Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1388/21.5T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: SEGUNDA PRESTAÇÃO DA TAXA DE JUSTIÇA
PRAZO DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RP202406031388/21.5T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 06/03/2024
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça tem de ser efetuado no prazo (inicial), de 10 dias, a contar da notificação para a audiência final (nº2, do art. 14º, do Regulamento das Custas Processuais).
II - Não o sendo, tem de ser efetuado, acrescido de multa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º, do Regulamento das Custas Processuais, no prazo adicional, de 10 dias a contar da notificação, que o legislador quis conferir para o efeito.
III - O prazo, quer o inicial quer o adicional, de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça é processual, contínuo, contando-se nos termos consagrados no artigo 138º, do CPC, e é perentório, nos termos do estatuído nos nº1 e 3, do artigo 139º, do CPC.
IV - Sendo ónus da parte praticar o ato que deva ter lugar em prazo perentório dentro do mesmo, não observado o prazo preclude o direito de o praticar.
V - A consequência estatuída na lei para a falta de pagamento no referido prazo é não poder produzir prova (cfr. nº4, do referido artigo), sendo essa a equilibrada e proporcional, que o legislador ordinário encontrou e cominou como adequada à falta cometida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1388/21.5T8LOU-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Lousada


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto: Des. Anabela Morais
2º Adjunto: Des. António Mendes Coelho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

………………………………

………………………………

………………………………


*
I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e BB

Recorrido: CC


AA e BB, Autores na Ação declarativa comum que propuseram contra CC, notificados do despacho a julgar extemporâneo o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, impedindo-os de produzir prova em audiência, por com tal despacho se não conformarem dele interpuseram recurso.
Assim haviam sido notificados nos seguintes termos:
Assunto: Pagamento 2ª prestação da taxa de justiça – art.º 14.º, n.º 3 do RCP
Não tendo até ao momento comprovado no processo acima identificado, o pagamento da 2.ª prestação da taxa de justiça nem a concessão do benefício do apoio judiciário, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Autor - AA, para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da prestação em falta, acrescido da multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às cominações previstas no n.º 4 do referido artigo.
Limites da multa:
1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.
2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 10 UC, a multa terá o valor de 10 UC”.

*

Não tendo pago no referido prazo e entendendo os Autores que a interpretação do art. 14.º n.º 4, deverá ser no sentido de à parte ser concedida a faculdade de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça até ao dia da realização da audiência de julgamento, apresentaram os mesmos recurso de apelação, pugnando por que seja o mesmo julgado procedente e a decisão recorrida revogada e substituída por outra que permita a produção de prova e a assim se não entender, substituída por outra que declare a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, como ocorre quando não é paga a totalidade da taxa de justiça na ação, não sendo assim negado aos recorrentes o direito a intentar nova ação, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

“A. Os autores não procederam, dentro do prazo de 10 dias, a que alude o artigo 14.º-2, do RCP, a contar da notificação que lhes foi feita para a audiência final, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça.

B. Tendo então a secretaria, e cumprindo o comandado no número 3, do mesmo artigo 14.º, do RCP, notificado os autores, para procederem, dentro do prazo de 10 dias, nesse normativo referido, ao pagamento de tal segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescido de multa de igual montante, prazo de 10 dias esse cujo dies ad quem era o dia 6 de Fevereiro de 2023.

C. Pagamento esse a que os autores, e até esse dia 6 de Fevereiro de 2023, não procederam.

D. O que levou a que o réu tivesse, antes do início da audiência de discussão e julgamento, requerido, ao Meritíssimo Senhor Doutor Juiz a quo, que, ao abrigo do estatuído no artigo 14.º-4, do RCP, determinasse a impossibilidade que os autores realizassem quaisquer diligências de prova, por eles requeridas ou a requerer.

E. Requerimento esse sobre o qual recaiu despacho de deferimento, sendo precisamente de tal despacho de deferimento que vai interposto o presente recurso.

F. O objecto do presente recurso consubstancia-se na interpretação do n.º 4, do art. 14.º do RCP.

G. Os n.os 3 e 4 do art. 14.º do R.C.P. praticamente transcrevem o art. 512.º-B do anterior C.P.C., aditado pelo Dec.-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que procedeu à revisão do Código das Custas Judiciais, introduzindo alterações no Código de Processo Civil, no Código de Processo Penal, e em três outros Decretos-Lei, em matérias relacionadas com o pagamento das custas.

H. As alterações introduzidas integraram-se num conjunto mais vasto de medidas que, como ficou a constar do preâmbulo do referido Dec.-Lei 324/2003, visaram “introduzir maior celeridade na obtenção de decisões judiciais, removendo obstáculos ao funcionamento racional e eficaz do sistema”.

