Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
856/11.1TYCNG-V.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
PRESTAÇÃO DE FACTO INFUNGÍVEL
PRAZO DE CUMPRIMENTO
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RP20240423856/11.1TYVNG-V.P1
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Numa execução para prestação de facto, baseada em sentença que condenou o executado em obrigação positiva infungível, sujeita a prazo, que consistiu na condenação do réu a celebrar escritura de compra e venda de uma determinada fração autónoma, no prazo de 30 dias, não há lugar à extinção da instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, se o executado na pendência da ação vender a fração a um terceiro.
II - Porque se trata de prestação infungível, na falta de cumprimento voluntário do executado (por mora ou incumprimento definitivo da prestação), apenas podem valer as reras gerais da indemnização pelo dano acusado, nos termos do art, 868º nº 1 segunda parte do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 856/11.1TYVNG-V.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 2

Juíza Desembargadora Relatora:

Alexandra Pelayo

Juízes Desembargadores Adjuntos:

Anabela Andrade Miranda

João Proença

SUMÁRIO:

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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:

AA, por si e na qualidade de única herdeira de BB, seu pai, intentou contra a Massa Insolvente da “A... S.A.”  ação executiva para prestação de facto, constituindo o título executivo a  sentença transitada em julgado, proferida em 29.06.2021, pelo 1º Juízo Cível da Maia, que condenou aquela  Massa Insolvente a celebrar, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado, escritura de compra e venda da fração “J” do prédio descrito na CRP da Maia, sob o nº ..., sob pena de pagar a quantia diária de 50€ a título de sanção pecuniária compulsória.

Pede a execução da sanção pecuniária compulsória, para pagamento o valor da sanção pecuniária compulsória que ascende já ao montante de €149.750,00.

Nos autos de embargos de executado apensos, o tribunal recorrido determinou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à intenção do tribunal julgar extinta a execução para prestação de facto, por impossibilidade superveniente da lide, dizendo o que tivessem por conveniente quanto à sanção pecuniária compulsória atendendo a que resulta dos autos de insolvência a que a presente ação está apensa, que a fração que a exequente pretende que lhe seja vendida já foi vendida no âmbito do processo de insolvência.

A executada pronunciou-se no sentido de que deve a presente execução ser extinta por inutilidade superveniente da lide, alegando que a massa não deve ter que pagar qualquer montante a título de sanção pecuniária compulsória porque a escritura não foi realizada por facto imputável à exequente.

A exequente, por outro lado, veio dizer que discorda da intenção do Tribunal em julgar extinta a execução para prestação de facto, entendendo que o tribunal pode e deve determinar a realização da escritura e, depois, se a mesma não for feita pelo Sr. Administrador, terão de ser apuradas responsabilidades e consequências.

Quanto ao determinado pela Sentença dada à execução, no tocante à sanção pecuniária compulsória, reitera-se que competirá à Executada/Embargante e ao Sr. Administrador de Insolvência pagar à Exequente/Embargada o valor da mesma calculada à data em que for realizada a escritura.

Veio a ser proferido nos autos executivos, o seguinte despacho:

Pelo exposto, julga-se extinta a presente execução para prestação de facto por impossibilidade superveniente da lide.

Quanto à execução para pagamento de quantia certa, determina-se que seja aberta conclusão nos autos de embargos apensos.”

Inconformada, a Exequente, AA, veio interpor o presente recurso do Apelação, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“I – O Tribunal a “quo” julgou extinta a presente execução para prestação de facto por impossibilidade superveniente da lide, no entanto, com o máximo e devido respeito, tal entendimento, por dele se discordar, deverá ser reapreciado.

II – Isto porque, na dita decisão recorrida, deu-se por assente, entre outros, os factos 17.º a 19.º, ambos inclusive, no entanto, relativamente ao ponto 19.º de forma alguma o pode ser (dado por assente), pelo que se dá por totalmente impugnado, tal como a sua motivação, porquanto, como consta do item 17.º o pai da recorrente BB faleceu no dia 20.02.2017 (cfr. ponto 17.º), ou seja, antes da prolação do aludido Despacho (15.03.2017) e, naturalmente, antes da pretensa (porque impossível) notificação posterior do mesmo ao dito credor (27.03.2017).

III - A personalidade jurídica extingue-se no momento da sua morte, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 68º do C. Civil. Como tal, nunca o credor poderia ter sido considerado notificado, uma vez que a sua personalidade jurídica já se tinha extinguido.

IV - Além disso, o mandato caduca com a morte do mandante, conforme decorre da alínea a) do art.º 1174º do C. Civil, o que sucedeu.

