Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2672/23.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RP202401222672/23.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 01/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O periculum in mora encontra o seu fundamento no risco que a demora na decisão a proferir na ação condenatória já intentada representa para a salvaguarda do direito que o requerente identifica carecer de proteção.
II - E para esse efeito deve o requerente alegar e demonstrar não só os danos que visa acautelar com a previsível demora da decisão final, como a gravidade e difícil reparação destes mesmos.
III - Os requisitos da gravidade e da dificuldade da reparação são cumulativos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 2672/23.9T8VFR.P1
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunta – Teresa Fonseca
Adjunto- António Mendes Coelho
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Aveiro – Jz. Local Cível de Santa Maria da Feira
Apelante/ AA
Apelado/ A... – Futebol, S.A.D.

Sumário:
………………………………
………………………………
………………………………

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório
AA instaurou o presente procedimento cautelar comum contra A... – Futebol, S.A.D., pela sua procedência peticionando que se ordene:
“à Requerida A... - Futebol, S.A.D., para, conforme os factos acima expostos, fazer cessar a atuação ilegal, ilegítima e ilícita, impondo-se seja a mesma condenada a permitir ao Requerente o acesso ao Camarote ... do Estádio ..., direito que lhe foi atribuído a título vitalício e gratuito, pelo A... há mais de 10 anos e sempre por todos respeitado, incluindo a Requerida.”
Para tanto alegou em suma:
- ser sócio do A... e ainda Vice-Presidente do referido clube, tendo-lhe sido atribuído – por Deliberação tomada em Ata pela Direção do Clube, a partir de 2012 e a título vitalício - o Camarote ... do Estádio ..., pelos serviços por si prestados ao clube;
- A requerida desde 2015 explora o Estádio, tendo o requerente sido impedido no passado dia 08/04/2023 de aceder ao camarote ... sem qualquer deliberação, tomada de posição do Clube ou comunicação prévia.
Tendo-lhe sido comunicado que poderia ir para a bancada destinada aos sócios, pagando;
- Impedimento que ocorreu nos jogos seguintes em abril e maio de 2023. E até ao final do Campeonato da Liga 2, sempre que a requerida jogava em casa;
- O requerente apenas voltou a usufruir do seu Camarote em 10/06/23, num jogo organizado pelo Cube que não a requerida;
- Pelo que apenas a requerida sem fundamento para tanto impede o requerente de usufruir e aceder ao seu Camarote ..., atribuído ao requerente e família;
- O requerente promoveu notificação judicial avulsa da requerida sem qualquer resultado.
- O Requerente é titular de um Camarote, ao qual tem direito por deliberação do Clube, estando demonstrada a existência do Direito;
- A urgência no decretamento da providência prende-se, quer com o facto dos Campeonatos profissionais terem o seu início no mês de Agosto – fim de semana de 12 e 13 de Agosto, sendo certo que, na pendência da Ação Comum que eventualmente seja proposta, o Requerente continuará impedido de assistir aos jogos do clube do seu coração no Camarote que é seu por direito, sendo ainda certo que, o decretamento da providência em nada beliscará os interesses da Requerida, porquanto, esta não pode alienar bilhetes no Camarote em causa;
- Não pode ser imposto ao Requerente que perca, quiçá todo um Campeonato de jogos da sua equipa do coração, enquanto aguarda pelo resultado de uma ação.
Termos em que concluiu nos termos acima enunciados.
*
Citada a requerida deduziu oposição.
Em suma:
- impugnou a existência da mencionada deliberação tomada em Ata pela Direção do A... e consequentemente o direito alegado pelo requerente.
Mais alegou
- conforme consta dos Estatutos da requerida, existe um Administrador desta nomeado pelo Clube, a quem incumbe a distribuição dos camarotes em função das necessidades dos Administradores por interesses comerciais ou pessoais a título de oferta;
- o usufruto dos camarotes presentes no Estádio envolve custos que nunca foram liquidados pelo A... à requerida, existindo acertos de contas devido a divergência quanto aos valores em causa entre a requerida e o Clube;
- O requerente, Diretor e Vice-Presidente da Direção do A... dirigiu-se publicamente à Administração da requerida através das redes sociais insultando esta, face ao que desde 18/03/23 não existiram mais comunicações entre requerente e requerida.
A partir de então tendo a administração executiva da requerida definido que os ingressos para o camarote ... não seriam enviados ao requerente;
- Tendo sido aconselhado o requerente a usar o seu cartão de sócio para receber ingresso de oferta para ver o jogo na bancada, por inerência dos estatutos do clube, para o jogo do dia 08/04/23, o mesmo não quis entrar para ver o jogo.
Tendo recusado oferta para ver esse e outros jogos em lugar oferecido pelo diretor geral da requerida, oferecendo-lhe um lugar de camarote à escolha, mas nunca um lugar no camarote ...;
- A requerida incorre em despesas para a manutenção e organização dos camarotes, nunca tendo o CDF comunicado a existência de qualquer direito do requerente. Nem procedido ao pagamento de despesas de manutenção e gestão de camarotes;
- O requerente pode assistir aos jogos da requerida sempre que assim o entender a título gratuito e se possuir as quotas em dia, como é do seu conhecimento, pelo que não existe lesão grave e de difícil reparação.
Termos em que concluiu pela total improcedência do procedimento interposto.

Após contraditório exercido pelas partes quanto à intenção manifestada pelo tribunal a quo para conhecer da providência formulada, com dispensa de produção de prova, foi proferida decisão final pelo tribunal a quo.
Tendo decidido:
“a) Julgar improcedente o presente procedimento cautelar não especificado;”

Inconformado quanto ao assim decidido, apelou o requerente, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes

CONCLUSÕES
“A- O decretamento de uma providência cautelar depende da demonstração do cumprimento dos seus requisitos, o que na opinião do Requerente, acontece nos presentes autos.
B- Desde logo, o direito invocado, qual seja, do acesso vitalício ao Camarote .... Assim,
C- O Requerente alegou tamanho direito, a Requerida não o negou, mas ainda assim, para que não restem dúvidas, juntou com o presente Recurso uma declaração do proprietário do Estádio, o “A...”, a atestar que ao Requerente foi atribuído o Camarote ... a titulo vitalício.
D- A Requerida alegou que fez cessar o acesso ao Camarote por parte do Requerente como retaliação a comentários feitos por este nas redes sociais. Mais,
E- Alegou ainda a Requerida que o Requerente pode ter acesso ao estádio, usando o Camarote da Direção, ou adquirindo bilhete ou outro Camarote, argumento em que foi secundado pelo Tribunal a quo. Ora,
F- No caso dos autos não está em causa, nem uma borla, nem as regras de acesso a um local público, era o que faltava que a Requerida selecionasse os adeptos que podem ver os jogos, qual porteiro de discoteca que faz a seleção à entrada.
G- Tamanho argumento, por completamente descabido nem sequer deveria ser considerado pelo Tribunal a quo, mas foi, para justificar que nenhum prejuízo dificilmente reparável sofre o Requerente com o indeferimento da providência. No entanto,
H- Parece-nos, salvo o devido respeito, que cada jogo que se faça no Estádio ... a que o Requerente seja impedido de assistir, no Camarote que lhe foi atribuído, é um jogo que não se volta a repetir, o que por si só representa prejuízo irreparável.
I- Mais, quando resulta da defesa da Requerida que impede o acesso como vingança de comentários feitos nas redes sociais. Isto é,
J- Entre o recurso aos Tribunais feito pelo Requerente para repor a legalidade e o confessado exercício de justiça por mão própria, o Tribunal a quo aderiu ao segundo, dando um muito mau sinal de que o recurso aos Tribunais afinal não é a forma de se exigir justiça.
K- O Tribunal a quo a relegar para uma eventual decisão no âmbito de um processo declarativo o diferendo que opõe Requerente e Requerida está a legitimar a atuação ilegal desta, porquanto, ao invés de lhe impor o reconhecimento do direito do Requerente, coloca neste o ónus de adquirir bilhetes/camarote e depois reclamar o prejuízo.
L- Não se entende como o Tribunal a quo cita arestos e Doutrina consagrada nomeadamente, que “...os procedimentos cautelares visam tutelar provisoriamente a aparência de um direito (fumus boni juris), mediante um processo célere e simples (summario cognitio) para evitar que se concretize ou atualize o risco ou perigo de prejuízo para o seu titular mediante a verificação de danos, que a demora normal de uma ação definitiva pode acarretar (periculum in mora)..” e decide julgar improcedente a presente providência quando o Requerente demonstrou, por um lado, o direito, e por outro a necessidade da legalidade ser reposta no mais curto espaço de tempo. Na verdade,
M- Perante uma tentativa de fazer justiça pelas próprias mãos, é forçoso que os Tribunais reajam, e foi essa a reação que o Requerente veio solicitar ao ajuizar a providência indeferida. Assim,
N- Perante uma atuação ilegítima, quanto mais célere for a reação das entidades competentes, mais se sublinha e defende o sentimento de justiça, sentimento esse que não pode estar à mercê da atuação de uns quantos justiceiros do alto dos seus cargos.
