Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6554/18.8T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DIREITO A REPARAÇÃO
DIREITOS INDISPONÍVEIS
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
Nº do Documento: RP202203146554/18.8T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PROCEDENTE; ANULADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A reparação emergente de acidente de trabalho tem natureza indisponível e inderrogável, como decorre do disposto nos arts. 12º e 78º da LAT, enquadrando-se nas questões, a que se reporta o art. 74º do CPT, que poderão ser objecto de condenação extra vel ultra petitum. Ou seja, as questões relativas ao direito à reparação emergente de acidente de trabalho, designadamente a fixação dos períodos de incapacidade temporária e respectvios coeficientes de desvalorização, são de conhecimento oficioso.
II - A omissão de pronúncia sobre questão relativa ao período de incapacidade temporária e respectivo coeficente de desvalorização consubstancia nulidade de sentença.
III - Tendo a sentença considerado que o A. esteve afectado de ITP de 40% no período de 01.05.2018 a 18.07.2018, que teve alta defintiva aos 17.01.2020 e que, a partir desta data, ficou afectado da IPP de 19,33%, deveria ter-se pronunciado sobre a situação clínica do A. no período compreendido entre 19.07.2018 e 17.01.2020, designadamente sobre a incapacidade temporária e respectivo coeficiente de desvalorização.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 6554/18.8T8PRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1255)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente acção declarativa, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é A/sinistrado, AA, com mandatário judicial constituído e litigando com o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e Ré, C..., SA, participado acidente de trabalho, realizou-se, na fase conciliatória do processo, exame médico singular e tentativa de conciliação, a qual se frustrou por: o A. ter discordado da data da alta e da incapacidade permanente e, a Ré, da incapacidade permanente e do coeficiente de desvalorização de ITP no período de 01-05 a 18-07-2018.

As partes requereram exame por junta médica (art. 117, al. b), do CPT).

Realizaram-se os seguintes exames por junta médica: junta médica “geral” aos 08.11.2019, nesta se tendo solicitado juntas médicas das especialidades de pneumologia, psiquiatria, neurologia e cirurgia geral, e junta médica “geral”/“final”, aos 30.04.2021, onde se fez a apreciação global da situação do sinistrado face ao resultado das demais juntas da especialidade; juntas médicas das especialidades de pneumologia aos 17.01.2020 e 25.06.2020, de cirurgia geral e de psiquiatria aos 17.01.2020, de neurologia aos 10.07.2020 e de cardiologia aos 08.01.2021 e 04.03.2021. De referir que aos 17.01.2020 havia sido realizado um exame por junta médica da especialidade de neurologia, o qual foi dado sem efeito por despacho da 1ª instância de 03.03.2020 com o seguinte teor:
“Efetivamente resulta dos autos que o Sr Dr BB, perito que fez parte da junta médica realizada a 17 de janeiro de 2020, nesta fase contenciosa, elaborou, na fase conciliatória, o relatório de fls. 242 a 245.
Assim sendo, nos termos do disposto no nº 1 do artº 470º e al c) do nº 1 do artº 115º ambos do Código de Processo Civil, por remissão da al a) do nº 2 do artº 1º do Código de Processo do Trabalho, julgo verificado impedimento do Sr Perito e, consequentemente, dou sem efeito a diligência realizada.”, despacho este notificado aos ilustres mandatário das partes, via citius, com data de elaboração de 04.03.2020 e que não foi impugnado.
[O resultado do exame por junta médica “geral” de 30.04.2021, acompanhado dos autos das juntas médicas das demais especialidades, foi notificado às partes via citius com data de elaboração de 03.05.2021[1] (não consta dos autos que o auto de exame por junta médica, designadamente da especialidade de cirurgia geral de 17.01.2020, haja sido, em momento anterior, notificado às partes)].

Aos 25.05.2021, foi proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Nestes termos e com tais fundamentos, decido condenar a seguradora “C..., SA” a pagar ao sinistrado AA, com efeitos a partir de 18 de janeiro de 2020 (dia seguinte ao da alta):
a)o capital de remição da pensão anual de € 1.583,75
b)a quantia de € 700,35, a título de indemnização por ITP à qual podem ser descontados os montantes que a esse título lhe tenham sido pagos pela Seguradora;
c)a quantia de € 24,00, a título de indemnização por despesas de deslocação desta.
Custas pela referida Companhia Seguradora.
Registe e notifique.
Oportunamente e dado que a pensão, atento o grau de incapacidade de que padece o Sinistrado, é obrigatoriamente remível, proceda-se ao cálculo do respetivo capital, indo depois os autos ao Ministério Público, nos termos e para os fins dos artigos 148º nºs 3 e 4, "ex vi" do artigo 149º, todos do Código de Processo do Trabalho.
Valor da ação para efeitos de custas: a determinar, nos termos do artigo 120º nº 1 do Código de Processo do Trabalho e da Portaria nº 11/2000, de 13/01, com base no capital de remição que vier a ser apurado.”

