Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ PIEDADE | ||
Descritores: | AUDIÊNCIA PRINCÍPIO DA ORALIDADE PROVA REQUERIMENTO FORMA NULIDADES CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CRIME DE INJÚRIA CONVOLAÇÃO PRESSUPOSTOS | ||
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Nº do Documento: | RP202411131146/20.4KRPRT.P2 | ||
Data do Acordão: | 11/13/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO INTERLOCUTÓRIO E PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO PRINCIPAL | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Em Audiência vigora o princípio da oralidade, os requerimentos respeitantes à produção da prova em Audiência são formulados por via oral no decorrer da mesma e não por meio de requerimento escrito, no “intervalo” entre duas sessões dessa Audiência; II – As nulidades não subsistem nem valem por si, e podem e devem ser supridas pelo Tribunal de 1.ª Instância, ou pelo Tribunal Superior em recurso, não sendo “nulidade”, tudo quanto se quer, mas apenas o que se encontra tipificado na lei processual como integrando esse vício; III – Nem toda a injúria, ocorrida no seio de uma relação ou após o seu término integrará, necessária e forçosamente, o crime de violência doméstica; IV – Não se pode conferir à previsão típica da violência doméstica uma abrangência e extensibilidade que não poderá ter, sob pena de se violarem princípios basilares de um Estado de Direito, como o princípio da tipicidade que impõe, para além do mais, que os factos surjam descritos, de forma sistemática, ordenada e completa, com a indispensável concretização e especificação das acções, e os princípios da necessidade e da subsidiariedade do Direito Penal que implicam a sua actuação apenas na justa medida do razoável e do necessário; V – Não se verificando o crime de violência doméstica, ganham autonomia os factos integrantes do crime de injúrias, que constituem um “minus”, devendo prosseguir o procedimento criminal desde que se verifiquem os restantes requisitos, entre eles a existência de queixa atempada e a suficiente descrição desses factos na acusação. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. Nº 1146/20.4KRPRT.P2 Tribunal Judicial da Comarca do Porto, V.N.Gaia - JL Criminal - Juiz 1 Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca do Porto, V.N.Gaia - JL Criminal - Juiz 1, processo supra referido, foi julgado AA, tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo: “A) No que concerne à parte criminal: 1. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, do art. 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de um ano e dois meses de prisão; 2. Suspendo a execução da pena de prisão, por igual período, sendo a suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regras de conduta, concretamente, ao afastamento do condenado da vítima e a proibição de contactos, por qualquer meio durante o período da suspensão (um ano e dois meses). 3. Mantém-se a medida de coação atualmente vigente: o Termo de Identidade e Residência mantém-se até à extinção da pena – artigo 214.º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Penal. 4. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. B) No que concerne ao arbitramento: 5. Nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, condeno o arguido AA a pagar à ofendida BB a quantia de mil euros”. * Desta Sentença recorreu o Arguido/Condenado AA, formulando as seguintes conclusões:* “1. Nos presentes autos, discute-se um crime de Violência Doméstica, do qual vem pronunciado o arguido. 2. Analisando a sentença proferida, a mesma dá como provados: ● Todos os factos da Pronúncia – factos de 1 a 28; ● Dois factos que resultam da discussão da causa e da apresentação de documentos pelo Requerimento de 29 de Maio de 2023, Número de Entrada CITIUS 35769159 – factos 29 e 30; ● O conteúdo do relatório social – facto 31 ● O Registo Criminal do Arguido – facto 32; 3. A mesma sentença dá como não provados nenhuns factos com relevância para a causa. 4. O arguido apresentou Contestação com 20 artigos, conforme peça apresentada em 31 de Março de 2023, Ref.: de Entrada CITIUS 35255433. 5. Do artigo 1 ao 12 dessa mesma questão discutem-se questões de direito e o enquadramento jurídico da situação a tratar nos autos, sendo especificamente alegada a falta do preenchimento do critério da vitimização (subjugação e diminuição da Assistente), enquanto conceitos a operar na decisão. 6. Jurisprudencialmente e doutrinariamente está universalmente reconhecida a necessidade de haver uma relação entre o agressor e a vítima nos crimes de violência doméstica, relação essa da qual decorre a especialidade do crime por oposição às condutas que geralmente o enformam e que num plano meramente objectivo se confundem com a prática de outros crimes “menores” como, por exemplo, a injúria, a ameaça, a ofensa à integridade física, etc. 7. Nos termos da jurisprudência e doutrina até já analisada nos autos e defendida quer em sede de RAI (Acusação) quer em sede de Contestação (Defesa) - citada supra e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos - é necessário escrutinar características da conduta do arguido, reflexos desta na vítima e a relação de influências e interacção entre ambos a fim de determinar: - O desejo de dominação do agressor e a vontade em subjugar a vítima; - A constrição, de forma reiterada, da dignidade da vítima enquanto pessoa; - O rebaixamento da pessoa no âmbito de uma relação; - A ofensa à saúde psíquica e destruição da personalidade da vítima; - A violação de um particular dever de respeito entre vítima e agressão; - A assimetria de poder no espaço de uma relação; 8. Independentemente de se usar um ou todos os critérios referidos, é uniformemente aceite que o crime não se basta pela conduta do arguido desligada da análise da relação e dos efeitos que aquela conduta tem sobre a vítima, por forma a distinguir este crime dos demais que geralmente o compõem. 9. Foi suportada tal tese com jurisprudência; 10. E factos autonomamente elencados de artigos 13 a 15, 18 e 19 da referida Contestação para cujo conteúdo integralmente se remete. 11. Nenhuma da matéria da Contestação foi transposta para a sentença em recurso, pelo que a mesma é omissa a todas as questões suscitadas pela Defesa, vicissitude essa cominada com a nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal. 12. Tal decorre não só da letra da lei, mas suporta-se também na jurisprudência melhor descrita acima, nomeadamente nos acórdãos 1490/15.2T9FAR.E1 do TR Évora e 825/18.0PBMAI.P1, a contrario do ali decidido mas reconhecendo a essencialidade da pronúncia das questões relevantes à boa decisão da causa, como efectivamente se verifica serem as vertidas em Contestação. 13. A decisão proferida é também inconstitucional por violação do direito de Defesa e as Garantias de Processo Criminal, consagrados no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa. Sem prescindir II – Do erro de julgamento - Factos 5 a 11 e 27 (parcialmente) da matéria dada como provada 14. Conforme fundamentação do aresto em crise, os factos de 5 a 11 (e em decorrência parte do 27) foram suportados com base nas declarações da Assistente. 15. A Assistente, conforme lavrado em Contestação tem um interesse particular no desfecho da causa, relacionado com o andamento processual do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais do filho que tem em comum com o Arguido. 16. Tal sopesa e acresce ao valor probatório das suas declarações que, já de si, são menos substanciais do que as depoimentos das testemunhas, conforme vaticina aliás, o artigo 133º, nº 1 CPP, ao impedi-los de prestar tal prova, em face do seu reconhecido interesse na causa, ainda que por defeito, mas sempre ensombrado pela eventual vindicação do seu papel como vítima. 17. Mais acresce no presente caso, que à vítima foi ainda atribuída uma indemnização por força da condenação do arguido. 18. Do seu depoimento e quanto ao período de convivência em comum é notório o dissabor com o comportamento e prestação do arguido enquanto companheiro - conforme transcrições supra e para as quais integralmente se remete. 19. Com efeito, quando perguntada sobre tal período e sobre se o arguido era agressivo ou tinha algum comportamento atentatório para consigo, apenas refere a falta de contribuição daquele para a economia doméstica e a falta de colaboração para as lides domésticas. 20. Excepção pontual a tal é a referência ao mesmo ter-se dirigido a ela como “inútil”, “barata-tonta” e tê-la criticado por querer tomar demasiados banhos. 21. Tais factos não fazem sequer parte da queixa originalmente apresentada pela Assistente, não têm relevância ou pendor injurioso ou violento o suficiente para valerem por si só e assomam-se como tendo sido introduzidos na narrativa posterior da Assistente como forma de dar continuidade (antecedente) a uma suposta vitimização que, originalmente, redundaria apenas na lesão da sua honra e, como tal, noutra qualificação jurídica de crime não favorável à Assistente em sede dos processos que correm termos no tribunal de família e menores. 22. No entanto não apresenta qualquer fundamento ou concretização de como tais expressões – uma delas até infantilóide e universalmente aceite como ligeiramente jocosa – se consubstanciava numa agressão fáctica que o arguido quisesse perpetrar. 23. Acresce ainda que, quando inquirida sobre o tema, a mesma afirma que só quando recebeu missivas injuriosas no período pós-relacionamento é que terá tido noção de que o Arguido não a respeitaria enquanto mulher (sic e conforme transcrições supra), pelo que afasta assim o suposto efeito vitimizador da conduta do arguido, o que invalida a condenação do mesmo como agressor doméstico no período da convivência conjugal (equiparada) por falta do preenchimento de tipo do ilícito. 24. Com efeito, verifica-se do discurso da Assistente um artificialismo quase dogmático no que concerne à descrição do efeito que as condutas do arguido teriam – “diminuiu-me”, “não me respeitava como mulher”, “retirou-me a dignidade”. 25. Por sua vez, esse mesmo discurso é repetidamente contraditado por outros meios de prova e acabar por se reduzir, quantos aos factos passados durante o período de convivência a uma descrição, pelas palavras da própria Assistente, que não de uma relação de toxicidade e violência, mas tão somente de um binómio conjugal que não funciona e em que uma das partes - ela própria - decide pôr fim à relação. 26. Considera-se ainda que os comportamentos apontados ao arguido são dificilmente reconduzíveis a “maus-tratos”, quando objectivamente considerados – isto é, sem a impressão subjectiva que a suposta vítima lhes imprime. 27. Ou seja, a vítima diz-se de vítima, mas não explica qual a conduta objectivamente vitimizadora, reduzindo-se a episódios corriqueiros de uma vida conjugal com os seus “altos-e-baixos” 28. Por último, considere-se os depoimentos de CC, DD, EE (transcritos supra), que asseveram pela continuidade de um bom relacionamento entre as partes após a separação, quebrando assim com a ideia de que a Assistente vivia subjugada e temente ao Arguido pela violência que o mesmo vinha exercendo sobre si durante a relação; 29. E a prova documental junta pelo Arguido em 29 de maio de 2023 – dois documentos admitidos – os quais demonstram que o Arguido era efectivamente reconhecido à Assistente pelos seus esforços como mãe e companheira – doc. 1; 30. Que uma grande parte das interacções desavindas entre Assistente e Arguido iniciavam-se por questões referentes a dinheiro, a pensões de alimentos e à gestão das visitas do filho e não eram “agressões” gratuitas por parte do último; 31. Demonstrando também que a Assistente iniciava, retorquia e provocava o arguido com o grau de violência verba e psicológica que tenta, em exclusivo imputar ao arguido. 32. Quer-se com isto concluir não que a Assistente haja fora dos padrões normais da mulher média, ou que ela própria fosse a agressora do arguido, mas, na realidade, a relação entre ambas as partes pautou-se exactamente por padrões de normalidade e que a versão dos factos que a mesma vem trazer aos autos é que é dramatizada ao ponto de a pintar como a vítima que nunca na realidade foi. 33. Cai assim por terra a sua credibilidade e qualquer matéria de facto que se dê por provada exclusivamente pelas suas declarações, ademais quando negadas pelo arguido e infirmadas por documentos. III – Do erro de julgamento quanto aos factos - Factos 5 a 11 e 27 (parcialmente) da matéria dada como provada34. De acordo com o facto elencado como 13 da matéria dada por provada, “Durante meio ano após a separação do casal, as mensagens enviadas pelo arguido ... para o seu telemóvel ...... eram muito frequentes” 35. - Conforme se abordou acima, a comunicação repetitiva entre as partes era bidireccional. 36. Para além das chamadas e vídeo chamadas efectuadas pela Assistente para o Arguido, procurou este ainda juntar aos autos, em 29 de Maio de 2023 um documento 3, que demonstrava a dinâmica colaborante do casal e a forma cordata, na maioria das vezes amistosa, com que ambos se tratavam. 37. Por despacho de 7 de Junho de 2023 – Ref.: Citius e Entrada 449150862 – tal documento não foi admitido, sendo que tal decisão está pendente de recurso, entretanto retido no tribunal a quo. 38. No entanto, face ao exposto este facto dado como provado não poderia ser analisado e interpretado, desligado do que o Arguido alegou na sua Contestação: também do lado da Assistente havia uma procura, por vezes incessante de contactos, o que demonstra não uma tentativa do primeiro se imiscuir na vida da última, mas sim uma dinâmica relacional em que ambos tinham procuravam o outro. 39. Nestes termos, o facto a dar como provado teria de ser complementado com a matéria que o arguido verteu nos artigos 14 e 15 da Contestação, dando-se por provado que “A Assistente procurou ativamente o Arguido, tentando restabelecer com aquele uma relação de proximidade.” - Dos factos 14, 16, 18 e 19. 40. Encontram-se incorrectamente julgados os factos 14, 16, 18 e 19, porquanto os mesmos reflectem um envio ou a autoria de várias mensagens/missivas do arguido à Assistente no ano de 2018. 41. Na realidade há duas discussões sob a forma escrita, sendo que todas as diversas mensagens que se referem na sentença são, na realidade, excertos do e-mail a fls. 104 e ss (uma só missiva, à qual correspondem os factos 16, 18 e 19) e excerto de uma conversa do arguido com a assistente a fls. 107 (facto 14). 42. Esse e-mail é enviado à Assistente no contexto de uma discórdia sobre a regulação das responsabilidades parentais e o pagamento de despesas por parte do Arguido. 43. A comunicação a fls. 107, assoma-se como um “desabafo” prolongado, em que o Arguido discorre sobre uma série de questões do casal, mais ou menos íntimas. 44. No entanto, há sempre que enquadrar o momento em que ambas as missivas são enviadas: após anos de relação e o nascimento de um filho, o casal tinha-se separado nesse mesmo ano e encontravam-se a discutir a regulação das responsabilidades parentais do seu filho. 45. O ressentimento do Arguido com o fim da relação é meramente natural e claramente motivado pelo facto de não ter sido ele a acabar a mesma, conforme foi assente de 1 a 4 dos factos provados 46. E nestes termos, o propósito destas mensagens, foi discutir questões pendentes do casal, uma mais legítima através do email a fls. 104 e ss, e outra mais próxima à emotividade do Arguido, mas que, ainda que possivelmente injurioso e ofensivo da Assistente, jamais pretendeu de qualquer forma a sua subjugação, nem a tal seria apto dada a dinâmica que esta havia estabelecido com o Arguido, bem patente nas discussões que ambos tinham e que muitas vezes eram iniciadas pela Assistente. - Facto 21 47. Este facto encontra-se incorrectamente julgado por nele se incluir a expressão “Oh minha grande vaca, eu peço-te dinheiro” que não foi proderida em 5 de Abril, mas sim em resposta à mensagem provocatória da Assistente de 3 de Maio de 2020, em que a Assistente compara toda a família do arguido a “chulos” – vide doc. 2 junto pelo Arguido em 29 de Maio de 2020 48. Da mesma forma: ● “Pensas que sou o babysitter que te liberta para vidas tristes? (…)” ● “Quase que aposto que vais a casa de quem vais atrás da pila” ● “Eu não preciso mesmo de ti para educar o meu filho. Que negligente, a sério…” ● “(…) Olha paga só serves mesmo para pagar contas” Também não é conteúdo de qualquer mensagem trocada em 5 de Abril de 2020, não existindo qualquer prova documental nos autos que suporte tal conclusão. - Facto 22: 49. Dá-se como provado que: “Ainda nesse mesmo ano de 2020, o arguido escreveu as seguintes expressões em mensagens que dirigiu à Assistente: “ - fls 22 (…) -Fls. 23 “Só merda na cabeça das pessoas. Tu é que precisas de psicólogo tarada sexual (…) não aguentam os impulsos emocionais sexuais e emocionais. Cresce mas é” -> este conteúdo é o resto da mensagem de 5 de Abril de 2020, reflectidas no facto 21. - Fls 32 “Só deficientes há minha volta (…) só merda na cabeça das pessoas. Tu é que precisas de psicólogo tarada sexual.” Este conteúdo também corresponde às mensagens de dia 5 de Abril, abordadas no facto 21. Fls 25 “ Não vales nada (…) és um risco para a saúde mental dele.”, “Promoves distúrbios emocionais nele (…) eu não falo mal de ti deficiente” são expressões retiradas de uma mensagem enviada efectivamente pelo arguido, mas cujo conteúdo integral o mesmo juntou como doc. 2 em 29 de Maio de 2023, está reproduzido supra e tem carácter de retorção face a uma discussão com a Assistente. 50. Tem-se assim por provado no facto 22 uma série de condutas do arguido tidas como originais, quando na realidade repete-se o conteúdo (e assim a actividade delitual) já dada por provada noutro momento 51. Por outro lado, consideram-se expressões como sendo injuriosas e directamente atentatórias da Assistente quando as mesmas são, na realidade e conforme prova documental junta pelo Arguido, retorção face ao comportamento da Assistente sobre o filho de ambos, manipulado como forma de atingir o arguido – vide doc. 2, de 29 de Maio de 2020. Facto 24: 52. No e-mail de 15 de Outubro de 2020, discussão sobre as questões omponente financeiras da regulação das responsabilidades parentais, a expressão “Mãe Maquiavélica” não se dirige à Assistente (fls 11, parágrafo central), mas sim à sua mãe e advogada no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais. 53. Conclui-se assim, que no processo de análise da prova documental carregada aos autos, o tribunal a quo cometeu vários erros de leitura e interpretação, tendo replicado a mesma conduta do arguido por várias vezes e em diversas datas, multiplicado assim aquilo que considera ser condutas delituais. 54. De tal erro decorre, obviamente, uma ponderação da prática criminosa, que pela sua repetição e continuidade mal aquilatadas, foi interpretada como mais gravosa do que aquilo dando uma base factual errada sobre a qual aplicar a lei, conduzindo-se a uma solução desconforme à lei. 55. Nestes termos verifica-se que a decisão recorrida, para além da já apontada nulidade por omissão e inconstitucionalidade, padece ainda de erros de julgamento, admitindo que sendo discutível e sujeita à livre apreciação do julgador a questão da credibilidade das declarações da Assistente face à demais prova; 56. Não é sanável a desconformidade entre a decisão de facto e os elementos documentais que registam as supostas agressões escritas, quando é notório que por várias vezes se dá como facto novo aquilo que já foi tido em consideração como provado anteriormente, em exercício que vai penalizar o arguido ao imputar-lhe uma série de condutas só apreensíveis pela leitura errada da prova escrita presente nos autos. 57. Tal erro de julgamento tem de ser corrigido antes que qualquer solução possa ser dada ao caso. 58. Por último, refere-se que está pendente recurso sobre o despacho proferido em 7 de Junho de 2023 - Ref.: Citius e Entrada 449150862 – sobre a admissibilidade de toda prova apresentada pelo arguido em 29 de Maio de 2023 e que a ser admitida altera radicalmente o curso do julgamento. 59. O arguido e ali recorrente desde já manifesta o seu interesse no referido recurso, devendo o mesmo ser tramitado nos moldes ali peticionados, 60. Nestes termos, deve a presente decisão recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que revogando a mesma, ordene a repetição do julgamento para reapreciação da prova nos autos, e na senda do que venha a ser decidido no recurso pendente, a reabertura da audiência para produção da referida prova e aquela que lhe seja atinente”. * Entre duas Sessões da Audiência, foi, em requerimento escrito, pedida pela defesa do arguido, a junção de documentos, tendo sido proferido o seguinte Despacho:“I. Requerimento de 29.05.2023 AA, Arguido nos presentes Autos, veio requerer, nos termos ao Artigo 340.º do Código de Processo Penal, a junção aos autos de 6 documentos: Documento 1: mensagens de 2017, entre arguido e assistente relativas à tese do arguido e dedicatória da tese do arguido; Documento 2: mensagens de 2020, entre arguido e assistente Documento 3: mensagens de 2020, entre arguido e assistente Documento 4: informação clínica forense relativa à assistente, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais e pedidos de esclarecimento ao relatório Documento 5: petição inicial da Ação de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, alegações, ação para resolução de diferendo em questão de particular importância, Documento 6: mensagens de 2012, entre arguido e assistente. (…) No presente caso, constitui objeto do processo a factualidade vertida nos artigos 52.º e seguintes do requerimento de abertura da instrução (para o qual o despacho de pronúncia remete): em suma, um crime de violência doméstica, balizado temporalmente entre agosto de 2015 e outubro de 2020, consubstanciado em injurias/mau trato psicológico. Dispõe o artigo 340.º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal: os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas. Não está pensado, pois, como forma de suprir imprecisões ou deficiências de anterior apresentação dos meios de prova, nem como de forma de suprir inações dos sujeitos que não os apresentaram em momento próprio, mormente na acusação ou na contestação, meios esses que os mesmos já conheciam ou tinham obrigação de conhecer. Na verdade, o Código de Processo Penal estabelece regras precisas quanto a prazos, quer no que diz respeito a notificação do arguido a que alude o art. 313º nº 2 do CPP, quer quanto ao prazo para contestar a que alude o art. 315º nº 1 do CPP, quer quanto ao prazo para adicionamento ou alteração do rol a que alude o art. 316º nº 1 do CPP. Não se pode, em suma, fazer-se da exceção a regra, utilizando o art. 340º do Código de Processo Penal para requerer provas que há muito, potencial ou efetivamente, são do conhecimento do arguido, deixando-se à vontade do requerente aquilo que o legislador não quer. No que concretamente, respeita aos documentos: o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência (artigo 165.º, nº 1, do Código de Processo Penal). Em 18.05.2021, AA foi constituído arguido. Todos os documentos são anteriores a esta data. Em 10.04.2022 foi proferido despacho final no inquérito. Todos os documentos são anteriores a esta data. Em 06.09.2022, foi proferido despacho de abertura da instrução. Todos os documentos são anteriores a esta data. O arguido apresentou contestação em 31.03.2023 e indicou como prova a constante dos autos. Todos os documentos são anteriores a estas datas, pelo que podia e devia o arguido ter junto os documentos (caso os considerasse pertinentes) em sede de inquérito, de instrução ou até mesmo com a contestação. Não é agora, após a audição da assistente, que tais documentos assumiram relevância, tanto mais que os documentos 4 (informação clínica forense relativa à assistente, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais e pedidos de esclarecimento ao relatório ), 5 (petição inicial da Ação de Alteração da Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, alegações, ação para resolução de diferendo em questão de particular importância,) e 6 (mensagens de 2012, entre arguido e assistente) nenhum interesse têm para o objeto dos presentes autos, atenta a antiguidade (2012, sendo que a baliza temporal dos presentes autos a partir de 2015) e à irrelevância para o que aqui se decide (violência doméstica e não regulação das responsabilidades parentais). Também o Documento 3 (mensagens de 2020, entre arguido e assistente) dizem respeito a fotografia e mensagens trocadas entre assistente e arguido (relativas às responsabilidades parentais, alimentação, vestuário e refeições de ambos com o filho) que nenhum interesse têm para objeto do processo e para a boa decisão da causa. Pelo exposto, indefere-se a junção aos autos do Documentos 3, 4, 5 e 6, nos termos do disposto no artigo 340.º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal. Relativamente aos documentos 1 (dedicatória da tese à assistente, as mensagens nenhum interesse têm para a decisão da causa) e 2 (a grande parte das mensagens nenhum interesse tem para a boa decisão da causa, todavia a mensagem da página 5 constitui a mensagem que motivou a resposta do arguido “Oh minha grande vaca eu peço-te dinheiro”, constante do artigo 85.º do requerimento de abertura da instrução, pelo que é de admitir a sua junção), admite-se a sua junção. Pelo exposto admito a junção aos autos dos documentos nº 1 e 2. Os demais extravasam o objeto da pronúncia e não se afiguram indispensáveis à descoberta da verdade e/ ou à boa decisão da causa, nos moldes exigidos pelo artigo 340.º do Código de Processo Penal, pelo que se indefere a sua junção e se determina o seu desentranhamento e devolução ao apresentante.” * Deste Despacho foi interposto recurso, com as seguintes conclusões:“1. Nos presentes autos, discute-se um crime de Violência Doméstica, do qual vem pronunciado o arguido. 2. Para sua defesa, o arguido requereu a junção aos autos de 6 documentos, pelo requerimento apresentado em 29 de Maio de 2023, com o número de entrada CITIUS 35769159, tendo recaído sobre o mesmo a decisão ora em recurso, não admitindo a junção dos documentos 3 a 6. 3. A decisão em causa fundamenta-se com uma junção entre o argumento da extemporaneidade da apresentação e o argumento da sua irrelevância, numa interpretação incorrecta dos artigos 165º, n º 1 e 340º, nº 4 CPC. 4. Nenhum dos referidos argumentos tem qualquer cabimento, como se passa a expor. ** Questão Prévia ** 5. Jurisprudencialmente e doutrinariamente está universalmente reconhecida a necessidade de haver uma relação entre o agressor e a vítima nos crimes de violência doméstica, relação essa da qual decorre a especialidade do crime por oposição às condutas que geralmente o enformam e que num plano meramente objectivo se confundem com a prática de outros crimes “menores” como, por exemplo, a injúria, a ameaça, a ofensa à integridade física, etc. 6. Nos termos da jurisprudência e doutrina até já analisada nos autos e defendida quer em sede de RAI (Acusação) quer em sede de Contestação (Defesa) - citada supra e que aqui se dá por reproduzida para todos os efeitos - é necessário escrutinar características da conduta do arguido, reflexos desta na vítima e a relação de influências e interacção entre ambos a fim de determinar: - O desejo de dominação do agressor e a vontade em subjugar a vítima; - A constrição, de forma reiterada, da dignidade da vítima enquanto pessoa; - O rebaixamento da pessoa no âmbito de uma relação; - A ofensa à saúde psíquica e destruição da personalidade da vítima; - A violação de um particular dever de respeito entre vítima e agressão; - A assimetria de poder no espaço de uma relação; 7. Independentemente de se usar um ou todos os critérios referidos, é uniformemente aceite que o crime não se basta pela conduta do arguido desligada da análise da relação e dos efeitos que aquela conduta tem sobre a vítima, por forma a distinguir este crime dos demais que geralmente o compõem. 8. Acresce que a Assistente, no RAI (para o qual integralmente se remete) e nos artigos supra-mencionados 11, 12, 14 e 15, imputa ao arguido o preenchimento dos critérios referidos anteriormente como suporte à imputação da conduta delitual; 9. E o arguido na sua Contestação – para a qual integralmente se remete – a artigos 13 a 15, mencionados e transcritos supra defende-se, com base em doutrina e jurisprudência daquelas imputações, afirmando ser falso o preenchimento dos mesmos critérios, mais protestando juntar documentos que o demonstram. 10. Os documentos apresentados e não admitidos são: • Doc. 3 - colectânea de mensagens pela qual se pode concluir um clima de colaboração e uma dinâmica equilibrada de pares entre suposta vítima e suposto agressor; • Doc. 4 - cópia dos relatórios periciais que definem essa dinâmica, obtido por perita e com declarações prestadas em contexto de maior isenção quanto ao apuramento de responsabilidades criminais; • Doc. 5 - comprovativo da investida processual em tribunal de Família e Menores contra o Arguido, promovida pela Assistente e à qual este alega, em sua defesa, estarem os presentes autos a servir como fundamento privilegiar as Responsabilidades Parentais em favor da Assistente; • Doc. 6 - registo de interacções anteriores entre o arguido e a Assistente do qual decorre uma melhor delineação da sua personalidade e das experiências por esta vividas, complementando a análise feita à relação entre ambos e contraditando as declarações prestadas pela primeira e beneficiando assim a defesa do Arguido. 11. Integralmente se remete para os mesmos e para o seu conteúdo, mais alegando que conforme deles se retira, a descrição feita no RAI não corresponde à verdade, nomeadamente porque a relação do Arguido com a Assistente não foi pautada por violência constante, supressão da vontade da última ou da sua autonomia, tentativa de subjugação ou qualquer outra forma de diminuição da pessoa, num contexto de violência doméstica. 12. Mais, os documentos suportam a tese da defesa na parte em que comprovam aquilo que o Arguido defende nos mencionados artigos da Contestação, sendo que dos já admitidos até se demonstra o carácter de retorção de algumas interacções entre as partes 13. Por outro lado, os documentos em causa – tal como os aliás admitidos, 1 e 2 juntos ao dito requerimento – servem também para contradizer as declarações da Assistente e, mais do que isso, para demonstrar realidades das quais a mesma diz não ter memória. 14. Consoante as suas declarações prestadas perante o tribunal a quo e registadas pelo sistema informático e de gravação ali em uso, no dia 12 de Maio de 2023, entre as 14:47:49 e as 16:25:46 horas: - Afirma que não sabia que o arguido tinha terminado a tese de mestrado, mas foi ela que a traduziu – doc. 1, cuja junção foi aceite. - Nunca pediu para ajudar a mudar de casa, no entanto em mensagem do doc. 3 pede expressamente ao arguido essa ajuda; - Não se lembra de ter acusado o Arguido de viver à custa de mulheres nem de fazer referências ao pai do arguido, o que também é contraditado pelo doc. 2, cuja junção foi admitida; - Não se lembra da data em que deu início aos processos de Regulação das Responsabilidades Parentais e afirma ter sido o arguido a iniciá-los o que se demonstra ser falso pelo doc. 5 pretendido juntar; - Descreve, inovadoramente, toda uma dinâmica do casal pré e pós separação, infirmado quer pelo doc. 3, quer pelos doc.s 4 e 5. 15. Assim, os documentos juntos para além de demonstração do que realmente acontecia nas interacções entre estas duas pessoas, serve também para abalar a credibilidade das declarações da Assistente/Vítima, que conforme resultou já da produção de prova, é o único meio de prova que se apresenta para demonstração dos casos de abuso continuado referidos no RAI, bem assim como da dinâmica relacional ilícita. 16. Tal é, aliás a regra nos crimes de violência doméstica, em que a versão apresentada da vítima é valorada com especial cuidado dado que maior parte destes crimes são perpetrados entre paredes e na privacidade do lar e do casal, e exactamente por essa especial valoração é essencial avaliar a credibilidade da Assistente, propósito para o qual os documentos em causa estão perfeitamente talhados. 17. Estando ao serviço e comprovando a tese da Defesa e desafiando a do RAI e a prova que o suporta (declarações da Assistente) os documentos em causa são essências à descoberta da verdade, e assim afastam qualquer notoriedade quanto à sua irrelevância ou redundância face à discussão nos autos. Sem prejuízo do que, Do vício de fundamentação do Despacho recorrido e da Violação do artigo 340º, nº 4 CPP e do direito de defesa do Arguido 18. Retira-se do despacho recorrido uma clara confusão de fundamentos para negar o peticionado pelo Arguido, nomeadamente misturando-se um suposto critério de oportunidade – ilegal no actual regime processual – e uma suposta irrelevância dos documentos para a descoberta da verdade. 19. Sem prescindir do que acima se concluiu, e debruçando-nos sobre a página segunda e página terceiras do despacho, verificamos que ali se analisam as datas dos vários momentos processuais – Constituição de Arguido, Despacho de Arquivamento, Abertura de Instrução e Contestação – para concluir que o arguido teria tido já oportunidade de apresentar os documentos em causa. 20. No entanto, conforme se verifica da redacção actual do artigo 340º, nº 4 do CPP, foi revogada a sua alínea a) que era a que versava exactamente sobre a apreciação da oportunidade da apresentação dos documentos ou, na sua redacção anterior: Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa; 21. Notando que ainda que com esta redacção, o critério de oportunidade era subsidiário ao da essencialidade da prova, concluímos que foi desejo expresso do legislador em remover tal limitação da lei. 22. Assim sendo, não tem cabimento qualquer da fundamentação apresentada o despacho em crise no que à tempestividade da apresentação concerne, verificando-se também, que num “repente” argumentativo, se passa desse critério para o da redundância da prova; 23. Argumento que por sua vez não está devidamente analisado, pois como se pode constatar pelo acima exposto, a prova não só era essencial, mas nunca poderia ser dada como “notoriamente irrelevante” critério ainda hoje aplicável, mas que não corresponde aos documentos que o Arguido pretendeu juntar, notando-se que a força fundamental do despacho coube ao requisito legal entretanto revogado. 24. Esta miscigenação de argumentos não pode ser aceite, e é notória a falta de fundamentação da decisão face ao devido escrutínio dos documentos, que reitera-se, eram tanto ou mais essenciais porquanto: I – São referentes às questões a decidir na causa, de acordo com a conformação que lhe é dada pelo RAI e pela Contestação; II – São idóneos a abalar a fé nas declarações da Assistente, única prova produzida quanto ao preenchimento total dos tipos do ilícito em causa; 25. E também não aproveita ao decidido o suporte no artigo 165º, nº 1 do CPP, pois da sua interpretação conjugada com o disposto no artigo 340º, nº 4 CPP, nunca se poderia extrair uma proibição de junção de prova documental para lá dos momentos definidos naquele nº 1 – Inquérito, Instrução ou Contestação. 26. Tal proibição, sob a forma de inadmissibilidade de apresentação documentos – ainda que e apenas quando não essenciais – estava prevista na revogada alínea a) do nº 4 do artigo 340º, reconduzindo-se aquele “dever” do nº 1 do artigo 165º, nº 1 não a mera letra morta, mas ao total prejuízo face ao critério da essencialidade da descoberta da verdade e à eventual sanção processual, caso se verifique um qualquer entorpecimento do processo, conforme aliás se prevê nos casos do artigo 521º CPP, a título exemplificativo. 27. Temos então que o artigo 340º, nº 4 se encontra mal aplicado no que concerne a um suposto critério de oportunidade da apresentação dos documentos, mas também no que toca à “notória falta de essencialidade” das provas a produzir. Por último e sempre sem prescindir 28. Analisando uma última vez estes dois critérios sempre se dirá que os documentos surgem nos autos exactamente após a tomada de declarações da Assistente, que, por aqueles, se pretende contraditar ou sanear em função das seus auto-proclamados esquecimentos. 29. Se não agora, quando poderiam estes documentos ser mais relevantes. 30. E diga-se mais, para aquilatar a veracidade das declarações da Assistente, que desde o início do processo se desafiam – em inquérito, Instrução e Contestação – foi este o momento ideal para para apresentação dos mesmos, pois permitiu que a mesma se desacreditasse e assumisse imprecisões das quais beneficiou o arguido; 31. Sendo que os documentos em causa tornaram-se tanto mais essenciais quanto surgiram no momento ideal do processo para abalar a credibilidade da Assistente, o que obedece não só aos direitos de Defesa do arguido, mas também às regras processuais já amplamente escalpelizadas, e acima de tudo à estratégia processual que lhe é devida e concedida para deflectir as imputações falsas que lhe estão a ser feitas nos autos. 32. Entender como fez o despacho recorrido, na parte em que não admitiu a apresentação dos documentos 3 a 6 indicados, violou o disposto no artigo 340 CPP, nomeadamente por errada aplicação e interpretação do seu número 4, mas também ataca directamente os direitos de defesa do arguido e o disposto no artigo 355, pois aparta da discussão em julgamento a análise completa da prova por declarações da Assistente – que não vai ser contraditada ou saneada nas suas imprecisões pela apresentação dos documentos; 33. Mas também por não permitir ao arguido, nas suas declarações, suportar-se nesses mesmos documentos, enfraquecendo a valoração das suas cuja validade saíria reforçada pelo suporte documental pretendido. 34. Conclui-se assim que pela violação da lei e dos direitos do arguido, está também ferido o despacho recorrido de inconstitucionalidade por violação do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no previsto nos números 1, 5 e 7. 35. Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que ordene a admissão de todos os documentos apresentados nos autos, em 29 de Maio de 2023.” * Em 1ª Instância, o MºPº defendeu a improcedência do recurso interlocutório e do recurso da Decisão final.* Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso interlocutório e do recurso da Decisão final.* Também a Assistente defendeu a improcedência dos Recursos.* * Com interesse para a decisão a proferir, é o seguinte o teor da Sentença recorrida:* Factos Provados“1. A Assistente e o Arguido iniciaram namoro no ano de 2012. 2. E viveram em união de facto desde agosto de 2015 a fevereiro de 2018. 3. Dessa união nasceu FF, a ../../2016 (documento n.º 1 junto com a queixa). 4. Em fevereiro de 2018, com o final do relacionamento, o Arguido abandonou o apartamento da assistente situado na Rua ..., em Vila Nova de Gaia e regressou a casa da sua mãe. 5. Após o nascimento de FF, o Arguido dizia à Assistente que ela era inútil. 6. Após o nascimento do filho, o Arguido dizia com à Assistente que esta só dormia. 7. A Assistente pediu ao Arguido para ele ficar com o FF para ela tomar banho e o Arguido disse “Ainda ontem tomaste banho!” 8. A Assistente sentia-se sozinha, humilhada e não respeitada. 9. Antes da separação, o Arguido chamou à Assistente “barata tonta”, porque andava de um lado para o outro a tentar fazer as coisas. 10. Para fazer as tarefas domésticas, a assistente levantava-se às 4h 30m. 11. O Arguido disse à Assistente: “acreditas que algum dia vais conseguir terminar o mestrado?”. 12. A Assistente, após o nascimento de FF, era uma pessoa muito fechada e mais magra do que o habitual. 13. Durante meio ano após a separação do casal, as mensagens enviadas pelo Arguido ... para o seu telemóvel ...... eram muito frequentes. 14. A título de exemplo, uma das mensagens remetidas por WhatsApp em 2018 às 2h 56 m foi a seguinte (fls. 107): “A solução foi acabar uma relação de 7 anos com um filho de 2 anos e rodar com homens para se sentir mulher.” 15. Após cerca de meio ano, as mensagens deixaram de ser tão frequentes. 16. A 08-11-2018, o Arguido enviou diversas mensagens à Assistente do seguinte teor (fls104): “Com o passar dos meses encontra-se tudo na mesma, roupa por lavar, loiça por lavar, casa por arrumar, etc… à exceção que começaste a andar maquilhada e a vestir vestidos todos giros à semana. Por 3 vezes vi esses vestidos e roupas tuas no estendal e a roupa do FF toda suja ao monte no wc!!!” Fui ver o histórico e tens chamadas desta pessoa desde março e pelo que me apercebi ele liga te 2 ou 3 vezes ao dia entre as 12h e as 19h. Certamente que tiveste sexo com ele ou ainda tens hoje em dia”. 17. Só mais tarde a Assistente mudou para a atual morada. 18. Numa altura em que a Assistente estava desempregada o arguido enviou-lhe a seguinte mensagem (fls. 105): 08-11-2018 “Se não concordares sempre tens os tribunais, mas lembra-te que a custódia vai para quem apresenta melhores condições.” 19. Ainda no mesmo dia, disse à Assistente (fls. 106): “(…) não vou estar a pagar a creche para que o tempo livre que tens durante a semana passes com gajos que conheces no ... (…) não vou financiar encontros online (…)” 20. A fls. 37 mensagem de 08-02-2019 dirigido à mãe da assistente: “em dezembro de 2018 disse que sangrava muito e que lhe doía a barriga a alegar que era o período, bem mas quem estuda sexologia forense sabe de antemão que o corrimento vaginal de sangue e a dor abdominal e de cabeça é sintoma de um aborto espontâneo (…). Isto de ter muitos parceiros vai gerando mazelas (…)” 21. Em 5 de abril de 2020 (fls 13 e ss dos autos) o Arguido dirigiu à Assistente várias mensagens através de WhatsApp, de entre as quais: - “cobarde de merda” - “vê lá se aguentas um mês sem foder” - “mulheres começam mesmo a provar que são carne fraca. Por isso que há traições divórcios violência doméstica. Nunca estão saciadas procuram mais e mais depois vem as consequências…” - “Oh minha grande vaca eu peço te dinheiro????? - “pensas que eu sou o teu babysitter que te liberta para vidas tristes? (…) Quase que aposto que vais a casa de quem vais atrás da pila” - “Eu não preciso mesmo de ti para educar o meu filho. Que negligente a sério… (…) Olha paga só serves mesmo para pagar contas.” 22. Ainda nesse ano de 2020, o Arguido escreveu as seguintes expressões em mensagens que dirigiu à Assistente: - Fls. 22 “vida boémia” - Fls. 23 “só merda na cabeça das pessoas. Tu é que precisas de psicólogo tarada sexual (…) Não aguentam os impulsos emocionais sexuais e emocionais. Cresce mas é” - Fls. 24 “Sabes quem és tu? Uma interesseira falsa e agarrada ao dinheiro (…) - Foste a pior pessoa que eu tive na vida - Fls. 25 “Não vales nada (…) És um risco para a saúde mental dele. Promoves distúrbios emocionais nele (…) Eu não falo mal de ti, deficiente” - Fls. 27 “Só uma mente maquiavélica é que faz estas coisas” - Fls. 32 “Só deficientes há minha volta (…) Só merda na cabeça das pessoas. Tu é que precisas de psicólogo tarada sexual” 23. Tratou-se de achincalhar, menosprezar, injuriar, desrespeitar a Assistente na sua dignidade pessoal. 24. Ainda em 15-10-2020, enviou um email à Assistente do seguinte teor (fls.108): - “és uma sanguessuga e parasita” - “mãe maquiavélica” - “vou ter de lhe ensinar a ela e a ti qual é o lugar dum pai na vida dum filho que obviamente não é só para pagar contas e ser baby-sitter de fim de semana enquanto a mãe anda a curtir a vida social dela de mãe solteira e sem responsabilidades a sério.” - “Tu não tens as mesmas condições de proteção, se não pagares ao banco, o fiador se tiver vivo tem de pagar, senão entregas a casa com muitos entregaram na ultima crise.” - “mas à minha custas, com o meu mérito académico e profissional e não com cunhas do Ministério do Ensino Superior para ocupação de vagas públicas como tu me disseste, “o meu pai mexeu os cordelinhos e de 2.º lugar passei para 1.º lugar” em meados de janeiro de 2019. Nem o posto de trabalho que ocupas é por mérito próprio.” - “desdenho-te como mãe” 25. Ao receber estas mensagens a assistente ficava perturbada, ansiosa, irritada, sentia-se inferiorizada. 26. O Arguido dizia em frente ao menor que a mãe tem namorados. 27. O Arguido infligiu maus tratos psíquicos à Assistente, ex-companheira, através das expressões dirigidas contra a mesma, perturbando o seu dia-a-dia, desde o nascimento do filho do casal e até ao final de 2020. 28. Com a conduta descrita, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado, de maltratar psicologicamente a ofendida, após o nascimento de FF (bem como após terminarem o relacionamento), através dos juízos ofensivos da sua honra e consideração pessoal, da perturbação da sua vida pessoal, causando-lhe inquietação e perturbação e lesando-a na sua dignidade pessoal, enquanto mulher, mãe e profissional, apesar de saber que tal conduta lhe era proibida e punível por lei. B) Mais se provou: 29. Antes de o arguido enviar à assistente a mensagem “Oh minha grande vaca eu peço te dinheiro????? (facto nº 21), a assistente enviou ao arguido a seguinte mensagem: “O GG está com a EE porque precisa de dinheiro e casa, o DD arranjou uma CC com casa e carro, só o HH é homem para não andar a aproveitar as mulheres e, no entanto, anda com um monstro. E tu pensa que tipo de homem queres ser e se o teu pai estaria orgulhoso da forma como lidas com este tipo de situações. O teu pai não pedia dinheiro à tua mãe.” 30. Em 01.07.2020, a assistente enviou ao arguido a mensagem: “Seu anormal. Um dia vais pagar tudo e o FF vai saber o chulo que és. Agora deixa-me dormir. Tás bloqueado”. 31. À data dos factos pelos quais vem acusado, AA mantinha, sem alterações assinaláveis, situação socio residencial e familiar igual à presente. O arguido reside com a mãe (67 anos de idade, reformada) e com o descendente (7 anos de idade, frequenta a 1ª classe), fruto do relacionamento com a ofendida, que integra o agregado do arguido, de quinta-feira a domingo (no período da manhã) conforme a regulação do exercício das responsabilidades parentais. O núcleo familiar reside na morada que consta nos autos, sendo a mãe a arrendatária. As dinâmicas intrafamiliares foram descritas como positivas e pautadas por laços de afetividade e coesão. No campo escolar apresentou um percurso investido, concluindo a licenciatura em Criminologia e posteriormente o Mestrado em Logística no .... Segundo o arguido, integrou o Mestrado em Criminologia e o Mestrado em Gestão de Empresas, mas sem os ter concluído. No campo profissional, após um período de 7 anos vinculado ao Exército Português, registou experiências como rececionista/telefonista em estabelecimento de ensino público e como motorista de pesados. Iniciou relação de namoro com a ofendida em fevereiro de 2012, com coabitação a partir de novembro de 2015 em Vila Nova de Gaia, e em ../../2016 nasceu o único descendente do casal. Após rutura relacional, o arguido reintegrou o agregado de origem e o descendente permaneceu com a ofendida, sendo o arguido figura parental presente. AA define-se como um pai presente, ativo e preocupado com o bem-estar do descendente, pelo qual manifesta proximidade afetiva, avaliando-se como bom pai. Segundo o arguido, de novembro de 2020 a junho de 2021, tinha saídas em conjunto com o descendente e com a ofendida, “como amigos” (sic), que mantinham uma relação descrita como cooperante, em benefício do interesse do menor. AA não perspetiva qualquer possibilidade de reconciliação afetiva. Desde 2014 que AA está integrado em empresa, atualmente com vínculo laboral efetivo e com funções de Administrativo no Departamento de Compras, Departamento de Reclamações e Devoluções e Gestão de Armazenamento, auferindo um vencimento mensal líquido de cerca de 1020 euros. O arguido descreve manter investimento na atividade profissional e sentimentos de satisfação perante o seu atual enquadramento laboral. Sinaliza como despesas pessoais fixas mensais as relacionadas com a pensão de alimentos (125 euros), a mensalidade da piscina do descendente (9.50 euros), a prestação do crédito automóvel (176 euros), as prestações de dois créditos pessoais (172 euros) e a comparticipação na economia doméstica do agregado familiar (170 euros), estimando um gasto médio mensal de cerca de 653 euros. O arguido gere o quotidiano em função da atividade profissional, no horário de trabalho das 9h30 às 19h00 de segunda a quarta-feira, e das 9h00 às 18h00 de quinta a sexta-feira, sendo que, por vezes, trabalha alguns períodos aos sábados consoante o volume de trabalho e a sua disponibilidade. Os tempos livres são dedicados ao descendente, privilegiando atividades lúdicas com o mesmo e com os sobrinhos da mesma faixa etária. Aprecia ver séries e ler, referindo que tem aprofundado a temática relacionada com o Direito Penal. Os familiares transmitem uma imagem positiva de AA, enfatizando a dedicação e a prioridade ao filho e a características pessoais que lhe atribuem como honesto, calmo, apaziguador e ponderado. Ao nível familiar é expresso apoio ao arguido. O arguido revelou capacidade para elaborar um juízo de censurabilidade e de gravidade face à sua situação jurídico-penal. AA não equaciona possibilidade de reconciliação e afirma que contacta com a ofendida maioritariamente por correio eletrónico, por questões relacionadas com o descendente. 32. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta”. * Motivação da convicção do Tribunal“De acordo com o disposto no artigo 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal, o Tribunal deve indicar as provas que serviram para fundamentar a sua convicção. A prova produzida foi apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, de acordo com o princípio ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Significa este princípio que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo. O Tribunal alicerçou a convicção probatória referente à factualidade provada na apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida em julgamento, à luz das elementares regras da experiência. Saliente-se, em primeiro lugar, que toda a prova produzida na audiência de julgamento se encontra gravada. Essa gravação, permitindo a ulterior reprodução de toda a referida prova e, assim, um rigoroso controle dos meios de prova com base nos quais o Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto, legitima uma mais sucinta fundamentação desta convicção e torna desnecessário tudo o que vá para além disso. A Assistente BB explicou que iniciou uma relação de namoro com o arguido em 2012 e de coabitação em 2015. O filho de ambos, FF, nasceu em ../../2016. Depois do nascimento de FF (explicando que os problemas surgiram depois de FF nascer) o arguido era ausente e dizia à assistente que só dormia. Chamava a assistente barata tonta (enquanto esta fazia as diversas tarefas que tinha para fazer, levantando-se para tal às 04h00 da manhã) e não ajudava, nem com a casa nem com o filho e chamava-a de inútil. Pediu ao arguido para sair de casa, mas este não saiu logo. Fez as malas que ficaram à porta uma semana. Saiu de casa, mas ficou com as chaves. Depois começaram as mensagens, muitas a insultar, mesmo de madrugada. O telefone do arguido tinha o número ... e o telefone da assistente tinha o número ....... Foi confrontada com fls. 107 (mensagem enviada pelo arguido para a declarante), 104/105 (mensagem enviada pelo arguido para a declarante), fls. 37 verso (enviada pelo arguido para a mãe da declarante, II), fls. 13/17 (mensagens enviada pelo arguido para a declarante), fls. 22/25 (mensagens enviadas pelo arguido para a declarante), fls. 27 (mensagens enviada pelo arguido para a declarante), fls. 32 (mensagem enviada pelo arguido para a declarante), fls. 39/41 (carta enviada pelo arguido à mãe da declarante). Identificou o documento de fls. 108 como sendo o que o arguido enviou para a assistente e para os pais desta. Nunca falou com o arguido acerca das cartas que enviou para a sua mãe (da declarante). Afirmou que ao ler as cartas e mensagens sentiu um grande desrespeito, como mãe, mulher e ser humano. No início pensou que fosse um caso isolado, mas depois continuou dois anos. O filho era pequeno e tinha receio de o deixar com o arguido. Foram momentos de muita ansiedade. Tentou colocar os pais da declarante contra esta. O arguido dizia em frente ao filho “a mãe agora vai namorar, vai ficar ocupada com os namorados”. “Tentou colocar todo o meu círculo contra mim”. A declarante estava a terminar o mestrado e o arguido a terminar o dele e este dizia-lhe “achas mesmo que vais conseguir terminar o mestrado”, acrescentando que o arguido destruiu a sua autoestima. Atualmente as mensagens pararam. O arguido nunca lhe bateu e nunca ameaçou com violência. Vivia no 4º piso e não dava para ver da rua. Estava em modo de sobrevivência. Esta com o arguido e com o filho (por exemplo, em almoços) para estar com o filho e ver o filho, dizendo que os contactos que teve com o arguido foram por causa do filho. A determinada altura mudou de casa e para as mudanças contratou uma empresa, admitindo que possa ter pedido uma “ferramenta” (já não se recorda). Admitiu que uma vez chamou o arguido de chulo e que o tenha chamado de anormal, identificando a mensagem constante do requerimento de 29 de maio de 2023, como sendo sua (quando prestou declarações em 07.06.2023 de forma convincente disse “já andava há quase dois anos a receber mensagens ofensivas. Não aguentei mais.”). O Tribunal acreditou nas suas declarações calmas, serenas, assertivas, corroboradas pelas mensagens juntas aos autos e que visualizou, mostrando-se perturbada pela forma como foi tratada nessas mensagens. As suas declarações foram valoradas na decisão vertida supra. A testemunha JJ não conhece o arguido (apenas de nome) viu a reação da assistente (mais do que uma vez) ao receber mensagens do arguido (viu o nome e era o do arguido, não viu o conteúdo da mensagem) quando já estavam separados: ficou perturbada, com expressão preocupada. Mais tarde viu um email que a assistente lhe mostrou. A assistente estava cansada e a depoente achou que era por causa do bebé. No trabalho nunca se apercebeu de nada. A assistente parecia uma pessoa que se quer distrair, era otimista e uma pessoa equilibrada, não se lamentava. O Tribunal não tem motivo para duvidar das declarações prestadas. A testemunha KK, pai da ofendida BB, tinha uma relação distante com a assistente (soube que a assistente ia ter um filho durante um convívio familiar, quando esta já estava grávida de cinco meses). A determinada altura começou a visitar a assistente cerca de uma vez por mês (o depoente não residia no Porto). A filha não queria falar. O neto do depoente requeria muita atenção, via louça e roupa acumuladas e perguntava-lhe se o companheiro (arguido) ajudava (acrescentando o depoente que acha que o parceiro não ajudava). A assistente estava mais magra do que lhe é normal. Que se recorde, nas visitas que fez viu o arguido uma vez (e este disse-lhe que ia visitar a mãe). Recebeu um email do arguido (que identificou como sendo o de fls. 108) que comprovou que “as coisas não estavam bem”. Continua a visitar a filha, dizendo que, atualmente a filha já “normalizou”. O Tribunal não tem motivo para duvidar das declarações prestadas. A testemunha EE, irmã do arguido, apresentou arguido e assistente em 2012 e descreveu-os como sendo um “casal amoroso”. Antes da separação existiam problemas que levaram à separação, mas foi na pandemia que se tornou complicado porque o irmão esteve seis semanas com o filho, em confinamento e foi aí que “extrapolou”. Viu as mensagens de fls. 202, do ano 2011, dizendo que eram desabafos da Assistente, que não tinha boa relação com a mãe, com o pai nem com o irmão. Desde 2016 esteve meia dúzia de vezes com a assistente e em 2020 de falar com a assistente. Mais afirmou que o arguido ajudava muito em casa, acrescentando que ao sábado a assistente ia para casa da mãe. Mais afirma que “condeno as mensagens” que o arguido/irmão enviou à assistente, para, logo de seguida, dizer: “mas percebo” (dizendo que acha que o irmão estava com bournout parental). Esta testemunha demonstrou que a sua proximidade com o irmão a faz aceitar o seu comportamento, “percebendo-o”, apesar de em abstrato condenar o conteúdo das mensagens em causa. A testemunha CC, cunhada do arguido, afirmou que não notou nenhuma diferença no arguido durante a pandemia, acrescentando: “talvez casado, o normal do confinamento”. O arguido e assistente davam-se. Mesmo após a separação a assistente foi a convívios de família. A mãe do arguido ia ao sábado para casa deste (quando morava com a assistente) ajudar nas limpezas. A assistente ia para casa da mãe. O depoimento desta testemunha em nada abala o depoimento da assistente, sendo que foi esta quem vivenciou o recebimento das mensagens (juntas aos autos e cuja autoria não foi negada) ainda que fosse a convívios com a família do arguido após a separação. A testemunha DD, irmão do arguido, afirmou que convivia com arguido e assistente e que a relação destes era normal. Separaram-se e foram enviadas mensagens, mas o depoente não é coscuvilheiro. A assistente mudou de casa. Sabe porque uma vez o arguido estava alterado porque não sabia onde era a nova morada do filho. Durante o “Covid” o arguido ficou em casa da mãe, durante muito tempo e estava chateado: teve de parar de trabalhar, com FF. Tomou ainda conta da mãe. O Tribunal não tem razões para duvidar das declarações prestadas, que não abalam as declarações da assistente (sendo que foi esta quem vivenciou o recebimento das mensagens, ainda que fosse a convívios com a família do arguido após a separação). O arguido, no exercício de um direito que lhe assiste, optou por prestar declarações no final da audiência de julgamento. Prestou declarações dizendo que teve com a assistente uma relação cordial e com poucas discussões. O arguido era ausente porque estava a trabalhar e tinha o mestrado. Tiveram o desiderato com a rutura e restruturação familiar. Reagiu mal. Considera normais as discussões que teve, dizendo foram só quatro em 2020. O pai faleceu em 02.01.2019. Viu fls. 142/148, afirmando que a branco são mensagens da assistente e a cinza são as suas. Afirmou que esteve com a assistente em 2020 e que esta não tinha medo de si. Relativamente às mensagens constantes do facto nº 22, afirmou que reagiu mal, foi na altura do confinamento. Escreveu a mensagem de facto nº 20. que foi ao psiquiatra. A mensagem “ó minha grande vaca” (facto 21) foi na sequência de uma mensagem que a assistente lhe enviou, em que o arguido sentiu ofendida a memória do pai (constante do requerimento de 29 de maio de 2023). Foi ao médico que disse que podiam ser indícios de bournot parental. Mais afirmou que nunca aconteceu não saber em que casa estava o filho (o que é contrariado pelas declarações do irmão DD). Assim, os factos nº 1, 2, 3 e 4 resultam de forma unânime das declarações da assistente e do arguido conjugadas com o documento junto aos autos a fls. 6 (assento de nascimento). Os factos nº 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 resultam das declarações da assistente. O facto nº 12 resulta das declarações de KK. Os factos nº 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, resultam das declarações da assistente, cotejadas com as mensagens/cartas/emails que o arguido enviou (à assistente e pais da assistente), juntos aos autos a fls. 107, 104, 105, 106, 37, 13, 14, 15, 19, 22, 23, 24, 25, 27, 32, 39, 108/115. O facto nº 25 resulta das declarações da assistente cotejadas com as declarações de JJ, constituindo a perturbação, ansiedade, irritação e sentimento de inferioridade normal decorrência das expressões que foram dirigidas à assistente (cfr. factualidade vertida supra). O facto nº 29 resulta de forma unânime das declarações do arguido, da assistente e das mensagens juntas aos autos com o requerimento de 29 de maio de 2023. Quanto elemento subjetivo (facto nº 28): tendo resultado provados os factos 1 a 27, valorou o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim convencido que o arguido, enquanto Homem médio (nenhuma prova foi feita no sentido de que o mesmo não se insere nesta categoria de Homens), agiu do modo descrito sabendo que a sua conduta causava vergonha, humilhação, ofendendo a honra e a dignidade da ofendida. Acresce que o homem médio sabe perfeitamente que não pode atuar nos termos descritos que fazendo-o está a praticar um crime. E sabendo disso o homem médio, disso sabe o arguido. Por conseguinte, se o homem médio decide, sabendo do exposto, atuar como o arguido atuou é porque age pretendendo molestar psicologicamente a vítima. Acresce que em situações como a dos autos, dizem-nos as regras da experiência comum e da normalidade, que o agente age de forma livre, voluntária e consciente, sendo certo que nenhuma prova se fez no sentido de que o arguido não agiu, nos termos descritos, livre, deliberada e voluntariamente. Por tudo o exposto e resumidamente, conjugando os factos relacionados de 1 a 27, com a prova que a eles conduziu e as regras da experiência comum e da normalidade, não pode o Tribunal deixar de considerar provado o facto relacionado com o elemento subjetivo do tipo, indicado 28. As condições económico-sociais do arguido resultam do relatório social. A ausência de condenações resulta do certificado de registo criminal. Consigna-se que os “demais factos” alegados no requerimento de abertura de instrução (a decisão instrutória – confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto - remete para os factos nº 51 e seguintes desse requerimento) encerram conclusões, matéria de direito ou inócua à decisão a proferir, motivos pelo qual não constam da factualidade vertida supra”. * Qualificação Jurídica“Do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.ºdo Código Penal. O tipo legal do crime de violência doméstica (artigo 152.º do Código Penal) dispõe: 1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal. 2 - No caso previsto no número anterior, se o agente: a) Praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima; ou b) Difundir através da Internet ou de outros meios de difusão pública generalizada, dados pessoais, designadamente imagem ou som, relativos à intimidade da vida privada de uma das vítimas sem o seu consentimento; é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de um a dez anos. Do bem jurídico Pela proficuidade de exposição, analisaremos o bem jurídico seguindo de perto o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-01-2021 (processo nº 69/18.1GAMAC.E1, relator Dr. Moreira das Neves). Apesar de o conceito de bem jurídico – que tem no harm principle da tradição anglo-americana o seu equivalente funcional - não encontrar definição consensual na dogmática penal de matriz europeia continental, a doutrina de referência (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal – Parte Geral, tomo I, pp. 130, Gestlegal, 3.ª Ed., 2019 apud o cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora) vem sustentando que o bem jurídico constitui «a expressão de um interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente reconhecido como valioso». Ou também, que os bens jurídicos são uma combinação de valores fundamentais por referência à axiologia constitucional; que são como entes que visam o bom funcionamento da sociedade e as suas valorações éticas, sociais e culturais. Vêm estas referências a propósito do facto de o crime de violência doméstica, previsto no artigo 152.º do Código Penal, por encerrar uma certa complexidade, ser alvo de alguma controvérsia sobre o bem jurídico que com ele se giza tutelar. Mercê de insuficiências detetadas ao longo do tempo ou até de incompreensões que foram surgindo na prática, o legislador foi introduzindo os ajustamentos que considerou adequados para tornar claro aquele valor, com isso arredando uma visão redutora da criminalização do maltrato do cônjuge ou pessoa equiparada, que a considera(va) como uma espécie de qualificação de outros ilícitos (tuteladores de outros bens jurídicos) em razão da qualidade da vítima. Contrariamente ao que sucede em França o ilícito de violência doméstica do direito português não constitui uma mera qualificação de outros ilícitos típicos que tutelam outros bens jurídicos, em razão da qualidade da vítima. Efetivamente o crime previsto no artigo 152.º do Código Penal visa punir condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual), dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação (conjugal ou equiparada), que se manifestam num exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a liberdade, a honra, etc. do outro, caracterizando-se esse maltrato, nas mais das vezes, por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima, a qual bastas vezes é reduzida ao estado de uma mera «coisa» (neste sentido podem ver-se: Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n.º 2, ano 2002, UAL, págs. 32, 33 e 42 apud o cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora). A evolução da configuração típica deste ilícito evidencia a intenção de com ele se tutelar um amplo feixe de direitos que extravasam o espartilho que a inserção sistemática no Código Penal faz aparentar. Como assim, o bem jurídico protegido parece não se cingir à saúde física, psíquica e mental da vítima, mas antes à sua integridade pessoal (moral e física), com um âmbito não apenas mais amplo, mas também autónomo, arrimado ao que se dispõe no artigo 25.º da Constituição da República. É justamente por referência à tutela da integridade pessoal, umbilicalmente ligada à dignidade da pessoa humana, que o crime de violência doméstica pune as condutas violentas (de violência física, psicológica, verbal e sexual) dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação (conjugal ou equiparada), enquanto manifestações de um exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a honra, a liberdade do outro (nas suas várias dimensões), caracteristicamente gerador de um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima (em que bastas vezes esta surge reduzida a mera «coisa» (neste sentido: Maria Manuela Valadão e Silveira, Sobre o Crime de Maus Tratos Conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n.º 2, ano 2002, UAL, pp. 32, 33 e 42 apud o cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora)). Este referente axiológico entretece-se com questões de natureza cultural, de mentalidades e de índole socioeconómica. A violência conjugal ou equiparada constitui, pois, «uma forma de exercício do poder, mediante o uso da força (física, psicológica, económica, política), pelo que define inevitavelmente papéis complementares: assim surge o vitimador e a vítima. O recurso à força constitui-se como um método possível de resolução de conflitos interpessoais, procurando o vitimador que a vítima faça o que ele pretende, que concorde com ele ou, pura e simplesmente, que se anule e lhe reforce a sua posição/identidade. No entanto, e contrariamente ao comportamento agressivo, o comportamento violento não tem a intenção de fazer mal à outra pessoa, ainda que habitualmente isso aconteça. O objetivo final do comportamento violento é submeter o outro mediante o uso da força» (Madalena Alarcão, (des) Equilíbrios Familiares, Quarteto, 2000, pp. 296 apud o cit. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora). Do tipo objetivo O tipo objetivo do crime em apreço inclui as condutas de violência física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. O elenco legal de maus-tratos é exemplificativo, concretizando o conceito legal de maus-tratos, mas não o esgotando. As “privações da liberdade” e as “ofensas sexuais” incluem-se entre os maus-tratos e os maus-tratos não têm de ser reiterados, podendo tratar-se de um ato isolado (…de modo reiterado ou não - tomando o legislador posição quanto à discutida exigência de reiteração da conduta, existente na versão pretérita do Código Penal). Como se explicou supra, estão incluídas as condutas violentas (de violência ou agressividade física, psicológica, verbal e sexual), dirigidas a uma pessoa especialmente vulnerável em razão de uma dada relação (conjugal ou equiparada), que se manifestam num exercício ilegítimo de poder (de domínio) sobre a vida, a integridade física, a liberdade, a honra, etc. do outro, caracterizando-se esse maltrato, nas mais das vezes, por um estado de tensão, de medo, ou de sujeição da vítima, procurando o vitimador que a vítima faça o que ele pretende, que concorde com ele ou, pura e simplesmente, que se anule e lhe reforce a sua posição/identidade. Tendo em conta o crime imputado, o artigo 152.º, nº 2, do Código Penal dispõe que se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. Consagra, pois, uma agravação do limite mínimo da moldura penal nos seguintes quatro casos: (I) facto praticado contra menor de 18 anos, (2) facto praticado diante de menor de 18 anos, (3) facto praticado dentro do “domicílio comum”, isto é, no local da coabitação e (4) facto praticado no domicílio da vítima nos casos de ex-cônjuge ou agente que tenha mantido relação análoga à dos cônjuges. O propósito do legislador foi o de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica com vítimas menores ou ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítimas “indiretas” dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante dos menores. O legislador quis censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a ação do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas. Do tipo subjetivo O crime em causa exige o dolo, isto é, o conhecimento e vontade de realização da conduta antijurídica, com consciência da ilicitude. Nos termos do artigo 14.º do Código Penal: age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar (dolo direto); age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta (dolo necessário) e quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização (dolo eventual). No presente caso, o arguido está pronunciado da prática de um crime de violência doméstica, do art. 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal. Da factualidade provada supra verifica-se que se mostra preenchido o tipo legal de crime em apreço: existia uma relação com coabitação (factos nº 1 e 2 – sendo que basta para o preenchimento do tipo a existência de uma relação de namoro, ainda que sem coabitação – cfr. alínea b), do nº 1, do artigo 152.º, do Código Penal), da qual nasceu um filho (facto nº 3) e da conduta do arguido resulta a injúria reiterada (lesando a honra e dignidade da assistente, diminuindo-a enquanto mulher, mãe e ser humano). Estes factos preenchem o tipo legal de crime em apreço, porquanto a conduta do arguido evidencia maus tratos psíquicos, comportamento que não exige reiteração e a presente factualidade reveste a gravidade necessária ao seu preenchimento. Apenas acrescentamos que o facto de a ofendida ter enviado as mensagens constantes do facto nº 29 e 30 não afasta o preenchimento do tipo; porquanto, não significa desde logo reciprocidade, já que o contexto descrito não vai nesse sentido e não é de exigir a quem quer que seja que aceite ser reiteradamente ofendido sem reação. Acresce que se preenche o tipo de ilícito subjetivo (facto nº 28). Pelo exposto, resta concluir que o arguido praticou um crime de violência doméstica, do art. 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal”. * Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.* * * Das conclusões delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que o arguido/condenado AA pretende suscitar as seguintes questões:Recurso Interlocutório _ Imprescindibilidade dos documentos não admitidos. Recurso Principal _ Nulidade por omissão de pronúncia; _ Impugnação da matéria de facto; _ Qualificação jurídica dos factos, integração dos factos provados na previsão do art.º 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal. * O recorrente está condenado pela prática de um crime de violência doméstica, na pena de um ano e dois meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita ao afastamento da vítima e à proibição de contactos.* Está também condenado no pagamento à ofendida, a título de indemnização civil, da quantia de 1.000,00€. * Fixado o objecto dos recursos, resumido o dispositivo da decisão recorrida, importa para o caso fazer uma síntese do (já longo) procedimento processual até se chegar à presente fase:O processo iniciou-se com uma queixa formulada por mandatário judicial, em representação da BB, em que se termina dizendo que “deseja proceder criminalmente conta AA pela prática do crime de violência doméstica previsto e punido no art.º 151ª do Código Penal, manifestando desde já o propósito de deduzir indemnização cível”. _ Efectuado o Inquérito, pelo M.º P.º, foi proferido despacho de arquivamento, em que considera, nomeadamente, que “não obstante o quadro de perturbação psicológica apresentado por BB, indicia-se que em mensagens enviadas, designadamente já em Abril / Maio de 2020, o arguido estava desagradado e a expressar-se de forma rude mas não se indicia que tenha adotado conduta correspondente a mau trato, limitação significativa da liberdade de decisão ou que se traduza em séria e relevante anuncio de mal futuro contra a pessoa e bens da denunciante”. Refere-se que “a maioria das mensagens juntas ao processo versam questões sobre despesas/ gastos pretéritos e futuros do ex casal com um filho pequeno em comum; sobre a guarda e cuidados prestados ao filho. Nelas perpassa alguma critica à denunciante, no contexto da rutura e separação, pontuadas,por isso, com algumas expressões depreciativas”, mas concluindo-se que “a conduta do arguido, embora tenha incomodado, inquietado e perturbado a denunciante, não é suficiente e adequada para integrar” o crime de violência doméstica. _ Em representação da entretanto constituída assistente BB foi requerida a realização de Instrução. Nesse R.A.I. procedeu-se à narrativa dos factos que se entendia deverem integrar a acusação. _ Efectuada esta, foi decidida a pronúncia do arguido “pelos factos constantes da acusação alternativa deduzida pelo assistente a fls. 273 v.º a 278 v.º e respectiva incriminação legal”, assim se aderindo na totalidade à acusação formulada em representação da Assistente, sem qualquer alteração (o que suscitaria aqui questões em relação ao respeito pelo princípio do acusatório, uma vez que se está perante um crime público). _ No entanto, pelo arguido foi interposto recurso, julgado improcedente, pelo que a decisão de pronúncia transitou em julgado. _ Prosseguindo o Processo para Julgamento, iniciada a Audiência, no intervalo entre duas sessões da mesma, foi proferido o despacho avulso – na sequência de requerimento do arguido pedindo a junção de 6 documentos –, objecto do recurso interlocutório. _ Finalizada a Audiência, foi proferida a Sentença objecto do recurso principal, onde, sem justificação expressa, se eliminam dos factos provados com base na “Acusação Alternativa”, todas as impressões pessoais, conjecturas e até interrogações que na mesma estavam escritas. Exemplificando, no n.º 14, figura: “a titulo de exemplo, uma das mensagens remetidas por WhatsApp em 2018 às 2h 56 m foi a seguinte (fls. 107): “A solução foi acabar uma relação de 7 anos com um filho de 2 anos e rodar com homens para se sentir mulher”. Nos n.º 67, 68, 69 e 70 do R.A.I., estava escrito: “a titulo de exemplo, uma das mensagens remetidas por watsapp em 2018 ás 2h 56 m foi a seguinte (fls. 107): “A solução foi acabar uma relação de 7 anos com um filho de 2 anos e rodar com homens para se sentir mulher; ora, rodar com homens significa andar com vários, comportamento que é atribuído a uma “prostituta; a hora de envio da mensagem é de madrugada; e, além de não corresponder á verdade, mesmo que fosse, desconhece-se como o Arguido tinha conhecimento disso: andaria a espiá-la, persegui-la na rua ou á porta de sua casa?”. No n.º 16, figura: “a 08-11-2018, o Arguido enviou diversas mensagens à Assistente do seguinte teor (fls104): “Com o passar dos meses encontra-se tudo na mesma, roupa por lavar, loiça por lavar, casa por arrumar, etc… à exceção que começaste a andar maquilhada e a vestir vestidos todos giros à semana; por 3 vezes vi esses vestidos e roupas tuas no estendal e a roupa do FF toda suja ao monte no wc!!!”; “fui ver o histórico e tens chamadas desta pessoa desde março e pelo que me apercebi ele liga te 2 ou 3 vezes ao dia entre as 12h e as 19h. Certamente que tiveste sexo com ele ou ainda tens hoje em dia”. Nos n.º 72, 73, 74, 75 e 76 do R.A.I., estava escrito: “a 08-11-2018, o Arguido enviou diversas mensagens á Assistente do seguinte teor (fls104): “Com o passar dos meses encontra-se tudo na mesma, roupa por lavar, loiça por lavar, casa por arrumar, etc… á exceção que começaste a andar maquilhada e a vestir vestidos todos giros á semana. Por 3 vezes vi esses vestidos e roupas tuas no estendal e a roupa do FF toda suja ao monte no wc!!!”; fui ver o histórico e tens chamadas desta pessoa desde Março e pelo que me apercebi ele liga te 2 ou 3 vezes ao dia entre as 12h e as 19h. Certamente que tiveste sexo com ele ou ainda tens hoje em dia”; ora, daqui denota-se que o Arguido viu o telemóvel da Assistente, certamente que reportado a período em que ainda viviam na mesma casa e efetuou insinuações de que a mesma andaria com alguém; além de que o Arguido devia entrar em casa da Assistente para ver o estado da mesma, dado que a Assistente vivia num 6.º andar, não sendo acessível da rua visão para o estendal e muito menos para o interior da habitação; e, mesmo quando o Arguido recolhia o menor não entrava em casa da Assistente; além de que demorou um mês a devolver a chave de casa á Assistente, podendo ter feito uma cópia da mesma, acedendo assim ao seu interior na ausência da Assistente”. Os factos provados passaram, assim, a ser os supra descritos no nosso relatório que antecede esta parte decisória. * Recurso Interlocutório* Tal como resulta do acima resumido, iniciada a Audiência, no intervalo entre duas sessões da mesma, foi, em requerimento escrito, pedida a junção de seis documentos, ao abrigo do art.º 340, n.º 1, do C.P.P.. Em despacho avulso, também entre as duas sessões da Audiência, foram admitidos os documentos n.ºs 1 e 2, e não admitidos os n.ºs 3, 4, 5 e 6. No recurso, alega-se que os documentos não admitidos “para além de demonstração do que realmente acontecia nas interacções entre estas duas pessoas”, serviam também “para abalar a credibilidade das declarações da assistente/vítima”, e consideram-se os mesmos essenciais à descoberta da verdade, alegando-se que o art.º 340, do C.P.P., foi mal aplicado. Vejamos: Em relação ao ocorrido a este respeito, tem de se começar por observar que a pretensão de junção de documentos foi formulada por escrito, em requerimento avulso, no intervalo entre as duas sessões da Audiência, e não oralmente em sessão de Audiência. Também o despacho que o apreciou, foi formulado avulsamente, entre sessões da Audiência. Este é um procedimento irregular. Isto porque em Audiência – ao contrário das fases processuais anteriores (com excepção do Debate Instrutório) e das posteriores – vigora o princípio da oralidade –, leiam-se os arts. 96, 355 e 360 do CPP. Tal implica que os requerimentos formulados, respeitantes – como era o caso – à produção da prova em Audiência, o sejam por via oral no decorrer da mesma (ficando a constar em Acta, por meio de resumo ou na íntegra), e não por meio de requerimento escrito, no “intervalo” entre duas sessões dessa Audiência. E é fácil de ver a consequência, se tal se permitir: instaurar-se-ão dois procedimentos paralelos, um oral e outro escrito avulso, respeitantes ao mesmo Acto processual. Portanto, a esse respeito, “tão mal andou” – permita-se a expressão – o requerimento formulado como o despacho proferido. O que deveria ter sido feito era determinar que o requerimento fosse formulado em Audiência, ouvir os restantes participantes processuais, e proferir despacho, ficando todo esse procedimento documentado em Acta. Quanto à substância da questão, alega-se no recurso que os documentos se mostram imprescindíveis para a descoberta da verdade, afirmando-se violado o art.º 340 do C.P.P., mas nunca se define com rigor qual o efeito processual que daí se pretende retirar (a alegação de “inconstitucionalidade” não tem cabimento legal, perante o nosso sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade). Sem prejuízo disso, tanto quanto se logra perceber, os documentos não admitidos respeitavam: o n.º 3 a outras mensagens trocadas entre a Assistente e o arguido, relativas às responsabilidades parentais e outras questões relacionadas com o filho, o n.º 4 a uma informação clínica relativa à Assistente, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, o n.º 5 a um requerimento de alteração da regulação dessas responsabilidades parentais, o n.º 6 a outras mensagens trocadas em 2012. Estes documentos não admitidos poderiam revelar alguma importância, no respeitante à interacção e troca de mensagens entre recorrente e Assistente, no contexto de regulação de responsabilidades parentais, mas não se mostram – como se irá ver – imprescindíveis, ou essenciais à decisão da causa, no sentido em que impossibilitem ou impeçam essa decisão. Por estas razões, improcede o recurso interlocutório. * Recurso PrincipalNulidade por omissão de pronúncia Começa-se no Recurso por invocar uma “nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c)” do C.P.P., porque se “apresentou Contestação com 20 artigos” e que do 1 ao 12 “discutem-se questões de direito e o enquadramento jurídico”, e pretende concluir-se que “nenhuma da matéria da Contestação foi transposta para a sentença em recurso, pelo que a mesma é omissa a todas as questões suscitadas pela Defesa”. Vejamos: As nulidades não subsistem nem valem por si, e principalmente, podem e devem ser supridas pelo Tribunal de 1.ª Instância, ou pelo Tribunal Superior em recurso. No caso de invocadas em recurso, só em “ultima ratio” o processo descerá à 1ª Instância para supressão dessa omissão, podendo e devendo este Tribunal supri-la se dispuser dos elementos para isso. Isto porque, com o regime de nulidades, não se pretende impor obstáculos à produção de uma decisão de acordo com a verdade material, mas sim assegurar que a mesma é obtida através dos meios processualmente admissíveis. Daí que não seja “nulidade”, tudo quanto se quer, mas apenas o que se encontra tipificado na lei processual como integrando esse vício (o princípio da tipicidade, ou da legalidade). É isso também que explica as regras estabelecidas na norma invocada, o art.º 379, n.º 2: as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414 (que se reporta ao suprimento da omissão na 1ª Instância, no momento da admissão do recurso). Por outro lado, aqui, sob o pretexto de invocação de nulidade, o que efectivamente se exprime é uma discordância da qualificação jurídica dos factos, não tendo sido atendidos os seus argumentos. A qualificação jurídica dos factos provados irá ser objecto de apreciação, com isso se suprindo eventual omissão a esse respeito. Consequentemente, improcede a invocada “nulidade”. * Impugnação da matéria de factoNo recurso, sob a epígrafe “do erro de Julgamento”, aludem-se aos “factos 5 a 11 e 27 (parcialmente)”, e mais à frente, acrescentam-se os factos 14, 16, 18 e 19, a que se acrescenta depois o 21 e o 22, em argumentação com deficiente organização sistemática (inicia-se esta matéria sob a epígrafe “Do erro de julgamento”, e noutra parte do recurso aborda-se de novo a matéria sob a epígrafe “Do erro de julgamento quanto aos factos”, não se vislumbrado qual a diferença). E, principalmente, mistura-se ao longo de toda a argumentação matéria de facto com matéria de Direito, como por exemplo, quando se refere que “os comportamentos apontados, são dificilmente reconduzíveis a «maus-tratos», quando objectivamente considerados”, “reduzindo-se a episódios corriqueiros de uma vida conjugal com os seus «altos-e-baixos»”, ou quando se qualifica as mensagens “como um «desabafo prolongado em que o arguido discorre sobre uma série de questões do casal, mais ou menos íntimas»”. Efectivamente, mais do que a decisão sobre a matéria de facto, o que na realidade se exprime ao longo da argumentação do recurso é – tal como referido a respeito da questão anterior – uma discordância sobre o decidido em matéria de Direito, contestando-se que a conduta do recorrente, num contexto de discórdia sobre a regulação das responsabilidades parentais e o pagamento de despesas e com respostas e provocações de parte a parte, seja punível como crime de violência doméstica. Ir-se-á, pois, centrar a apreciação do recurso nessa matéria de Direito, improcedendo o recurso em matéria de facto, e mantendo-se a mesma tal como se encontra descrita. * Qualificação jurídica dos factosIntegração dos factos provados na previsão do art.º 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal No recurso – aludindo-se ao alegado na contestação, como resulta do já apreciado – é referida a “especialidade” do crime de violência doméstica, “por oposição às condutas que geralmente o enformam e que num plano meramente objectivo se confundem com a prática de outros crimes “menores” como, por exemplo, a injúria, a ameaça, a ofensa à integridade física, etc.”. Embora se misture – pela forma já caracterizada – matéria de facto com matéria de Direito, contesta-se que a conduta do recorrente preencha a previsão do crime de violência doméstica. Alega-se “a falta do preenchimento do critério da vitimização (subjugação e diminuição da Assistente)”. Argumenta-se que “os comportamentos apontados, são dificilmente reconduzíveis a «maus-tratos», quando objectivamente considerados”, “reduzindo-se a episódios corriqueiros de uma vida conjugal com os seus «altos-e-baixos»”. Acrescenta-se que “grande parte das interacções desavindas entre assistente e arguido iniciavam-se por questões referentes a dinheiro, a pensões de alimentos e à gestão das visitas do filho” e que a “assistente iniciava, retorquia e provocava o arguido com o grau de violência verbal e psicológica que tenta, em exclusivo imputar” ao recorrente. Alega-se, também, que várias expressões surgem desinseridas do contexto, e surgem valoradas mais de uma vez como se fossem novas (“várias vezes se dá como facto novo aquilo que já foi tido em consideração”). Vejamos: A previsão típica em causa é a seguinte na parte que interessa: Artigo 152.º (Violência doméstica) 1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: b) A pessoa de outro (…) sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido (…) uma relação análoga à dos cônjuges. Indo agora aos factos a subsumir a esta previsão, verificamos que quanto à vivência em comum, apenas é considerado provado – de modo vago e genérico, sem se precisar suficientemente quando terão ocorrido – que o recorrente disse à assistente “que ela era inútil”, “esta só dormia”, e, quando pediu ao AA para ficar com o filho enquanto tomava banho, este disse “ainda ontem tomaste banho”. E ainda que lhe chamou “barata tonta” e perguntou-lhe “acreditas que algum dia vais conseguir terminar o mestrado?”. “Factos” destituídos de relevância penal, do ponto de vista do preenchimento da previsão típica acima transcrita. A conduta restante é constituída por mensagens enviadas após a separação deste casal – que viveu em união de facto e teve um filho –, através de “SMS”, “Facebook” e no “Whatsapp”. Não surge descrita qualquer agressão, ameaça de agressão, ou sequer injúria presencial – as únicas condutas presenciais são as já supra caracterizadas, durante a vivência em comum –, toda a conduta ocorrendo à distância, através das referidas redes ou meios de comunicação. Assim, no meio ano seguinte à separação, enviou mensagens, mas apenas é concretizada uma (“a título de exemplo”): “A solução foi acabar uma relação de 7 anos com um filho de 2 anos e rodar com homens para se sentir mulher” (facto n.º 14, situado em 2018). As restantes mensagens que surgem mencionadas, terão ocorrido “após cerca de meio ano”, depois da separação (deduz-se), embora, contraditoriamente, se refira que “deixaram de ser tão frequentes”. Essas mensagens são: “Com o passar dos meses encontra-se tudo na mesma, roupa por lavar, loiça por lavar, casa por arrumar, etc… à exceção que começaste a andar maquilhada e a vestir vestidos todos giros à semana”; “Por 3 vezes vi esses vestidos e roupas tuas no estendal e a roupa do FF toda suja ao monte no wc!!!”; “Fui ver o histórico e tens chamadas desta pessoa desde março e pelo que me apercebi ele liga te 2 ou 3 vezes ao dia entre as 12h e as 19h. Certamente que tiveste sexo com ele ou ainda tens hoje em dia” (facto n.º 16, enviada em 8/11/2018); “Se não concordares sempre tens os tribunais, mas lembra-te que a custódia vai para quem apresenta melhores condições”; “(…) não vou estar a pagar a creche para que o tempo livre que tens durante a semana passes com gajos que conheces no ... (…) não vou financiar encontros online (…) (factos n.º 18 e 19, enviada em 8/11/2018); “em dezembro de 2018 disse que sangrava muito e que lhe doía a barriga a alegar que era o período, bem mas quem estuda sexologia forense sabe de antemão que o corrimento vaginal de sangue e a dor abdominal e de cabeça é sintoma de um aborto espontâneo (…). Isto de ter muitos parceiros vai gerando mazelas (…)” (facto n.º 20, enviada em 8/2/2019); “cobarde de merda”; “vê lá se aguentas um mês sem foder”; “mulheres começam mesmo a provar que são carne fraca. Por isso que há traições divórcios violência doméstica. Nunca estão saciadas procuram mais e mais depois vem as consequências…”; “Oh minha grande vaca eu peço te dinheiro?????”; “pensas que eu sou o teu babysitter que te liberta para vidas tristes? (…) Quase que aposto que vais a casa de quem vais atrás da pila”; “Eu não preciso mesmo de ti para educar o meu filho. Que negligente a sério… (…) Olha paga só serves mesmo para pagar contas.” (facto n.º 21, enviada em 5 de abril de 2020); “vida boémia”; “só merda na cabeça das pessoas. Tu é que precisas de psicólogo tarada sexual (…) Não aguentam os impulsos emocionais sexuais e emocionais. Cresce mas é”; “Sabes quem és tu? Uma interesseira falsa e agarrada ao dinheiro (…); “Foste a pior pessoa que eu tive na vida”; “Não vales nada (…) És um risco para a saúde mental dele. Promoves distúrbios emocionais nele (…) Eu não falo mal de ti, deficiente”; “Só uma mente maquiavélica é que faz estas coisas”; “Só deficientes há minha volta (…) Só merda na cabeça das pessoas. Tu é que precisas de psicólogo tarada sexual” (facto n.º 22, enviada “ainda nesse ano de 2020”); “és uma sanguessuga e parasita”; “mãe maquiavélica”; “vou ter de lhe ensinar a ela e a ti qual é o lugar dum pai na vida dum filho que obviamente não é só para pagar contas e ser baby-sitter de fim de semana enquanto a mãe anda a curtir a vida social dela de mãe solteira e sem responsabilidades a sério.”; “Tu não tens as mesmas condições de proteção, se não pagares ao banco, o fiador se tiver vivo tem de pagar, senão entregas a casa com muitos entregaram na ultima crise.”; “mas à minha custas, com o meu mérito académico e profissional e não com cunhas do Ministério do Ensino Superior para ocupação de vagas públicas como tu me disseste, “o meu pai mexeu os cordelinhos e de 2.º lugar passei para 1.º lugar” em meados de janeiro de 2019. Nem o posto de trabalho que ocupas é por mérito próprio.”; “desdenho-te como mãe” (facto n.º 24, enviada em 15/10/2020). Perante o até agora exposto, tem de se concluir que a única parte da previsão típica que poderia estar em causa é o “infligir maus tratos (…) psíquicos, (…) a pessoa de outro (…) sexo com quem o agente (…) tenha mantido (…) uma relação análoga à dos cônjuges”. Como decorre da letra da lei, e como sublinhado no Ac. do STJ de 30/10/2019 (publicado em www.dgsi.pt) – onde se traça uma extensa caracterização do tipo em causa, e da sua genealogia e evolução de acordo com as sucessivas opções político-legislativas a esse respeito –, a previsão tem na sua base o conceito nuclear de maus-tratos (não físicos, no caso), sendo o preenchimento deste conceito que verdadeiramente distingue a violência doméstica de outras infracções, como a perseguição, injúria ou difamação. E esses maus-tratos – como se refere, densificando o conceito, no citado Acórdão do STJ –, “hão-de assumir-se, ou traduzir-se, em lesões graves, intoleráveis, brutais, pesadas”. No caso, nas mensagens mencionadas, surgem destacadas expressões e imputações inequivocamente injuriosas, ofensivas da honra da assistente. É, no entanto, notório que surgem desinseridas do contexto em que foram enviadas. E esse contexto – extraível dos factos provados no seu conjunto – é o de pós-separação, discussões sobre a guarda, cuidados e contribuição monetária para a criação do filho comum, encontrando-se a decorrer um processo de regulação das responsabilidades parentais. Percebe-se também pelo respectivo teor e pelas respostas que foram consideradas provadas, que se registava uma troca de mensagens com imputações e insultos mútuos, num ambiente de instabilidade, tensão e confronto, à distância. Concretizando, “Antes do AA enviar a mensagem “Oh minha grande vaca eu peço te dinheiro?????”(n.º 21), a BB enviou “o GG está com a EE porque precisa de dinheiro e casa, o DD arranjou uma CC com casa e carro, só o HH é homem para não andar a aproveitar as mulheres e, no entanto, anda com um monstro. E tu pensa que tipo de homem queres ser e se o teu pai estaria orgulhoso da forma como lidas com este tipo de situações. O teu pai não pedia dinheiro à tua mãe” (n.º 29). Em 1/7/2020 a BB enviou ao AA “Seu anormal. Um dia vais pagar tudo e o FF vai saber o chulo que és. Agora deixa-me dormir. Tás bloqueado” (n.º 30). Perante este enquadramento, tem de se considerar que as expressões e imputações proferidas pelo recorrente, através das mensagens em causa, não têm relevância e dimensão suficientes para integrarem o conceito de “maus tratos psíquicos”, justificador da sua subsunção à previsão típica de violência doméstica. São, algumas delas, como já referido, inequivocamente injuriosas. Mas, nem toda a injúria, ocorrida no seio de uma relação ou após o término dessa relação, integrará, necessária e forçosamente, o crime de violência doméstica. É necessário relembrar-se que existe um tipo próprio para essa punição (como se irá ver a seguir). Não se pode conferir à previsão típica da violência doméstica uma abrangência e extensibilidade que não poderá ter, sob pena de se violarem princípios basilares de um Estado de Direito, como o é o princípio da tipicidade, que impõe, para além do mais, que os factos surjam descritos, de forma sistemática, ordenada e completa, com a indispensável concretização e especificação das acções. Como o são também os princípios da necessidade e da subsidiariedade do Direito Penal, que implicam a sua actuação apenas na justa medida do razoável e do necessário. Por estas razões, o recorrente tem de ser absolvido do crime de violência doméstica, por cuja prática se encontra condenado. * Não se verificando o crime de violência doméstica, ganham autonomia – como decorre do já exposto – os factos integrantes do crime de injúrias, que constituem, em relação ao mesmo, um “minus”, devendo prosseguir o procedimento criminal contra os mesmos, desde que se verifiquem os restantes requisitos, entre eles a existência de queixa atempada e a suficiente descrição desses factos na acusação.Sendo o crime de injúrias um crime particular, isto é, dependendo de queixa, a mesma tem de ser efectuada no prazo de 6 meses a partir do conhecimento do facto, sob pena de se extinguir o direito (art.º 115 do C.P.). No caso, a queixa foi efectuada, pela forma já referenciada, em 8/11/2020. Deste modo, com queixa atempada e suficiente concretização no tempo, temos apenas os factos descritos no n.º 24, ocorridos em 15/10/2020, consistentes num envio de um “email” para a Assistente, onde o recorrente escreve que “és uma sanguessuga e parasita”, expressão injuriosa. Também surge a referência de “mãe maquiavélica”, mas não se percebe com clareza se a imputação é dirigida à Assistente ou à mãe daquela, tanto mais que na frase seguinte é escrito: “vou ter de lhe ensinar a ela e a ti qual é o lugar dum pai”. As expressões já reproduzidas, constantes do n.º 21, ocorridas em 5/4/2020, e todas as anteriores, já estão para além do prazo de 6 meses mencionado. As expressões contidas no n.º 22, mostram-se insuficientemente concretizadas no tempo, apenas se mencionando que ocorreram no ano de 2020, desconhecendo-se em que datas. Ora, como é evidente, não se pode “ficcionar” que tenham ocorrido dentro do referido prazo de seis meses, ou seja, depois de 8/5/2020. A isso se opõe os já mencionados princípios da tipicidade e da legalidade, fundamentais no Direito Penal. Regressando à expressão contida no n.º 24, é ofensiva, é injuriosa, e nessa medida punível como crime de injúria. O elemento subjectivo tem de se considerar contido no n.º 28 da matéria provada: o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente (…) através de juízos ofensivos da sua honra e consideração pessoal (…) sabendo que tal conduta lhe era proibida e punível por lei. A previsão preenchida é: “Artigo 181.º Injúria 1 - Quem injuriar outra pessoa, (…) dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias. (…)” “Artigo 182.º Equiparação À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão”. Como temos decidido em casos semelhantes ─cfr. a esse respeito Ac. de 22/02/2017, Proc. Nº 49/15.9GAVNG.P1 ─, não tendo sido deduzida acusação particular, porque não foi dada essa oportunidade por o procedimento seguido a não comportar, isso não pode ser obstáculo a que, não se verificando o crime de violência doméstica, ganhem autonomia os factos integrantes das injúrias e estes possam ser objecto de punição, desde que verificados os restantes requisitos que aqui já se concluiu existirem, quanto à expressão em causa. Acrescente-se que no caso não foi deduzida acusação particular, uma vez que os factos estavam a ser encarados na perspectiva da prática de um crime público, mas não tendo o M.º P.º deduzido acusação pública, foi deduzida uma acusação pela Assistente (a, denominada na pronúncia, “Acusação Alternativa”), acusação essa a que na Decisão Instrutória se aderiu, e serviu de base aos factos considerados provados na Sentença, pela forma já supra caracterizada. Deste modo, os factos referidos integram a prática do crime de injúria p. e p. pelos art.ºs 181, n.º 1 e 182, do C.P., com prisão até 3 meses ou multa até 120 dias. * Espécie e Medida da PenaSendo aplicável em alternativa pena de prisão até 3 meses, ou pena de multa até 120 dias, perante o contexto e pouca gravidade dos factos, mostra-se evidente a opção pela pena de multa. Quanto à respectiva medida, o grau de ilicitude é baixo, considerando o teor da expressão e as circunstâncias em que foi enviada. Diminutas se mostram também as exigências preventivas especiais e gerais, perante a ausência de antecedentes criminais e o tempo já decorrido sobre a prática dos factos, encontrando-se a situação do recorrente e da Assistente mais estabilizada e pacificada. Perante estes factores, mostra-se adequada a pena de 40 dias de multa. Quanto à respectiva taxa diária, considerando o provado no respeitante à situação pessoal e às condições de vida do recorrente – com um vencimento mensal ilíquido de 1020€, residindo com a mãe, tendo o filho consigo de quinta a domingo, pagando uma pensão de alimentos de 125€ e comparticipando nas despesas do agregado –, mostra-se adequado fixá-la em 6€. * Quando à arbitrada indemnizaçãoO art.º 403, n.º 2, do C.P.P., impõe que se retire da procedência do recurso as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida. Foi arbitrada uma indemnização nos termos do art.º 21, da Lei 112/2009, de 16/09, decorrente da condenação por violência doméstica. Não se trata de uma indemnização por responsabilidade civil – não foi deduzido pedido de indemnização civil –, caso em que esta poderia subsistir, como decorre dos art.º 377, n.º 1, e 84, do C.P.P.. Assim, e tratando-se de uma decorrência da condenação pela prática do crime de violência doméstica, não se mantendo essa condenação, também não pode subsistir o arbitramento da indemnização fixada. * Nos termos relatados, decide-se:* * _ Julgar improcedente o recurso interlocutório; _ Julgar parcialmente procedente, nos termos supra relatados, o recurso principal interposto pelo AA, quanto à qualificação jurídica dos factos – improcedendo no restante –, e em consequência: _ Revoga-se a Sentença recorrida, absolvendo-se o AA da prática do crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo do art. 152º, n.º 1, alínea b) do Código Penal. _ Absolve-se, igualmente, o AA da condenação no pagamento à ofendida de 1.000,00 €, ao abrigo do disposto no artigo 21.º da Lei nº 112/2009. de 16/09. _ Condena-se o AA pela prática de um crime de injúrias, p. e p. pelos art.ºs 181, n.º 1, e 182 do C.P., na pena de: 40 dias de multa, à taxa diária de 6€, o que perfaz a quantia de 240€. * Sem custas, devido à parcial procedência.* * Porto, 13/11/2024* * José Piedade Maria Deolinda Dionísio Maria Dolores da Silva e Sousa |