Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | RUI MOREIRA | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO SEM CAUÇÃO EXIGIBILIDADE E VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA | ||
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Nº do Documento: | RP202203222919/21.6T8PRT-G.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/22/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Para a atribuição de efeito suspensivo da execução ao recebimento de uns embargos de executado, sem prestação de caução, cumprirá ponderar se, nas concretas circunstâncias do caso, atentos os elementos que o processo já proporciona, à luz da alegação do embargante e da resposta do embargado, se pode admitir que a prosseguimento da execução expõe aquele a um sério risco de prejuízo económico, perante a possibilidade de não vir a ser responsável pela quantia cujo pagamento lhe é exigido. II - Este juízo de prognose deve ser emitido num contexto cujos termos foram definidos pelo legislador e segundo os quais, no processo executivo, é preponderante o interesse de satisfação do direito do credor, a assegurar por via da efectiva realização do seu crédito, que não deve perigar em razão da duração do processo executivo. Daí que a suspensão da execução seja um efeito excepcional da oposição que lhe seja oferecida pelo executado. III – A suspensão da execução poderá ser decretada se, considerando os interesses em presença, a natureza dos bens passíveis de execução e o tempo já decorrido, nada permite afirmar que o prosseguimento imediato da execução é adequado a garantir um interesse superior, qual seja o da efectividade da realização de um direito do exequente, em detrimento de outra que deva ceder perante ele, designadamente o de exposição do devedor ao risco e aos efeitos de uma satisfação coerciva de uma obrigação hipoteticamente irreal, seja por inexigibilidade, seja por prescrição. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | PROC. Nº 2919/21.6T8PRT -G.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Execução do Porto - Juiz 4 REL. N.º 661 Relator: Rui Moreira Adjuntos: João Diogo Rodrigues Anabela Andrade Miranda * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO1 – RELATÓRIO Nos autos de embargos de executado que correm por apenso à execução que Banco ... move contra AA, veio esta recorrer da decisão que, após alguns incidentes nessa execução, rejeitou a sua pretensão de que o recebimento destes embargos determinasse a suspensão da execução, sem prestação de caução. Tal decisão traduz-se no seguinte: “Foi requerida pela executada/embargante a suspensão da execução na pendência dos embargos de executado, nos termos do art.º 733.º, n.º 1, al. c), do CPC. Todavia, perante a oposição expressa da exequente, o teor do título executivo e a documentação junta aos autos, não tendo sido prestada qualquer caução, por falta de suficiente e adequada justificação, indefiro o citado pedido.” É desta decisão que vem interposto recurso, pela embargante, que o termina formulando as seguintes conclusões: “1) O Tribunal a quo não se pronunciou quanto à exigibilidade do título, mas tão só quanto à suspensão da execução; 2) A Embargante, em sede de embargos, invocou a inexigibilidade do título na medida em que não houve qualquer interpelação para pagamento à Embargante, porquanto o ónus da prova dessa exigibilidade incumbe ao Embargado/Exequente; 3) A Embargante, alvo de uma execução sumária sem fundamento (conforme despacho proferido nos presentes autos em 26-05-2021, que julgou procedente a nulidade invocada pela Executada de erro na forma de processo e, em consequência, determinou que a execução siga a forma ordinária e não sumária, a revogação/anulação dos atos de penhora praticados pela Sra. AE e o levantamento das penhoras que tenham sido efetuadas), nunca foi interpelada pela Embargada a considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento; 4) A Executada questionou, em sede de embargos, a exigibilidade do título dado à execução; 5) A Executada invocou, em sede de embargos, o instituto da prescrição, nos termos da alínea e) do artigo 310° do Código Civil, porquanto prescrevem no prazo de cinco anos "as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros", 