resumidamente, sendo a questão a decidir a do limite da garantia (por ter operado a divisibilidade da hipoteca) e entendendo-se como critério de cálculo a seguir para determinar o concreto quantum o da proporcionalidade da permilagem da fração de entre as frações da hipoteca global que permanecem registadas para garantia do crédito e sendo a decisão recorrida “a) julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, e em consequência determino o prosseguimento da execução pelo valor de €81.650,16, acrescido dos juros de três anos sobre este montante”, sabendo-se – como, pacificamente, resulta da decisão recorrida e dos elementos dos autos e v. o supra exposto) - existirem frações que já responderam pela dívida, passando a ser menos as que permanecem a garantir a dívida (não são, atualmente, as 7 referidas na decisão recorrida a responder, mas menos do que essas, resultando, também ser o valor pelo qual a execução tem de prosseguir inferior a €81.650,16), tem de ser apurado, nos autos, o capital atual em dívida, para, depois, prosseguir a execução para pagamento desse inferior capital garantido, acrescido dos juros de três sobre o montante a que se chegar, como se mostra decidido. * Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, devendo, por isso, a decisão recorrida ser revogada no atinente ao capital garantido (que passará a ser inferior a €81.650,16). * As custas são por ambas as partes, na proporção do decaimento, após o apuramento do valor executivo – art. 527º, nº1 e 2, do Código de Processo Civil. * III. DECISÃO
Pelos fundamentos referidos, decidem os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, por maioria, na procedência do recurso nos termos expostos, revogar a decisão recorrida quanto à fixação do valor do capital garantido e ordenar o prosseguimento da execução, para cobrança do valor achado de acordo com o raciocínio acabado de expor quanto ao capital (sendo que a esse capital - inferior a €81.650,16 - acrescem os juros de três anos sobre este montante, como decidido em 1ª instância), limitada tal cobrança à fração “F” (hipotecada e penhorada nos autos). * Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, após o apuramento do valor executivo. Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo [vencido conforme voto que se anexa: Voto de vencido (art. 663.º/1 do CPC) Não acompanho o entendimento que fez vencimento no acórdão, sem prejuízo do elevado respeito que lhe é devido, por motivos processuais e de mérito: 1) Segundo entendo, o objecto do recurso, consabidamente balizado pelas conclusões, salvo questões de conhecimento oficioso (arts. 635.º/4, 639.º/1 e 663.º/2 do CPC), reside simplesmente, no caso dos autos, em saber se, para a determinação da quantia exequenda, o critério da permilagem da fracção do embargante (fracção F) deve ser calculado sobre as 7 fracções que, de acordo com a decisão recorrida e as alegações, estão hipotecadas, ou sobre as 12 fracções inicialmente oneradas e financiadas pelo exequente, como pretende o recorrente. Quanto às demais questões decididas em primeira instância, em especial sobre a divisibilidade da hipoteca, está o recorrente conformado, tanto mais que seguiram a sua posição, e por isso refere (conclusões A a Q), “foi essa a solução, e bem, decretada na decisão recorrida: porquanto, bem entendeu que os distrates operados quanto a cada uma daquelas cinco frações constituem factos concludentes que revelam, com toda a probabilidade, a manifestação de uma declaração negocial no sentido de concordar com a divisibilidade da hipoteca”. No entanto, acrescenta (conclusão R), “menos bem, foi o critério definido, pois que, entendeu o Tribunal recorrido - seguindo o entendimento vertido no Ac. do STJ, de 15/05/2024, proferido nos autos de processo nº 1502/22.3T8PRT-A (que correu termos naquele mesmo Juízo) - que tal cálculo haveria de ser aferido em função do somatório da permilagem das 7 frações ainda hipotecadas (427/1000)”. Para finalizar com a ideia (conclusão S) de “que a fixação do montante da obrigação exequenda haverá de ter por objeto o valor correspondente à proporção da permilagem da fração “F” no total de 12 frações (624/1000) cuja aquisição foi financiada pela Banco 1.... O que, assim sendo, perfaz a quantia de €: 55.872,78”. Todavia, creio que a decisão agora proferida terá acabado por divergir para uma questão nova, que não foi colocada nas conclusões do recurso, nem sequer debatida no processo até ao momento, e à qual respondeu afirmativamente: saber se, já depois de instaurada execução, por cada distrate que ocorrer, deve recalcular-se a permilagem relevante das fracções ainda oneradas. Ora, foi essa opção que conduziu à revogação da sentença, apenas quanto ao critério do cálculo da permilagem daquela fracção (e, logo, da quantia exequenda). E não a procedência de qualquer conclusão do recorrente em divergência da referida decisão, que não se vislumbra. Não se alcançando, por isso, quais as conclusões do recurso que no final do aresto se afirma procederem, tanto que o critério da “proporcionalidade da permilagem da fração de entre as frações da hipoteca global que permanecem registadas” pode determinar, em tese, um valor para a quantia exequenda superior a € 81.650,16, embora este seja o máximo admissível para o efeito, transitado nesse limite, pois o recurso visou a sua redução e o exequente dessa limitação não recorreu. 