Inconformado, o A. veio recorrer, arguindo nulidade de sentença por omissão de pronúncia e tendo formulado as seguintes conclusões:
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23. Novamente no que respeita a este particular, entende o recorrente que não estando ainda os autos devidamente instruídos com todos os elementos de facto necessários para a decisão de saber qual o grau de IT entre 1/05/2018 a 18/07/218, pelo que se impõe, salvo melhor opinião e devido respeito, que o Tribunal de recurso anule a sentença nesta parte nos termos previstos, respetivamente, no n.º 2, alíneas b) e c), e n.º 4, do artigo 662.º do C.P.C.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverá:
a) Ser a sentença declarada nula de acordo com a al. d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, por omissão de pronúncia.
ou
b) Ser a sentença anulada nos termos previstos, respetivamente, no n.º 2, alínea b) e c) e n.º 4, do artigo 662.º do C.P.C.2

A Recorrida contra alegou no sentido da improcedência do recurso, não tendo formulado conclusões.

A Mmª Juiz pronunciou-se no sentido da inexistência da alegada nulidade de sentença referindo para tanto que a sentença atendeu aos elementos fornecidos em sede de junta médica.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual as partes não responderam.

Determinou-se a baixa dos autos à 1ª instância para fixação do valor da acção, o qual veio a ser fixado em € 23.948,46.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Matéria de facto provada:
A. Na 1ª instância foi proferida a seguinte decisão da matéria de facto:
“Factos provados:
Por acordo das partes:
1.O Autor exercia funções motorista de pesados, sob as ordens, direcção e fiscalização de T..., Unipessoal, Lda., com sede na Rua ..., ..., ... Braga.
2.Auferia a remuneração de € 557,00 x 14 meses + € 325,55 x 12 meses (outras remunerações), correspondente à retribuição anual de € 11.704,60.
3. No dia 5 de dezembro de 2017, quando prestava serviço da sua profissão para a entidade patronal acima identificada, foi vítima de um acidente de trabalho, em Espanha, que consistiu num acidente de viação.
4.De que resultaram as lesões descritas no Auto de Exame Médico de fls. 263 e seguintes dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
5.A responsabilidade infortunística pelo acidente em causa, encontra-se transferida da sua entidade empregadora, mediante contrato de seguro da modalidade de acidentes de trabalho, para a “C..., SA”, no que respeita a remuneração de € 557,00 x 14 meses + € 325,55 x 12 meses.
6.O Autor despendeu em deslocações ao INML e ao Tribunal a quantia de € 24,00.
Por prova pericial:
7.O Autor teve alta a 17 de janeiro de 2020.
8.Em resultado do acidente sofrido e mencionado em a), o Sinistrado esteve afetado de um ITP de 40% entre 1 de maio de 2018 e 18 de julho de 2018.
9.O Autor ficou afectado com uma IPP de 19,33%.
Por prova documental:
10.O Autor nasceu a .../.../1974.”

B. Tem-se como assente o que consta do relatório precedente e, bem assim [porque documentalmente provado]:
11. A junta médica da especialidade de cirurgia geral, que teve lugar aos 17.01.2020, considerou, relativamente às lesões dessa especialidade, que não existem sequelas desvalorizáveis, não tendo atribuído, qualquer incapacidade permanente para o trabalho,
12. E, relativamente aos quesitos 2º formulado pela Ré e 7º formulado pelo A., respondeu nos seguintes termos:
- “2. Qual o grau de incapacidade temporária a atribuir no período de 01-05-2018 a 18-07-2018?” – “2. A resposta a este quesito compete a outras especialidades”.
- “7. As lesões do sinistrado já se encontram consolidadas? Em caso afirmativo, qual a data da alta clínica?” - “7- No que concerne às fracturas costais e do esterno a data da consolidação é fixável em 19-07-2018. Relativamente à hérnia subxifoideia, a data da consolidação médico-legal é o dia de hoje, 17-01-2020”,
13. Aos quesitos 1º da Ré e do A., em que se questionava quais as sequelas resultantes do acidente, essa mesma junta médica (da especialidade de cirurgia geral) respondeu que:
“No que a esta especialidade diz respeito, objetivou-se cicatriz subxifoideia, resultante de tratamento cirúrgico de hérnia incisional nesta região, por sua vez consequência da drenagem do hemopericárdio. Relativamente às fracturas das costelas e esterno, não resultaram sequelas valorizáveis”
14. E, ao quesito 6, respondeu que:
“6. Como consequência do sinistro e da cirurgia a que foi submetido por derrame pericárdico o sinistrado tem hérnia abdominal epigástrica, a qual necessita de correção cirúrgica? A hérnia descrita já foi corrigida cirurgicamente”.
15. A junta médica “final”, que teve lugar aos 30.04.2021, respondeu, por maioria (peritos do Tribunal e do sinistrado) aos quesitos 2º formulado pela Ré e 7º formulado pelo A. [mencionado em 12], nos seguintes termos:
- “2. ITP de 40% de 1-05-2018 a 18.07.2018”
- “7. Sim, de acordo com Junta Médica de Cirurgia Geral a 17-01-2020. Pelo Perito da Seguradora é dito a alta de 19-07-2018, conforme foi fixada no exame de medicina legal a 9-07-2019 (pagina 265 verso).
16. No exame médico singular foi considerada como data da “alta definitiva” a de 19.07.2018 e, no período de 01.05.2018 a 18.07.2018, que o A. esteve afectado de ITP de 50%.
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
São, assim, as seguintes as questões suscitadas pelo Recorrente:
- Nulidade de sentença por omissão de pronúncia [sobre a incapacidade temporária para o trabalho no período de 19.07.2018 a 17.01.2020];
- Da incapacidade temporária do A. no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 e, designadamente, se o A. padece de ITA no mencionado período.
- Da incapacidade temporária no período entre 01.05.2018 a 18.07.2018.