I. Não justificando, em concreto, os fins visados com a “medida” introduzida pelo aditado art.º 512.º-B do anterior Código, o legislador critica “a ausência (excepto para o autor) de penalizações processuais efectivas pela falta de pagamento da taxa de justiça devida”, mas depois refere apenas a reconsagração da “regra do desentranhamento das peças processuais da parte que não proceda ao pagamento das taxas de justiça devidas, a operar apenas após a mesma ter sido sucessivamente notificada para o efeito”, como contributo “para a igual responsabilização das partes processuais, considerando que esta regra já existe no regime actualmente em vigor em relação ao autor” afirmando ainda que, deste modo se introduz “um factor acrescido de moralização no recurso aos tribunais”.

J. Ainda no domínio de vigência daquele art. 512.º-B a questão colocada no presente recurso foi decidida pelo S.T.J. no Acórdão de 03/02/2011, no qual ficou referido, em síntese, que, tendo sido prevista como “penalização processual” da não demonstração nos autos do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça “a impossibilidade de produção da prova requerida (ou que venha a ser requerida) pela parte em falta”, posto que “é na “audiência final” que a prova (constituenda, naturalmente) é produzida, a lei marca o correspondente dia como limite regra para o efeito”, mais se afirmando ser também este “o significado da expressão “sem prejuízo do prazo concedido no número anterior” com que começa o nº 2 do artigo 512º-B do Código de Processo Civil. Significado esse que está de acordo com a gravidade da sanção cominada e que em nada prejudica o desenrolar do processo: a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento”, razões que “são as mesmas para o pagamento em si” (ut Proc.º 3711/05.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).

K. No mesmo sentido, ainda que sem adiantar qualquer justificação, se pronunciaram LEBRE DE FREITAS et AL, afirmando que “podia a parte ainda pagar até ao momento em que tivesse início, em audiência ou antes dela, a produção de prova por si requerida” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 2.ª ed., pág. 421).

L. Ressalvado o devido respeito por opinião diversa, crê-se que o legislador quis mesmo deixar em aberto a possibilidade de o pagamento ser efectuado até ao dia da audiência final ou da diligência probatória, devendo a parte em falta juntar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a sua realização antes de uma ou outra se iniciarem.

M. Esta prática tinha consagração legal no domínio do anterior Código das Custas Judiciais, que expressamente admitia o pagamento do preparo para julgamento até ao início da audiência.

N. Quer no domínio do art. 512.º-B do anterior C.P.C., quer no art.º 14.º do R.C.P. o legislador associa o “documento comprovativo do pagamento” e/ou a “comprovação da sua realização” ao acto material do pagamento, na convicção, que parece segura, de que quem paga comprova/demonstra o pagamento.

O. Não faz, assim, sentido interpretar de modo diferente as mesmas expressões consoante constem do n.º 3 ou do n.º 4 do art.º 14.º.

P. Se o legislador pretendesse a aplicação da cominação da impossibilidade de produção de prova em resultado do não pagamento no prazo referido no n.º 3, então aditar-lhe-ia, pura e simplesmente, os dizeres do n.º 4 – “o tribunal decreta a impossibilidade de realização das diligências de prova …”.

Q. A exigência de comprovação ou demonstração do pagamento tem a ver com a auto-liquidação, introduzida no sistema de pagamento das taxas de justiça, multas e custas – a parte obrigada ao pagamento vai ao sistema informático e emite o DUC indo depois pagar.

R. Daqui se depreendendo que o legislador pretendeu dizer que a parte pode juntar o comprovativo do pagamento, caso já tivesse feito anteriormente, ou pagar até ao início da audiência de julgamento.

S. A não ser assim, não se percebe por que razão o legislador utilizaria as expressões “juntar o comprovativo” ou “demonstrar a realização”.

T. Por outro lado, o segmento «sem prejuízo» não exclui, não deve ser interpretada com o sentido de «sem causar dano a», mas com um sentido adverbial, «independentemente de».

U. Não exclui, antes adita, complementa.

V. Os fins (confessados) visados com a norma são os de compelir ao pagamento quem está obrigado a pagar.

W. Ora, estes fins são perfeitamente conseguidos quer o pagamento se faça no prazo referido no n.º 3, quer em tempo útil, antes do início da audiência final ou da diligência de produção de prova.

X. Em termos pragmáticos, um entendimento diferente poderá potenciar o surgimento de dois “sistemas” diferentes no mesmo tribunal se não na mesma secção – bastará que sejam diferentes os ritmos de trabalho ou o grau de controle dos processos, o que provocará divergentes momentos de notificação da parte para pagar, nos termos do n.º 3, e assim, a parte que foi notificada com mais de 10 dias de antecedência tem de efectuar o pagamento dias/semanas/meses antes da audiência final, e a que foi notificada mais tarde pode pagar até ao dia da audiência, já que, nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 157.º do C.P.C., os erros e omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.

Y. Este entendimento não belisca o princípio da igualdade desde que ambas as partes processuais possam usar do mesmo “benefício”.

Z. O facto de uma das Partes efectuar o pagamento dentro do prazo estabelecido no n.º 2 e a outra o fazer até ao início da audiência final ou da diligência probatória não cria desequilíbrios nem favorecimentos já que a segunda está obrigada a pagar uma multa, que é a contrapartida do protelamento, no tempo, do pagamento da taxa devida.

