Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MIGUEL BALDAIA DE MORAIS | ||
Descritores: | PROVA DOCUMENTAL TEMPESTIVIDADE DO DOCUMENTO ÓNUS A CARGO DO AUTOR PRINCÍPIOS DO DISPOSITIVO DA PRECLUSÃO E DA AUTO-RESPONSABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | RP202301232518/21.2T8VNG.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 5.ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O Código de Processo Civil, visando a simplificação, celeridade e economia processuais, limitou, no seu artigo 423º, os momentos concedidos às partes para a junção de documentos, a fim de reforçar a regra da inadiabilidade da audiência final e impedir expedientes processuais que possam ser utilizados como instrumentos de atraso do julgamento e da decisão final. II - A admissão de um documento implica a verificação de dois requisitos cumulativos: pertinência e tempestividade. III - A pertinência de um documento decorre de entre ele e os factos que constituem o objeto da instrução se estabelecer a relação funcional indicada no artigo 341º do Código Civil: as provas têm por função a prova da realidade dos factos. IV - A tempestividade de um documento apresentado com a audiência de julgamento em curso implica a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior. V - Não se verifica uma “ocorrência posterior” para efeitos de apresentação de documentos com fundamento na parte final do nº 3 do artigo 423º do Código de Processo Civil, quando uma testemunha, no decurso do seu depoimento, alude a um facto em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante dos documentos. VI - Na petição inicial deve o autor apresentar e requerer os meios probatórios destinados a comprovar as concretas afirmações de facto que fez verter nesse articulado, sem prejuízo de, no caso de o réu contestar, poder alterar esse requerimento probatório na réplica, se esta existir, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação, alteração que também pode ocorrer na audiência prévia, nos termos do nº 1 do artigo 598º do Código de Processo Civil. VII - Trata-se de um verdadeiro ónus cuja inobservância é insuscetível de gerar um convite ao aperfeiçoamento, implicando, outrossim, um efeito preclusivo, caso o requerimento probatório não seja apresentado/alterado em qualquer um dos referidos momentos processuais. VIII - O princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411º do Código de Processo Civil, coexiste com outros princípios que constituem traves-mestras no direito processual, mormente o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não pode ser invocado para superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2518/21.2T8VNG-A.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Gondomar – Juízo Local Cível, Juiz 3 Relator: Miguel Baldaia Morais 1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra 2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade * SUMÁRIO…………………………………………… …………………………………………… …………………………………………… * I - RELATÓRIO A..., Mediação Imobiliária, Ldª intentou a presente ação declarativa na forma comum contra AA, na qual conclui pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de €23.500,00, correspondente à remuneração prevista no contrato de mediação que celebraram, e que lhe é devida por ter realizado a angariação a que se obrigou. Citado o réu apresentou contestação, sustentando, em suma, não ser devida a remuneração reclamada pela autora. Os autos prosseguiram os seus termos, dando-se início à audiência final, sendo que, no decurso da mesma, a autora apresentou, em 2 de março de 2022, requerimento com o seguinte teor: «Tendo em vista a prova da simulação do preço e atendendo ao teor dos 2 documentos de quitação das hipotecas que pendiam sobre o imóvel que, em 23.02.2022, o réu também juntou aos autos, e que datam de abril e maio de 2020, altura em que tudo indica que o réu terá recebido reforços de sinal, a autora requer que o Banco 1... seja oficiado para informar sobre todas e quaisquer quantias que, entre setembro de 2018 e julho de 2020 tenham sido transferidas ou depositadas por BB, para a conta nº ..., cujo titular é AA. Tendo, ainda, em vista a prova da simulação do preço, mais se requer que o réu junte aos autos o contrato-promessa que tudo indica terá sido celebrado, em setembro de 2018, entre si e a destinatária conseguida pela autora. Atendendo ao facto de o réu ter declarado, em audiência de julgamento, que o endereço eletrónico para onde foram enviados os e-mails não era o seu mas sim da sua mulher, a autora requer a junção aos autos da ficha de angariação comprovativa de que os e-mails por si endereçados para o réu e juntos com a petição inicial foram enviados para o endereço eletrónico que este indicou para o efeito». Em 15 de março desse mesmo ano, a autora apresentou novo requerimentos nos seguintes termos: «Junção de novos documentos cuja apresentação se tornou necessária em função dos depoimentos das testemunhas BB e CC. Atendendo ao teor do depoimento das testemunhas BB e CC, mais se requer, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do Código Civil, a junção aos autos de 2 documentos, que comprovam que o por eles declarado não corresponde à verdade. Mais concretamente: O Documento n.º I, que comprova que distintamente do afirmado pelas testemunhas BB e CC, os documentos relativos ao imóvel mediado, tais como caderneta predial, certidão do registo predial e plantas, foram enviados, pela ERA, à compradora, em 24 de Julho de 2018, ou seja, cerca de duas semanas antes da data marcada para assinatura do contrato-promessa de compra e venda; O Doc. n.º II, que comprova que, distintamente do afirmado pelas testemunhas BB e CC, que disseram não ter havido nenhuma reunião para apreciação e discussão do contrato promessa de compra e venda antes do encontro agendado para 07.08.2018, que apenas tinha em vista a assinatura do mesmo, em 06.08.2022 foram enviados, para o e-mail da compradora dirigido à testemunha CC, e-mail com a minuta do contrato-promessa de compra e venda do imóvel mediado para apreciação dizendo que o mesmo também estava ser analisado “pela parte vendedora” e, que para o mesmo efeito foi agendada uma reunião para as 19:15h desse mesmo dia». Sobre os aludidos requerimentos recaiu o seguinte despacho: «[N]os presentes autos, determinou-se a notificação do Réu para juntar aos autos extratos bancários comprovativos do depósito dos cheques ids. na escritura pública de compra e venda (na sequência de requerimento da Autora para que o Réu juntasse aos autos cópias dos depósitos dos cheques) e cópias de documentos que comprovassem a oneração do imóvel com hipotecas e a respetiva extinção. O Réu veio juntar aos autos tais documentos. A Autora, exercendo o contraditório, veio requerer, para prova da simulação do preço, que o Réu seja notificado para juntar aos autos cópia do contrato promessa que supõe ter sido outorgado em setembro de 2018 e que se oficie ao Banco 1... para informar de todas as quantias que, entre setembro de 2018 e julho de 2020, tenham sido transferidas ou depositadas por BB para a/na conta de que o Réu é titular e que identifica, porque supõe que o Réu, nas datas em que foram emitidos os distrates e canceladas as hipotecas, recebeu reforços de sinal. Mais requer a junção aos autos de um documento para prova do email que o Réu indicou à Autora. O Réu opôs-se ao requerido pela Autora no que respeita ao requerimento a dirigir ao Banco por constituir uma devassa da vida privada e uma clara e ostensiva violação da lei processual civil, invocando o disposto no art. 552.