1.2. Importa referir que, na sentença recorrida, se considerou que a alta clínica do A./Recorrente ocorreu aos 17.01.2020 e que, a partir desta data, ficou o mesmo afectado da IPP de 19,33%, o que não foi por ele posto em causa no recurso, assim como não o foi pela Ré, que não recorreu, nem, nessa parte, requereu, ainda que subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso – cfr. art. 636º do CPC. E, assim sendo, a sentença recorrida, nessa parte, transitou em julgado.

2. Da nulidade de sentença

Invoca o Recorrente a nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC/2013) quanto à incapacidade temporária do A. no período de 19.07.2018 [sendo que, até 18.07.2018, esteve com ITP de, pelo menos, 40%] a 17.01.2020.
Para tanto alega, em síntese, que: a sentença recorrida fixou, e bem, a data da alta aos 17.01.2020, não tendo porém fixado os períodos de incapacidade temporária entre 18.07.2018 e 17.01.2020; tendo o sinistrado expressamente manifestando-se contra a atribuição de alta clínica em 18/07/2018 (fixada pela seguradora e também em sede de exame singular) por entender que as suas lesões não se encontravam consolidadas nessa data, e tendo a sentença entendido fixar, e bem, a data de alta clínica apenas em 17/01/2020, não bastava ao tribunal a quo pronunciar-se acerca da data da alta clinica mas igualmente (e por tê-la alterado), cabia-lhe pronunciar-se em relação à fixação de incapacidades ocorridas no período antes mencionado e respectivo grau.
Por sua vez, alega a Recorrida, para além do mais e em síntese que: em face das várias juntas médicas realizadas e verificando-se que apenas em sede da especialidade de cirurgia geral foi indicada a data de 17.01.2020, a sentença decidiu e o Mmº Juiz, bem sabia face aos elementos constantes dos autos, que o A., no período de 19.07.2018 a 17.01.2020, não padeceu de qualquer incapacidade temporária, não obstante a consolidação da cura clinica de “uma lesão” - e apenas uma – ter ocorrido em data posterior, ou seja a 17.01.2020; apenas esta junta médica, da especialidade de cirurgia geral, atribuiu essa data por virtude da lesão ou consequência da lesão relacionada com hérnia subxifoideia, sendo que a mencionada data não implicou qualquer incapacidade para o trabalho; no mesmo sentido a junta médica final que, relativamente à lesão identificada – traumatismo torácico – a data da alta clínica foi 18.07.2018; se não foi fixada qualquer incapacidade temporária é porque esta não existiu; o A. não reclamou ou pediu qualquer esclarecimento; a arguição, no recurso, da alegada omissão de pronúncia mais não é do que a invocação, sob essa capa, de uma nulidade processual decorrente, do ponto de vista do A., da não fixação de qualquer período de incapacidade temporária entre 19.07.2018 e 17.01.2020, nulidade essa que deveria ter sido suscitada nos 10 dias posteriores à junta médica da especialidade de cirurgia geral ou, quando muito, após o exame por junta médica “final” realizado aos 30.04.2021; não o tendo feito, a nulidade processual considera-se sanada; só ocorreria omissão de pronúncia se o tribunal devesse pronunciar-se sobre questão suscitada ou matéria alegada e/ou que dos elementos autos implicassem uma tomada de posição, o que no caso não sucedeu; nunca foi quesitada a eventual incapacidade temporária entre o período de 19.07.2018 e 17.01.2020, nem suscitada qualquer dúvida sobre o estado clínico do A., não houve reclamação ou pedido de esclarecimento sobre qualquer dos resultados das juntas médicas, sendo a questão suscitada, pela primeira vez, no recurso; não ocorreu omissão de pronúncia, antes tendo sido a decisão fundada na posição da junta médica e demais documentação constante e de forma “propositada” foi convicção do Mmº Juiz a quo não atribuir (nem tinha como o fazer), qualquer grau de incapacidade temporária para o trabalho entre 19.07.2018 e 17.01.2020.

Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“No que respeita à IPP de que ficou afetado o Sinistrado, o tribunal baseou-se no teor do auto de junta médica de ortopedia lavrado a 30 de abril de 2021, e no qual os Srs Peritos Médicos que a constituíram responderam aos quesitos formulados por unanimidade, atribuindo àquele a IPP de 19,33%, sendo certo que tais respostas e IPP atribuída não se afasta muito da já atribuída em sede de exame singular, pelo que o tribunal ficou convencido da bondade de tal posição.
Relevante foi ainda este auto para efeitos de fixação da ITP de que esteve afetado o Autor.
Teve ainda o Tribunal por base os autos da junta médica de Cirurgia Geral, e no qual os Srs Peritos Médicos que a constituíram responderam aos quesitos formulados por maioria (Tribunal e Autor), fixando a data da alta ao Autor a 17 de janeiro de 2020, ou seja, aquando da realização da junta médica.
Das várias juntas médicas realizadas, foi possível aferir que o Autor não está afetado de IPATH e não necessita de tratamento/acompanhamento psiquiátrico por virtude do acidente de que foi vitima.
Do direito:
Como acima se referiu, discordam a Companhia de Seguros o Sinistrado prende-se apenas quanto ao grau de incapacidade que foi atribuído a este, uma vez que aquela aceita a ocorrência do acidente e ser o mesmo um acidente de trabalho.
No seu laudo pericial, os Srs. Peritos que fizeram parte da Junta Médica concluíram, por unanimidade que a IPP de que padece o Sinistrado é de 19,33%.
Tal laudo pericial foi calculado nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (Anexo I, DL 352/2007, de 23 de outubro), sendo certo que não existe qualquer motivo válido para o pôr em causa.
Deste modo, a desvalorização global de incapacidade relativa a este acidente é de 19,33%.
Assim sendo, considero o Sinistrado curado, com uma IPP de 19,33%, com efeitos a partir da data da alta – 17 de janeiro de 2020.
(…)
Dos autos resultou ainda apurado que o Autor esteve afetado de uma incapacidade temporária parcial de 40%, entre os dias 1 de maio de 2018 a 18 de julho de 2018 (78 dias).
(…)”.

2.1. Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d), do CPC72013, que é nula a sentença quando: “d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como é sabido, as nulidades podem ser processuais, se derivam de actos ou omissões que foram praticados antes da prolação da sentença; podem também ser da sentença, se derivam de actos ou omissões praticados pelo juiz na sentença.
Como dizem José Lebre de Freitas e outros, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2, Coimbra Editora, pág.669,, os casos das alíneas b) a c) do nº 1 respeitam “à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíenas b) (falta de fundamentação) e c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíenas d) (omissão e excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum).
A mencionada nulidade prende-se com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo, nos termos do qual “2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
As questões (que não se confundem com argumentos) são aquelas que se prendem com o objecto da acção, delimitado pelo pedido e causa de pedir e, na medida em que no âmbito das questões assim delimitadas, com as que se prendem com o alegado pela defesa; deve também conhecer das excepções, estas as dilatórias e/ou peremptórias e, tudo, sem prejuízo das questões de que deve conhecer oficiosamente.
E com nulidades de sentença não se cofundem eventuais erros de julgamento, sejam eles da decisão da matéria de facto ou de direito, que se prendem com a própria decisão de mérito (seja em sede do julgamento da matéria de facto, seja do julgamento em matéria de direito).

A incapacidade para o trabalho pode ser temporária ou permanente, podendo ambas serem parcial ou absoluta (art. 19º da Lei 98/2009, de 04.09[2]), devendo o grau de incapacidade definir-se, em todos os casos, por coeficientes expressos em percentagem e determinados, designadamente, em função da natureza e da gravidade da lesão, do estado geral do sinistrado, da sua idade e profissão e demais circunstâncias que possam influir na sua capacidade de trabalho ou de ganho, sendo o coeficiente de incapacidade fixado por aplicação das regras da TNI (art. 21º).
Nos termos do art. 35º, nº 3: “3. Entende-se por alta clínica a situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptítvel de modificação com terapeutica adequada”.
As prestações devidas em consequência de acidente de trabalho consistem, entre outras, na indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e no pagamento de pensão ou de capital de remição no que toca às incapacidades permanentes, sendo aquela, indemnização, devida até à data da alta clínica, e, estas (pensão/capital de remição), a partir da data da alta do sinsitrado (arts. 48º e 50º).
De referir ainda que a reparação emergente de acidente de trabalho tem natureza indisponível e inderrogável, como decorre do disposto nos arts. 12º e 78º da LAT, enquadrando-se até nas questões, a que se reporta o art. 74º do CPT, que poderão ser objecto de condenação extra vel ultra petitum. Ou seja, serve o referido para dizer que as questões relativas ao direito à reparação emergente de acidente de trabalho são de conhecimento oficioso.