2) Por outro lado, e ainda no plano processual, o acórdão consigna que para o apuramento da quantia exequenda devem ser abatidos, pelo menos, os créditos relativos às frações “C” e “R”, e, também, “T”, as quais, aparentemente, terão sido, entretanto, objecto de distrate; todavia, não refere como foram apurados esses factos nem altera a factualidade relevante em conformidade com esse apuramento. 3) Em sede de apreciação de mérito, discordo da tese que fez vencimento, desde logo, porque na fixação da permilagem relevante para a quantia exequenda, o tribunal de primeira instância, no essencial, mais não fez que aderir ao entendimento sufragado em recente (15/05/2024) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que versou precisamente o mesmo negócio (processo 502/22.3T8PRT-A). E que, para o efeito, considerou decisivamente que “a execução dos autos foi instaurada para cobrança da quantia de €1.056.503,55, sendo tal crédito garantido, atualmente, por hipotecas constituídas sobre 7 frações (frações C, F, Q, R, S, T e U)), razão pela qual, achou o capital exequendo mediante a aplicação de uma regra de três simples em que 427/1000 corresponde à totalidade da quantia exequenda, sendo € 175.590,89, o correspondente à permilagem de 71 (da fracção R do mesmo empreendimento) e €81.650,16 o correspondente à permilagem de 33 (da fracção F destes autos). Ora, não se vislumbra motivo bastante para divergir do aresto do STJ (e, assim, da decisão recorrida) recentemente proferido sobre o mesmo negócio e que, segundo se crê, a coerência das decisões judiciais justificaria ter sido observado. 4) Para além disso, não vislumbro motivo idóneo para essa divergência em atenção às conclusões do recurso, as quais, a meu ver, improcedem manifestamente a respeito do critério relevante para a fixação do capital exequendo. Com efeito, a tese do recorrente – no essencial, fixar o montante da obrigação exequenda tendo por objeto o valor correspondente à proporção da permilagem da fração “F” no total de 12 frações inicialmente financiadas (o que daria um resultado de 624/1000, em lugar dos 427/1000 adoptados na sentença) – é clara e fundadamente rebatida no dito Acórdão do STJ de 15/05/2024, segundo o qual, “o critério da permilagem não pode ser, ao contrário do que pretende a recorrente, aplicado ao montante inicial do crédito, porquanto tal corresponderia, no limite, à desproteção do crédito hipotecário, o que não foi, de todo em todo, pretendido pelo legislador”. Para além disso, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2023, que o recorrente invoca, não serve minimamente de amparo à sua posição, pois o que ele decidiu, no essencial, é que o critério da permilagem apenas pode incidir sobre fracções financiadas, e não sobre fracções alheias à hipoteca global da exequente. Por isso, esse aresto não decidiu a questão de saber se o cálculo relevante da permilagem deveria considerar todas as fracções inicialmente hipotecadas. Finalmente, no sentido da insubsistência das conclusões do recorrente, milita ainda o simples argumento de que considerar as 12 fracções inicialmente hipotecadas, quando a execução foi instaurada relativamente a 7, iria ferir iniquamente o critério da proporcionalidade, por ser evidente que o crédito exequendo diminuiu com os pagamentos garantidos pelas fracções já distratadas antes do início da execução. 5) Em terceiro lugar, não encontramos motivos para divergir do referido aresto do STJ mercê da incerteza e da dificuldade, também no plano legal, que, salvo o devido respeito, o entendimento que fez vencimento é susceptível de gerar. 6) Na tese que prevaleceu no presente acórdão, a quantia exequenda deverá ser fixada através das seguintes operações: será “apurado o atual valor total em dívida – posto que já abatidos, pelo menos, os créditos relativos às frações “C” e “R”, e, também, “T” – e apurar-se, depois, o referente à permilagem relativa da fração aqui em causa (“F”) de entre a permilagem correspondente às frações ainda hipotecadas (devendo obter-se certidão do registo predial atualizada e indicar a exequente quais as frações cuja hipoteca foi expurgada)”. Ora, tem primeiramente de questionar-se como poderá ser apurado o valor total ainda em dívida e, em especial, se ele deve ficar ao sabor da indicação exclusiva do exequente e a justeza dessa opção. Depois, será ainda necessário obter certidão do registo predial atualizada e a indicação da exequente sobre quais as frações cuja hipoteca foi expurgada. Todavia, é de crer que todas estas operações, e a indefinição que geram, atentam contra a certeza e liquidez da obrigação exequenda. E constituindo princípio legal consolidado que a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo (art. 713.º do CPC), é de crer que a opção maioritária adoptada terá por efeito devolver o processo executivo à sua fase inicial e afastar, injustificadamente, qualquer relevância do requerimento executivo. 