Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | VIEIRA E CUNHA | ||
Descritores: | DANOS NÃO PATRIMONIAIS SÓCIO SOCIEDADE UNIPESSOAL RESSARCIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RP20110405530/08.6TBBAO.P1 | ||
Data do Acordão: | 04/05/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | Se o dano não patrimonial se verificou na pessoa do sócio de uma sociedade, ainda que unipessoal, designadamente por se encontrarem em causa aspectos de natureza afectiva ou psicológica próprios das pessoas físicas, não pode a Autora sociedade unipessoal reclamar para si própria o respectivo ressarcimento, sob pena de manifesta ilegitimidade processual — art° 26° n.ºs 1 e 3 C.P.Civ. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ● Rec. 530-08.6TBBAO.P1. Relator – Vieira e Cunha (decisão de 1ª instância de 24/6/09). Adjuntos –Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recursos de apelação interpostos na acção com processo ordinário nº530/08.6TBBAO, do Tribunal da comarca de Baião. Autora – B…, Ldª. Ré – C…, Ldª. Pedido 1 – a) Que seja condenada a Ré, em alternativa a reparar ou substituir à Autora o bem, com qualidade e sem defeitos; ou 1 – b) a reduzir o preço, em conformidade com a desvalorização resultantes dos ónus ou das limitações do bem. 2 – A indemnizar a Autora da quantia de € 20000, por danos patrimoniais, e € 5000, por danos não patrimoniais, ambos emergentes do contrato. 3 – Que seja declarada a resolução do contrato de compra e venda, com as devidas e legais consequências. Tese da Autora Adquiriu à Ré um veículo pesado de mercadorias, mediante contrato de locação financeira. Desde a data do levantamento do veículo que o mesmo apresentou (e apresenta) sucessivos problemas mecânicos, os quais determinam a respectiva imobilização. Tais problemas não têm sido eficazmente resolvidos pelos serviços de oficina da Ré. Os direitos peticionados encontram abrigo no disposto nos artºs 914º, 921º, 915º (por remissão dos artºs 907º a 910º), todos do C.Civil, a que acresce o dano patrimonial e o dano não patrimonial sofrido pelo representante legal da Autora. A acção não foi contestada, tratando-se no caso de revelia operante. Sentença Na decisão final que proferiu, a Mmª Juiz “a quo” condenou a Ré a reparar ou, se for necessário por não ser possível a reparação, a substituir o veículo automóvel pesado de mercadorias da marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-FB. Mais condenou a ré a pagar à autora a quantia de €20.000 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos e a quantia de €5.000 pelos danos não patrimoniais sofridos. Conclusões do Recurso de Apelação da Ré (resenha): 1 – São inconfundíveis e distintas as personalidades jurídicas da Autora e dos seus legais representantes – cf. Ac.R.L., pº nº 8509/2006.7, de 23/9/2007, in www.dgsi.pt. 2 – O pedido de indemnização por danos não patrimoniais, em nome da Autora, pessoa colectiva, nunca poderia proceder, pela própria qualidade de quem pede e pela própria razão de ser da atribuição dos danos não patrimoniais. 3 – Os danos físicos e psíquicos provados não convêm à personalidade colectiva, antes e apenas à pessoa singular. 4 – Por ausência de dano da Autora, a decisão recorrida violou o disposto nos artºs 70º, 484º e 496º nº1 C.Civ. Factos Julgados Provados em 1ª Instância Encontram-se provados os factos provados constantes da douta alegação da Autora e supra resumidamente descritos. Na parte atinente ao recurso, encontram-se ainda provados os seguintes factos: - O único representante legal da Autora tem tido um desgaste físico e psíquico acima do normal; uma vez que se trata de uma unipessoal, o seu único representante é o sr. D…; - o mesmo representante legal tem vindo a ficar muito afectado psicologicamente, não conseguindo dar cumprimento aos seus deveres profissionais normais e decorrentes da actividade profissional, pelo facto de estar onerado com a renda mensal do bem, que não pode usar devidamente; - assim, sente-se muito triste, angustiado, desorientado, deprimido, sem força para conseguir dar cumprimento aos seus deveres profissionais, tendo que recorrer com frequência ao médico, com problemas de ansiedade e nervosismo. Fundamentos A questão colocada pelo presente recurso de apelação consiste apenas em saber se, no caso concreto dos autos, havia lugar à fixação de indemnização por força de dano não patrimonial. Apreciaremos tal questão. I Como ajustadamente observa a Recorrente, a doutrina tem vindo a reconhecer a possibilidade de ressarcimento de danos não patrimoniais na esfera jurídica de entes colectivos, designadamente de sociedades comerciais.Porque, mais uma vez a par das doutas alegações de recurso, se é certo que esses entes colectivos não podem sofrer dores físicas ou morais, pela própria razão de ser de tais danos, podem as mesmas sofrer perda de prestígio ou reputação, matéria que tanto tem vindo a ser compensada a título de dano não patrimonial, como a título de dano patrimonial indirecto ou reflexo negativo na potencialidade de lucro – cf. S.T.J. 17/11/98 Col.III/127, S.T.J. 19/6/08 Col.II/122, Ac.R.L. 9/9/08 Col.IV/71 ou Ac.R.L. 6/4/06 Col.II/103. Todavia, tais danos não patrimoniais, na esfera jurídica das pessoas colectivas, é de concluir não poderem ser rejeitados em abstracto. As pessoas colectivas gozam dos direitos compatíveis com a sua natureza – artº 12º nº2 C.R.P. Nesses termos, a capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários e convenientes à prossecução dos seus fins, com excepção dos vedados por lei ou dos que sejam inseparáveis da personalidade singular, como estatui o artº 160 nºs 1 e 2 C.Civ. Não se encontram, por isso, excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas direitos de personalidade, como o direito ao bom nome e à honra, na vertente da sua consideração social, a que alude o disposto no artº 26º nº1 C.R.P. Sustentaram também este ponto de vista doutrinal, para além dos supra mencionados, os Acs. S.T.J. 8/3/07, in www.dgsi.pt, pº nº 07B566, relator: Salvador da Costa, e de 27/9/07, na mesma base de dados, pº nº 07B2528, relator: Alberto Sobrinho. Também o Ac.R.L. 23/9/07, in www.dgsi.pt, pº nº 8509/2006-7, relatora: Graça Amaral, citado nas doutas alegações. Note-se que o facto de nos encontrarmos perante sociedades unipessoais por quotas não descaracteriza a respectiva natureza de pessoa colectiva, considerado o sentido lato da expressão, abrangendo, além das pessoas morais, também as sociedades comerciais – e a sociedade Autora é uma sociedade comercial (artºs 270º-A a 270º-G C.S.Com.). II Não há dúvida, pois, que o pedido se fundamenta em alegação da Autora, a qual, por sua vez, se reporta estritamente a aspectos psíquicos e emocionais da personalidade. Como tal, aspectos impossíveis de observar em pessoa colectiva.Desta forma, o pedido estaria votado ao insucesso, se reportado à pessoa do ente colectivo que é a própria Autora. Todavia, a alegação conforma expressamente danos verificados na pessoa singular do único sócio da Autora. Que dizer? Como acertadamente entrevê a Recorrente, não tem a Ré legitimidade para pedir, para si, o ressarcimento de um dano que se verificou na pessoa do seu único sócio – e tal porque as personalidades jurídicas de ambos os entes não se confundem. E se o objectivo da sociedade unipessoal é fazer com que pelas dívidas da sociedade responda apenas o património desta, não já o património do seu único sócio, o qual afecta parte do seu património à sociedade – neste sentido, Meneses Cordeiro, Manual de Direito Comercial, I vol., 2001, pgs. 258 e 259 e artº 1º nº2 D.-L. nº 248/86 de 25 de Agosto, que veio permitir a figura do estabelecimento individual de responsabilidade limitada ou EIRL – então ubi commoda ibi incommoda, isto é, a limitação pelas dívidas também sempre geraria uma verdadeira separação de patrimónios, englobando a separação dos lucros, os quais, em sentido comum, ajurídico, englobam o ressarcimento de danos. Desta forma, apenas a pessoa do sócio, individual e singularmente considerada, estaria em condições de ter intervindo na acção para pedir para si, isto é, para o seu afectado património moral, a quantia que, a título de ressarcimento, a sociedade em nome individual veio pedir. Desta forma, o pedido relativo a danos extra patrimoniais, verificados na pessoa singular do sócio da Autora, sempre se encontraria votado ao fracasso. Mas votado ao fracasso por aplicação de um critério de legitimidade processual, do artº 26º C.P.Civ., o qual, nas acções de condenação, consistirá em ser o Autor a pessoa a quem respeitam directamente os factos que servem de fundamento à pretensão (neste sentido, Antunes Varela, Revista Decana, 122º/249 e 250, e A. Varela, J. M. Bezerra e S. e Nora, Manual, 1ª ed., pgs. 146 e 147). Manifestamente, considerada a tese da Autora, desde logo essa mesma Autora não era sujeito da relação material controvertida, em função do disposto no artº 26º nº3 C.P.Civ., e, por isso, não era parte legítima, relativamente a este concreto segmento do pedido. Ora, a consequência da declaração de ilegitimidade processual de uma das partes, mesmo quanto a uma parte especificada do pedido, é a absolvição da instância do Réu, quanto a essa mesma parte especificada – artºs 288º nº1 al.d), 493º nº2 e 494º nº1 al.e) C.P.Civ. Cumpre declará-lo, dessa forma, no dispositivo. A fundamentação poderá resumir-se por esta forma: I – Não pode ser rejeitada, em abstracto, a possibilidade de ressarcimento de danos não patrimoniais na esfera jurídica de sociedades comerciais, embora restritos a matérias como a perda de prestígio ou reputação (direito ao bom nome e à honra), com reflexo negativo na potencialidade de lucro. II – Se o dano não patrimonial se verificou na pessoa do sócio de uma sociedade, ainda que unipessoal, designadamente por se encontrarem em causa aspectos de natureza afectiva ou psicológica próprios das pessoas físicas, não pode a Autora sociedade unipessoal reclamar para si própria o respectivo ressarcimento, sob pena de manifesta ilegitimidade processual – artº 26º nºs 1 e 3 C.P.Civ. III – Tal ilegitimidade manifesta-se, nas acções de condenação, quando o Autor não é a pessoa a quem respeitam directamente os factos que servem de fundamento à pretensão. Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar procedente, por provado, o recurso de apelação da Ré, e, em consequência, declarar a Autora parte ilegítima quanto ao pedido formulado e relativo aos danos não patrimoniais sofridos pelo respectivo sócio, revogar a condenação da Ré quanto a tal parte do pedido, no valor de € 5000, e absolver, nessa parte, a Ré da instância, no mais mantendo a condenação da Ré, tal como proferida na decisão de que se recorre. Custas a cargo da Autora, na parte proporcional do pedido em que decai. Porto, 5/IV/2011 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa |