Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | EUGÉNIA CUNHA | ||
Descritores: | SEGUNDA PRESTAÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA PRAZO DE PAGAMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP202406031388/21.5T8LOU-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/03/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça tem de ser efetuado no prazo (inicial), de 10 dias, a contar da notificação para a audiência final (nº2, do art. 14º, do Regulamento das Custas Processuais). II - Não o sendo, tem de ser efetuado, acrescido de multa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º, do Regulamento das Custas Processuais, no prazo adicional, de 10 dias a contar da notificação, que o legislador quis conferir para o efeito. III - O prazo, quer o inicial quer o adicional, de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça é processual, contínuo, contando-se nos termos consagrados no artigo 138º, do CPC, e é perentório, nos termos do estatuído nos nº1 e 3, do artigo 139º, do CPC. IV - Sendo ónus da parte praticar o ato que deva ter lugar em prazo perentório dentro do mesmo, não observado o prazo preclude o direito de o praticar. V - A consequência estatuída na lei para a falta de pagamento no referido prazo é não poder produzir prova (cfr. nº4, do referido artigo), sendo essa a equilibrada e proporcional, que o legislador ordinário encontrou e cominou como adequada à falta cometida. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 1388/21.5T8LOU-A.P1 Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível) Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Lousada
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC): ……………………………… ……………………………… ……………………………… *
Recorrentes: AA e BB Recorrido: CC * Não tendo pago no referido prazo e entendendo os Autores que a interpretação do art. 14.º n.º 4, deverá ser no sentido de à parte ser concedida a faculdade de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça até ao dia da realização da audiência de julgamento, apresentaram os mesmos recurso de apelação, pugnando por que seja o mesmo julgado procedente e a decisão recorrida revogada e substituída por outra que permita a produção de prova e a assim se não entender, substituída por outra que declare a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, como ocorre quando não é paga a totalidade da taxa de justiça na ação, não sendo assim negado aos recorrentes o direito a intentar nova ação, formulando as seguintes CONCLUSÕES: “A. Os autores não procederam, dentro do prazo de 10 dias, a que alude o artigo 14.º-2, do RCP, a contar da notificação que lhes foi feita para a audiência final, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça. B. Tendo então a secretaria, e cumprindo o comandado no número 3, do mesmo artigo 14.º, do RCP, notificado os autores, para procederem, dentro do prazo de 10 dias, nesse normativo referido, ao pagamento de tal segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescido de multa de igual montante, prazo de 10 dias esse cujo dies ad quem era o dia 6 de Fevereiro de 2023. C. Pagamento esse a que os autores, e até esse dia 6 de Fevereiro de 2023, não procederam. D. O que levou a que o réu tivesse, antes do início da audiência de discussão e julgamento, requerido, ao Meritíssimo Senhor Doutor Juiz a quo, que, ao abrigo do estatuído no artigo 14.º-4, do RCP, determinasse a impossibilidade que os autores realizassem quaisquer diligências de prova, por eles requeridas ou a requerer. E. Requerimento esse sobre o qual recaiu despacho de deferimento, sendo precisamente de tal despacho de deferimento que vai interposto o presente recurso. F. O objecto do presente recurso consubstancia-se na interpretação do n.º 4, do art. 14.º do RCP. G. Os n.os 3 e 4 do art. 14.º do R.C.P. praticamente transcrevem o art. 512.º-B do anterior C.P.C., aditado pelo Dec.-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que procedeu à revisão do Código das Custas Judiciais, introduzindo alterações no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, e em três outros Decretos-Lei, em matérias relacionadas com o pagamento das custas. H. As alterações introduzidas integraram-se num conjunto mais vasto de medidas que, como ficou a constar do preâmbulo do referido Dec.-Lei 324/2003, visaram “introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao funcionamento racional e eficaz do sistema”. I. Não justificando, em concreto, os fins visados com a “medida” introduzida pelo aditado art.º 512.º-B do anterior Código, o legislador critica “a ausência (excepto para o autor) de penalizações processuais efectivas pela falta de pagamento da taxa de justiça devida”, mas depois refere apenas a reconsagração da “regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito”, como contributo “para a igual responsabilização das partes processuais, considerando que esta regra já existe no regime actualmente em vigor em relação ao autor” afirmando ainda que, deste modo se introduz “um factor acrescido de moralização no recurso aos tribunais”. J. Ainda no domínio de vigência daquele art. 512.