7) Por outro lado, embora com relação aos argumentos acabados de expor, tem de ser destacada a importância que da decisão final dos embargos de executado resulte um valor certo para o prosseguimento da execução, sendo o momento próprio para tanto quando deva ser corrigido o montante indicado no requerimento executivo. E não há dúvida que nas várias decisões proferidas pelo Supremo Tribunal de Justiça a este respeito, tal como, de resto, na sentença recorrida, foi sempre fixado um valor certo para esse efeito. Aliás, mesmo o acórdão do TRP citado nas alegações de recurso (de 10/10/2023) adoptou um segmento decisório que permite de imediato fixar o valor da quantia exequenda mediante simples operação aritmética: "cumprindo alterar a decisão recorrida apenas no segmento em que determinou a medida pela qual haverá de prosseguir a execução, que não haverá de ter por objecto o valor correspondente à proporção da permilagem da fracção “C” no crédito exequendo, mas sim e como limite a cobrança de um valor proporcional, no crédito exequendo, à proporção da fracção “C” relativamente ao conjunto das 12 fracções cuja aquisição foi financiado pela Banco 1...". E embora o Acórdão do STJ de 15/05/2024 contenha referências “ao valor do crédito existente na presente data”, a verdade é que elas são sempre reportadas, incluindo no segmento decisório, à quantia exequenda indicada no requerimento executivo e às 7 fracções hipotecadas à data da instauração da execução. O que, em atenção à fixação do objecto do processo no requerimento inicial e salvo o devido respeito por outra opinião, parece constituir a opção correcta em vista da prossecução do referido fim de obter um valor certo para o prosseguimento do prosseguimento executivo na decisão final dos embargos. 8) Por fim, segundo creio, a opção de, em cada distrate que ocorra, após o início da execução, ser necessário recalcular a permilagem relevante das fracções ainda oneradas, na realidade, acaba por ser contrária às consequências da divisibilidade da hipoteca. Recorde-se que, segundo o Supremo Tribunal de Justiça, “as frações hipotecadas respondem sempre pelo seu valor de mercado (valor pelo qual conseguem ser vendidas no mercado), sendo esta a expectativa máxima do credor hipotecário. Defender tal solução para cenários de divisibilidade corresponderia a não extrair quaisquer consequências jurídicas daquela mesma divisibilidade”. Ora, a opção do "re-cálculo sucessivo" da permilagem relevante, por cada distrate verificado após o início da execução, teria por resultado fazer reflectir, sobre a obrigação exequenda relativa a cada embargante, os valores pagos através de fracções que não lhe dizem respeito, mesmo que distratadas pelo seu valor de mercado, contrariando o critério de proporção objectiva da permilagem de cada fracção, apurada à luz do requerimento executivo, mais própria da aceitação da divisibilidade da hipoteca. Estas são, em síntese, as razões da nossa divergência face ao decidido e os motivos por força dos quais teríamos confirmado a decisão recorrida.] Fernanda Almeida _________________ [1] Ana Prata (Coord), Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, anotação ao artigo 696º da autoria de Rui Pinto Duarte, pág. 881 e seg. [2] Ac. RC de 2/2/1993, CJ, 1993, 1º, 35. [3] Rui Pinto, ibidem, pág. 881. [4] RC, 21/1/1997: CJ, 1997,1º, 14 [5] Cfr. Rui Pinto, idem, pág. 882. [6] Cfr. Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro, CJ, 1986, 5º, 35 e segs. [7] Ac. do STJ de 12/2/2004, CJ/STJ, 2004, 1º, 67. [8] Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro, CJ, 1986, 5º, pág. 45. [9] Ibidem, pág. 45. [10] Ibidem, pág. 45 e seg. [11] Ibidem, pág. 44. [12] Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em Geral, 2021, Coord. de Menezes Cordeiro, p. 858, onde se dão como exemplos de divisibilidade tácita, entre o mais, o ac. RG 10.72018, Proc. 5635/17.0T8GMR-A.G1 (com o seguinte sumário “I – Sendo a transmissão do bem hipotecado plenamente eficaz, passando a coisa, por efeito do contrato, a pertencer ao património de um terceiro, continua o credor a poder realizar o seu direito de crédito, pois a prévia constituição da garantia fez nascer sobre o imóvel um vínculo de natureza real oponível erga omnes. II – A indivisibilidade da hipoteca prevista no artº 696º do Código Civil funciona a benefício do credor pois que lhe garante a satisfação do seu crédito com base ou através da unidade do objeto físico da garantia, independente das modificações físicas ou jurídicas que possa vir a ter, e às quais, em princípio, é alheio. III- A convenção contrária à indivisibilidade da hipoteca pode ser posterior à sua constituição e tácita; ocorre a convenção de divisibilidade da hipoteca quando o credor aceita o distrate da hipoteca sobre determinada fracção predial autónoma contra o pagamento da parte proporcional do respectivo crédito”). [13] Ac. do TRP de 27/1/2025, proc. 1613/24.0T8PRT-A.P1, acessível in dgsi.pt. [14] Referido Ac. do TRP de 27/1/2025, proc. 1613/24.0T8PRT-A.P1. |