V - Ademais, não existiu nos autos principais e naquele momento qualquer habilitação do dito BB, nem, noutra perspetiva, qualquer notificação do aludido Despacho à aqui recorrente, que também é parte principal nos autos de insolvência.

VI - Pelas mesmas razões se impugna a motivação deste ponto, isto porque, o auto de apreensão não é, nem pode ser, fundamente para se dar por provada a sobredita factualidade.

VII - Pelo que se requer que o ponto 19.º seja considerado não provado, com todas as demais consequências legais.

VIII - Ainda na dita decisão recorrida, deu-se por assente o ponto 21.º, relativamente ao qual, também de forma alguma o pode ser (dado por assente), pelo que se dá por totalmente impugnado, porquanto, como consta de fls…., a dita escritura foi realizada no dia “….sete de Setembro de dois mil e vinte e um…”, pelo que o mesmo padece de uma lapso relevante na data ali plasmada, que não é 7/7/2021, mas sim 07/09/2021.

IX - Pelo que se requer que o ponto 21.º seja considerado não provado naquele segmento, e provado que foi no dia 07.09.2021 a data da outorga da sobredita escritura, com todas as demais consequências legais.

X - Relativamente aos pontos 15.º (este padece de um manifesto lapso quando remete para o “… despacho proferido em 1. ….” (sublinhado nosso), presumindo-se que se quererá referir ao Despacho aludido em 14.º) e 19. considerados assentes, importa referir que, ao contrário do que sucede no ponto 12.º, neles não é feita qualquer alusão à recorrente, devendo tal factualidade (no sentido de que nenhuma das notificações mencionadas em 15.º e 19.º foi efetuado à recorrente) ser também considerada assente ou, pelo menos, essa realidade, como tal, ser objeto de análise, o que se requer.

XI - Assim, com as requeridas alterações da matéria considerada provada cremos que, sem mais, falecem os argumentos de facto e de direito invocados pelo Tribunal “a quo”, devendo a decisão de extinção de que se recorre ser revertida.

XII - Em qualquer caso, independentemente do mérito que este Venerando Tribunal venha a atribuir às acima pretendidas alterações à matéria de facto, as quais são, aliás, e salvo melhor opinião, até de conhecimento oficioso - art.º 662 do C.P.C., n.ºs 1 e 2, al. c), à contrário (constam do processo todos os elementos) -, sempre teremos de dizer que, mesmo que a decisão dessas alterações seja desfavorável à recorrente, a decisão de extinção da execução para prestação de facto deverá ser revertida.

XIII - Isto porque se entende que, por um lado, ainda é possível essa celebração, atento o facto da escritura celebrada, a nosso ver indevidamente, pelo Sr., Administrador de Insolvência, não ter sido, nem poder ser, objeto de registo predial definitivo a favor da parte que nela configura como comprador.

XIV - Acresce que, o registo da penhora destes autos (Ap. ...) é anterior ao registo (provisório, AP. ...) da escritura celebrada pelo Sr. Administrador, sendo que a dita escritura é posterior ao registo da acção declarativa que deu origem a esta execução (Ap...) – cfr. auto de penhora de fls…. e informação predial - doc. n.º 1.

XV - Além disso, só depois do Sr. Administrador de Insolvência seja incumbido, nesta sede executiva, de celebrar a competente escritura com a recorrente, é que ficaremos a saber se a mesma, efetiva e concretamente, se efetivou ou não e, em caso negativo, por responsabilidade de quem.

XVI - Só nesse momento temporal futuro poderemos então determinar, em toda a sua extensão, o que aconteceu, se a escritura com a recorrente foi ou não realizada e, se não tiver sido, quem foi o responsável por tal incumprimento.

XVII - Deste modo, o nosso entendimento, é no sentido de que deve ser mandada celebrar a escritura em questão e, se necessário para o efeito, deve ser anulada, mais não seja por quem a outorgou, a escritura já celebrada.

XVIII - O que se requer seja decidido, se não antes, pelo menos depois da realização da Audiência Final no apenso de Embargos, e de neste ser discutida e dirimida toda a factualidade controvertida.

XIX - Cremos, pois, ter-se verificado, entre outros, uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais supra identificados, cuja reapreciação se requer, o que deverá levar à revogação da decisão em causa e respetiva substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos também quanto a esta pretensão da recorrente, o que se requer, com todas as consequências legais Termos em que deve ser revogada a douta Sentença recorrida, e substituída por outra que sustente as conclusões da recorrente, com o que se fará a esperada JUSTIÇA.”

Não foram juntas contra-alegações.