O- O Tribunal não poderia recusar-se a tomar posição quando de um lado está o Requerente a exercer um direito e do outro, a Requerida a confessar que violou esse direito por alegados comentários do Requerente.
P- Impõe-se por isso a revogação do Despacho recorrido e a sua substituição por outro que ordene o prosseguimento dos autos, com as legais consequências, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA!”
*
Contra-alegou a recorrida, em suma tendo concluído pela total improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.
*
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, com efeito suspensivo.
Foram dispensados os vistos legais.
*
II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante ser questão a apreciar se a pretensão pelo mesmo formulada evidencia a manifesta falta de procedência que o tribunal a quo declarou verificada, por não se mostrarem alegados “factos que a serem provados preencheriam os requisitos necessários para ser decretada uma providência que forçasse a Requerida a permitir o acesso do Requerente ao camarote ... do Estádio ...”.
***
III- Fundamentação.
As vicissitudes processuais a considerar são as acima elencadas.
Tendo o tribunal a quo considerado:
3.1 Factos indiciariamente provados
Com relevância para a decisão da causa, resultam indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A Requerida desenvolve atividade no âmbito do futebol profissional.
2. Em consequência do referido no ponto 1., a Requerida explora o Estádio ....
3. O Requerente é sócio e Vice-Presidente do A....
4. A Requerida enviava ingressos de acesso ao camarote ... ao Requerente.
5. No dia 8 de abril de 2023 a Requerida não remeteu ao Requerente ingresso de acesso ao camarote ... do Estádio ..., não tendo sido permitido o acesso deste a tal espaço.
6. No dia mencionado no ponto 5., foi dito ao Requerente que este podia assistir ao jogo na bancada destinada aos sócios, o que o Requerente recusou.”
*
***
Apreciando e conhecendo.
O requerente através do presente procedimento cautelar visou acautelar o seu alegado direito a aceder “ao Camarote ... do Estádio ..., direito que lhe foi atribuído a título vitalício e gratuito, pelo A... há mais de 10 anos e sempre por todos respeitado, incluindo a Requerida.”
Direito que mais alegou a requerida fez cessar de forma “ilegal, ilegítima e ilícita”.
O tribunal a quo fundamentou a decretada improcedência nos seguintes termos:
“o Requerente pretende uma medida que inste a Requerida a permitir o acesso e uso gratuito do camarote ... no Estádio ....
Invoca que tal providência reveste-se de urgência devido ao facto dos campeonatos profissionais terem início no mês de agosto e que durante a pendência da ação de processo comum a ser instaurada permanecerá impedido de aceder ao camarote e, por estes motivos, não lhe pode ser imposto que perca todo o campeonato de jogos da sua equipa, enquanto aguarda pelo desfecho de um processo judicial.
É esta alegação que o Tribunal tem de dissecar, por forma a verificar se o Requerente sofre uma lesão grave e irreparável.
Ora, de acordo com o supra explanado existe uma lesão grave, de acordo com a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito que está em risco de ser sacrificado, e não seja exigível que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível.
Em primeiro lugar, é de atentar não se está perante um direito de propriedade em que o Requerente foi “esbulhado da posse”, mas sim da utilização, a título gratuito, de um camarote num estádio de futebol em que este foi proibido de entrar nos jogos organizados pela Requerida, sendo certo que decorre da sua argumentação que o mesmo terá acesso ao mesmo, somente não o tendo quando existem jogos organizados por aquela.
Aliás, a lesão que o Requerente quer perpassar como sendo grave e irreparável é ficar impedido de assistir a um jogo que não mais se repete, contudo olvida que tal lesão é facilmente contornada se assistir a jogos “que não mais se repetem” na bancada destinada aos sócios.