º, n.º 6 do C.P.Civil. A Autora, notificada dos documentos de fls. 92 e 96, veio reiterar o seu requerimento para junção aos autos de cópia do contrato promessa e requereu a junção de dois documentos, com fundamento no disposto no art. 423.º, n.º 3 do C.P.Civil, invocando o depoimento das testemunhas BB e CC (…). O Réu impugnou esses documentos. Apreciando e decidindo. Quanto ao requerimento, intitulado “Junção de novos documentos cuja apresentação se tornou necessária em função dos depoimentos das testemunhas BB e CC”, e cuja oportunidade de junção a Autora funda no disposto no art. 423.º, n.º 3 do C.P.Civil, dir-se-á o seguinte. Esse preceito prevê a possibilidade de serem juntos documentos após o decurso do prazo de 20 dias prévios à data em que se realiza a audiência se a sua apresentação não tiver sido possível até esse momento ou se essa apresentação se tornar necessária em virtude de ocorrência posterior. A Autora não indica qual das situações justifica a junção, mas visto que os documentos constituem cópias de emails datados de 06 de agosto de 2018, não se pode concluir pela impossibilidade de apresentação em momento anterior, sendo que a Autora parece pretender justificar a junção com o declarado por duas testemunhas. Atendendo a que foi intenção do legislador que se restringisse a possibilidade de serem apresentados documentos após a realização/início da audiência, a “ocorrência posterior” a que alude o preceito há-de ser algo imprevisto, que a parte não poderá prever, e, nessa medida, justifica a junção tardia. Os depoimentos das testemunhas identificadas, que foram arroladas na contestação, não pode ser entendido como algo imprevisto, como uma ocorrência que justifique a junção de documentos em plena audiência de julgamento. Acresce que a Autora pretende juntar documentos não para provar factos que alega ou para contraprova de factos que foram alegados pelo Réu, mas sim para infirmar dois depoimentos testemunhais, ou seja, pretende contraditar esses depoimentos, sem que tenha deduzido o respetivo incidente (arts. 521.º e 522.º do C.P.Civil). No caso do documento cuja junção foi requerida pela Autora na sequência do afirmado pelo Réu de que o endereço eletrónico constante dos documentos que a Autora juntou não lhe pertence, mas sim à sua esposa, trata-se igualmente de documento que não visa demonstrar qualquer facto alegado, sendo certo que, apesar do que o Réu afirmou em sede de declarações de parte, o certo é que, na contestação, não afirmou não ter recebido qualquer um desses emails ou não ter deles tomado conhecimento. Assim, por ser intempestivo e inadmissível, não admito os documentos cuja junção foi requerida pela Autora a fls. 87, 101v. e 102, determinando o seu desentranhamento dos autos (…). Cumpre, neste momento, analisar o requerido quanto à junção aos autos de cópia de um contrato promessa e de extratos bancários relativos a determinado período. Nos termos do art. 410.º do C.P.Civil, a instrução tem por objeto os temas de prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova. Nos termos do disposto no art. 423.º do C.P.Civil, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou a defesa devem ser apresentados com o articulado correspondente. A obtenção de informações que estão protegidas por sigilo ou que sejam confidenciais pode ser ordenada desde que seja essencial à justa composição do litígio. Assim, a prova a produzir por cada uma das partes está intimamente ligada com o respetivo ónus probatório consignado no art. 342.º do Cód. Civil, do qual resulta que, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, recaindo sobre a parte contra quem a invocação é feita, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado. Nos presentes autos, a Autora alega ter celebrado com o Réu um contrato de mediação imobiliária, ter realizado as diligências tendentes à venda do imóvel, ter conseguido uma potencial compradora, e que, após negociação do preço com o Réu que se fixou em €470.000,00, foi agendada a outorga do contrato promessa e que, nesse dia, o Réu lhe transmitiu que não pretendia assinar o contrato por não estar de acordo quanto ao preço e pretendendo reduzir o valor da comissão devida à Autora, vindo esta a tomar conhecimento que o Réu havia celebrado a escritura pública de compra e venda com a dita interessada, pelo valor declarado de €200.000,00, o que indicia flagrante simulação do preço e, de acordo com a indiciação de pagamento de sinal mencionada na escritura, tudo indica que o contrato promessa terá sido outorgado a 26 de setembro de 2018, alegando que o mesmo lhe foi ocultado com o intuito de a não remunerar pelo serviço efetivamente prestado ao Réu. Pede que o Réu seja condenado a pagar-lhe a remuneração prevista no contrato de mediação no montante mínimo de €23.500,00, acrescida do IVA no montante de €5.405,00 e os juros de mora vencidos desde 26 de setembro de 2018, data da assinatura do contrato promessa até a instauração da ação e de juros vincendos. A Autora sustenta o pedido que deduz nos seguintes termos: “49.º Recentemente, a Autora tomou conhecimento de que em 08.07.2020, o Réu e a Destinatária, celebraram a escritura de compra e venda do imóvel mediado pela A..., pelo valor aí indicado de 200.000€ (Doc. 22), que indicia flagrante simulação do preço declarado que foi menos de metade do valor estipulado no contrato-promessa junto aos autos! 50.º De acordo com indicação de pagamento de sinal mencionada na referida escritura, constata-se que o contrato-promessa foi celebrado em 26.09.2018. Pelo exposto, 51.º Não obstante o negócio ter sido escamoteado à A..., que por isso ficou impedido de nele intervir, não há dúvida de que a A... cumpriu a sua obrigação contratual, ao encontrar a Destinatária que acabou por o celebrar. 52.