O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644.º, n.º 1, 645.º, n.º 1, 647.º, n.º 1 e 852.º do Código de Processo Civil).

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-OBJETO DO RECURSO:

Resulta do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, e 639.º, n.º 1 a 3, do mesmo Código que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso.

As questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes:

-alteração da matéria de facto e;

-inexistência de fundamento para a impossibilidade superveniente.

III-FUNDAMENTAÇÃO:

O tribunal considerou assentes os seguintes factos:

1. Em 30/9/2009 BB e AA intentaram contra “B..., S.A.” que mudou posteriormente a sua designação para “C..., S.A.” uma ação declarativa pedindo que fosse condenada a ré à celebração da Escritura Pública, fixando-se o prazo de 30 dias para a Ré proceder à marcação e realização efetiva da Escritura Pública, com entrega no mesmo prazo de todas as chaves referentes à Fração Autónoma “J”, descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ..., desanexado do n.º …, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., contra o pagamento da quantia de Esc. 2.000.000.$00 (…), aproximadamente € 9.975,96 (…) por parte dos coautores, bem como no pagamento aos coautores da quantia de €50,00 (…) por cada dia de atraso na outorga da Escritura Pública, a título de cláusula penal, ultrapassado e incumprido que se mostre o prazo limite fixado na alínea a), ação essa que veio a correr termos sob o n.º 7734/09.2TBMAI no 1.º juízo cível do tribunal da Maia.

2. Em 27/9/2011 a sociedade “C..., S.A.” apresentou-se à insolvência, tendo sido declarada insolvente por sentença proferida em 29/9/2011, transitada em julgado.

3. Em 24/11/2011 o Sr. administrador da insolvência juntou um auto de Apreensão de bens do qual consta como verba 13 “a fração J – habitação ... (…) descrita na 1.ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ...-J e inscrita na matriz predial urbana com o número ... (…)”.

4. Em 12/12/2011 o Sr. administrador da insolvência apresentou a lista a que alude o art. 129.º do C.I.R.E. reconhecendo a BB e AA um crédito sobre a insolvente no valor de 94.571,95 euros que classificou como garantido respeitante a “Incumprimento de permuta terreno/fração”.

5. No processo mencionado em 1 foi proferido, em 23/1/2012, um despacho com o seguinte teor “Com a declaração de insolvência da R., caducou o contrato de mandato celebrado entre a R. e o Dr. CC - cfr. fls. 198 a 212 e 216 e artº 110º, nº 1, do C.I.R.E. Ao abrigo do artº 33º, do C.P.C., determino que o administrador da insolvência DD seja notificado para, no prazo de 10 dias, vir aos autos constituir advogado, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito a defesa da R.”

6. Em 29/6/2012 foi proferida sentença no processo mencionado em 1 na qual foi decidido: condeno a R. a celebrar a escritura pública sobre o negócio em causa nos autos, fixando-se o prazo de 30 dias para a R. proceder à marcação e realização efetiva da escritura pública, com entrega no mesmo prazo de todas as chaves referentes à fração autónoma “J”, contra o pagamento da quantia de Esc. 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), aproximadamente € 9.975,96 (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), por parte dos A.A., e condeno a R. no pagamento aos A.A. da quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na outorga da escritura pública, a título de cláusula penal, ultrapassado e incumprido que se mostre o prazo limite fixado na alínea a).

7. Em 13/11/2019 foi proferida sentença de reconhecimento e graduação de créditos no apenso de reclamação de créditos que decidiu, entre outras coisas, graduar os créditos quanto a verba 13 da seguinte forma:

- Em primeiro lugar o crédito no valor de €731,84 (setecentos e trinta e um euros e oitenta e quatro cêntimos) reconhecido à Autoridade Tributária respeitante a IMI.

- Em segundo lugar o crédito reconhecido aos credores BB e AA no valor de €94.571,95 por beneficiar de direito de retenção.

8. Em 11/12/2019 a Banco 1... interpôs recurso dessa sentença quanto à parte que julgou verificado, como crédito garantido graduado à frente do crédito hipotecário detido pelo Recorrente, o montante peticionado pelos Credores BB e AA no valor de 94.571,95 euros.

9. Por acórdão do tribunal da Relação do Porto de 14/7/2020 foi julgado improcedente esse recurso.

10. No processo de insolvência foi deprecada a venda por abertura de propostas em carta fechada ao tribunal da Maia das verbas n.º 1 a 16 inclusive apreendidas para a massa insolvente.

11. No tribunal de Maia foi designado o dia 6 de maio de 2014 para a abertura de propostas.

12. Em 2/4/2014 BB e a, aqui, exequente foram notificados pelo tribunal da Maia da data designada em 12 para a abertura de propostas.