2.2. Assim sendo, nada impedia, antes impunha, que, se fosse o caso, a sentença se pronunciasse sobre as eventuais incapacidades temporárias para o trabalho no período de 19.07.2018 a 17.01.2020, a isso não obstando que tal questão não tivesse sido, como efectivamente não foi, objecto de quesito formulado pelas partes ou suscitada em momento anterior à sentença, designadamente em sede de reclamação sobre os autos de exame por junta médica pois que, como referido, é de conhecimento oficioso. Mas, sempre se diga, que o A., na tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, não concordou com a data da alta clínica fixada no exame médico singular que teve lugar nessa fase.
E não consubstancia, a omissão de pronúncia (se não tiver havido pronúncia devendo havê-la), nulidade processual, mas sim nulidade de sentença. Pese embora os autos de exame por junta médica não se pronunciem sobre a incapacidade para o trabalho no mencionado período, é ao tribunal, e na sentença, que cabe, em última instância, apreciar das questões sobre as quais deve emitir pronúncia e, sendo o caso, fixar a incapacidade, designadamente a temporária. E, na medida em que não o faça, devendo fazê-lo, incorreu em nulidade de sentença por omissão de pronúncia sobre questão de que, oficiosamente, sempre deveria ter conhecido. Aliás, tratando-se, como se trata, de matéria de conhecimento oficioso, cabia à 1ª instância formular os quesitos que tivesse por pertinentes, designadamente com vista ao esclarecimento da situação do A. no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 (cfr. Art. 139º, nº 6, do CPT) e/ou solicitar à junta médica os esclarecimento necessários (independentemente da formulação de quesitos pelas partes e/ou de não reclamação, pelas partes, sobre o laudo emitido pela junta médica), o que sempre poderia fazer antes do momento da prolação da sentença. Ora, assim sendo, só com esta é que se poderá constatar e dizer que foi cometida tal omissão, sendo pois tempestiva a sua arguição em sede de recurso da sentença.
Ou seja, a invocação, em sede de recurso, da omissão de pronúncia sobre a incapacidade temporária no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 é tempestiva, não se encontrando sanada e, assim, improcedendo, nesta parte, a argumentação da Recorrida.

2.3. Importa, pois, apreciar se existe nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
E, desde já avançando, a resposta não poderá deixar de ser afirmativa.
Com efeito,
Na sentença considerou-se que a alta clínica ocorreu aos 17.01.2020 e que, a partir desta data, o A. ficou afectado da IPP de 19,33%, o que não foi posto em causa no recurso [como já referido no ponto III.1.2. do presente acórdão]. Mais se considerou que o A. esteve afectado de ITP de 40% no período de 01.05.2018 a 18.07.2018 [sem prejuízo da 3ª questão, no âmbito da qual entende o Recorrente que essa ITP deveria ser de 50%].
Em passo algum da sentença se alude à situação do A. no período entre 19.07.2018 e 17.01.2020, definindo ou clarificando a sua situação clínica, e correspondente incapacidade temporária [seja ela correspondente ao coeficente de desvalorização de 0% ou a qualquer outro], sendo certo que a data da alta clínica/definitiva apenas ocorreu aos 17.01.2020.
E nada permite concluir ou, pelo menos, nada perrmite concluir com a necessária segurança, ao contrário do que diz a Recorrida, que o “silêncio” da sentença se deva à circunstância de considerar, perante os elementos constantes do processo, que, nesse período, o coeficiente de desvalorização de incapacidade temporária do A. seja o de 0%. A sentença não o diz, nada esclarecendo quanto à situação clínica do A. entre 19.07.2018 e 17.01.2020, mormente quanto à incapacidade de que padecerá, ou não, à qual não se reporta, assim como não o disseram as juntas médicas “final”, de 30.04.2021, ou a da especialidade de cirurgia geral, de 17.01.2020. É certo que, nesta, ao quesito 2º formulado pela Ré Seguradora, a junta médica dessa especialidade referiu que a resposta ao mesmo competia a outras especialidades. Não obstante, dessa resposta, ainda que conjugada com a dada ao quesito 7º, 2ª parte, formulado pelo A. [“7. (...). Relativamente à hérnia subxifoideia, a data da consolidação médico-legal é o dia de hoje, 17-01-2020”], não se nos afigura, pelo menos com a necessária segurança, que se possa concluir que esta lesão (hérnia subxifoideia) não determine incapacidade temporária para o trabalho, sendo que tal não é, pelo menos expressa e claramente, referido.
E, por outro lado, a junta médica “final”, na resposta ao quesito 2º da Ré, respondendo embora que o A. apresentou ITP de 40% de 01.05.2018 a 18.07.2018, nada diz, nem justifica, quanto ao período subsequente a esta data, sendo que, na resposta ao quesito 7º formulado pelo A., responde (por maioria) que a data da alta clínica é a 17.01.2020 [“sim. De acordo com a Junta Médica de Cirurgia Geral a 17.01.2020. Pelo Perito da Seguradora é dito a alta de 19-07-2018, conforme foi fixada no exame de medicina legal a 9-07-2019”].
Quer da sentença, quer dos laudos periciais apenas se pode concluir, pelo menos com a necessária segurança, que: o A. esteve afectado de, pelo menos, uma ITP de 40% [dizemos “pelo menos” tendo em conta a 3ª questão suscitada no recurso pelo Recorrente] no período de 01.05.2018 a 18.07.2018; que teve alta clínica aos 17.01.2020; e que, a partir desta data, se encontra afectado de uma IPP de 19,33% com efeitos a partir desta data. São todavia, os laudos periciais e a sentença, omissos ou, pelo menos, não suficientemente esclarecedores quanto ao período de 19.07.2018 a 17.01.2020.
Aliás, se o A. teve, como teve, alta clínica a 17.01.2020 com uma IPP de 19,33%, cabe então perguntar se, e por que razão, no período de 19.07.2018 a 17.01.2020, não teve qualquer incapacidade [nem pelo menos a correspondente ao coeficente de desvalorização que, a partir da data da alta definitiva, lhe veio a ser reconhecido]? As sequelas determinantes do coeficiente de desvalorização de 19,33% só surgiram aos 17.01.2020? E por que razão? Qual a sua situação clínica no período de 19.07.2018 a 17.01.2020? E se, no período de 01.05.2018 a 18.07.2018, o A. esteve com uma ITP de 40%, qual a situação clínica, e incapacidade posterior, se a alta definitiva apenas ocorreu, como ocorreu, aos 17.01.2020? A sentença nada diz e nada justifica quanto ao referido período.
Repare-se que, e em face da omissão de pronúncia pela sentença (e juntas médicas, designadamente da especialidade de cirurgia geral de 17.01.2020 e junta médica “final”, de 30.04.2021), o A., neste período, nem terá direito a pensão por incapacidade permanente porque esta apenas é devida a partir da data da alta, aos 17.01.2020 e também não lhe seria devida qualquer indemnização por incapacidade temporária até essa data sem que se encontre devidamente apurada qual a sua situação clínica, designadamente:
i) se as razões que determinaram a alta apenas aos 17.01.2020 determinam, ou não, incapacidade para o trabalho no período até à mesma (de 19.07.2018 a 17.01.2020),
ii) e, em caso afirmativo, qual o correspondente coeficiente de desvalorização,
iii) ou, em caso negativo, por que razão de uma incapacidade temporária com um (eventual) coeficiente de desvalorização de 0% [esclareça-se que o 0% é também um coeficiente de desvalorização] no período de 19.07.2018 a 17.01.2020, se passa, nesta data, para uma incapacidade permanente parcial de 19,33%
iv) e/ou, dito de outro modo, por que razão, sendo-lhe atribuída esta IPP (de 19,33%) a partir de 17.01.2020, não estaria o A., e por que razão, no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 afectado de incapacidade temporária com, pelo menos, idêntico coeficiente de desvalorização (de 19,33%)? Não se verificavam, no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 as sequelas que vieram a ser determinantes da IPP de 19,33%?
v) e, para além e sem prejuízo do referido anteriormente, não se verificavam as lesões que, no período de 01.05.2018 a 18.07.2018, determinaram uma ITP de 40% ou outra [como melhor se dirá a propósito da 3ª questão, quer do laudo emitido pela junta médica “final”, quer da sentença recorrida, não resulta a concretização das lesões que terão determinado essa ITP de 40%]?
A sentença deveria, pois, ter-se pronunciado sobre a situação clínica do A. no período de 18.07.2018 a 17.01.2020 e correspondente coeficiente de desvalorização de incapacidade temporária. E, ao não tê-lo feito, incorreu em nulidade de sentença por omissão de pronúncia, assim nesta parte procedendo o recurso.