6) A Embargada não logra provar que comunicou/interpelou a Embargante no sentido de considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento; 7) A Embargada nunca considerou antecipadamente vencida toda a dívida, nem exigiu o seu imediato pagamento à Embargante; 8) A Executada questionou, em sede de embargos, a exigibilidade do título dado à execução, referindo ser notório que já decorreram mais de 5 (cinco) anos desde a data em que a Embargada poderia exigir da Embargante qualquer pagamento relativamente aos montantes em apreço; 9) No caso em apreço, a obrigação foi contestada, pelo não se trata o presente de um caso em que "a obrigação nem sequer seja posta em causa, mas tão só a sua exigibilidade"; 10) Existe litígio quanto à existência de obrigação (atendendo à exceção da inexequibilidade do título invocada), e a falta de interpelação deveria ter acarretado a procedência da inexigibilidade do título, O que, por sua vez, deveria ter acarretado a suspensão da execução, nos termos da alínea c) do n." l do artigo 733° do CPC na medida em que se impugna a exigibilidade da obrigação exequenda, justificando-se a suspensão sem prestação de caução; 11) Qualquer outro raciocínio ou decisão será manifestamente violadora de direitos fundamentais da Executada, pois justifica-se nos termos da alínea c) do n° l do artigo 733° do CPC, a suspensão sem prestação de caução atendendo a que a Executada foi alvo de uma execução sumária sem razão aparente; 12) A Executada, alvo de uma execução sumária (que posteriormente se veio a converter em ordinária) não pode ser obrigada a prestar caução numa execução que, per si, deveria falecer quando confrontada com o instituto da prescrição; 13) A Executada, que atravessa uma situação económico-financeira difícil, está com uma penhora do vencimento, que lhe está a causar graves prejuízos, recebendo apenas a quantia líquida de 546,4l EUR; 14) Do confronto dos encargos que suporta com o rendimento auferido (e penhorado), resulta evidente que a prestação de caução pode desencadear efeitos perversos no seu agregado familiar e, consequentemente, na sua esfera pessoal, bem como na dos seus filhos (isto é, pode não assegurar a sua subsistência e dos seus filhos, com um mínimo de dignidade); 15) É precisamente ancorada na não razoabilidade desta execução que a Executada em sede de embargos suscitou e questionou a exigibilidade do título dado à execução, colocando em causa o título executivo em si próprio: 16) À luz das regras da experiência e do comportamento humano, existe justificação para a suspensão da execução sem prestação de caução; 17) Estão preenchidos os dois elementos que a situação da alínea c) do n.º 1 do artigo 733° do CPC pressupõe estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade da obrigação e existindo justificação razoável para a suspensão sem prestação de caução; 18) Por tudo quanto exposto, ao entender pela não suspensão da execução, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 729º e 733º, n.º 1, alínea c), do CPC, mais afectando - em consequência e de forma incisiva - o direito de defesa da executada/embargante, comprimindo de forma relevante a sua latitude, 19) Deve suspender-se o prosseguimento da execução, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 733° do CPC, na medida em que se impugna a exigibilidade da obrigação exequenda, justificando-se a suspensão sem prestação de caução.” A exequente não ofereceu resposta ao recurso. O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, assim indeferindo a pretensão da apelante quanto ao efeito suspensivo do próprio recurso. Cumpre apreciá-lo, sem prejuízo de, antes de mais, se atentar na pretensão da apelante quanto ao efeito suspensivo deste recurso, que funda numa interpretação a contrario do disposto no art. 853º, nº 4 do CPC. Não tem, no entanto, justificação esse fundamento, pois que dessa norma resulta precisamente a atribuição de efeito meramente devolutivo a este recurso. Com efeito, a impugnação da decisão em causa torna-se admissível – como bem assinalou o tribunal recorrido – por efeito do disposto na al. h) do nº 2 do art. 644º do CPC: se não fosse em apelação autónoma - o mesmo é dizer-se: por via de um recurso com subida imediata - a impugnação da decisão recorrida, quanto ao efeito dos embargos sobre a execução a que foram opostos, tornar-se-ia absolutamente inútil. Por conseguinte, a apelação em causa é também admissível à luz do disposto na al. a) do nº 2 do art. 853º do CPC. Para além disso, por não respeitar a decisão que tenha posto termo à execução ou suspendido a instância, o recurso tem efeito meramente devolutivo. É o que dispõe o nº 4 do mesmo preceito. Nada há, pois, a alterar quanto ao efeito do recurso determinado pelo tribunal a quo. Passar-se-á, assim, à apreciação do respectivo mérito. * 2- FUNDAMENTAÇÃONão podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC, é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso. No caso, a questão a decidir consiste na definição do efeito que a admissão dos embargos opostos à execução pela executada e ora apelante AA deve produzir no próprio processo executivo: o tribunal entendeu não se verificarem os pressupostos de suspensão desse processo; a apelante entende que a execução deve ser suspensa, ao abrigo do disposto na al. c) do nº 1 do art. 733º do CPC. * Para a apreciação desta questão, é útil considerar:A- Na execução a que estes embargos respeitam, a Banco ... demanda a executada alegando, na essência, o seguinte: “2 - (…) Em 17.11.2005, no exercício da sua actividade creditícia, emprestou aos executados as quantias de 80.000,00€ e 25.000,00€, que eles receberam, de que se confessaram devedores, destinaram na aquisição de imóvel para a sua habitação própria e permanente e em investimentos em imóveis, e se obrigaram a restituir-lhe em 545 prestações mensais, cada, prazos posteriormente ampliados, a pedido dos executados, para 588 prestações mensais de capitais e juros, vencendo-se as primeiras no dia 17.12.2005 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes ((cfr. escrituras de mútuo com hipotecas, que se juntam como doc. 1 e 2 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (…) 7 - Em garantia dos capitais mutuados, dos juros respectivos e das despesas, os executados constituíram hipoteca sobre o aludido imóvel. 8. Os executados não pagaram as prestações para o reembolso dos capitais e juros como se obrigaram, nem o fizeram depois de terem sido interpelados, o que ocorre desde 17.03.2012. 9. O executado BB foi declarado insolvente, em 13.09.2012, no processo nº 621/12.9TJPRT, que corre actualmente termos no Juiz 4, do Juízo do Local Cível do Porto. 10. A exequente reclamou, no processo de insolvência, entre outros, os créditos decorrentes dos títulos ora dados à execução, pelos montantes, à data de 16.12.2012, de 75.983,19€ e 23.840,87€, respectivamente, correspondentes aos capitais em dívida de 74.559,77€ e 23.320,19€, e o restante aos juros, comissões e impostos. 11. No âmbito do referido processo de insolvência foi apreendido o aludido imóvel e a executada AA foi citada para requerer inventário para partilha e separação dos seus bens próprios, bem como a sua meação nos bens comuns, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs. 1404º do C.P.C., 141º, nº 1, al. b) e 143º do CIRE. 12. A executada AA não requereu a partilha e separação de meações, pelo que o imóvel foi vendido, em 6.03.2015, no referido processo de insolvência, pelo preço de 74.800,00€, tendo a exequente, nessa data, recebido do produto da sua venda o montante de 59.840,00€, e, em 27.04.2016, após liquidação dos bens apreendidos, em rateio, os montantes de 1874,10€ e 2480,00€, o que perfaz o montante recebido de 64.194,10€, valor que foi aplicado na liquidação parcial do capital do 1º dos mencionados empréstimos. 13. O processo de insolvência foi encerrado, após rateio, por douto despacho de 20.06.2016 14. Por douto despacho de 4.11.2020, foi recusada a concessão de exoneração do passivo restante ao executado BB, cujo anúncio foi publicado no portal CITIUS no dia 10.12.2020. 15. A falta de pagamento das prestações, a declaração da insolvência, a apreensão e venda do imóvel dado em garantia determinaram os vencimentos, na data da declaração da insolvência, da totalidade das dívidas dos empréstimos e o direito da exequente exigir o seu pagamento. 16. A exequente tem assim haver dos executados, os capitais em dívida, nos montantes de 10.365,67€ e 23.320,19€, as comissões vencidas e não pagas, nos montantes de 180,60€ e 151,75€, os juros vencidos e não pagos, contados desde 17.03.2012, e vincendos até ao efectivo e integral pagamento, à taxa de 10,246%, ao ano, computando-se os vencidos, à data de 17.02.2021, em 26.428,39€ e 20.310,16€, o imposto de selo sobre os juros e sobre as comissões, à taxa de 4%, no montante global de 1882,84€, e as despesas com cobrança do crédito, incluindo honorários de advogado, estas a liquidar a final(…)”. B – Nos autos de embargos de que este processo foi extraído para subida em separado, a ora apelante pretendeu: “• Ser extinta a presente execução relativamente à ora Executada-Embargante, por prescrição da dívida reclamada; Sem prejuízo de, caso assim não se entenda, • Ser extinta a presente execução relativamente à ora Executada-Embargante, por inexigibilidade da dívida reclamada; • Ser suspenso o prosseguimento da execução nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 733º do CPC, na medida em que a não junção de nenhum documento comprovativo da interpelação para pagamento resulta na inexigibilidade da obrigação, que constitui fundamento de oposição à execução, nos termos da alínea a) e e) do n.º 1 do artigo 729º do CPC, justificando-se a suspensão sem prestação de caução;” C – A embargante alegou que as suas dívidas para com a exequente prescreveram no prazo de 5 anos, e que este já se completara quando foi citada para a execução (em 14/4/2021), quer se conte o mesmo desde a data de declaração de insolvência do co-executado, em 13-9-2012, quer se conte desde a data da sua citação para requerer inventário para separação de bens próprios e partilha de bens comuns, em 14/1/2014. D – A embargante alegou ainda que a obrigação exequenda lhe é inexigível, por jamais ter sido interpelada para o seu pagamento, o que é evidenciado pela circunstância de a exequente não demonstrar tal interpelação por via de qualquer documento que o comprove. * O art. 733º nº 1 do CPC estabelece que o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se o embargante prestar caução (al. a.), ou se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução (al c.).No caso, o tribunal recorrido, na decisão sob escrutínio, na ausência de caução da executada, deu conta da oposição da exequente e limitou-se a referir que, considerando “o teor do título executivo e a documentação junta aos autos” entendeu não haver “suficiente e adequada justificação” para suspender a execução. Não pode deixar de afirmar-se que a parcimónia da motivação do decidido torna essa mesma decisão obscura, tornando-a ininteligível e, consequentemente nula, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) do CPC. Com efeito, fica por se saber o que é que o Sr. Juiz descortinou nos títulos executivos e na documentação junta aos autos que justifica a sua decisão de não suspender a execução, na sequência do requerimento da embargante, nesse sentido. Em qualquer caso, nos termos do art. 665º, nº 1 do CPC, cabe a este tribunal de recurso superar essa nulidade, conhecendo do objecto da apelação. Como assinalam Virgínio Ribeiro e Sérgio Rebelo (A Acção Executiva Anotada e Comentada, 3ª ed., pg. 279) o citado art. 733º introduziu uma alteração quanto ao efeito suspensivo do recebimento dos embargos, estabelecendo agora que essa solução passa a ser excepcional. Dizem ainda (ob. cit, pg. 281): “Novidade é a previsão contida na alínea c) que respeita à impugnação da exigibilidade ou liquidação da obrigação exequenda. Mas é preciso ter redobradas cautelas na aplicação deste preceito. (…) Daí ter de haver também uma particular exigência na admissibilidade da suspensão da execução por via da norma em análise. Ademais, tem o juiz de considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução. No que respeita à impugnação da exigibilidade, como refere José Lebre de Freitas, a prestação é exigível quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do art. 777-1 CC, de simples interpelação ao devedor. Não é exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação, como é o caso da obrigação de prazo certo que ainda não decorreu (artigo 779.9, CC), sendo o prazo incerto e a fixar pelo tribunal (artigo 777º, nº 2, CC), quando a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (artigos 270º CC e 715.°) ou ainda, quando em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (artigo 428.º CC).” Além da citação de Lebre de Freitas, mencionada no texto que antecede, explica ainda este autor (A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6º ed., pg. 98-99): “O conceito de exigibilidade não se confunde com o de vencimento nem com o de mora do devedor. A obrigação pura cujo devedor não tenha sido ainda interpelado não está vencida e, no entanto, a prestação é exigível (art. 777-1 CC). Por outro lado, pode a prestação ser exigível e a obrigação estar vencida, e, no entanto, não haver mora do devedor: basta que tenha ocorrido mora do credor, por este não ter aceite a prestação ou não ter realizado os atos necessários ao cumprimento (art. 813 CC), quer se trate de obrigação pura em que já tenha sido feita a interpelação (ou a oferta da prestação pelo devedor), quer de obrigação a prazo em que este já tenha decorrido.” Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (CPC Anotado, vol II, pg. 93) esclarecem que “(…) havendo alguma divergência séria em torno da exigibilidade da obrigação ou do montante da quantia exequenda, o prosseguimento da execução, sem a certificação dessas condições de procedência, é suscetível de expor o executado a um risco significativo, justificando, em face das concretas circunstâncias, a suspensão da instância executiva. Para efeitos da aplicação desta previsão, exige-se que o embargante suporte a alegação numa versão factual verosímil, conforme às regras da experiência, apresentando logo meios de prova com forte valor probatório, sob pena de não se poder afastar a regra de que a suspensão da execução apenas se pode obter mediante a prévia prestação de caução (RC 13-11-18, 35664/15 e RP 2-7-15, 602/14).” No caso, a embargante alega que a não suspensão da execução, que tenderá a prosseguir com a penhora parcial do seu ordenando, colocará em risco o sustento da sua família, o que é, por natureza verosímil, pelo menos quanto ao comprometimento da hipótese de satisfação daquelas necessidades, por estar seguramente indiciada a precaridade da situação económica da executada dados os elementos que sobre isso o processo já proporciona: um salário ilíquido mensal de 840,00€ (em 2021, conforme resposta do empregador, a 12/4/2021), a situação familiar, com dois filhos a cargo e as despesas que devem presumir-se para tais circunstâncias de vida. Para além disso, alega que a obrigação exequenda não lhe é exigível, por jamais ter sido interpelada para o seu cumprimento, bem como que, por isso mesmo, ela se encontra prescrita. No caso, não cumpre decidir se ocorre efectivamente uma tal inexigibilidade, nem se se verifica a prescrição da obrigação para cujo cumprimento a executada é demandada. Como antes se referiu, apenas cumprirá ponderar se, nas concretas circunstâncias do caso, atentos os elementos que o processo já proporciona, à luz da alegação da executada e da resposta da exequente, se pode admitir que a prosseguimento da execução expõe a executada a um sério risco de prejuízo económico, perante a possibilidade de não vir a ser responsável pela quantia cujo pagamento lhe é exigido. Para além disso, este juízo de prognose deve ser emitido num contexto cujos termos foram definidos pelo legislador e segundo os quais, no processo executivo, é preponderante o interesse de satisfação do direito do credor, a assegurar por via da efectiva realização do seu crédito, que não deve perigar em razão da duração do processo executivo. Daí que a suspensão da execução seja um efeito excepcional da oposição que lhe seja oferecida pelo executado. Na situação em análise, os documentos complementares às duas escrituras de mútuo celebradas entre a exequente e os executados (dados por reproduzidos supra, sob o ponto 2, na transcrição do requerimento executivo) previam, nas suas cláusulas 14ª e 13ª, o direito de a mutuante Banco ..., ora embargada, declarar vencidas todas as prestações previstas para a restituição das quantias mutuadas em caso de ingresso em incumprimento, insolvência dos mutuários, etc. Não previam, porém, que o vencimento imediato da totalidade das prestações em dívida fosse automático. Por outro lado, o que é pretendido na execução é a cobrança de todo o capital, juros e despesas em dívida, na sequência de ter sido dada por vencida toda a dívida à Banco ..., emergente dos dois contratos de mútuo em questão. Não estamos perante uma obrigação pura, nos termos do art. 777º, nº 1 do C. Civil, pois para o cumprimento desses contratos estava previsto um longo prazo de realização de sucessivas prestações e não o seu vencimento a todo o tempo, mediante mera exigência do credor. Assim, foi a própria Banco ... que considerou vencida a totalidade do capital, juros e despesas, no exercício das prerrogativas que os contratos lhe asseguravam, mediante o respectivo incumprimento. Mas o que se mostra por ora evidenciado é que, para a satisfação das obrigações assim vencidas, jamais parece ter interpelado a executada, mesmo a par ou após a reclamação de créditos dirigida contra o sue ex-marido, no âmbito da respectiva insolvência. Note-se que, conforme resulta dos documentos juntos com o requerimento executivo, quando, em 2012, foi decretada a insolvência do mutuário BB, foi-o também a de CC e não da ora embargante, sendo que só em 14/1/2014 esta foi chamada à participação num processo que envolvia a cobrança dos mútuos de que também era mutuária, no âmbito daquele processo de insolvência e, então, apenas “…na qualidade de ex-cônjuge do(a) insolvente BB para (…) requerer inventário para partilha e separação dos seus bens próprios, bem como a sua meação nos bens comuns, nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs. 1404º do C.P.C., 141º, nº 1, al. b) e 143º do CIRE.” Na sequência dessa citação, a ora embargante/apelante nada requereu e o imóvel que garantia, por hipoteca, a satisfação daqueles mútuos, juros e despesas foi vendido e o capital obtido, em grande medida, foi entregue à ora exequente (cfr. ponto 12 do requerimento executivo transcrito supra). E nada mais revela – não o afirma sequer a exequente – que alguma vez tivesse interpelado a embargante para a satisfação de qualquer dívida ou do seu remanescente. Assim, em face de todo o exposto, o que se mostra indiciado por ora é que, desde a entrada em incumprimento dos contratos de mútuo em causa, toda a iniciativa tendente à recuperação do crédito da exequente foi dirigida contra o co-devedor DD, a par de um completo alheamento quanto à ora executada AA. E isso bem se compreende em função da opção óbvia de perseguição do prédio dado em garantia de cumprimento desse mesmo crédito, opção essa que foi consequente na medida do alcançado. Sem prejuízo disso, o que não se revela é ter sido exigido, ao longo de todo o tempo, desde a entrada em insolvência do co-devedor até ao presente, qualquer pagamento à ora embargante, o que torna pertinentes os seus argumentos de defesa. A tudo isto acresce que, atentos os interesses em presença, a natureza dos bens passíveis de execução e o tempo já decorrido, nada permite afirmar que o prosseguimento imediato da execução é adequado a garantir um interesse superior, qual seja o da efectividade da realização de um direito do exequente, em detrimento de um que deva ceder perante ele, designadamente o de exposição do devedor ao risco e aos efeitos de uma satisfação coerciva de uma obrigação hipoteticamente irreal, seja por inexigibilidade, seja por prescrição. Por todo o exposto, atentas as especificidades da situação concreta sob análise, entendemos que se verificam os pressupostos estabelecidos na al. c) do nº 1 do art. 733º do CPC, em razão do que, tendo sido recebidos os embargos opostos por AA à execução que lhe é movida por Banco ..., S.A., deve determinar-se a suspensão da execução até à decisão dos mesmos embargos, sem dependência de prestação de qualquer caução. * Procederá, nos termos descritos, a presente apelação.Sumariando: ……………………………… ……………………………… ……………………………… 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida que se substitui por outra nos termos da qual, com fundamento no disposto na al. c) do nº 1 do art. 733º do CPC, se determina a suspensão da execução a que os embargos em causa foram opostos, até à respectiva decisão. Custas pela apelada. Registe e notifique. * Porto, 22 de Março de 2022Rui Moreira João Diogo Rodrigues Anabela Miranda |