º O Réu, deverá, também, cumprir com a obrigação assumida no contrato de mediação imobiliária, pagando, á Autora, a remuneração contratada no valor de 23.500€, inerente aos 470.000€ acordados no contrato-promessa de compra e venda, acrescida de 5.405€ inerente ao correspondente IVA á taxa de 23%, num total de 28.905€, que a mesma só não pode exigir no momento da celebração do contrato-promessa de compra e venda porque o mesmo lhe foi ocultado com o intuito de a não remunerar pelo serviço que efectivamente prestou ao Réu”. Constata-se, pois, que a Autora, apesar de o mencionar, não formula qualquer pedido relativamente ao vício de simulação que alega, que já na data em que interpôs a ação supunha ter sido outorgado um contrato promessa em setembro de 2018, não tendo requerido que a respetiva cópia fosse junta aos autos, e nada tendo requerido com vista a demonstrar a alegada simulação do preço, sendo que o pedido que formula referente à comissão funda-se no preço que consta do contrato promessa cuja cópia junta, baseando-se a alegação de vício na discrepância entre esse preço e o que consta da escritura pública. É apenas na sequência da contestação, na qual o Réu justifica essa discrepância com o facto de a compradora não se dispor a comprar pelo preço constante do contrato promessa pelo facto de o imóvel não possuir licença nos moldes em que estava erigido e com o facto de atravessar dificuldades económicas, que a Ré, em resposta, requer cópias dos cheques ids. na escritura pública. Mas nesse mesmo articulado, a Autora sustenta que o direito à remuneração da imobiliária depende apenas da prova de ter conseguido um interessado no negócio e que tenha sido com ele que o negócio se concretizou. Ou seja, a Autora configura o seu direito em termos de não ser verosímil que o Réu tenha aceitado vender o imóvel pelo preço declarado na escritura pública e invocando ter direito à remuneração em função do preço que consta do contrato promessa que só não veio a ser outorgado por recusa do Réu em fazê-lo. A Autora não faz depender o valor da comissão do valor efetivamente pago pela compradora. É o Réu quem, na contestação, alega factualidade tendente a justificar a discrepância entre o preço que constava do contrato promessa que não foi outorgado e o preço que veio a constar da escritura pública. Assim, considera-se que é intempestivo o requerimento formulado pela Autora no sentido de ser junta a cópia do contrato promessa, assim como os extratos bancários que visam demonstrar que o Réu recebeu outros valores da compradora, sendo certo que a Autora também não alega factualidade em concreto que permita concluir que foi outorgado um contrato promessa em setembro de 2018 (aliás, a Autora afirma que tudo indica que foi celebrado) e também não sustenta o pedido no preço efetivamente pago, mas sim no preço que consta do contrato promessa que não veio a ser assinado. É o Réu quem alega que, apesar do que consta do contrato promessa que não foi outorgado, veio a vender pelo preço de €200.000,00, o que poderia demonstrar com a prova que a Autora aqui requer. Ante o exposto, indefiro o requerido pela Autora». Não se conformando com o assim decidido, veio a autora interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo. Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes CONCLUSÕES: 1. Os 2 documentos juntos aos autos, pela Autora, em 15.03.2022, conforme desde logo alegado, pretendiam comprovar que concretos pontos dos depoimentos das testemunhas BB e CC não correspondiam á verdade. 2. Concretamente e de acordo com o que desde logo alegou, com o documento n.º I, a Autora pretendeu comprovar que, distintamente do afirmado pelas testemunhas BB e Fenando, os documentos relativos ao imóvel mediado, tais como caderneta predial, certidão do registo predial e plantas, foram enviados, pela ERA, á compradora, em 24 de Julho de 2018, ou seja, cerca de duas semanas antes da data marcada para assinatura do contrato-promessa de compra e venda; 3. E com o Doc. n.º II, a Autora pretendeu comprovar que, distintamente do afirmado pelas testemunhas BB e CC, que disseram não ter havido nenhuma reunião para apreciação e discussão do contrato-promessa de compra e venda antes do encontro agendado para 07.08.2018, que apenas tinha em vista a assinatura do mesmo, em 06.08.2022 foram enviados, para o e-mail da compradora dirigido á testemunha CC, e-mail com a minuta do contrato-promessa de compra e venda do imóvel mediado para apreciação dizendo que o mesmo também estava a ser analisado “pela parte vendedora” e que, para o mesmo efeito, foi agendada uma reunião para as 19:15h desse mesmo dia. 4. Pelo exposto, e não obstante o disposto no n.º 3 do artigo 5.º do C.P.C. a Autora, desde logo fundamentou a junção dos referidos documentos no n.º 3 do artigo 423.º do C.P.C. que, expressamente determina que, «Após o limite temporal previsto no n.º anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.» 5. Embora a Autora não tenha expressamente indicado, nem, de acordo com o normativo supra transcrito, fosse imprescindível que indicasse, em que parte do referido n.º 3 baseava o requerimento supra transcrito, resultava do mesmo que, atendendo ás datas dos documentos cuja junção até aquele momento não teria sido impossível, o requerido só poderia basear-se na 2.ª parte do referido normativo legal. 6. Tal como foi expressamente indicado no mencionado requerimento, e distintamente do indicado na fundamentação do despacho recorrido, a junção dos documentos em questão não se fundamentou propriamente no facto de as testemunhas terem deposto, o que efetivamente se previa que acontecesse desde que o rol de testemunhas foi conhecido, mas sim em partes concretas dos respectivos depoimentos, que desde logo se indicaram e que, sem dúvida nenhuma constituíram ocorrência posterior á P.I. á qual, oportunamente, foram desde logo anexados 24 documentos para comprovar o aí alegado. 7. Concretamente, os 2 documentos em questão foram juntos aos autos para comprovar que, o referido em concretos pontos dos depoimentos das identificadas testemunhas disseram, não correspondia à verdade. 8. É que, embora seja expectável que os compradores se conluiem com os clientes das mediadoras imobiliárias para que aqueles não paguem a comissão que a estas é devida, como aconteceu nos presentes autos, lamentavelmente, as mediadoras não pode prever o que aqueles irão inventar para tentar justificar o injustificável incumprimento do cliente, pelo que só perante o por eles alegado podem tentar provar a falsidade dos seus depoimentos. 9. Ainda que assim não fosse e sem prescindir, é de realçar ainda que, embora o despacho recorrido tenha acabado por reconhecer, e bem, que os documentos se destinavam a infirmar os depoimentos das testemunhas aí referidas, manifestando, mais uma vez, um total e lamentável desprezo pela averiguação da verdade material do processo, o despacho recorrido decidiu que não admitia a junção dos referidos documentos, por não ter sido expressamente invocado o incidente da contradita e ordenou, até, o desentranhamento dos documentos em questão. 10. Acontece que, para além do disposto no supra transcrito n.º 3 do artigo 5.º do C.P.C. desobrigar a requerente de requerer expressamente o incidente de contradita para juntar documentos ainda que os mesmos se destinem a esse efeito, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 522.