Em segundo lugar, o Requerente refere que a urgência do exercício do direito não se compagina com o lapso temporal inerente a uma ação de processo comum, por perder todo um campeonato de jogos enquanto aguarda pelo resultado dessa ação. Todavia, os jogos realizados pela equipa A... não são todos feitos no Estádio ..., sendo realizados uma fração dos mesmos neste Estádio, pelo que o Requerente não perderá todo o campeonato de jogos da sua equipa, por não aceder ao camarote.
Além de que, nunca o Requerente poderia assistir a todos os jogos da equipa no camarote ..., dado que os jogos não são todos realizados no Estádio ....
Mais, o próprio Requerente ao afirmar que lhe é permitido assistir aos jogos na bancada, com o pagamento do ingresso, pode fazer valer a quantia despendida em tal aquisição, em processo comum e, no caso de lhe ser reconhecido o direito, ser reembolsado de tal montante.
E, de igual forma, o montante de € 5.000,00 anuais que teria de liquidar para adquirir outro camarote no Estádio, pode ser feito valer em processo comum.
Note-se que, o Requerente, notificado para se pronunciar sobre a possibilidade do Tribunal poder decidir pela improcedência dos presentes autos – requerimento que o Tribunal apenas analisa por razões de cooperação, atendendo à sua intempestividade –, volta a afirmar que o presente processo se reveste de urgência e o direito é dificilmente reparável.
E, alicerça tal alegação por o Requerente ser titular do Camarote ..., sempre o ter frequentado, levando convidados para o mesmo e que “a Requerida reconhece que este sempre o usou, mas, pasme-se, pretende “acertar contas”, impedindo-o de aceder ao mesmo”.
Perante esta alegação, pergunta-se: onde reside o direito dificilmente reparável que o Requerente pretende fazer valer e que, como por si alegado, está por demais presente?
Nos presentes autos, não está.
Mais a mais, note-se que apesar de o Requerente pretender fazer valer o seu “direito ao camarote”, este não o demonstra nem o comprova, sendo que o mesmo apenas é aqui apreciado dado o juízo perfunctório relativo à existência do mesmo.
Assim, entende o Tribunal que não se mostram alegados factos que a serem provados preencheriam os requisitos necessários para ser decretada uma providência que forçasse a Requerida a permitir o acesso do Requerente ao camarote ... do Estádio ... e, por isso, indefere-se o presente procedimento cautelar.”

Entendeu o tribunal a quo que o alegado pelo requerente não é suficiente para justificar o pressuposto fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito identificado pelo requerente, justificativo da procedência da sua pretensão.
Nos termos do artigo 2º do CPC, nº 2 “A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”
Em conformidade é conferido àquele que mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, o direito a requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do seu direito (artigo 362º do CPC).
O periculum in mora refere-se ao perigo no retardamento da tutela jurisdicional, “procurando-se evitar que por causa do tempo necessário para o julgamento definitivo do mérito da causa, o direito que se pretende fazer valer em juízo acabe por ficar irremediavelmente comprometido”. Cabendo assim ao requerente fazer prova de “não pode aguardar a decisão do processo principal sem sofrer um prejuízo de consequências graves e irreparáveis”[1].
O periculum in mora encontra assim o seu fundamento no risco que a demora na decisão a proferir na ação condenatória já intentada representa para a salvaguarda do direito que o requerente identifica carecer de proteção.
E para esse efeito deve o requerente alegar e demonstrar não só os danos que visa acautelar com a previsível demora da decisão final, como a gravidade e difícil reparação destes mesmos.
Os requisitos da gravidade e da dificuldade da reparação são cumulativos.
«A nossa jurisprudência tem vindo a considerar que o conceito de “lesão grave e irreparável ou de difícil reparação” deve ser integrado de acordo com dois critérios: um critério subjetivo o qual “atende às possibilidades concretas do requerido para suportar economicamente uma eventual reparação do direito do requerente”; um critério objetivo, o qual deve ser “aferido em função do tipo de lesão que a situação de perigo pode vir a provocar na esfera jurídica do requerente, o que significa que dependerá da natureza do direito alvo dessa lesão e da sanção que a ordem jurídica impõe para reparação do dano decorrente da lesão, sendo admissível o recurso à tutela cautelar sempre que a reparação da lesão possa implicar a chamada reintegração por sucedâneo. Assim um dano consubstanciado num prejuízo de natureza financeira não será, por via de regra, grave e irreparável ou de difícil reparação, salvo se o mesmo for insuscetível de integral compensação na eventualidade de ação principal vir a ser julgada procedente»[2]
Na aferição da gravidade da lesão justificativa do deferimento de uma providência devendo o juiz “fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica.”
Juízo de prognose que assentará nos seguintes pressupostos:
“se as circunstâncias de facto do caso em concreto indiciam a existência de um motivo sério para recear o facto danoso;
- se o facto receado carece de tutela urgente e se é necessário acautelar a sua proteção pela via provisória;
- qual a melhor maneira de providenciar a sua proteção, uma vez ponderados os interesses do requerente e do requerido”[3]
Assentes estes pressupostos, analisemos o que foi alegado pelo recorrente.
Alegou o requerente, ora recorrente, que a atuação da requerida o impossibilita de assistir aos jogos do camarote ... que a si e família foi atribuído a título vitalício, pelos serviços prestados ao clube.
Impedimento que a requerida não nega.
Antes tendo questionado a existência desse mesmo direito.
Contestada a existência deste direito, o tribunal a quo não permitiu ao requerente produzir prova deste, pelo que é intempestiva a afirmação na decisão recorrida de que o requerente não demonstra a existência desse mesmo direito.
Sem prejuízo do supra constatado, mais concluiu o tribunal a quo que o alegado pelo requerente não é, em abstrato, suficiente para enquadrar a invocada lesão do requerente como grave e dificilmente reparável.
O que justificou na possibilidade reconhecida pelo próprio requerente de assistir aos jogos, ainda que a partir da bancada e pagando.
Podendo o dano proveniente de tal situação ser-lhe posteriormente ressarcido por via indemnizatória.
Para além da argumentação lateral apresentada na decisão recorrida para afastar a afirmada impossibilidade de o requerente assistir a todos os jogos do campeonato no camarote em causa atenta a atuação da requerida, na medida em que apenas uma fração dos jogos se realizam no Estádio ..., o que efetivamente releva é ponderar se a alegada atuação da requerida de impedir o acesso ao camarote por parte do requerente quando o mesmo àquele pretende aceder, para assistir a jogos, representa lesão grave e irreparável, ou dificilmente reparável.
Impedimento de acesso que está reconhecido, como já mencionado.
Em causa está um alegado direito do requerente a um camarote no Estádio, desde 2015 explorado pela requerida.
Cujo acesso passou a ser vedado pela requerida, conforme a mesma o reconhece.
O alegado direito do requerente de acesso ao camarote – se vier a ser demonstrada a probabilidade séria da sua existência – tem a tutela do direito.
E como já referido, o impedimento do seu exercício que se mantém, é reconhecido pela requerida, ainda que funde tal atuação no não reconhecimento desse mesmo direito - a apurar.
O direito em si não é de conteúdo patrimonial e nesse sentido deve ser considerado irreparável, independentemente de poder ser ressarcível em sede indemnizatória.
Mas tal não basta para a procedência da pretensão do requerente.
É igualmente necessário que a lesão causada na esfera jurídica do requerente seja grave.
De acordo com o alegado pelo próprio requerente, a lesão reconduz-se à impossibilidade de assistir aos jogos a partir do mencionado camarote.
Já que o próprio reconhece não lhe ter sido vedado o acesso ao Estádio e a assim assistir aos jogos.
Tão só o concreto acesso ao camarote.
Nesta perspetiva, a lesão que o requerente suporta decorrente da atuação da requerida prende-se não com o direito a assistir aos jogos – que não está a ser coartado - mas com o direito a assistir aos mesmos a partir do camarote em condições que tal camarote lhe proporcionarão e que em concreto tão pouco especificou, para que daqui se pudesse inferir a medida em que tal impedimento afeta a sua esfera jurídica.
O mesmo é dizer que a atuação descrita e imputada à requerida não evidencia gravidade da lesão causada na esfera jurídica do requerente que demande o decretamento da providência cautelar requerida.
A implicar, por este motivo, não merecer o decidido pelo tribunal a quo censura.
*
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Porto, 2024-01-22.
Fátima Andrade
Teresa Fonseca
Mendes Coelho
_____________
[1] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves in “Providências Cautelares”, edição Almedina 2016/2ª edição, p. 200/201.
[2] Cfr. Marco Carvalho Gonçalves in ob. cit., p. 204 e doutrina e jurisprudência pelo mesmo aí citada.
[3] Cfr. ainda Marco Carvalho Gonçalves in ob. cit., p. 214/215.