3. Da incapacidade temporária do A. no período de 19.07.2018 a 17.01.2020

Diz o Recorrente que, mesmo que se entenda que não se verifica a invocada nulidade de sentença: “14. Os senhores peritos médicos fixaram nova data de alta clinica não lograram fixar, pelo menos expressamente o grau de incapacidade temporária até à data da nova alta clínica (que o ora recorrente presume ser ITA); porém, tal jamais poderia significar que o Tribunal deixasse simplesmente de fixar qualquer incapacidade temporária desde 18/07/2018 até à data da alta (como fez), devendo antes ter presumido e fixado ITA ou, na dúvida, ter solicitado esclarecimentos à junta médica em relação à IT que seria de aplicar em tal período; o juiz não dispõe dos necessários conhecimentos técnico-científicos, para fixação de incapacidade razão pela qual, mesmo não sendo vinculativo, o laudo pericial é muito importante para que seja tomada uma decisão fundamentada; as respostas aos quesitos apresentados pelas partes ou pelo Tribunal devem permitir que este, com segurança, analise e pondere nomeadamente os períodos de incapacidade temporária, impondo-se que o julgador verifique se os peritos médicos fundamentaram devidamente as suas respostas e se as mesmas permitem àquele tomar uma decisão fundamentada ou se, na inversa, é necessário pedir mais esclarecimento e, até, formular novos quesitos; não se tendo procedido assim, não estando ainda os autos devidamente instruídos com todos os elementos de facto necessários para a decisão de saber quais os períodos de IT desde, pelo menos, a data de 18/07/218, impõe-se, que o Tribunal de recurso anule a sentença nesta parte nos termos previstos, respetivamente, no n.º 2, alíneas b) e c), e n.º 4, do artigo 662.º do C.P.C.”
Por sua vez, entende a Recorrida que a sentença recorrida não fixou uma incapacidade no período em causa (19.07.2018 a 17.01.2020) de forma “propositada” por ser sua convicção que o A., nesse período, não padeceria de qualquer grau de incapacidade temporária para o trabalho, argumento este que, como decorre do que ficou referido no ponto anterior, improcede.
Mais diz a Recorrida que carece de fundamento legal a pretendida, pelo Recorrente, “presunção” de que teria estado afectado de ITA e que “Não podendo em caso algum, se porventura, o Meritíssimo juiz entender revogar nesta parte a douta sentença – o que não se concebe – sem antes oficiosamente, caso assim o venha a ser o entendimento, se munir dos meios técnicos e elementos para tal, ordenando designadamente que a junta médica se reúna novamente para clarificar – se for o entendimento, o que não se concebe que o seja - se há lugar a incapacidade temporária entre o período de 18.07.2018 e 17.01.2020 e em caso afirmativo, qual ou quais os respectivos graus a atribuir.”