º-B a questão colocada no presente recurso foi decidida pelo S.T.J. no Acórdão de 03/02/2011, no qual ficou referido, em síntese, que, tendo sido prevista como “penalização processual” da não demonstração nos autos do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça “a impossibilidade de produção da prova requerida (ou que venha a ser requerida) pela parte em falta”, posto que “é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito”, mais se afirmando ser também este “o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil. Significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento”, razões que “são as mesmas para o pagamento em si” (ut Proc.º 3711/05.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). K. No mesmo sentido, ainda que sem adiantar qualquer justificação, se pronunciaram LEBRE DE FREITAS et AL, afirmando que “podia a parte ainda pagar até ao momento em que tivesse início, em audiência ou antes dela, a produção de prova por si requerida” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª ed., pág. 421). L. Ressalvado o devido respeito por opinião diversa, crê-se que o legislador quis mesmo deixar em aberto a possibilidade de o pagamento ser efectuado até ao dia da audiência final ou da diligência probatória, devendo a parte em falta juntar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a sua realização antes de uma ou outra se iniciarem. M. Esta prática tinha consagração legal no domínio do anterior Código das Custas Judiciais, que expressamente admitia o pagamento do preparo para julgamento até ao início da audiência. N. Quer no domínio do art. 512.º-B do anterior C.P.C., quer no art.º 14.º do R.C.P. o legislador associa o “documento comprovativo do pagamento” e/ou a “comprovação da sua realização” ao acto material do pagamento, na convicção, que parece segura, de que quem paga comprova/demonstra o pagamento. O. Não faz, assim, sentido interpretar de modo diferente as mesmas expressões consoante constem do n.º 3 ou do n.º 4 do art.º 14.º. P. Se o legislador pretendesse a aplicação da cominação da impossibilidade de produção de prova em resultado do não pagamento no prazo referido no n.º 3, então aditar-lhe-ia, pura e simplesmente, os dizeres do n.º 4 – “o tribunal decreta a impossibilidade de realização das diligências de prova …”. Q. A exigência de comprovação ou demonstração do pagamento tem a ver com a auto-liquidação, introduzida no sistema de pagamento das taxas de justiça, multas e custas – a parte obrigada ao pagamento vai ao sistema informático e emite o DUC indo depois pagar. R. Daqui se depreendendo que o legislador pretendeu dizer que a parte pode juntar o comprovativo do pagamento, caso já tivesse feito anteriormente, ou pagar até ao início da audiência de julgamento. S. A não ser assim, não se percebe por que razão o legislador utilizaria as expressões “juntar o comprovativo” ou “demonstrar a realização”. T. Por outro lado, o segmento «sem prejuízo» não exclui, não deve ser interpretada com o sentido de «sem causar dano a», mas com um sentido adverbial, «independentemente de». U. Não exclui, antes adita, complementa. V. Os fins (confessados) visados com a norma são os de compelir ao pagamento quem está obrigado a pagar. W. Ora, estes fins são perfeitamente conseguidos quer o pagamento se faça no prazo referido no n.º 3, quer em tempo útil, antes do início da audiência final ou da diligência de produção de prova. X. Em termos pragmáticos, um entendimento diferente poderá potenciar o surgimento de dois “sistemas” diferentes no mesmo tribunal se não na mesma secção – bastará que sejam diferentes os ritmos de trabalho ou o grau de controle dos processos, o que provocará divergentes momentos de notificação da parte para pagar, nos termos do n.º 3, e assim, a parte que foi notificada com mais de 10 dias de antecedência tem de efectuar o pagamento dias/semanas/meses antes da audiência final, e a que foi notificada mais tarde pode pagar até ao dia da audiência, já que, nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 157.º do C.P.C., os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Y. Este entendimento não belisca o princípio da igualdade desde que ambas as partes processuais possam usar do mesmo “benefício”. Z. O facto de uma das Partes efectuar o pagamento dentro do prazo estabelecido no n.º 2 e a outra o fazer até ao início da audiência final ou da diligência probatória não cria desequilíbrios nem favorecimentos já que a segunda está obrigada a pagar uma multa, que é a contrapartida do protelamento, no tempo, do pagamento da taxa devida. AA. Na situação sub judicio que seria desproporcionado impedir os Autores de produzirem provas, apesar de terem efectuado o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, e da multa respectiva, havendo demonstrado nos autos esse pagamento dois dias antes da audiência final. BB. Se, ao abrigo do disposto no art. 14.