Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00036873 | ||
Relator: | SOUSA LAMEIRA | ||
Descritores: | DÍVIDA LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP200405170452335 | ||
Data do Acordão: | 05/17/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Em acção declarativa visando a condenação do Réu no pagamento de quantia certa, sendo provada a dívida mas não se determinando o seu exacto valor impõe-se ao Tribunal, ou julgar segundo a equidade (se entender que mesmo na execução para liquidação o autor não será capaz de efectuar tal liquidação) ou remeter para a liquidação em execução de sentença (caso entenda que o Autor na execução será capaz de quantificar os prejuízos), não podendo nunca julgar a acção improcedente (com esse fundamento). | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1- No Tribunal Judicial da Comarca de ..........., o Autor B.........., residente no Lugar ............, freguesia de ..........., ..............., propôs a presente acção declarativa de condenação com processo sumário contra, C............., com domicilio na Rua ............, nº ..., ........... e D.........., com domicilio no Largo ..........., ......., .........., alegando resumidamente: Que no exercício da sua actividade comercial, em finais de 1995 e princípios de 1996, prestou aos RR vários serviços e forneceu diversos materiais, tudo no valor global de 14.076,37 Euros (2.822.059$00). Os RR apenas pagaram a quantia de 1.303.816$00 (6.503,38 Euros) faltando pagar 1.518.249$00 (7.572,99 Euros) acrescidos de juros, os quais ascendem na data da propositura da acção, ao montante de 4.211,73 Euros (844.378$00). Conclui pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 7.572,99 Euros (1.518.249$00), acrescida dos juros vencidos no montante de 4.211,73 Euros (844.378$00) e dos juros vincendos, até efectivo pagamento. 2 - Devidamente citados os Réus contestaram, impugnando, os factos vertidos pelo autor. Alegam nunca terem adquirido qualquer material ao Autor, nunca tendo contratado com o autor qualquer serviço ou material. Alegam que o autor litiga de má-fé. Concluem pedindo a improcedência da acção e a condenação do autor como litigante de má-fé. 3 - Na réplica o autor manteve as posições já assumidas na p.i. e defende-se do pedido de condenação como litigante de má-fé. Concluiu como na p.i. 4 - O processo prosseguiu termos tendo-se proferido despacho saneador, seleccionando-se a matéria de facto assente e controvertida, sem qualquer reclamação. Posteriormente, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sendo proferida sentença que julgou a acção improcedente. 5 - Apelou o Autor, nos termos de fls. 109 a 111, formulando as seguintes conclusões: 1ª- Ficou demonstrado que o Recorrente prestou ao recorrido D........... diversos serviços de carpintaria e de trolha, tendo-lhe também fornecido diversos materiais, em quantidades e valor concretamente não apurados. 2ª - A finalidade das normas processuais é aproximar-se da verdade material de forma a conseguir uma justa composição do litígio, impondo-se, nessa perspectiva a remessa das partes para a liquidação em execução de sentença. 3ª - Grande parte da nossa jurisprudência e doutrina vai nesse sentido. 4ª - A remessa das partes para liquidação em execução de sentença não ofenderia o caso julgado formal. 5ª - A douta decisão em crise fez menos boa interpretação do nº 2 do artigo 661 do Código de Processo Civil. Conclui pedindo a procedência do recurso. 6 – Não houve contra-alegações. II - FACTUALIDADE PROVADA Encontram-se provados os seguintes factos: A) O Autor dedica-se com habitualidade e escopo lucrativo à actividade de construção civil, carpintaria e venda de materiais para a construção civil. B) O Réu D.............. era industrial de construção civil. C) Em finais do ano de 1995 e princípios de 1996, o Autor prestou ao co-réu D............. diversos serviços de carpintaria e de trolha, tendo-lhe também fornecido diversos materiais, em quantidades e valor concretamente não apurados. D) Os serviços e os materiais referenciados na resposta aos Pontos 2 a 7 foram solicitados pelo co-réu D.............. através do E............., que na ocasião era quem contratava com as pessoas interessadas a realização de obras, trabalhos, fornecimentos de materiais e dirigia os empregados. E) O 1º Réu nunca se dedicou a qualquer actividade de construção civil. III – DA SUBSUNÇÃO - APRECIAÇÃO Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir. O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 684 nº 3 do Código de Processo Civil. A) A questão a decidir é essencialmente uma, a saber: Face à matéria de facto provada deveria a acção ter sido julgada improcedente, como o foi, ou deveriam as partes ter sido remetidas para a liquidação em execução de sentença, como pretende o Recorrente. Vejamos. Não restam dúvidas que o autor prestou diversos serviços e forneceu diversos materiais ao co-réu D................ . Provou-se que em “finais do ano de 1995 e princípios de 1996, o Autor prestou ao co-réu D.................. diversos serviços de carpintaria e de trolha, tendo-lhe também fornecido diversos materiais”. Apenas não se logrou provar as quantidades e o valor, pois somente resultou provado que os serviços e os materiais fornecidos o foram “em quantidades e valor concretamente não apurados”. Na decisão recorrida, apoiando-se no Ac. do STJ de 17.1.1995, Proferido no Processo n.º 85801, e fazendo-se uma interpretação restritiva do artigo 661 n.º 2 do CPC, entendeu-se que “não era admissível a remessa para execução de sentença no caso que nos ocupa, o que acarreta a improcedência da lide”. Vejamos o normativo legal em causa. Dispõe o artigo 661 n.2 do CPC que “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”. Afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação dos normativos legais, concretamente do citado artigo 661 n.º 2 do CPC, cujos princípios se aplicam a todas as acções declarativas. Perante a matéria de facto provada impunha-se a condenação do co-réu D............., a quem foram efectivamente prestados serviços e fornecidos materiais, no montante que se viesse a liquidar em execução de sentença. Na verdade o Autor logrou demonstrar, tal como havia alegado, que a este réu prestou serviços e forneceu materiais. Apenas não fez a prova das quantidades e do seu valor, uma vez que o Tribunal deu como provado que não conseguiu apurar “concretamente” tais valores. Deste modo, entendemos estarem reunidos os requisitos de aplicação do estatuído no artigo 661 n.2 do CPC. Da redacção de tal preceito resulta que o tribunal deve (e estamos aqui perante um poder dever do Juiz e não perante um poder discricionário) condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: A primeira que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor (o que é manifesto no caso, uma vez que o co-réu D.............. beneficiou dos serviços e dos materiais do autor em prejuízo deste) e a segunda que o montante desses danos não esteja determinado na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados (como foi o caso). [Neste sentido o Ac. RC de 1.7.1980, BMJ 301, 469 “Para que alguém possa ser condenado a pagar a outrem o que se liquidar em execução de sentença, necessário é que o julgador tenha perante si duas certezas) que a primeira pessoa tenha causado danos à Segunda; b) que o montante desses danos não esteja averiguado na acção declarativa, desde logo, por não haver “elementos para fixar o objecto ou a quantidade””] Assim, deveria o Tribunal “a quo” ter remetido as partes para a liquidação em execução de sentença (como vem pedido) e não ter julgado a acção improcedente, sem prejuízo de poder ter recorrido às regras da equidade(que não foi pedido). [Aliás, tem-se entendido que apenas se deve relegar para execução de sentença se não for possível fixar uma justa indemnização recorrendo às regras da equidade, Cfr. entre outros o Ac. RP de 13.12.1990, CJ 5º, 216 “Não sendo possível fixar o valor exacto dos danos a indemnizar, não deve esse facto excluir a efectivação do direito à indemnização, pois compete ao tribunal a sua fixação segundo um juízo de equidade face às circunstâncias do caso concreto”; Ac. STJ de 3.12.1998, BMJ 482-180; Ac. STJ de 25.3.2003, in www.dgsi] Impõe-se referir que o Acórdão citado para suportar a decisão recorrida é claramente inédito, sendo a Jurisprudência e a Doutrina contrária claramente maioritária. Sem necessidade de recuarmos mais podemos confrontar, na Jurisprudência, o Ac. do STJ de 6.3.1980, BMJ 295-369, no qual se afirmava “Sempre que o tribunal verificar o dano mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumprir-lhe-á relegar a fixação do quantum indemnizatório, na parte que não considerar ainda provada, nos termos do artigo 661 n.º 2 do CPC para a execução de sentença”. [No mesmo sentido e, entre muitos outros, cfr., por exemplo, o Ac. do STJ de 16.12.1983, BMJ 332, 397; Ac. RC de 31.3.1992, BMJ 415, 736] Na Doutrina o Prof. Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 114, página 310 afirma “Mesmo que o autor tenha deduzido na acção um pedido de determinada importância indemnizatória, se o tribunal não puder averiguar o valor exacto dos danos, deve relegar a fixação da indemnização, na parte que não considerar ainda provada, para a execução de sentença” [No mesmo sentido refere o Conselheiro Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil vol. III, pág. 232 e 233 “A condenação no que se liquidar em execução de sentença é de proferir tanto no caso de ter sido formulado pedido genérico, como no de ter sido apresentado pedido específico e não ter sido possível determinar objecto ou a quantidade da condenação”. Cfr. ainda A. dos Reis, CPC Anotado, 1º p. 614 e ss.]. Do confronto de todas estas posições podemos retirar a conclusão de que face à incerteza do valor dos danos, que ficaram efectivamente demonstrados, o tribunal deve relegar a sua liquidação para a execução de sentença (mas só no caso de não puder fixar logo o seu montante, ainda que com recurso à equidade). [Como expressivamente afirmou o Conselheiro Silva Paixão “Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade. O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor.”, Ac. STJ de 3.12.98, supra citado] Esta se nos afigura a solução, não só mais conforme e adequada ao espírito e à razão da norma, como também a mais justa, pois não se compreende nem entende como poderia o co-réu D................, que beneficiou efectivamente de serviços prestados e de materiais fornecidos pelo Autor, ficar desobrigado de qualquer pagamento. Tais serviços e tais materiais terão sempre algum valor económico e monetário, sendo o co-réu D.............. responsável pelo seu pagamento. Acresce que não é possível afirmar-se que ao relegar-se para execução de sentença se está a conceder uma nova oportunidade ao autor, violando o caso julgado. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre este artigo 661 n.2 (concluindo pela sua constitucionalidade) no seu Acórdão n.º 880/93 de 8.10.1996, tendo concluído que a aplicação deste normativo não ofende a intangibilidade do caso julgado [Aí se refere “Na verdade, em casos como o dos autos, não se permite um segundo julgamento sobre uma questão de facto definitivamente já decidida. O que acontece é que se remete para decisão posterior a pronúncia sobre uma questão de facto, que se considera não poder ainda decidida e que, assim, fica provisoriamente em aberto. Não chegando, em tais casos, pois, a existir caso julgado sobre a questão, não faz sentido falar em violação do caso julgado material”]. E mesmo que se possa afirmar que se está a dar uma nova oportunidade ao Autor não se vislumbra qualquer ofensa ao caso julgado, seja material ou formal. È que os danos estão provados apenas não está determinado o seu exacto valor, o seu concreto montante. Não se está a conceder ao Autor uma nova possibilidade de ele provar os danos – esses ficaram demonstrados na acção declarativa – mas somente de ele os quantificar. [“Em princípio, na acção declarativa, quando se provar o dano mas não o seu valor, a fixação da indemnização deve ser relegada para execução de sentença (artigo 661º, n.º 2, do Código de Processo Civil), o que tem lugar mesmo se tiver sido formulado pedido líquido, sendo assim admissível que se faça a prova, na execução, de facto não provado na acção, apesar de isso se traduzir na concessão de nova oportunidade de prova do mesmo facto”, Conselheiro Afonso Correia, Ac. STJ de 25.3.2003, supra citado] Por tudo o que se deixou afirmado entende-se que nunca poderia a acção ter sido julgada totalmente improcedente. B) Conclusão Em suma, na acção declarativa sendo provado o dano mas não se determinando o seu exacto valor impõe-se ao Tribunal ou julgar segundo a equidade (se entender que mesmo na execução para liquidação o autor não será capaz de efectuar tal liquidação) ou remeter para a liquidação em execução de sentença (caso entenda que o Autor na execução será capaz de quantificar os prejuízos), não podendo nunca julgar a acção improcedente (com esse fundamento). [Veja-se quanto a este ponto o Ac. STJ de 25.3.2003, já citado. Aí se afirma “No caso em apreço, apurada a existência de danos mas não encontrado o seu montante certo, ou se remete esta fixação para execução de sentença (art.661º, n.º2) ou se julga de acordo com a equidade (566º, n.º3).O que não pode aceitar-se é a tese do Banco: não se tendo apurado o valor exacto dos danos, apesar de estes serem certos, tem o Banco de ser absolvido. É manifesta a sem razão deste Recorrente”] Podemos, desta forma concluir que se impõe a procedência do recurso uma vez que o Autor provou os danos. Apenas não foram apurados concretamente os valores dos bens e serviços prestados pelo autor ao co-réu D.............., afigurando-se, no caso concreto que tal determinação será (em abstracto) possível, ainda que com o recurso a outros meios de prova (eventualmente uma peritagem à contabilidade das partes), pelo que se impõe remeter para liquidação em execução a fixação do montante do montante em causa. IV - DECISÃO Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em dar provimento ao recurso e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, condenando-se o co-réu D............... a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença (tendo como valor máximo o montante peticionado pelo Autor na p.i.). Custas pelo co-Réu D............ . Porto, 17 de Maio de 2004 José António Sousa Lameira Baltazar Marques Peixoto António Augusto Pinto dos Santos Carvalho |