AA. Na situação sub judicio que seria desproporcionado impedir os Autores de produzirem provas, apesar de terem efectuado o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, e da multa respectiva, havendo demonstrado nos autos esse pagamento dois dias antes da audiência final.

BB. Se, ao abrigo do disposto no art. 14.º n.º 4 do RCP, não se permitir que o pagamento a que a parte estava obrigada e penalizar-se a parte com a respetiva cominação, desconsiderando-se o pagamento até ao momento da audiência final, estaremos, a violar-se o princípio do acesso ao direito, por se mostrar a sanção desproporcional.

CC. Se é vedada aos autores a possibilidade de produzir qualquer prova, pela falta atempada do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, obrigatoriamente a acção será julgada improcedente por não provada, vedando-se assim ao autor não só o direito de produzir prova nesta acção mas vedando-lhe igualmente o direito de intentar nova acção.

DD .E pelo menos neste aspecto, de ser vedado aos autores intentar nova acção em tudo igual à anterior, que ficou irremediavelmente condenada à improcedência pela proibição de produção de prova como sanção (mais uma para além da multa) pelo pagamento intempestivo da segunda prestação da taxa de justiça e multa, entendem os ora Recorrentes que se verifica uma violação do direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º, n.º 1, pelo que, considera que a interpretação do n.º 4 do Artigo 14.º do RCP, de que a falta de pagamento atempado da segunda prestação da taxa de justiça que provoca a improcedência da acção, com a absolvição do Réu do pedido, vedando ao autor a possibilidade de intentar nova acção em tudo igual, o que não acontece se o autor não pagar a totalidade da taxa de justiça, é inconstitucional por violar o Artigo 20º, nº 1 da CRP, o que desde já se alega para todos os efeitos legais.

EE. A interpretação que o Tribunal a quo fez do nº 4 do art.º 14º do RCP atenta, de modo muito direto e frontal, contra o artigo 20.° da CRP, na medida em que veda aos aqui recorrentes, uma tutela jurisdicional efetiva, na exata medida em que, fazendo uma interpretação de que após os dez dias da notificação da secretaria para pagar a taxa de justiça em falta e respetiva multa, qualquer pagamento até à audiência final é extemporâneo, inibindo, portanto, as partes de produzir prova sobre os factos que alegaram.

FF. Do mesmo modo, se viola o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).

GG. Ainda que se defenda o entendimento de que a falta de pagamento tempestivo da segunda prestação da taxa de justiça conduz à proibição de produção de prova, o que só por mero dever de patrocínio se concede, sempre se deverá entender que a consequência deverá ser o desentranhamento da PI (como acontece quando não é paga a taxa de justiça no momento da apresentação da PI, ou no caso de injunção nos 10 dias subsequentes à distribuição, e portanto já depois da oposição) e a consequente declaração de extinção da instância por ocorrer circunstância que impede o prosseguimento da acção até ao conhecimento do mérito da mesma e por conseguinte deverá considerar-se que ocorreu uma impossibilidade superveniente da instância.

HH. Ao defender-se que a consequência da falta de pagamento tempestivo da segunda prestação da taxa de justiça é mais gravoso do que a falta de pagamento da primeira, ou até da falta de pagamento da totalidade da taxa de justiça, está a impor-se sanção desproporcional à falta, a verificar-se a falta de unidade do ordenamento jurídico, e a negar-se ao autor o direito de protecção efectiva dos seus direitos na acção em causa bem como o direito a intentar nova acção.

II. Mui Douto Tribunal a quo prosseguiu com os autos sabendo que a acção, pela proibição de produção de prova dos factos que integram a causa de pedir, que nunca poderiam vir a ser provados, tinha como destino a improcedência.

JJ.  Assim sendo, e atenta a proibição da prática de actos inúteis no processo, deveria ter sido declarada a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do Artigo 277º do Código de Processo Civil.

KK. Foram violados entre outros os arts. 14.º, n.º 4, do RCP, art. 20.º, da CRP, art. 277, al. e), do Código de Processo Civil”.


*

Apresentou o Réu contra-alegações pugnando por que seja negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido.

*

Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

*

II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

- Da tempestividade do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa, efetuado, após decorrido o prazo de 10 dias a que alude o nº3, do art. 14º, do Regulamento das Custas Processuais, até ao início da audiência final;

- A não ser tempestivo, das consequências da falta de pagamento atempado.


*

II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados com relevância para a decisão constam já do relatório que antecede, resultando a sua prova dos autos, e não se reproduzindo por tal se revelar desnecessário, exarando-se, contudo, o teor do

Despacho recorrido:
Entende o Tribunal que o regime contido no artº 14 do RCP, que define a tempestividade do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, tem na sua estrutura a determinação de um conjunto de prazos que são perentórios.
A possibilidade conferida de apresentação do documento comprovativo de pagamento da 2º prestação da taxa de justiça, restringe-se à possibilidade da parte vir até à audiência demostrar que cumpriu o pagamento da prestação no prazo que lhe foi concedido, é esse o sentido jurisprudencial que foi invocado aqui pelo réu e ao qual o Tribunal adere.
Na hipótese inversa, perderia a pertinência o prazo firmado no nº 3 do processo, admitindo-se no fundo que a parte pudesse ultrapassar esse prazo desde que juntasse o comprovativo até à audiência ou diligência probatória seguinte.
Consequentemente, entende o Tribunal que pela sua intempestividade, não pode ser recebido o pagamento da 2º prestação, pelo que terá que se aplicar a cominação prevista no nº 4 do artº 14º do RCP”.


*

II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da oportunidade do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça.
Insurgem-se os Autores contra a decisão que julgou o pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça por o mesmo não ter sido efetuado no prazo estabelecido, para tanto, pelo nº3, do art 14º, do Regulamento das Custas Processuais, abreviadamente RCP, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência, que lhe foi concedido, por entenderem lícito o pagamento até ao início da audiência de julgamento.
Considerou o Tribunal a quo que, tal como vem sendo o entendimento jurisprudencial, o regime contido no referido artigo, definidor da tempestividade do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, consagra prazos perentórios (apenas se conferindo possibilidade de ulterior apresentação até à audiência do documento comprovativo do tempestivo (efetuado dentro do prazo concedido) pagamento da 2º prestação da taxa de justiça). Manifesta a 1ª instância o contrassenso que seria diverso entendimento (perdendo pertinência o prazo firmado no nº 3 se se admitisse, no fundo, que a parte pudesse ultrapassar esse prazo e juntar o comprovativo até à audiência).
Não podemos deixar de acompanhar o sustentado e decidido pelo Tribunal a quo e o que, a corroborar o decidido, defende o recorrido, no exercício do direito de influenciar este Tribunal, sendo de manter a decisão recorrida.
Também nós entendemos ser o pagamento efetuado após o decurso do prazo consagrado no nº3, do referido artigo intempestivo, não podendo deixar de ser aplicada a cominação legal, prevista no nº 4 de tal artigo e pela parte bem conhecida, certo sendo que para ter acesso à justiça tem a parte de satisfazer as taxas que lhe são impostas, sujeitando-se a regras e, em caso de falta da sua observância, às cominações estatuídas para a falta de cumprimento nos termos e no tempo estabelecidos.
Vejamos.
Com a epígrafe “Oportunidade de pagamento”, estatui o artigo 14º, do Regulamento das Custas Processuais:
1- O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo:
a)  Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil;
b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.
2- A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo.
3- Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
4- Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
…” (negrito nosso).
Não deixando, em nosso entender, a letra da lei dúvidas sobre o espírito do legislador, temos que decidiu, recentemente, a Relação de Lisboa, no Ac. de 7-03-2024, proc. 15768/19.2T8LSB-A.L1-2,I. O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena de a parte não poder produzir prova; tal pagamento não pode ser feito até à audiência final, se aquele prazo já tiver decorrido.  II. Admite-se que a parte possa comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais”[1].
Aí analisou os “antecedentes dessas normas” e concluiu:
I. Pelo menos desde a vigência do DL 324/2003 (CCJ de 1996 após as alterações introduzidas pelo DL 324/2003, e RCP de 2008)
(i) se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente (ou da concessão do benefício do apoio judiciário) não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC;
(ii) o interessado tem de efetuar o pagamento no referido prazo de dez dias a contar da mencionada notificação;
(iii) se no dia da audiência final não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa (ou da concessão de benefício do apoio judiciário), o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, «sem prejuízo do prazo adicional concedido» aquando da notificação para pagamento da taxa de justiça subsequente acrescida de multa, ou seja, se aquela notificação foi feita a menos de dez dias da data do julgamento, e nesta data o pagamento não estiver efetuado, o julgamento deve ser interrompido até final daquele prazo para permitir a realização do mesmo; e
II. Durante a vigência do CCJ de 1962, que vigorou até ao CCJ de 1996, o preparo para julgamento, acrescido de imposto de justiça igual ao dobro da sua importância, podia ser pago até ao início do julgamento””.
No referido Acórdão da RL são analisadas duas, divergentes, interpretações jurisprudenciais:
i) Uma, destituída de apoio na letra da lei, a permitir o pagamento até ao início da audiência, que perpetua a interpretação das normas posteriores, literalmente diversas das passadas, efetuada à luz do direito pretérito[2];
ii) Outra que considera o referido prazo de pagamento perentório, sendo a que se adequa quer à letra quer ao espírito do legislador do artigo 14.º, do RCP[3].
E bem cita, em defesa desta posição, na Doutrina, Salvador da Costa, que refere:
“O n.º 3 estabelece a consequência jurídica da omissão da junção, no decêndio previsto no número anterior, do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário ou da sua não comprovação por via eletrónica.
Essa consequência jurídica imediata, por força deste normativo, é a de a secretaria notificar a parte em falta para, no prazo de 10 dias, contado nos termos supracitados, efetuar o pagamento da taxa de justiça em falta e da multa reportada.
Mas isso não significa que a parte tenha a faculdade alternativa de pagar a taxa de justiça e a multa objeto da notificação da secretaria até à audiência final, salvo se, eventualmente, ainda não tiver decorrido o prazo a que este normativo se reporta.
14.4. O n.º 4, depois de salvaguardar o decurso do prazo adicional de 10 dias, previsto no n.º 3, reporta-se à verificação, no dia da audiência final ou de qualquer outra diligência probatória, da falta de comprovação pela parte do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária.
Nesse caso, o juiz determina a não realização de diligências probatórias, de qualquer natureza, que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, ou seja, declara a sua inadmissibilidade.
Proferido o referido despacho, consumada fica a sanção relativa ao incumprimento pela parte em causa da sua obrigação de pagamento pontual da segunda prestação da taxa de justiça e da multa associada.»”[4](negrito nosso).
Conclui-se no referido recente Acórdão da RL:
“«Se, no momento definido no número anterior [ou seja, no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final], o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC».
Ora, se a secretaria notifica para, no prazo de 10 dias, se efetuar o pagamento, quer dizer que este tem de ser feito no prazo de 10 dias. O entendimento diverso, de que até ao início da audiência final pode ser realizado o pagamento, não tem apoio na letra da lei, equivalendo a esvaziar a utilidade da norma. Relembrando, neste momento, a norma contida no n.º 3 do artigo 9.º do CC, dizemos que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
O n.º 4 do artigo 14.º do RCP prossegue: «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta».
O n.º 4 reporta-se à «audiência final» para afirmar duas coisas:
i. a derradeira possibilidade de se comprovar o pagamento, em devido tempo, da segunda prestação da taxa de justiça (feito nos 10 dias posteriores à notificação do despacho que designou dia para a audiência), ou da segunda prestação da taxa de justiça e respetiva multa (feito nos 10 dias posteriores à notificação para tanto); e,
ii. as consequências do não pagamento atempado (ou da falta de prova do pagamento atempado), e que consistem na impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
A expressão inicial «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior» significa, quanto a nós, outras tantas coisas:
iii. sem prejuízo de o pagamento ter de ser feito no prazo de 10 dias, concedido pela secretaria para que seja efetuado acrescido de multa de igual montante, a junção aos autos do respetivo documento comprovativo, ou a comprovação nos autos de que o pagamento foi realizado, pode ser feita até ao início da audiência final; e,
iv. caso a notificação da secretaria para pagamento da taxa acrescida de multa seja efetuada a menos de 10 dias da audiência, a parte continua a ter o direito de efetuar o pagamento naqueles 10 dias, devendo a audiência ser interrompida para lhe possibilitar a produção de prova após efetivação do devido pagamento”.
E, também é este o nosso entendimento, conforme ao sentido de não deverem ser efetuadas distinções interpretativas quando sirvam para afastar uma regra clara e de leitura unívoca, sendo que com a interpretação literal, que se atem, justamente, às palavras da lei, se obtêm ganhos quer para a certeza e segurança jurídicas quer quanto à garantia de procedimento uniforme. 
Revertendo para o caso, temos que, notificados os Autores do despacho que designou dia para a realização da audiência e discussão e julgamento, não procederam os mesmos ao pagamento da taxa de justiça, no prazo a que estavam obrigados por força do n.º 2, do artigo 14º, do RCP e, a 23/1/2023, foram notificados para procederem ao pagamento da taxa de justiça, acrescido da multa, nos termos do n.º 3, do referido artigo, com a advertência de ficarem sujeitos à cominação prevista no n.º 4 de tal artigo. Não efetuaram os mesmos o pagamento da taxa de justiça e respetiva multa no prazo adicional a que se refere o n.º 3, só a 06.03.2023 tendo procedido ao pagamento, pelo que, em conformidade com o disposto no n.º 4, foi, subsequentemente, em audiência, determinada a impossibilidade de realização das diligências de prova requeridas pelos mesmos, defendendo os Recorrentes que, por força do n.º 4, tinham a possibilidade de realizar o aludido pagamento até ao início da audiência.  