º n.º 4 do RCP, não se permitir que o pagamento a que a parte estava obrigada e penalizar-se a parte com a respetiva cominação, desconsiderando-se o pagamento até ao momento da audiência final, estaremos, a violar-se o princípio do acesso ao direito, por se mostrar a sanção desproporcional. CC. Se é vedada aos autores a possibilidade de produzir qualquer prova, pela falta atempada do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, obrigatoriamente a acção será julgada improcedente por não provada, vedando-se assim ao autor não só o direito de produzir prova nesta acção mas vedando-lhe igualmente o direito de intentar nova acção. DD .E pelo menos neste aspecto, de ser vedado aos autores intentar nova acção em tudo igual à anterior, que ficou irremediavelmente condenada à improcedência pela proibição de produção de prova como sanção (mais uma para além da multa) pelo pagamento intempestivo da segunda prestação da taxa de justiça e multa, entendem os ora Recorrentes que se verifica uma violação do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, pelo que, considera que a interpretação do n.º 4 do Artigo 14.º do RCP, de que a falta de pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça que provoca a improcedência da acção, com a absolvição do Réu do pedido, vedando ao autor a possibilidade de intentar nova acção em tudo igual, o que não acontece se o autor não pagar a totalidade da taxa de justiça, é inconstitucional por violar o Artigo 20º, nº 1 da CRP, o que desde já se alega para todos os efeitos legais. EE. A interpretação que o Tribunal a quo fez do nº 4 do art.º 14º do RCP atenta, de modo muito direto e frontal, contra o artigo 20.° da CRP, na medida em que veda aos aqui recorrentes, uma tutela jurisdicional efetiva, na exata medida em que, fazendo uma interpretação de que após os dez dias da notificação da secretaria para pagar a taxa de justiça em falta e respetiva multa, qualquer pagamento até à audiência final é extemporâneo, inibindo, portanto, as partes de produzir prova sobre os factos que alegaram. FF. Do mesmo modo, se viola o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH). GG. Ainda que se defenda o entendimento de que a falta de pagamento tempestivo da segunda prestação da taxa de justiça conduz à proibição de produção de prova, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se deverá entender que a consequência deverá ser o desentranhamento da PI (como acontece quando não é paga a taxa de justiça no momento da apresentação da PI, ou no caso de injunção nos 10 dias subsequentes à distribuição, e portanto já depois da oposição) e a consequente declaração de extinção da instância por ocorrer circunstância que impede o prosseguimento da acção até ao conhecimento do mérito da mesma e por conseguinte deverá considerar-se que ocorreu uma impossibilidade superveniente da instância. HH. Ao defender-se que a consequência da falta de pagamento tempestivo da segunda prestação da taxa de justiça é mais gravoso do que a falta de pagamento da primeira, ou até da falta de pagamento da totalidade da taxa de justiça, está a impor-se sanção desproporcional à falta, a verificar-se a falta de unidade do ordenamento jurídico, e a negar-se ao autor o direito de protecção efectiva dos seus direitos na acção em causa bem como o direito a intentar nova acção. II. Mui Douto Tribunal a quo prosseguiu com os autos sabendo que a acção, pela proibição de produção de prova dos factos que integram a causa de pedir, que nunca poderiam vir a ser provados, tinha como destino a improcedência. JJ. Assim sendo, e atenta a proibição da prática de actos inúteis no processo, deveria ter sido declarada a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do Artigo 277º do Código de Processo Civil. KK. Foram violados entre outros os arts. 14.º, n.º 4, do RCP, art. 20.º, da CRP, art. 277, al. e), do Código de Processo Civil”. * Apresentou o Réu contra-alegações pugnando por que seja negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido. * Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto. * II. FUNDAMENTOS - OBJETO DO RECURSO Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal. Assim, as questões a decidir são as seguintes: - Da tempestividade do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa, efetuado, após decorrido o prazo de 10 dias a que alude o nº3, do art. 14º, do Regulamento das Custas Processuais, até ao início da audiência final; - A não ser tempestivo, das consequências da falta de pagamento atempado. * II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário, exarando-se, contudo, o teor do Despacho recorrido: * II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - Da oportunidade do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça. Ora, como decidido e tal como sustenta o Recorrido esta interpretação esvazia o prazo de 10 dias referido no n.