º do C.P.C., no caso de contradita «os documentos podem ser oferecidos até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa» pelo que se constata que, distintamente da decidida intempestividade da referida junção, os documentos foram juntos atempadamente. 11. O mesmo raciocínio se aplica à ficha de angariação que a Autora juntou aos autos em 02.03.2022, visando comprovar que, distintamente do alegado pelo Réu, este não podia ter deixado de receber os e-mails que lhe foram enviados pela Autora, designadamente os documentos n.ºs 9 e 18 juntos com a petição inicial, para o endereço eletrónico que, distintamente do alegado pelo Réu, tinha sido o por ele indicado inicialmente á mediadora. 12. No que concerne a este documento, é de realçar que a Autora tem interesse em comprovar que o endereço electrónico para onde foram enviados os e-mails em questão foi, efetivamente o indicado pelo Réu, dado que, distintamente do afirmado no despacho recorrido, os factos alegados nos artigos 20.º e 32.º da PI, que os documentos supra referidos pretendiam provar foram expressamente impugnados pelo Réu na sua contestação. 13. Pelo exposto, se conclui que os documentos que a Autora juntou aos autos em 02.03.2022 e em 15.03.2022, deverão ser admitidos por, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do C.P.C., ser legal e admissível a sua junção, na medida em que conforme foi desde logo alegado, esta se tornou necessária em virtude de ocorrências posteriores ao termo do prazo limite previsto na lei para o efeito. 14. Mais indeferiu, o despacho recorrido, os restantes meios de prova requeridos pela Autora, designadamente a junção aos autos do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o Réu e a compradora do imóvel, bem assim como os “extractos bancários” que, em bom rigor, esta não requereu, considerando que «é intempestivo o requerimento formulado pela Autora no sentido de ser junta a cópia do contrato-promessa, assim como os extractos bancários que visam demonstrar que o Réu recebeu outros valores da compradora» e ainda que «a Autora não alega factualidade em concreto que permita concluir que foi outorgado um contrato-promessa em setembro de 2018 (aliás, a Autora afirma que tudo indica que foi celebrado) e também não sustenta o pedido do preço efetivamente pago, mas sim o preço que consta do contrato-promessa que não veio a ser assinado», o que não corresponde ao que consta nos autos. 15. Mas acontece que, distintamente do afirmado no despacho recorrido, a Autora, desde logo, no artigo 49.º da sua PI alegou a existência de simulação do preço declarado na escritura de compra e venda mas, na impossibilidade de comprovar um facto negativo, ou seja que o preço real do imóvel não tinha sido o declarado na escritura, a Autora, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 344.º do C.C., teve que aguardar o teor da contestação do Réu para fazer outros requerimentos. 16. Pelo exposto e depois de o Réu, na sua contestação, ter impugnado a alegada, e mais do que evidente, simulação do preço do imóvel, é que, com o objectivo de identificar a conta bancária onde foram depositados os únicos cheques mencionados na escritura de compra e venda, para depois poder requerer os extractos da mesma que lhe parecessem relevantes para prova da referida simulação, a Autora, na resposta ás excepções que foi notificada para apresentar, requereu que o Réu juntasse aos autos «cópia do depósito dos cheques n.º ... e ..., sacados sobre o Banco 1..., que foram usados para pagamento do preço declarado na escritura de compra e venda.» 17. Demonstrando, então, louvável empenhamento na descoberta da verdade material, a Ilustre Magistrada recorrida, em 18.01.2022, proferiu douto despacho a ordenar ao Réu que, no prazo de 10 dias, juntasse «aos autos extracto bancário comprovativo do depósito dos cheques ids na escritura publica de compra e venda» e ainda para, no mesmo prazo, «juntar aos autos documentos comprovativos do alegado no artigo 21.º da contestação e certidão da descrição predial com todas as inscrições, uma vez que Réu alega que o prédio se encontrava onerado com uma hipoteca». 18. Cujo cumprimento só foi concluído pelo Réu em 02.03.2022, ou seja, mais de um mês depois e em vésperas do início do julgamento (25.02.2022), quando se limitou a juntar aos autos o extracto correspondente ao primeiro dos cheques em questão bem assim como certidão do registo predial do imóvel onde constava o histórico das hipotecas canceladas e respectivos documentos de distrate. 19. Após o que, nessa mesma data, a Autora, no exercício do contraditório que lhe competia, apresentou o requerimento com a Ref. 41487482, que se presume conste a fls. 87, referidas no despacho recorrido onde, finalmente pôde requerer que, atendendo ao teor dos 2 documentos de quitação das hipotecas que pendiam sobre o imóvel que, em 23.02.2022, o Réu juntou aos autos e que datam de Abril e Maio de 2020, altura em que tudo indica que o Réu terá recebido reforços de sinal, o Banco 1... fosse «oficiado para informar sobre todas e quaisquer quantias que, entre Setembro de 2018 e Julho de 2020 tenham sido transferidas ou depositadas por BB, para a Conta n.º ..., cujo titular é AA». 20. No ponto VI do requerimento apresentado nos autos pela Autora em 15.03.2022, ainda no exercício do contraditório, para além de pretender esclarecer sobre referências legais e não só, feitas no requerimento que o Réu tinha apresentado nos autos 02.03.2022 e que, a excelentíssima Magistrada recorrida, até á data, não sancionou ou considerou inadmissível muito embora tudo indique que a citação, a despropósito feita pelo Réu, se destinava á mesma, a Autora, na sequencia do já requerido em 02.03.2022, quanto ao depósito de cheques da compradora na conta bancária do Réu que, atendendo ao regime de bens que a testemunha CC, no seu depoimento de 09.03.2022, tinha acabado de alegar que vigorava entre ele e a compradora no, Brasil, pais onde residiam, a Autora mais requereu, ao abrigo dos princípios do contraditório e do inquisitório previsto no artigo 411.º do C.P.C., «que o Banco 1... informasse também, sobre todo e qualquer cheque de CC que tenha sido depositado pelo Réu na sua conta bancária supra identificada, ou por aquele tenha sido transferida para a mesma, entre os referidas meses de Setembro de 2018 e Julho de 2020». 21. Por tudo o exposto constata-se, em primeiro lugar, que a Autora, nos requerimentos a que o despacho recorrido se reporta, distintamente do aí indicado, não requereu “extractos bancários” mas sim informações concretas sobre depósitos cuja eventual existência foi evidenciada pelos documentos juntos aos autos pelo Réu em 23.02.2022 e que, a verificar-se, terão relevância para determinar o montante da condenação do Réu, por aplicação do disposto no contrato de mediação imobiliária, independentemente da consideração da existência da simulação a que o despacho recorrido alude. 