Ora, como decidido e tal como sustenta o Recorrido esta interpretação esvazia o prazo de 10 dias referido no n.º 3, inutilizando a função do mesmo (pois que, assim, o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça acrescido da multa sempre poderia ser efetuado, até ao início da audiência de julgamento), sendo tal interpretação violadora do princípio da igualdade das partes consignado no artigo 4º, do Código do Processo Civil, concedendo o mesmo tratamento ao sujeito processual que cumpre e ao sujeito que não cumpre, sendo que um prazo só tem validade como prazo se da sua violação advier alguma consequência. E a consequência que a lei determina para falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo que fixa, no inicial e no adicional/suplementar é impossibilidade de a parte faltosa produzir prova. A expressão do n.º 4 «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior…» é reveladora da imposição de o prazo adicional concedido no número anterior ter de ser observado, sendo que a possibilidade do pagamento ocorrer, validamente, até à data da audiência só pode ser concebida como admissível se ainda estiver a decorrer o prazo a que se alude no n.º 3. O que o n.º 4 permite é algo diverso: que parte comprove, mesmo no dia da realização da audiência, que procedeu ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, no prazo concedido no nº 3, podendo, nesse caso, produzir a sua prova. Só se esgotado o prazo sem o pagamento ser efetuado não a pode produzir.
E o prazo para pagar a taxa de justiça é um prazo processual, contínuo, contando-se nos termos estabelecidos no artigo 138º, que consagrando a “Regra da Continuidade dos prazos”, estatui:
1 - O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de atos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
2 - Quando o prazo para a prática do ato processual terminar em dia em que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
3 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se encerrados os tribunais quando for concedida tolerância de ponto.
4 - Os prazos para a propositura de ações previstos neste Código seguem o regime dos números anteriores”.
 Procedendo à contagem do prazo, constata-se que o prazo iniciou (cfr. nº6, do 219º, do Código de Processo Civil) e terminou em data anterior à do início da audiência de julgamento, pelo que, quando foi paga a 2ª prestação da taxa de justiça, com a multa, o prazo de que os Autores dispunham para o efeito – 10 dias -, e que contínuo era, estava já ultrapassado.
Refira-se, ainda, que o artigo 139º, do referido diploma legal, consagra as modalidades do prazo, que pode ser dilatório ou perentório.
A distinção entre prazo dilatório e prazo perentório assenta nos efeitos que tende a produzir: o prazo dilatório define a possibilidade da prática de um ato, assim como o início ou a continuação da contagem de outro prazo; o decurso do prazo perentório faz extinguir o direito à prática do ato respetivo.
É prazo perentório o estabelecido para a prática dum ato processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado. A regra é ser perentório o prazo relativo a ato a praticar pela parte. Constituindo manifestação do princípio da preclusão (Lebre de Freitas, Introdução cit, nº II.7), a gravidade da consequência derivada do seu decurso sem que o ato seja praticado tem progressivamente levado o legislador a ser menos rígido quanto às condições em que ela se verifica, fixando um prazo suplementar para a sua prática com multa.
O prazo para pagamento da taxa de justiça, quer o inicial quer o adicional, é perentório, implicando o esgotar do mesmo a extinção do direito de praticar o ato, nos termos do nº3, do referido artigo.
Do exposto se conclui que as partes têm o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão.
Assim, o prazo, contínuo, de 10 dias, para pagar a segunda prestação da taxa de justiça terminou e terminou também o prazo contínuo, de 10 dias, para pagar a segunda prestação da taxa de justiça com a multa sem que o ato resultasse praticado, precludindo o direito de o fazer.
O decurso do prazo extinguiu, pois, o direito dos Autores de praticarem o ato. E tendo o pagamento sido efetuado quando o prazo, quer do inicial quer do adicional com multa, já havia terminado, é, na verdade, o mesmo intempestivo.
Neste conspecto, quando efetuado o pagamento em causa, o direito de o efetuar, que os apelantes se apresentaram a exercer, com o objeto indicado e supra exarado nas conclusões da apelação, estava, já, precludido, daí não podendo deixar de advir as consequências que a lei comina para a sua falta: não a impossibilidade superveniente da lide, que continua a existir e a mostrar utilidade, bem podendo, mesmo, a ser o caso, a ação vir a proceder, mas a proibição de produção de prova (nº4, do art. 14º, do RCP).