3.1. Nos termos do disposto no art. 665º do CPC, o tribunal de recurso, ainda que declare nula a decisão, deve conhecer do objecto do da apelação.
Isto, porém, se os autos contiverem os necessários elementos a tal decisão. E, no caso, não contêm.
No âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, e não se conformando as partes com o resultado do exame médico singular, o exame por junta médica é indispensável à determinação das incapacidades, como aliás decorre dos disposto nos arts. 117º, nº 1, designadamente al. b), 138º, 139º e 140º do CPT, não podendo o juiz fixar a incapacidade sem que, antes, proceda a tal prova pericial.
No caso, não se tendo as juntas médicas que tiveram lugar nos autos, mormente a da especialidade de cirurgia geral (de 17.01.2020) e a junta médica “final” de 30.04.2021, pronunciado sobre a questão da incapacidade do A. no período de 19.07.2018 a 17.01.2020, impõe-se anular a sentença recorrida para que tal questão seja objecto de apreciação pela junta médica, designadamente, solicitando às já realizadas que se pronunciem sobre tal questão e prestem os necessários esclarecimentos em conformidade com o já referido no ponto III.2.3. do presente acórdão, aliás como os Recorrente e Recorrente, ainda que subsidiariamente, defendem.
E, assim sendo, como é, é prematuro atribuir ao A., nesse período, ITA como por este referido no recurso.

4. Da incapacidade temporária no período entre 01.05.2018 a 18.07.2018.

Na sentença recorrida considerou-se que o A., em tal período – de 01.05.2018 a 18.07.2018 -, esteve afectado de ITP de 40%, entendendo o A/Recorrente que: “21. Acresce ainda que, mal se compreende com que fundamento a junta de ortopedia atribuiu IPP de 40% naquele período quando, a junta de especialidade de neurologia (realizada em 17/01/2020) atribuiu no mesmo período ITP de 50% (tal como já havia sido atribuído em sede de exame singular). 22. Sendo certo que a este respeito a Junta de Ortopedia não logrou fundamentar devidamente a sua resposta, como devia, o que não impediu o douto Tribunal a quo de a aceitar sem mais, ainda que a mesma seja lacónica e contraditória em relação à junta de especialidade anterior. 23. Novamente no que respeita a este particular, entende o recorrente que não estando ainda os autos devidamente instruídos com todos os elementos de facto necessários para a decisão de saber qual o grau de IT entre 1/05/2018 a 18/07/218, pelo que se impõe, salvo melhor opinião e devido respeito, que o Tribunal de recurso anule a sentença nesta parte nos termos previstos, respetivamente, no n.º 2, alíneas b) e c), e n.º 4, do artigo 662.º do C.P.C.”