º 3, inutilizando a função do mesmo (pois que, assim, o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça acrescido da multa sempre poderia ser efetuado, até ao início da audiência de julgamento), sendo tal interpretação violadora do princípio da igualdade das partes consignado no artigo 4º, do Código do Processo Civil, concedendo o mesmo tratamento ao sujeito processual que cumpre e ao sujeito que não cumpre, sendo que um prazo só tem validade como prazo se da sua violação advier alguma consequência. E a consequência que a lei determina para falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo que fixa, no inicial e no adicional/suplementar é impossibilidade de a parte faltosa produzir prova. A expressão do n.º 4 «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…» é reveladora da imposição de o prazo adicional concedido no número anterior ter de ser observado, sendo que a possibilidade do pagamento ocorrer, validamente, até à data da audiência só pode ser concebida como admissível se ainda estiver a decorrer o prazo a que se alude no n.º 3. O que o n.º 4 permite é algo diverso: que parte comprove, mesmo no dia da realização da audiência, que procedeu ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, no prazo concedido no nº 3, podendo, nesse caso, produzir a sua prova. Só se esgotado o prazo sem o pagamento ser efetuado não a pode produzir. Como bem sustenta o apelado, não é de atender o que os apelantes invocam, no sentido da injustiça da cominação que lhes foi aplicada quando dispuseram das oportunidades, conferidas pela lei, de proceder ao pagamento e só se apresentaram a realizá-lo na véspera da audiência de discussão e julgamento, já depois de decorrido o prazo adicional que lhe foi concedido para tanto, sendo a cominação que lhes foi determinada a consequência expressamente prevista na lei para a falta da prática deste ato dentro do período legal em que lhe era possível praticá-lo e o pagamento da taxa de justiça é uma obrigação que impende sobre as partes para que o processo possa seguir seus termos normais. A ocupação da máquina da justiça tem custos e o pagamento devido tem de ser realizado não podendo imposições tributárias ser vistas como obstáculo ao acesso ao direito e à justiça, mas como um encargo que tem de ser suportado pela parte que solicita um serviço essencial, que se não compadece com determinadas atitudes. Sendo a falta de natureza tributária, certo é estarmos perante um sistema em que o acesso à justiça não é gratuito, pressupondo o andamento dos processos o pagamento de taxas de justiça, condição necessária ao impulso processual. Assim, como refere o recorrido, não podemos deixar de considerar que a cominação prevista no n.º 4 do artigo 14º do RCP não é desproporcional, pois que foram várias as oportunidades concedidas de efetuar o pagamento, desde que a petição inicial deu entrada em juízo e foram expressamente notificados para o efetuarem e avisados com a advertência da aplicação da comunicação ora em causa, para o caso de não proceder ao pagamento, com que contavam e não se inibiram de continuar a atuação que empreenderam, sendo a cominação consagrada a que foi considerada justa, adequada e proporcional pelo legislador ordinário, pela inércia dos devedores, não se nos afigurando ir contra qualquer imposição constitucional. Não violou, pois, a interpretação efetuada pela 1ª instância do n.º 4 do artigo 14º do RCP, o princípio constitucional de acesso ao direito e à justiça ou do princípio da proporcionalidade nem violou o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6º da Convenção europeia dos Direitos do Homem, antes foram os recorrentes que, por ato seu, apesar de devidamente advertidos, se colocaram na posição de lhes ser aplicada a cominação prevista no n.º 4 e traduzida na impossibilidade de a parte faltosa produzir prova. Na verdade, como o apelado refere, se o legislador pretendesse que a parte pudesse proceder ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça acrescida de multa até ao início da audiência final tê-lo-ia dito, sem introduzir um prazo adicional de 10 dias, o mesmo se dizendo em relação à cominação, sendo que a cominação a aplicar é a prevista na lei, aplicada, não qualquer outra, designadamente a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, sendo, mesmo, a lide possível e podendo, até, ser útil, total ou parcialmente, em função das circunstâncias dos casos, em nada resultando violadas as disposições analisadas do artigo 14º, do Regulamento da Custas Processuais, o artigo 20º ou outro, da Constituição da República nem o artigo 277º, al. e) do Código do Processo Civil. * As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC). * III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantêm a decisão recorrida. * Custas pelos apelantes. Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores Eugénia Cunha Anabela Morais Mendes Coelho [vencido conforme voto que se anexa. Voto vencido, pois entendo, como já decidido no Acórdão desta mesma Relação proferido no proc. nº1018/18.2T8PFR-A.P1, de que fui relator, que o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa prevista no nº3 do art. 14º do Regulamento das Custas Processuais, em vista de assegurar a produção de prova que a parte pretenda fazer, pode ser feito até ao início da audiência final ou diligência respetiva, face ao disposto no nº4 daquele mesmo art. 14º. Tudo conforme ali fundamentámos, com recurso a jurisprudência e doutrina e dando conta do desenrolar normativo que foi ocorrendo no tempo e que está na base da redação do preceito legal em interpretação. É de reconhecer que a orientação, que é a do ora subscritor, que interpreta o nº4 do art. 14º do RCP no sentido de este possibilitar que o pagamento pode ocorrer até ao início da audiência trata de modo igual a parte que cumpre o prazo de 10 dias previsto no nº3 e a parte que o não cumpre, pois esta possibilidade de pagamento até à audiência não é acompanhada de qualquer sanção para este pagamento fora daquele prazo. Porém, não obstante essa aparente não discriminação entre quem cumpre logo o prazo e quem não o cumpre, o que é certo é que o preceito em causa (o nº4 do art. 14º) possibilita claramente a interpretação de que o pagamento pode ser feito até ao dia da audiência final, pois ali não se exige que a comprovação do pagamento que pode ter lugar até àquela altura tenha que ser referida ou reportada a um pagamento necessariamente ocorrido dentro do prazo de 10 dias do nº3. Assim sendo, parece-nos, não podemos nós distinguir (onde a lei não distingue, não compete ao intérprete distinguir) e “ficcionar” uma sanção que a lei, face à redação do preceito, não parece prever ou dar acolhimento. Além disso, diga-se, a interpretação – que o preceito, como já vimos, claramente acolhe – no sentido de que o pagamento em causa pode ocorrer até à audiência, é a que mais efetivamente possibilita a tutela efetiva dos direitos em discussão, pois de algum modo “maximiza” a faculdade de produção de prova sobre os mesmos. Efetivamente, o pagamento em causa só serve e é condição para assegurar a possibilidade de produção de prova futura [isto é, de prova constituenda (por exemplo, documentos que eventualmente se pretendam ainda juntar, diligências probatórias que se queiram ainda requerer e testemunhas que se pretendam ouvir, ainda que eventualmente já arroladas), e não, como nos parece óbvio, de prova já adquirida ou constituída nos autos (por documentos e/ou como resultado de diligências probatórias já consumadas)]. Como tal, se efetuado tal pagamento até ao início da audiência, nada obsta (pois após tal pagamento e por causa dele nada mais há em termos processuais) a que tal produção de prova possa nela perfeitamente ter lugar, não fazendo sentido a sua inviabilização só porque o pagamento não foi feito dentro daquele prazo inicial e o foi apenas até ao início do ato que só de tal pagamento estava na dependência. A interpretação que defende que o pagamento só pode ser feito nos 10 dias do nº3 do art. 14º, quando a lei, como vimos, acolhe claramente a interpretação no sentido de a parte poder ter mais tempo para praticar aquele ato, acaba por pôr na dependência de uma pura exigência tributária (de pagamento dentro daquele prazo) uma consequência que pode ser devastadora para a parte, já que assim esta fica privada de produzir a prova necessária à efetiva apreciação do seu direito.] __________________ [1] Ac. RL de 7-03-2024, proc. 15768/19.2T8LSB-A.L1-2 (Relatora: Higina Castelo), in dgsi.pt. [2] Cita, neste sentido: “Ac. TRL de 14-09-2023, proc. 14284/21.7T8LSB-A.L1-2, com o seguinte sumário: «I) A finalidade da previsão sancionatória contida no artigo 14.º, n.º 4, do RCP – determinando a impossibilidade de produção probatória, relativamente àquela parte que requereu diligências de prova, mas que não efetuou o devido pagamento da taxa de justiça até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito – prende-se com verificação pelo julgador, no momento em que a prova vai ser produzida, de que o pagamento devido pelo funcionamento da atividade do sistema de Justiça do Estado se encontra garantido em tal momento. Este é o momento relevante e limite para aferir se tal pagamento se encontra efetuado. II) Atenta a referida finalidade, o mencionado artigo 14.º, n.º 4, do RCP, ao reportar que a verificação de impossibilidade probatória ocorre “sem prejuízo do prazo adicional” - a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo - acolhe, para além da possibilidade de comprovação do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ter lugar no prazo de 10 dias após a notificação a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º do RCP – pressupondo que a parte foi notificada nesta conformidade - , a possibilidade de a parte poder comprovar o pagamento omitido até ao início da audiência de julgamento ou da respetiva diligência probatória, mesmo que, aquele pagamento, venha a ter lugar depois de decorrido o mencionado prazo de 10 dias.» Ac. TRL de 17-11-2022, 10624/19.7T8LRS-C.L1-8, em cujo sumário se lê: «De uma interpretação conforme a Constituição e também conforme o Direito da União Europeia da proposição normativa do artigo 14.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais resulta que a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas (e demonstrado o seu pagamento) até ao início da audiência de julgamento.» Ac. TRG de 15-10-2020, proc. 2568/18.6T8VRL-C.G1, com o sumário: «Não deve ser determinada a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte que, tendo, embora, sido notificada para efetuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante, nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais, paga a taxa de justiça e a multa, demonstrando nos autos o pagamento, cinco dias antes da audiência final, ainda que já então tenha expirado o prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito.»”. [3] No sentido da interpretação literal cita: Ac. TRP de 17-01-2022, proc. 4480/20.0T8MTS-A.P1, com o sumário: «I - O n.º 3 do artigo 14.º do RCP apenas concede um prazo suplementar para o pagamento da taxa de justiça em falta e da respetiva multa. II - O seu n.º 4 não alude a ato de pagamento, mas apenas à junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa. III - Caso o pagamento da taxa de justiça e da multa, em falta, não seja efetuado no momento temporal a que alude o n.º 3 do artigo 14.º do RCP, nenhuma outra oportunidade processual tem a parte faltosa para o efetuar. IV - No entanto, para evitar que o tribunal determine a impossibilidade de realização das diligências de prova, a parte faltosa tem a faculdade de até ao início da audiência de julgamento ou da realização de qualquer outra diligência probatória, juntar documento comprovativo do pagamento efetuado no prazo suplementar concedido pelo n.º 3 do artigo 14.º do RCP.» Ac. TRL de 18-02-2020, proc. 9761/18.0T8LSB.L1-7, sumariado como segue: «1 - Nos termos do artigo 14º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a parte deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. Se não o fizer, tem dez dias para a pagar, acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe deverá efetuar, conforme estatuído no n.º 3 do mencionado artigo 14º. 2 - Decorrido o prazo de dez dias previsto no artigo 14º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais sem que a parte tenha juntado ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício de apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, fica precludida a possibilidade de a efetuar e chegado o dia da audiência final, o tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências de prova que tenham sido requeridas ou venham a sê-lo pela parte em falta. 3 - A expressão constante do n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Judiciais ”sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” deve ser interpretada no sentido de que a cominação nele prevista – a impossibilidade de realização das diligências de prova – terá lugar quando no dia da audiência final o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa não se mostre junto aos autos nem tenha sido feita a comprovação da realização desse pagamento, mas desde que já tenha sido concedido o prazo adicional para o efeito, previsto no n.º 3 do art.º 13º daquele diploma legal. 4 – A parte poderá, contudo, comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais. 5 – Considerando que o acesso ao direito e à justiça não é incompatível com a imposição de ónus às partes, com estabelecimento de cominações e preclusões processuais, ainda que sujeito a limites, a interpretação dos números 3 e 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais nos termos expostos não viola os princípios constitucionais de acesso ao direito e à justiça e da proporcionalidade, tal como decorrem da conjugação dos normativos vertidos nos art.ºs 2º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa.» Ac. TRP de 18-04-2017, proc. 1391/16.7T8AVR-A.P1, em cujo sumário se lê: «O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, os termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena da parte não poder produzir prova, não podendo tal pagamento ser feito até à audiência de julgamento se aquele prazo já decorreu.» [4] Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 9.ª ed., Almedina, 2022, p. 135: |