Como bem sustenta o apelado, não é de atender o que os apelantes invocam, no sentido da injustiça da cominação que lhes foi aplicada quando dispuseram das oportunidades, conferidas pela lei, de proceder ao pagamento e só se apresentaram a realizá-lo na véspera da audiência de discussão e julgamento, já depois de decorrido o prazo adicional que lhe foi concedido para tanto, sendo a cominação que lhes foi determinada a consequência expressamente prevista na lei para a falta da prática deste ato dentro do período legal em que lhe era possível praticá-lo e o pagamento da taxa de justiça é uma obrigação que impende sobre as partes para que o processo possa seguir seus termos normais.

A ocupação da máquina da justiça tem custos e o pagamento devido tem de ser realizado não podendo imposições tributárias ser vistas como obstáculo ao acesso ao direito e à justiça, mas como um encargo que tem de ser suportado pela parte que solicita um serviço essencial, que se não compadece com determinadas atitudes. Sendo a falta de natureza tributária, certo é estarmos perante um sistema em que o acesso à justiça não é gratuito, pressupondo o andamento dos processos o pagamento de taxas de justiça, condição necessária ao impulso processual.

Assim, como refere o recorrido, não podemos deixar de considerar que a cominação prevista no n.º 4 do artigo 14º do RCP não é desproporcional, pois que foram várias as oportunidades concedidas de efetuar o pagamento, desde que a petição inicial deu entrada em juízo e foram expressamente notificados para o efetuarem e avisados com a advertência da aplicação da comunicação ora em causa, para o caso de não proceder ao pagamento, com que contavam e não se inibiram de continuar a atuação que empreenderam, sendo a cominação consagrada a que foi considerada justa, adequada e proporcional pelo legislador ordinário, pela inércia dos devedores, não se nos afigurando ir contra qualquer imposição constitucional.