4.1. No exame médico singular que teve lugar na fase conciliatória do processo o Exmº Sr. Perito médico que o realizou considerou que o A., no período de 01.05.2018 a 18.07.2018 esteve com ITP de 50% (e com alta clínica aos 19.07.2018). Refira-se que, nessa fase, havia sido pedido exame da especialidade de neurologia, tendo o Exmº perito médico da especialidade de neurocirurgia, Exmº Sr. Dr. BB, emitido parecer (de 16.05.2019) no sentido de que o A. apresentava IPP de 5%, mas não se tendo pronunciado, todavia, quanto à incapacidade temporária no mencionado período.
Foi efectuado, já na fase contenciosa, um primeiro exame por junta médica da especialidade de neurologia, que teve lugar aos 17.01.2020 e em que interveio o referido Dr. BB, na qualidade de perito do Tribunal, junta médica essa que, por maioria (peritos do Tribunal e do sinistrado), se pronunciou no sentido de concordar com a proposta do INML de ITP de 50% no período de 01.05.2018 a 18.07.2018 (do assim considerado discordou o perito da Seguradora entendendo que os períodos de incapacidade temporária são os definidos pela Seguradora). Na sequência de reclamação pela Ré Seguradora, tal junta médica veio, contudo, a ser dada sem efeito por despacho de 03.03.2020 (mencionado no relatório do presente acórdão), com fundamento em impedimento do Sr. Dr. BB dado ter intervindo na fase conciliatória.
Realizou-se então nova junta médica de tal especialidade (neurologia), aos 10.07.2020, tendo os Srs. peritos médicos, ao quesito 7º formulado pelo A. [“7. As lesões do sinistrado já se encontram consolidadas? Em caso afirmativo, qual a data da alta clínica?”] respondido que “7- Não apresenta sequelas por neurocirurgia” e, ao quesito 2º formulado pela Ré [“2. Qual o grau de incapacidade temporária a atribuir no período de 01-05-2018 a 18-07-2018?”] respondido que “2. A ser atribuído pela Junta Final do Trabalho”.
Na junta médica da especialidade de pneumologia que teve lugar aos 25.06.2020, os Srs. peritos médicos, ao mencionado quesito 2º formulado pela Ré, responderam que “No período referido atribuem uma ITP de 32%” e, ao quesito 7º formulado pelo A. responderam que “Sim, 19.07.2018”.
No exame por junta médica da especialidade de cardiologia (04.03.2021) ao mencionado quesito 2º formulado pela Ré foi respondido “2. não parece haver sequelas físicas do ponto de vista cardíaco” [não respondeu ao quesito 7º formulado pelo A.]
No exame por junta médica da especialidade de psiquiatria (17.01.2020) ao mencionado quesito 2º respondido “2. Do ponto de vista psiquiátrico não resultou período de incapacidade temporária” e, ao quesito 7º formulado pelo A. foi respondido “7. Resposta prejudicada pelas anteriores”.
No exame por junta médica da especialidade de cirurgia geral foi respondido o que já deixámos transcrito, mas relembrando: ao quesito 2º formulado pela Ré foi respondido “A resposta a este quesito compete a outras especialidades” e, ao quesito 7º formulado pelo A. foi respondido “7. Sim, de acordo com Junta Médica de Cirurgia Geral a 17-01-2020. Pelo Perito da Seguradora é dito a alta de 19-07-2018, conforme foi fixada no exame de medicina legal a 9-07-2019”.
Ou seja, de concreto, o que decorre dos autos é que, no período de 01.05.2018 a 18.07.2018: no exame médico singular foi atribuída ao A. ITP de 50%; no exame por junta médica da especialidade de pneumologia foi atribuída uma ITP de 32%; e no exame por junta médica “final” foi atribuída uma ITP de 40%. A razão da atribuição deste coeficiente de desvalorização não se encontra fundamentada [tal como aliás os demais, de 50% do exame singular e de 32% da junta médica de pneumologia] e, por outro lado, desconhece-se também quais as lesões e de que foro médico terão determinado essa incapacidade. Acresce que não se poderá descartar, pelo menos em abstracto e à partida, que a anulação da sentença com vista ao apuramento da situação clínica do A. e correspondente incapacidade no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 se possa mostrar relevante.
Acresce dizer que o exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita às regras da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 489º e 607º, nº 5 do CPC/2013).
No entanto, muito embora o juiz não esteja adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí, a necessidade da devida fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado, tanto mais quando da sentença é interposto recurso.
Como decorre do referido no Acórdão desta Relação de 05.02.07[3] tais exames não serão de considerar pelo tribunal, como elemento válido de prova pericial, se as respostas aos quesitos ou o relatório sejam deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas.
Aliás, nos termos do disposto no nº 8 das Instruções Gerais da TNI aprovada pelo DL 352/2007, de 23.10, “o resultado dos exames é expresso em ficha apropriada, devendo os peritos fundamentar todas as suas conclusões.”
Daí que, embora a junta médica e o tribunal apreciem livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado pela perícia médica, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, pelo que os peritos médicos que intervêm na junta médica deverão fundamentar adequada e cabalmente o juízo que formularam pois que só assim será possível uma correta e cabal sindicância pelo Tribunal, designadamente pelo Tribunal da Relação, e, consequentemente, uma correcta apreciação e decisão da causa.
Ora, só na posse de todos os mencionados elementos poderá ser avaliada a incapacidade temporária para o trabalho do A. no período de 01.05.2018 a 18.07.2018.
E, assim sendo, impõe-se anular a sentença recorrida com vista ao esclarecimento, e devida fundamentação, pela junta médica e sentença quanto à razão da atribuição, ao A., da ITP de 40% (ou outra eventualmente superior, designadamente se decorrente da avaliação da incapacidade temporária face à lesão determinante da data da alta clínica apenas aos 17.02.2020), esclarecendo quais as lesões determinantes dessa ITP e fundamentando o coeficiente de desvalorização arbitrado.
***
IV. Decisão

Em face do exposto acorda-se em julgar procedente o recurso, em consequência do que se decide:
A. Julgar procedente a nulidade de sentença por omissão de pronúncia no que toca à questão da incapacidade do Autor no período de 19.07.2018 a 17.01.2020 [esta a data da alta clínica] e, em consequência, anular a sentença recorrida, determinando-se à 1ª instância que solicite às juntas médicas pertinentes, nomeadamente juntas médicas de cirurgia geral e junta médica “final” [sem prejuízo de outras que a 1ª instância tenha por pertinentes e/ou que se possam mostrar pertinentes], dos esclarecimentos, devidamente fundamentados e em conformidade com o exposto no ponto III.2.3. do presente acórdão, designadamente com vista ao apuramento da situação clínica do A/Recorrente e respectiva incapacidade temporária para o trabalho no período de 19.07.2018 a 17.01.2020.
B. Anular a sentença recorrida no que toca ao período de 01.05.2018 a 18.07.2018 com vista ao esclarecimento da razão da atribuição da ITP de 40% [sem prejuízo de outra superior que se possa mostrar devida designadamente em resultado do referido em A.], esclarecendo designadamente as lesões determinantes dessa incapacidade e fundamentando o coeficiente de desvalorização arbitrado.

Custas pela Recorrida.

Porto, 14.03.2022
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
____________
[1] Conforme resulta da consulta do histórico informático da plataforma citius.
[2] Diploma este (abreviadamente, LAT) a que, se não for feita menção em contrário, nos estaremos a reportar.
[3] Proferido na Apelação 6104/06-4.