22. Isto porque, no que se refere á simulação do preço do imóvel declarado na escritura do imóvel mediado, pelo Réu e pela compradora do imóvel, embora o despacho recorrido transcreva o alegado pela Autora nos artigos 49.º a 52.º da sua P..I. conclui que esta «apesar de o mencionar, não formula qualquer pedido relativamente ao vicio da simulação que alega». 23. Acontece que a presente acção tem natureza obrigacional e não real, pelo que a Autora não tendo qualquer interesse na anulação do negócio não pretendeu pedir, nem sequer tinha interesse em fazê-lo, a declaração da simulação do negócio. 24. Pelo exposto e quanto ao ónus da prova, muito embora a Autora não pudesse juntar aos autos um documento de que não dispunha porque o mesmo lhe tinha sido escamoteado pelo Réu e pela compradora do imóvel mediado, a Autora alegou, sim, na sua causa de pedir, factualidade que permitiria a um magistrado minimamente interessado em averiguar a verdade material dos factos, não só as circunstâncias que terão originado a celebração do referido contrato-promessa, mas mais concretamente no artigo 50.º da sua PI que a magistrada recorrida teve o cuidado de transcrever (!), que «o contrato-promessa foi celebrado em 26.09.2018». 25. No que concerne ao pedido formulado nos autos, constata-se que depois de, na causa de pedir, concretamente no artigo 52.º da p.i. transcrito no despacho recorrido, ter explicado o montante peticionado que, de acordo com o mais alegado, dependeria da prova que resultasse dos autos quanto ao verdadeiro preço do imóvel, a Autora peticionou que o Réu, fosse «condenado a pagar á Autora a remuneração prevista no contrato de mediação, no montante mínimo de 23.500€ (vinte e três mil e quinhentos euros) acrescidos do IVA correspondente, no montante de 5.405€ (cinco mil quatrocentos e cinco euros).» 26. Ora, em função do pedido assim formulado, dado que a remuneração prevista no contrato de mediação é de 5% do preço conseguido pelo imóvel, com todo respeito e s.m.o, parece-nos claro que a condenação se deverá reportar ao preço do imóvel que resulte provado nos autos. 27. Pelo exposto, e depois de o Réu e a compradora terem admitido, nos seus depoimentos em audiência de julgamento, ter assinado um documento quando foi feito o primeiro pagamento de 100.000€, a Autora teve todo o interesse em requerer que estes juntassem aos autos o referido documento, que não se admite ter sido a declaração que, em sede de julgamento, os Réus juntaram aos autos, dado que, atendendo a todos os factos alegados e que resultam provados através dos documentos juntos pela Autora, tal declaração insulta a inteligência de qualquer julgador preocupado com a produção de justiça material. * Não foram apresentadas contra-alegações.* Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1]. Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, são as seguintes as questões solvendas: - saber se deve (ou não) ser admitida a junção aos autos dos documentos que a apelante apresentou com os seus requerimentos de 2 e 15 de março de 2022; - da admissibilidade dos pedidos formulados pela autora no sentido de ser junto aos autos o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre o réu e a compradora do imóvel, bem como de serem prestadas informações concretas sobre depósitos realizados para pagamento do preço dessa transação. *** III- FUNDAMENTOS DE FACTO A factualidade a atender para efeito de apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório. *** IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO IV.1. Da admissibilidade de junção aos autos dos documentos apresentados pela autora em 2 e 15 de março de 2022 Como é consabido, a oportunidade de apresentação da prova documental pelas partes encontra-se disciplinada no art. 423º[2], dispondo o seu nº 1 que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser juntos com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, mas admitindo-se, no nº 2 do mesmo preceito, que tal junção pode ainda ser feita até 20 dias antes da data designada para a realização da audiência final, sendo a parte apresentante dispensada do pagamento de multa se provar que não pôde oferecer os documentos com o articulado em que alegou os factos que com os mesmos pretende provar. Finalmente, o nº 3 do mesmo preceito, dispõe que, após o referido limite temporal, “[s]ó são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”. Deste preceito, extrai-se, pois, que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos, sendo o primeiro a regra e os seguintes exceções: a)- com o articulado respetivo, sem cominação de qualquer sanção – cfr. nº 1; b)- até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas, neste caso, a parte é condenada em multa, exceto se provar que não os pôde oferecer com o articulado respetivo – cfr. nº 2; c)- posteriormente aos mencionados 20 dias, sendo, porém, nesta situação, só admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou cuja apresentação se torne necessária por virtude de ocorrência posterior. Ainda de acordo com a lei adjetiva (cfr. art. 443º), para além da tempestividade na sua apresentação, a admissão de um documento implica que o mesmo seja pertinente, pertinência essa decorrente de entre o suporte documental e os factos que constituem o objeto da instrução se estabelecer a relação funcional indicada no art. 341º do Cód. Civil, nos termos do qual as provas têm por função a prova da realidade dos factos. De igual modo, cumpre sublinhar, conforme tem sido decidido na casuística[3], que o aludido art. 423º regula apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório. Ou seja, a apreciação da admissibilidade da junção de documentos aos autos, a fazer de acordo com os termos desse normativo, não implica qualquer juízo de valor quanto à relevância probatória dos documentos em causa, mas apenas a aferição da viabilidade legal da respetiva junção por reporte ao momento em que foi requerida. Na espécie, considerando que os documentos em causa não foram apresentados com a petição inicial, não se verifica, pois, a hipótese contemplada no nº 1 do art. 423º. Também não ocorre a situação a que se reporta o nº 2 desse mesmo preceito, posto que os suportes documentais em causa foram apresentados já após o início da audiência final. Desta forma, resta apreciar a admissibilidade da junção desses documentos ao abrigo do nº 3 do art. 423º, nos termos do qual, como se referiu, essa junção somente é admissível numa das seguintes situações: (i)-se a apresentação de tais documentos não tiver sido possível até aquele momento; ou (ii)-se a apresentação de tais documentos se torne necessária por virtude de ocorrência posterior. Porém, nestes casos, só podem ser admitidos os documentos relativamente aos quais a parte que os apresente alegue e prove a verificação de um algum desses pressupostos alternativos, sendo que, por mor do disposto no art. 293º, nº 1, para esse efeito deve oferecer os respetivos meios de prova com o requerimento de apresentação dos mesmos[4]. Outrossim vem-se entendendo[5] que na indagação da admissibilidade do documento, quando invocada a “impossibilidade da prévia apresentação” ou a verificação de “ocorrência posterior”, o seu fundamento haverá de ser apreciado segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência, que será aquela para que aponta o art. 487º, nº 2 do Cód. Civil: a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso. No que especialmente concerne ao primeiro dos mencionados fundamentos, tem-se considerado[6] que a expressão legal “documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento” deve ser lida no sentido de que, ultrapassado o limite temporal definido no nº 2 do art. 423º, apenas são admitidos documentos cuja junção não tenha sido possível, atenta a verificação de um impedimento que não pôde ser ultrapassado em devido tempo, ou quando se trate de documentos objetiva ou subjetivamente supervenientes, isto é, que apenas foram produzidos ou vieram ao conhecimento da parte depois daquele momento. No caso sub judicio, a autora, nos requerimentos que apresentou em 2 e 15 de março de 2022, nada alegou no sentido de justificar a impossibilidade de apresentação dos documentos em momento anterior (isto é, até 20 dias antes do início da audiência final – o que ocorreu em 25 de fevereiro de 2022), documentos esses que, como deles consta, foram produzidos, respetivamente, em 14 de novembro de 2017, em 24 de julho e 6 de agosto do ano de 2018. Resta, assim, dilucidar se a apresentação dos documentos em causa estará legitimada à luz do disposto na 2ª parte do nº 3 do art. 423º, sendo que, neste conspecto, a autora procura justificar essa junção da seguinte forma: - quanto ao documento apresentado em 2 de março, alega que «[a]tendendo ao facto de o réu ter declarado, em audiência de julgamento, que o endereço eletrónico para onde eram enviados os e-mails não era o seu mas sim da sua mulher, a autora requer a junção aos autos da ficha de angariação comprovativa de que os e-mails por si endereçados para o réu e juntos com a petição inicial foram enviados para o endereço eletrónico que este indicou para o efeito»; - quanto aos documentos apresentados em 15 de março, alegou que «[a]tendendo ao teor do depoimento das testemunhas BB e CC, mais se requer, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 423.º do Código Civil, a junção aos autos de 2 documentos, que comprovam que o por eles declarado não corresponde à verdade. Mais concretamente: O Documento n.º I, que comprova que distintamente do afirmado pelas testemunhas BB e CC, os documentos relativos ao imóvel mediado, tais como caderneta predial, certidão do registo predial e plantas, foram enviados, pela ERA, à compradora, em 24 de Julho de 2018, ou seja, cerca de duas semanas antes da data marcada para assinatura do contrato-promessa de compra e venda; O Doc. n.º II, que comprova que, distintamente do afirmado pelas testemunhas BB e CC, que disseram não ter havido nenhuma reunião para apreciação e discussão do contrato promessa de compra e venda antes do encontro agendado para 07.08.2018, que apenas tinha em vista a assinatura do mesmo, em 06.08.2022 foram enviados, para o e-mail da compradora dirigido à testemunha CC, e-mail com a minuta do contrato-promessa de compra e venda do imóvel mediado para apreciação dizendo que o mesmo também estava ser analisado “pela parte vendedora” e, que para o mesmo efeito foi agendada uma reunião para as 19:15h desse mesmo dia». Portanto, tal como a questão se mostra equaciona, tudo se resume em saber se as declarações de parte e/ou o depoimento de testemunhas prestado na audiência final podem configurar “ocorrência posterior” para os efeitos do mencionado normativo. Como se referiu, a essa questão o juiz a quo respondeu negativamente, o que merece a discordância da apelante por entender que os documentos podem ser juntos porque “se destinavam a infirmar partes concretas” das declarações do réu e dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB e CC, o que, “sem dúvida nenhuma constitui ocorrência posterior a petição inicial”, sendo certo outrossim que “no caso de contradita os documentos podem ser oferecidos até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa, pelo que, atendendo a que até à presente data tal decisão ainda não foi proferida, se constata que, distintamente da decidida intempestividade da referida junção, os documentos foram juntos atempadamente”. Que dizer? A propósito da densificação do aludido conceito indeterminado, ABRANTES GERALDES et al.[7] escrevem que o mesmo “não respeitará, por certo, a factos que constituam fundamento da ação ou da defesa (factos essenciais, na letra do art. 5.º), pois tais factos já hão de ter sido alegados nos articulados oportunamente apresentados ou, pelo menos, por ocasião da dedução de articulado de aperfeiçoamento (art. 590º, n.º 4). Tão pouco respeita a factos supervenientes, pois a alegação desses factos deve ser acompanhada dos respetivos documentos, sendo esse o meio da sua entrada nos autos (art. 588º, n.º 5). Portanto, no plano dos factos, a ocorrência posterior dirá somente respeito a factos instrumentais ou a facto relativo a pressupostos processuais (…). Por outro lado, não deve confundir-se esta figura com regimes específicos de junção de documentos, nomeadamente para instruir a impugnação de testemunhas (art. 515º) ou a contradita (art. 522º), bem assim a impugnação da genuinidade de documento (art. 445º, nºs 1 e 2) ou a ilisão da autenticidade ou da força probatória de documento. O sentido destas e doutras disposições é o de evitar que, por meios artificiosos, sejam introduzidos no processo documentos para além do momento fixado pelo legislador ou segundo critérios diversos dos definidos para tal (…), ou seja, não podem criar-se artificialmente eventos ou incidentes cujo objetivo substancial seja tão só o de inserir nos autos documentos que poderiam e deveriam ser apresentados em momento anterior, sob pena de frustração do objetivo disciplinador fixado pelo legislador e, assim, da persistência de uma prática que se quis assumidamente abolir.”. Precisamente por isso a jurisprudência vem decidindo[8] que a junção de documentos que se “tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”, destina-se à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo de previsto no nº 2 do art. 423º e que a apresentação não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha, no decurso do seu depoimento, alude a um facto em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante. E compreende-se que assim seja posto que a necessidade de junção ou não de documentos reporta-se sempre aos factos integrados nos temas de prova e visa a sua prova ou contraprova. Nessas circunstâncias as declarações de parte ou o depoimento de uma testemunha prestadas na audiência final não constituem ocorrência posterior que possibilite a junção de documentos. Considerar o contrário, seria permitir que a cada pessoa (seja ela parte ou testemunha) ouvida nesse momento processual fosse possível à parte a junção de mais documentos, fora dos prazos consignados no art. 423º e ao arrepio da restrição que o legislador procurou estabelecer com esta norma, cujo propósito confesso – como anteriormente se enfatizou – foi a simplificação, celeridade e economia processuais, visando reforçar a regra da inadiabilidade da audiência e impedir expedientes processuais que possam ser utilizados como instrumentos de atraso do julgamento e da decisão final. Isso mesmo é posto em evidência no citado acórdão da Relação de Lisboa de 6 de junho de 2019, onde se afirma: «Parece-nos que se perante um depoimento testemunhal, que incidisse sobre a matéria de facto dos temas da prova, pudessem, sem mais, ser apresentados documentos com o propósito de contrariar a credibilidade do mesmo, então estaríamos, passe a expressão, “a deixar entrar pela janela o que não se quis deixar entrar pela porta”. E isto até de forma mais vantajosa para a parte, que assim nem teria de pagar qualquer multa. Note-se que a razão de ser da não previsão de pagamento da multa no n.º 3 do artigo 423.º do CPC é precisamente a de que não se justifica sancionar a parte por algo que a ultrapassa: trata-se de apresentar um documento que não tinha podido obter até àquele momento ou um documento cuja junção não era necessária, mas passou a ser. Portanto, em nosso entender, a “ocorrência posterior” não se pode bastar com uma mera intenção de contrariar a força probatória de documentos juntos aos autos com os articulados ou de descredibilização do depoimento de testemunha (aliás, para isto também existe a contradita». Como se viu, a apelante convoca ainda em arrimo do seu posicionamento a regra plasmada no art. 522º, nº 3, segundo a qual, pretendendo contraditar a testemunha, «[o]s documentos podem ser oferecidos até ao momento em que deva ser proferida decisão sobre os factos da causa». A invocação de tal normatividade mostra-se, contudo, deslocada, na justa medida em que a mesma, na sua economia, pressupõe que a parte interessada tenha deduzido o competente incidente de contradita dentro do momento processual definido para o efeito, ou seja, quando a testemunha tenha terminado o seu depoimento (cfr. nº 1 do citado normativo). Ora, tendo as testemunhas em causa deposto na sessão da audiência de julgamento realizada no dia 2 de março de 2022, segue-se, pois, que o dito incidente deveria ter sido deduzido nessa ocasião, o que, todavia, não se verificou. Dito de outro modo: se a ora apelante pretendia, como afirma nos requerimentos que apresentou, demonstrar “que o que as referidas testemunhas disseram não correspondia à verdade”, deveria ter lançado mão do competente incidente, instruindo-o com os documentos em crise. Não o tendo feito, a pretendida junção de documentos não poderia ter lugar ao abrigo de um inexistente incidente, mostrando-se consequentemente injustificada a invocação da regra enunciada no nº 3 do citado art. 522º. Improcedem, por conseguinte, as conclusões 1ª a 13ª. * Como se deu nota, no requerimento que apresentou no dia 15 de março de 2022, a autora impetrou que «o réu junte aos autos o contrato-promessa que tudo indica terá sido celebrado, em setembro de 2018, entre si e a destinatária conseguida pela autora e que a testemunha CC quase referiu no seu depoimento, embora tenha de imediato emendado a palavra “contrato”». Nesse mesmo requerimento pede que «o Banco 1... seja oficiado para informar sobre todas e quaisquer quantias que, entre setembro de 2018 e julho de 2020 tenham sido depositadas, por cheque de BB, na conta nº ..., cujo titular é AA, ou por ela transferidas para esta conta». Tais pretensões foram indeferidas pelo decisor de 1ª instância, por as considerar intempestivas. A apelante rebela-se igualmente contra esse segmento decisório, por entender que “o despacho recorrido esquece o disposto no princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411º do CPC”, acrescentando que apesar de ter alegado “na sua petição inicial a existência de simulação do preço declarado na escritura de compra e venda mas, na impossibilidade de comprovar um facto negativo, ou seja que o preço real do imóvel não tinha sido o declarado na escritura, a autora teve que aguardar o teor da contestação do réu para fazer outros requerimentos. Isto porque, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 344º do C.C., competiria ao réu provar, que efetivamente, o preço recebido pelo imóvel objeto do contrato de mediação tinha sido o declarado na escritura”. Também neste ponto não lhe assiste razão. Com efeito, de acordo com o atual Código de Processo Civil (cfr. arts. 552º, nº 6 e 572º, al. d)), num claro propósito de economia e lisura processual, as partes devem apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova com os respetivos articulados. Assim, no que tange ao autor, na petição inicial deve[9] este apresentar e requerer os meios probatórios destinados a comprovar as concretas afirmações de facto que fez verter nesse articulado, sem prejuízo de, no caso de o réu contestar, poder alterar esse requerimento probatório na réplica, se esta existir, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação, alteração que também pode ocorrer na audiência prévia, nos termos do art. 598º, nº 1. No caso vertente, no sentido de substanciar a sua pretensão de tutela jurisdicional, a autora e ora apelante alegou, para além do mais, que: - “Recentemente, a Autora tomou conhecimento de que em 08.07.2020, o Réu e a Destinatária [refere-se a BB], celebraram a escritura de compra e venda do imóvel mediado pela A..., pelo valor aí indicado de 200.000€ (Doc. 22), que indicia flagrante simulação do preço declarado que foi menos de metade do valor estipulado no contrato-promessa junto aos autos!” (artigo 49º); - “De acordo com indicação de pagamento de sinal mencionada na referida escritura, constata-se que o contrato-promessa foi celebrado em 26.09.2018” (artigo 50º); - “Não obstante o negócio ter sido escamoteado à A..., que por isso ficou impedido de nele intervir, não há dúvida de que a A... cumpriu a sua obrigação contratual, ao encontrar a Destinatária que acabou por o celebrar” (artigo 51º); - “O Réu, deverá, também, cumprir com a obrigação assumida no contrato de mediação imobiliária, pagando, à Autora, a remuneração contratada no valor de 23.500€, inerente aos 470.000€ acordados no contrato-promessa de compra e venda, acrescida de 5.405€ inerente ao correspondente IVA à taxa de 23%, num total de 28.905€, que a mesma só não pode exigir no momento da celebração do contrato-promessa de compra e venda porque o mesmo lhe foi ocultado com o intuito de a não remunerar pelo serviço que efetivamente prestou ao Réu” (artigo 52º). Resulta, assim, claro que com o requerimento que a autora apresentou nos autos, no sentido de o réu juntar o contrato-promessa que firmou com BB e de serem prestadas informações bancárias de molde a apurar quais as concretas transferências que terão sido realizadas entre os intervenientes nesse negócio preliminar, pretende aquela obter prova de afirmações de facto plasmadas no articulado com que deu início ao presente processo. Nesse contexto, tal requerimento revela-se intempestivo posto que, alegando ser do seu conhecimento que havia sido celebrado, em 26 de setembro de 2018, um contrato-promessa de compra e venda entre o réu (como promitente-vendedor) e a referida BB (como promitente-compradora) e bem assim que houve simulação do preço que veio a ser declarado na escritura pública que titulou o contrato-prometido, estaria a demandante constituída no ónus de apresentar/requerer os meios probatórios destinados a comprovar essa materialidade o que deveria ter feito, em consonância com o que se postula no citado no nº 6 do art. 552º, no final da petição inicial, no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação apresentada pelo réu ou ainda na audiência prévia. Certo é que não o fez nessas oportunidades temporais, razão pela qual precludiu a possibilidade de o fazer mais tarde, sendo de registar que, ao invés do que sustenta, não competiria ao réu o ónus da prova de que “o preço recebido pelo imóvel objeto do contrato de mediação tinha sido o declarado na escritura”, posto que, à luz da regra estabelecida no art. 342º do Cód. Civil (que, conforme entendimento dominante, enuncia o pensamento fundamental da teoria das normas), aquelas proposições assumem natureza de factos constitutivos do direito a que a demandante se arroga. Acresce, por outro lado, que a possibilidade prevista no art. 411º (que consagra o princípio do inquisitório em matéria probatória) de o juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não pode servir como forma de suprir as omissões da parte na indicação dos seus meios probatórios. É que o juiz não pode, nem deve, em princípio, substituir-se à parte, atento o princípio do dispositivo. É facto que, após a Reforma de 1995-1996, o juiz passou a ter uma intervenção mais ativa na instrução do processo, devendo fazer uso dos seus poderes instrutórios sempre que as circunstâncias e a boa instrução do processo o aconselhem, visando, em última instância obter um melhor apuramento da verdade material e justa composição do litígio. No entanto, esse princípio do inquisitório coexiste com outros princípios que constituem traves-mestras no direito processual, mormente o princípio do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilidade das partes, de modo que não pode ser invocado para superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a alguma das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova. Isso mesmo tem sido sublinhado pela jurisprudência[10] que, com maior ou menor latitude, vem considerando que o uso dos poderes instrutórios do tribunal está sujeito aos seguintes requisitos: (i) a admissibilidade do meio de prova; (ii) a sua manifestação em momento processualmente desadequado; (iii) a necessidade da diligência ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio; e (iv) a prova a produzir incidir sobre factos que é lícito ao juiz conhecer. Ora, in casu, inverificam-se tais pressupostos, desde logo porque, como deflui da petição inicial, a autora teria, já então, conhecimento da existência de contrato-promessa firmado entre o réu e BB e da alegada simulação do preço no contrato alienatório que foi realizado entre eles, razão pela qual estaria em condições de requerer os meios de prova tidos por pertinentes para a demonstração dessa materialidade dentro dos momentos processuais definidos no citado art. 552º, nº 6. Não o tendo feito, sibi imputet. Como assim, terão de improceder as conclusões 14ª a 27ª. *** V- DISPOSITIVO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se o despacho recorrido. Custas do recurso pela apelante. Porto, 23.01.2023 Miguel Baldaia de Morais Jorge Seabra Fátima Andrade _________________ [1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem. [2] Como se assinala na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII, que esteve na génese da Lei nº 41/2013, de 26.06 (que aprovou o novo Código de Processo Civil), com o regime atualmente previsto no art. 423º visou-se disciplinar a produção de prova, assegurando-se o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios. Ou seja, pretendeu-se eliminar a possibilidade de retardar o encerramento da discussão da causa mediante a apresentação de documentos em plena audiência de julgamento, levando à necessidade de conceder prazo à parte contrária para se pronunciar sobre o documento. [3] Cfr., por todos, acórdão da Relação de Lisboa de 25.09.2018 (processo nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1) e acórdão da Relação de Guimarães de 23.05.2019 (processo nº 1345/18.9T8CHV-A.G1), acessíveis em www.dgsi.pt. [4] Cfr., neste sentido, acórdãos da Relação de Lisboa de 22.10.2014 (processo nº 681/13.5TTLSB.L1-4), de 6.12.2017 (processo nº 3410/12.7TCLRS-.l1-6), de 25.09.2018 (processo nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1) e de 4.06.2020 (processo nº 9854/18.3T8SNT-A.L1-2), acórdão da Relação de Coimbra de 24.03.2015 (processo nº 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1) e acórdão da Relação de Guimarães de 23.05.2019 (processo nº 1345/18.9T8CHV-A.G1), acessíveis em www.dgsi.pt. [5] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Coimbra de 18.11.2014 (processo nº 628/13.9T8GRD.C1) e de 24.03.2015 (processo nº 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1) e acórdão da Relação de Lisboa de 25.09.2018 (processo nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1), acessíveis em www.dgsi.pt. [6] Assim, ABRANTES GERALDES et al., in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, Almedina, pág. 520. [7] Ob. citada, pág. 520. [8] Cfr., inter alia, acórdãos da Relação de Lisboa de 6.12.2017 (processo nº 3410/12.7TCLRS-A.L1-6), de 25.09.2018 (processo nº 744/11.1TBFUN-D.L1-1), de 6.06.2019 (processo nº 18561/17.3T8LSB-A.L1-2) e de 12.10.2021 (processo nº 5984/18.0T8FNC-B.L1-7), acessíveis em www.dgsi.pt. [9] Trata-se, como tem sido entendido (cfr., por todos, LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, Almedina, pág. 495 e RAMOS FARIA/ANA LOUREIRO, in Primeiras notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª edição, págs. 473 e seguintes), de um verdadeiro ónus cuja inobservância é insuscetível de gerar um convite ao aperfeiçoamento, implicando, outrossim, um efeito preclusivo. [10] Cfr., entre outros, acórdão da Relação de Coimbra de 12.03.2019 (processo nº 141/16.2T8PBL-A.C1), acórdão desta Relação de 15.10.2020 (processo nº 2856/15.3T8AVR-D.P1) e acórdão da Relação de Guimarães de 8.09.2020 (processo nº 2023/19.7T8VNF-A.G1), acessíveis |