Não violou, pois, a interpretação efetuada pela 1ª instância do n.º 4 do artigo 14º do RCP, o princípio constitucional de acesso ao direito e à justiça ou do princípio da proporcionalidade nem violou o direito a um processo equitativo previsto no artigo 6º da Convenção europeia dos Direitos do Homem, antes foram os recorrentes que, por ato seu, apesar de devidamente advertidos, se colocaram na posição de lhes ser aplicada a cominação prevista no n.º 4 e traduzida na impossibilidade de a parte faltosa produzir prova.

Na verdade, como o apelado refere, se o legislador pretendesse que a parte pudesse proceder ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça acrescida de multa até ao início da audiência final tê-lo-ia dito, sem introduzir um prazo adicional de 10 dias, o mesmo se dizendo em relação à cominação, sendo que a cominação a aplicar é a prevista na lei, aplicada, não qualquer outra, designadamente a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, sendo, mesmo, a lide possível e podendo, até, ser útil, total ou parcialmente, em função das circunstâncias dos casos, em nada resultando violadas as disposições analisadas do artigo 14º, do Regulamento da Custas Processuais, o artigo 20º ou outro, da Constituição da República nem o artigo 277º, al. e) do Código do Processo Civil.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


*

As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).

*

III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, mantêm a decisão recorrida.


*

Custas pelos apelantes.