13. No dia 6/5/2014 realizou-se a diligência de abertura de propostas em carta fechada, sendo que a Banco 1... apresentou uma proposta para aquisição da verba n.º 13 apreendida para a massa.

14. Nessa data foi proferido o seguinte despacho “Nos termos do Art.º 821º, nº 3, do Código de Processo Civil considero aceite a proposta apresentada pela "A Banco 1... (…)".

15. BB foi notificado em 16/4/2014 do despacho referido em 1.

16. Em 9/6/2014 BB apresentou no apenso A) requerimento pedindo que seja excluída da massa “a verba nº 13, composta pela fração “J” da listagem de bens a vender, e por conseguinte, proceder à anulação da proposta apresentada pelo Banco 1... quanta à referida verba no âmbito da abertura de propostas ocorrida no dia 06/05/2014 no âmbito do processo nº 1599/14.0TBMAI, do 1º Juízo Cível da Maia, ou caso assim, V. Exa não entenda, notificar o credor para exercer o seu direito de preferência, previsto no artigo 823º do CPC.”.

17. No dia 20 de fevereiro de 2017 faleceu BB.

18. Em 15/3/2017 foi proferido um despacho no apenso A) que indeferiu o requerido pelo credor BB através do requerimento referido no ponto 16.

19. O credor foi notificado desse despacho, na pessoa do seu Il. Mandatário, em 27/3/2017.

20. Em 11/12/2020 AA intentou contra a massa insolvente da “A... S.A.” a presente execução.

21. No dia 7/7/2021 foi outorgada a escritura de compra e venda respeitante à verba 13 apreendida para a massa conforme certidão junta aos autos de embargos de executado (apenso W) em 22/11/2023.

IV-ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

Insurge-se a Apelante quanto a determinados pontos da matéria de facto que foram julgados assentes com relevância para a decisão, que a seu ver se encontram incorretamente apreciados.

Assim, nas conclusões de recurso II a XI, a Recorrente alega  relativamente ao ponto 19.º que o mesmo não pode subsistir porquanto, como consta do item 17.º o pai da recorrente BB faleceu no dia 20.02.2017 (cfr. ponto 17.º), ou seja, antes da prolação do aludido Despacho (15.03.2017) e, naturalmente, antes da pretensa (porque impossível) notificação posterior do mesmo ao dito credor (27.03.2017).

Requer, em consequência que, o ponto 19.º seja considerado não provado, com todas as demais consequências legais.

Decorre do disposto no art.º 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa." (sublinhado nosso).

A “Exposição de Motivos” que acompanhou a Proposta de Lei nº 113/XII salientou o intuito do legislador de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada ao referir que “para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar insuficiente, obscura ou contraditória – são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede  reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”. 

O Tribunal da Relação deve, pois, exercer um verdadeiro e efetivo segundo grau de jurisdição da matéria de facto, sindicando os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou de gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos impugnados diversa da recorrida, e referenciar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acontece que, a apreciação da modificabilidade da decisão de facto é atividade reservada a matéria relevante à solução do caso, devendo a Relação abster-se de conhecer da impugnação cujo objeto incida sobre factualidade que extravase o objeto do processo – sendo propósito precípuo da impugnação da decisão de facto, o de possibilitar à parte vencida a obtenção de decisão diversa (total ou parcialmente) da proferida pelo tribunal recorrido quanto à interferência na solução do caso, ou seja, fica a impugnação limitada àquela cuja alteração/modificação se mostre relevante para a decisão a proferir.

Assim sendo, sob pena de estar a levar a cabo atividade inútil, infrutífera, vã e estéril, deve a Relação abster-se de apreciar da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto relativamente a factualidade que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação.[1]

No caso em apreço, o facto ora impugnado, diz respeito à notificação dum despacho proferido no processo de insolvência apenso, ao pai da exequente BB (entretanto falecido) que recaiu sobre um requerimento por aquele apresentado naqueles autos de insolvência.

Não se cuidando neste recurso de aferir a validade ou invalidade da venda da fração J efetuada pelo senhor Administrador de Insolvência no âmbito daquela insolvência, tão só aferir quais os eventuais efeitos que decorrem da realização daquela venda, no prosseguimento destes autos de execução, mostra-se indiferente e alheia à sorte desta apelação, tal factualidade.

Com efeito, a apelação tem por objeto apenas aferir da bondade do despacho que julgou extinta a execução para prestação de facto dos autos de insolvência, com fundamento na venda efetuada no âmbito do processo de insolvência, por impossibilidade superveniente da lide.

Não se cuidando aqui de apurar quaisquer vícios, nulidades ou outras irregularidades eventualmente cometidos no âmbito do processo de insolvência apenso, mostra-se totalmente irrelevante para a decisão a proferir, apreciar a impugnação efetuada.

Assim, sob  pena de se estar a levar a cabo atividade inútil,  sendo entendimento da jurisprudência nesta matéria que, nesta situação, deve a Relação abster-se de apreciar da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto relativamente a factualidade que não interfere de modo algum na solução do caso, sendo alheia à sorte da ação, não se conhece por tal motivo da impugnação.

A Apelante defende ainda que na decisão recorrida, deu-se por assente o ponto 21.º, relativamente ao qual, também de forma alguma o pode ser (dado por assente), pelo que se dá por totalmente impugnado, porquanto, como consta de fls…., a dita escritura foi realizada no dia “….sete de Setembro de dois mil e vinte e um…”, pelo que o mesmo padece de uma lapso relevante na data ali plasmada, que não é 7/7/2021, mas sim 07/09/2021.

Requer que o ponto 21.º seja considerado não provado naquele segmento, e provado que foi no dia 07.09.2021 a data da outorga da sobredita escritura, com todas as demais consequências legais.

Ora relativamente a esta questão, não estamos perante um eventual erro de julgamento, mas tão-só de um eventual erro de escrita, o qual é retificável, por mero despacho, nos termos do disposto no art. 613ºnºs 2 e 3 e 614º do C.P.C.

Não constando destes autos a escritura pública mencionada, não é possível a este tribunal de recurso aferir da eventualidade de ocorrência de tal lapso de escrita, relativamente à data em que a escritura pública foi celebrada. Como, porém, a eventual menção da data de forma errónea no despacho sob recurso (que situará a celebração da escritura pública, segundo a apelante, dois meses após a data constante no despacho), nenhuma influência tem na decisão a proferir, remete-se para o tribunal de primeira instância a eventual necessidade de retificação do lapso de escrita.

Diz ainda a Apelante que, relativamente ao ponto 15.º, este padece de um manifesto lapso quando remete para o “… despacho proferido em 1. ….” (sublinhado nosso), presumindo-se que se quererá referir ao Despacho aludido em 14.º.

Efetivamente constata-se que a redação do facto 15, com o seguinte teor: “15. BB foi notificado em 16/4/2014 do despacho referido em 1.”

Referindo-se o facto 1, à instauração da presente execução por aquele BB e pela aqui Apelante, existe um lapso manifesto na redação daquele ponto da matéria de facto.

Não colhe porém a presunção feita pela apelante, de que a remissão é feita para o pinto 14, uma vez que o despacho aludido em 14, segundo consta desse facto, foi proferido em 6.5.2014, data da diligência de abertura de propostas, ou seja em data posterior, logo a notificação não poderia ocorrer em data anterior à prolação do despacho.

Uma vez que não nos foi dado acesso eletrónico ao processo de insolvência, não nos é possível corrigir o lapso de escrita, que se verifica na remissão efetuada no facto 15, nos termos dos artigos 613º e 614º do CPC..

Porém pelas mesmas razões acabadas de apreciar, não contendendo tal lapso com a decisão a proferir quanto ao mérito deste recurso, remete-se igualmente retificação de tal lapso de escrita, ao tribunal de primeira instância.

V-APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS

Através desta ação executiva, que corre por apenso ao processo de insolvência de A..., SA, a exequente, ora apelante cumulou uma execução de prestação de facto – pedindo que o Sr. administrador da insolvência outorgue consigo a escritura de compra e venda respeitante à verba 13 apreendida para a massa insolvente –, bem como uma execução para pagamento de quantia certa – que a massa insolvente lhe pague o valor da sanção pecuniária compulsória que ascende já ao montante de €149.750,00.

O título executivo que apresenta é a sentença judicial, proferida em 27/6/2012 no processo mencionado no ponto 1 dos factos provados, já transitada em julgado, que condenou a ré, ora executada a celebrar a escritura pública quanto à fração “J” descrita na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ..., tendo fixado o prazo de 30 dias para a marcação dessa escritura e que condenou ainda a mesma ré no pagamento de uma cláusula penal no valor de €50,00 por cada dia de atraso na outorga dessa escritura.

Acontece que, na sequência da apreensão de bens no âmbito do processo de insolvência apenso, que incluiu o identificado imóvel, o mesmo veio a ser vendido, do processo insolvência, pelo administrador de insolvência, mediante abertura de propostas realizada em 6.5.2014, tendo a escritura pública da compra e venda sido celebrada no dia 7 de Julho (ou 7 de setembro, a verificar-se o lapso de escrita apontado), do ano de 2021.

Colocou-se assim a questão de saber quais os efeitos da realização da venda executiva no âmbito do processo de insolvência, no decurso da presente execução para prestação de facto, prestação que consistia na venda daquela fração autónoma á aqui exequente.

Tendo sido cumprido o contraditório, relativamente a tal questão, o tribunal recorrido entendeu que tal venda importa a extinção da instância executiva por impossibilidade superveniente da lide, o que determinou.

Não sufragamos, porém este entendimento, por contrário às regras processuais que regem a execução para prestação de facto, mas não pelas razões arguidas pela recorrente.

Senão, vejamos.

No âmbito duma ação executiva para prestação de facto, há que desde logo saber se a obrigação exequenda- constante do título executivo, que no caso é uma sentença judicial – configura uma prestação de natureza positiva (obrigação de faccere) ou de natureza negativa (obrigação de non faccere); se é fungível ou não fungível e se tem prazo certo ou não.

A condenação resultante da sentença exequenda é a seguinte:

“a) condeno a R. a celebrar a escritura pública sobre o negócio em causa nos autos, fixando-se o prazo de 30 dias para a R. proceder à marcação e realização efetiva da escritura pública, com entrega no mesmo prazo de todas as chaves referentes à fração autónoma “J”, contra o pagamento da quantia de Esc. 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), aproximadamente € 9.975,96 (nove mil novecentos e setenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), por parte dos A.A., e

b) condeno a R. no pagamento aos A.A. da quantia de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na outorga da escritura pública, a título de cláusula penal, ultrapassado e incumprido que se mostre o prazo limite fixado na alínea a).”

Estamos assim perante uma obrigação exequenda que constitui uma prestação positiva, de faccere - celebração de escritura pública de venda da fração J aos executados – não fungível – só pelo administrador de insolvência pode ser realizada, e com prazo certo – no prazo de 30 dias a contar da sentença.

Está-se perante um facto fungível, quando a realização do facto pode ser feita por terceiro, que não o devedor, sem qualquer prejuízo para o interesse do credor. O facto é fungível quando a realização do mesmo tanto pode ser feita pelo devedor como por um terceiro, satisfazendo de igual forma o interesse do credor na realização da prestação.

Já se trata de um facto infungível, quando para a realização da prestação é indiferente para o credor quem a realiza. Neste casos, o facto apenas pode ser praticado pelo devedor sem que este possa ser substituído por um terceiro, ou seja a realização d aprestação está necessariamente ligada à pessoa do devedor.[2]

Nesta execução o direito do exequente apenas se concretiza pela prática de um facto positivo – outorga da escritura de compra e venda.

Da natureza da prestação podemos concluir que o direito da exequente apenas se pode concretizar pela prática de um facto positivo e que o mesmo tem natureza infungível, já que apenas o administrador de insolvência,  na qualidade de administrador dos bens incluídos na massa insolvente, que integra a fração autónoma “J” pode dar cumprimento à condenação para si resultante da sentença transitada em julgado proferida no processo 7734/09.2TBMAI.

Em face do incumprimento da ré, (na forma de mora no cumprimento da obrigação) a exequente instaurou a presente execução para prestação de facto, alegando que em momento algum deu, o Sr. administrador da massa insolvente, o devido cumprimento ao previsto na sentença supra referenciada, realizando a escritura em questão, nunca tendo, de igual forma, procedido ao pagamento de quaisquer montantes a título de sanção pecuniária compulsória por tal atraso, igualmente conforme foi decidido na mencionada sentença, a qual ascende, que liquidou, à data da instauração da execução pelo montante de €149.750,00.

A sentença exequenda, como da mesma decorre, condena o réu a celebrar a escritura de compra e venda, fixando o prazo para esse efeito, mais o condenando numa indemnização pela mora no cumprimento da obrigação, que visa precisamente compelir o devedor a cumprir.

Não se trata de uma sentença judicial que tenha sido proferido numa ação declarativa de execução específica, cujo regime, que tem o seu campo de aplicação primordial no âmbito do regime de contrato promessa – cfr. art.830º nº 1 do C.Civil é uma ação declarativa de natureza constitutiva.

A execução específica é o meio que o credor, com direito à prestação de entrega de uma coisa, tem ao seu dispor quando o devedor omite ou recusa essa mesma prestação, podendo recorrer ao tribunal que obriga o incumpridor à sua entrega coerciva.

Diferentemente do que ocorre na ação de execução específica de uma obrigação de contratar que é uma ação declarativa de natureza constitutiva: por ela se opera uma modificação jurídica consistente no suprimento do instrumento contratual omitido, isto é, ela não substituiu apenas a declaração negocial do faltoso, mas o próprio contrato que entre as partes não foi celebrado,[3] a sentença exequenda foi proferida ano âmbito duma ação de natureza declarativa de condenação.

Como ensina Manuel Domingues de Andrade, “ações de condenação são aquelas em que o demandante (autor) se arroga um direito que diz estar ofendido pelo demandado (réu), pretendendo que isso mesmo se declare e se ordene ainda ao ofensor a realização e determinada prestação, como reintegração do direito violado, ou como aplicação e uma sanção legal de outro género”.

Já as ações constitutivas “são aquelas em que o requerente pretende obter a produção dum novo efeito jurídico material, que tanto pode consistir na constituição duma nova relação jurídica, como na modificação ou na extinção duma relação preexistente.”.[4]

Isto posto, a sentença exequenda foi proferida no âmbito duma ação declarativa de condenação, e nela, o tribunal limita-se a condenar o réu a celebrar a escritura de compra e venda, fixando o prazo para esse efeito, mais o condenando numa indemnização pela mora no cumprimento da obrigação, que visa precisamente compelir o devedor a cumprir.

Trata-se, como vimos, da condenação numa obrigação infungível – apenas o administrador da massa insolvente tem poderes para alienar um bem apreendido para a massa – ver arts. tal como definido no artigo 55.º, n.º 1, a), do C. I. R. E.: «além das demais tarefas que lhe são cometidas, cabe ao administrador da insolvência, com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir: a) preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram

Nos termos do artigo 164º, nº 1, do CIRE, “O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão eletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.

Como é sabido, insolvência liquidatária assume-se como ação executiva para pagamento de quantia certa, na qual a liquidação/venda dos bens da massa insolvente integra atividade e objetivo para proceder ao pagamento dos créditos reconhecidos sobre a insolvência - art.ºs 46º, nº 1, 55º, nº 1, al. a) e 172º do CIRE -, depois de satisfeitas as dívidas da massa.

Daí que apenas o Administrador Judicial, enquanto representante da massa Insolvente da sociedade A... S.A. possa cumprir com a obrigação a que foi condenado.

Ora provou-se que no âmbito da execução apensa o mesmo Administrador Judicial, que já se encontrava em incumprimento da  obrigação a que foi condenado – pois não celebrou a escritura pública de compra e venda à exequente no prazo que lhe foi fixado - vendeu a fração autónoma J, não à aqui exequente, tal como estava obrigado por força da sentença exequenda, mas a um terceiro.

A venda em processo de insolvência, tal como a venda executiva não pode deixar de ser considerada como um fenómeno essencialmente processual e com os efeitos de direito substantivo do negócio típico da compra e venda – a venda realizada em sede de liquidação do ativo no processo de insolvência é uma venda judicial, que visa satisfazer não um interesse próprio, mas sim um interesse alheio, o interesse do credor – e tem, por regra, os mesmos efeitos da compra e venda em geral - a propriedade transmite-se para o adquirente por mero efeito do contrato, como seu efeito real (arts. 879º-a) e 408º-1 Código Civil).

Mas então, quais são os efeitos daquela venda a terceiro feita pelo executado no processo de insolvência para esta execução? São causa de extinção da execução, como entendeu o tribunal recorrido?

Recorrendo uma vez mais, á definição dada por Manuel Domingues de Andrade,[5] as ações executivas “são aquelas em que o demandante (neste caso exequente) se arroga um direito que diz estar ofendido pelo demandado (executado), e, em consequência disso, requer as providencias adequados à reintegração efetiva do direito violado ou à aplicação da diversa sanção legal correspondente. Como o próprio nome indica, trata-se nestes casos, de requerer a efetivação dos meios coercivos predispostos no ordenamento jurídico para o caso de violação do direito invocado”.

Passados os 30 dias fixados na sentença, o Sr. Administrador Judicial incumpriu a obrigação a que estava judicialmente obrigado, o que motivou a instauração desta execução.

Instaurada execução, o executado continua obrigado ao cumprimento.

Como afirma Rui Pinto,[6] “Sendo a execução forçada um complexo de atos mais ou menos ingerentes na esfera respetiva, a citação há de mencionar e o procedimento há de permitir, ainda que, o devedor possa realizar voluntariamente o cumprimento em mora”. 

“Apesar da controvérsia doutrinal, é de admitir, que na sequência da citação, o executado ainda cumpra a prestação de facto (fungível ou infungível), a que estava adstrito. Por um lado, se o exequente requereu a prestação por outrem, não vê razão para negar isso ao próprio devedor, mais ainda se isso ocorrer dentro dos 20 dias subsequentes á citação. No caso de o cumprimento, embora iniciado, não poder completar-se nesse período, será de equacionar a possibilidade de o juiz, mediante audição das partes, decretar a suspensão a instância pelo tempo necessário, na condição de o executado cumprir o que restar d aprestação, sob pena de cessar a suspensão”. [7]

No regime procedimental da execução para prestação de facto, o princípio a considerar é o que que “não havendo cumprimento voluntário, a execução do crédito passará por uma solução que dispense a intervenção do executado dado o princípio nemo potest praecise cogita ad factum.

A ocorrência da venda executiva no âmbito do processo de insolvência, em nada contende a presente execução para prestação de facto positivo infungível.

Citado o executado, manteve-se o incumprimento da obrigação, que só por ele próprio podia ser cumprida, uma vez que aquele não veio no prazo de oposição proceder à venda da fração autónoma à Exequente.

Estabelece o nº 1 do art. 868º do CPC, que, 

“1 - Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo.

2 - O devedor é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.

3 - O recebimento da oposição tem os efeitos indicados no artigo 733.º, devidamente adaptado.”

E o artigo 869º do C.P.C estabelece que, “Findo o prazo estabelecido para a oposição à execução, ou julgada esta improcedente, tendo a execução sido suspensa, se o exequente pretender a indemnização do dano sofrido, observar-se-á o disposto no art. 867º”

Daqui decorre que, “quando a execução para prestação de facto tem por objeto um facto infungível, o exequente apenas pode executar o seu direito à indemnização, uma vez que, como se disse, a prestação não pode ser feita por terceiro, mesmo que seja á custa do executado.”[8]

Desta forma em face da situação de incumprimento do executado, incumprimento que se manteve após a sua citação nesta ação executiva, o facto daquele incumprimento se ter tornado em incumprimento definitivo  por impossibilidade da prestação, já que, tal como na compra e venda não executiva, a compra e venda tem como efeitos, essenciais, as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço – efeitos obrigacionais (als. b) e c) do mesmo art. 879º), em nada contende com o prosseguimento da execução.

No caso de obrigação infungível, como a ora em apreço, na falta de cumprimento voluntário da obrigação exequenda, o exequente apenas pode fazer valer as regras gerais da indemnização pelo dano causado, sendo central o disposto no art. 868º nº 1 segunda parte.[9]

Neste caso de prestação infungível, não se mostra possível a realização coativa da prestação por um terceiro.

Daí que a aludida venda não impeça o prosseguimento da presente execução. Poderá eventualmente tal facto, ter influência no prosseguimento ou no julgamento da Oposição á Execução, que não cuidamos aqui de aferir, nem dispomos de elementos para tal.

Resta por último dizer que as regras de registo que a apelante convocou para fundamentar a sua pretensão, não têm o efeito por si pretendido visto que o registo predial, como é sabido, não tem efeito constitutivo.

Desta forma, revoga-se o despacho recorrido, devendo a execução prosseguir os seus ulteriores e normais termos, sem prejuízo da decisão que venha a ser proferida no âmbito dos embargos.

VI-DECISÃO

Pelo exposto em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que dê andamento aos ulteriores e normais termos da execução.

Custas pela apelante, que do recurso tirou proveito (art. 527º nº 1 do CPC).


Porto, 23 de abril de 2024
Alexandra Pelayo
Anabela Miranda
João Proença
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[1] Neste sentido, o acórdão da Relação de Coimbra de 14/01/2014 (Henrique Antunes) e os acórdãos do STJ de 19/05/2021 (Júlio Gomes) e de 14/07/2021 (Fernando Baptista), todos in www.dgsi.pt.
[2] Ver Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Revelo, in A Ação executiva Anotada e Comentada, Almedina, 2ª edição, pg 645.
[3] Ver Ana Prata, “O Contrato-Promessa e o seu Regime Civil”, Almedina, p.979-980.
[4] In Noções Elementares de processo Civil, pg 5 e 7.
[5] Obra citada, pg. 10.
[6] In A ação Executiva, 2020, AAFDL Editora, pg. 1009.
[7] Ver Código de Processo Civil Anotado, de António Santos Geraldes, Paulo Pimenta e luís filipe Pires de Sousa, II volume, pg. 304.
[8] Virgínio Sousa Ribeiro e Sérgio Rebelo, ob cit. 645.
[9] Rui Pinto, ob cit. Pg.1010.