Porto, 3 de junho de 2024

Assinado eletronicamente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Anabela Morais
Mendes Coelho [vencido conforme voto que se anexa.
Voto vencido, pois entendo, como já decidido no Acórdão desta mesma Relação proferido no proc. nº1018/18.2T8PFR-A.P1, de que fui relator, que o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa prevista no nº3 do art. 14º do Regulamento das Custas Processuais, em vista de assegurar a produção de prova que a parte pretenda fazer, pode ser feito até ao início da audiência final ou diligência respetiva, face ao disposto no nº4 daquele mesmo art. 14º.
Tudo conforme ali fundamentámos, com recurso a jurisprudência e doutrina e dando conta do desenrolar normativo que foi ocorrendo no tempo e que está na base da redação do preceito legal em interpretação.
É de reconhecer que a orientação, que é a do ora subscritor, que interpreta o nº4 do art. 14º do RCP no sentido de este possibilitar que o pagamento pode ocorrer até ao início da audiência trata de modo igual a parte que cumpre o prazo de 10 dias previsto no nº3 e a parte que o não cumpre, pois esta possibilidade de pagamento até à audiência não é acompanhada de qualquer sanção para este pagamento fora daquele prazo.
Porém, não obstante essa aparente não discriminação entre quem cumpre logo o prazo e quem não o cumpre, o que é certo é que o preceito em causa (o nº4 do art. 14º) possibilita claramente a interpretação de que o pagamento pode ser feito até ao dia da audiência final, pois ali não se exige que a comprovação do pagamento que pode ter lugar até àquela altura tenha que ser referida ou reportada a um pagamento necessariamente ocorrido dentro do prazo de 10 dias do nº3.
Assim sendo, parece-nos, não podemos nós distinguir (onde a lei não distingue, não compete ao intérprete distinguir) e “ficcionar” uma sanção que a lei, face à redação do preceito, não parece prever ou dar acolhimento.
Além disso, diga-se, a interpretação – que o preceito, como já vimos, claramente acolhe – no sentido de que o pagamento em causa pode ocorrer até à audiência, é a que mais efetivamente possibilita a tutela efetiva dos direitos em discussão, pois de algum modo “maximiza” a faculdade de produção de prova sobre os mesmos.
Efetivamente, o pagamento em causa só serve e é condição para assegurar a possibilidade de produção de prova futura
[isto é, de prova constituenda (por exemplo, documentos que eventualmente se pretendam ainda juntar, diligências probatórias que se queiram ainda requerer e testemunhas que se pretendam ouvir, ainda que eventualmente já arroladas), e não, como nos parece óbvio, de prova já adquirida ou constituída nos autos (por documentos e/ou como resultado de diligências probatórias já consumadas)].
Como tal, se efetuado tal pagamento até ao início da audiência, nada obsta (pois após tal pagamento e por causa dele nada mais há em termos processuais) a que tal produção de prova possa nela perfeitamente ter lugar, não fazendo sentido a sua inviabilização só porque o pagamento não foi feito dentro daquele prazo inicial e o foi apenas até ao início do ato que só de tal pagamento estava na dependência.
A interpretação que defende que o pagamento só pode ser feito nos 10 dias do nº3 do art. 14º, quando a lei, como vimos, acolhe claramente a interpretação no sentido de a parte poder ter mais tempo para praticar aquele ato, acaba por pôr na dependência de uma pura exigência tributária (de pagamento dentro daquele prazo) uma consequência que pode ser devastadora para a parte, já que assim esta fica privada de produzir a prova necessária à efetiva apreciação do seu direito.]
__________________
[1] Ac. RL de 7-03-2024, proc. 15768/19.2T8LSB-A.L1-2 (Relatora: Higina Castelo), in dgsi.pt.
[2] Cita, neste sentido:
“Ac. TRL de 14-09-2023, proc. 14284/21.7T8LSB-A.L1-2, com o seguinte sumário:
«I) A finalidade da previsão sancionatória contida no artigo 14.º, n.º 4, do RCP – determinando a impossibilidade de produção probatória, relativamente àquela parte que requereu diligências de prova, mas que não efetuou o devido pagamento da taxa de justiça até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito – prende-se com verificação pelo julgador, no momento em que a prova vai ser produzida, de que o pagamento devido pelo funcionamento da atividade do sistema de Justiça do Estado se encontra garantido em tal momento. Este é o momento relevante e limite para aferir se tal pagamento se encontra efetuado.
II) Atenta a referida finalidade, o mencionado artigo 14.º, n.º 4, do RCP, ao reportar que a verificação de impossibilidade probatória ocorre “sem prejuízo do prazo adicional” - a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo - acolhe, para além da possibilidade de comprovação do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ter lugar no prazo de 10 dias após a notificação a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º do RCP – pressupondo que a parte foi notificada nesta conformidade - , a possibilidade de a parte poder comprovar o pagamento omitido até ao início da audiência de julgamento ou da respetiva diligência probatória, mesmo que, aquele pagamento, venha a ter lugar depois de decorrido o mencionado prazo de 10 dias.»
Ac. TRL de 17-11-2022, 10624/19.7T8LRS-C.L1-8, em cujo sumário se lê:
«De uma interpretação conforme a Constituição e também conforme o Direito da União Europeia da proposição normativa do artigo 14.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais resulta que a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas (e demonstrado o seu pagamento) até ao início da audiência de julgamento.»
Ac. TRG de 15-10-2020, proc. 2568/18.6T8VRL-C.G1, com o sumário:
«Não deve ser determinada a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte que, tendo, embora, sido notificada para efetuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante, nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais, paga a taxa de justiça e a multa, demonstrando nos autos o pagamento, cinco dias antes da audiência final, ainda que já então tenha expirado o prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito.»”.
[3] No sentido da interpretação literal cita:
Ac. TRP de 17-01-2022, proc. 4480/20.0T8MTS-A.P1, com o sumário:
«I - O n.º 3 do artigo 14.º do RCP apenas concede um prazo suplementar para o pagamento da taxa de justiça em falta e da respetiva multa.
II - O seu n.º 4 não alude a ato de pagamento, mas apenas à junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa.
III - Caso o pagamento da taxa de justiça e da multa, em falta, não seja efetuado no momento temporal a que alude o n.º 3 do artigo 14.º do RCP, nenhuma outra oportunidade processual tem a parte faltosa para o efetuar.
IV - No entanto, para evitar que o tribunal determine a impossibilidade de realização das diligências de prova, a parte faltosa tem a faculdade de até ao início da audiência de julgamento ou da realização de qualquer outra diligência probatória, juntar documento comprovativo do pagamento efetuado no prazo suplementar concedido pelo n.º 3 do artigo 14.º do RCP.»
Ac. TRL de 18-02-2020, proc. 9761/18.0T8LSB.L1-7, sumariado como segue:
«1 - Nos termos do artigo 14º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a parte deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. Se não o fizer, tem dez dias para a pagar, acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe deverá efetuar, conforme estatuído no n.º 3 do mencionado artigo 14º.
2 - Decorrido o prazo de dez dias previsto no artigo 14º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais sem que a parte tenha juntado ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício de apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, fica precludida a possibilidade de a efetuar e chegado o dia da audiência final, o tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências de prova que tenham sido requeridas ou venham a sê-lo pela parte em falta.
3 - A expressão constante do n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Judiciais ”sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” deve ser interpretada no sentido de que a cominação nele prevista – a impossibilidade de realização das diligências de prova – terá lugar quando no dia da audiência final o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa não se mostre junto aos autos nem tenha sido feita a comprovação da realização desse pagamento, mas desde que já tenha sido concedido o prazo adicional para o efeito, previsto no n.º 3 do art.º 13º daquele diploma legal.
4 – A parte poderá, contudo, comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais.
5 – Considerando que o acesso ao direito e à justiça não é incompatível com a imposição de ónus às partes, com estabelecimento de cominações e preclusões processuais, ainda que sujeito a limites, a interpretação dos números 3 e 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais nos termos expostos não viola os princípios constitucionais de acesso ao direito e à justiça e da proporcionalidade, tal como decorrem da conjugação dos normativos vertidos nos art.ºs 2º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa.»
Ac. TRP de 18-04-2017, proc. 1391/16.7T8AVR-A.P1, em cujo sumário se lê:
«O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, os termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena da parte não poder produzir prova, não podendo tal pagamento ser feito até à audiência de julgamento se aquele prazo já decorreu.»
[4] Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 9.ª ed., Almedina, 2022, p. 135: