Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANA OLÍVIA LOUREIRO | ||
| Descritores: | TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS PRESUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR DOLO DO TRANSPORTADOR | ||
| Nº do Documento: | RP202510272685/15.4T8MTS.P2 | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A forma – pela afirmativa ou pela negativa -, como se devem enunciar na sentença os factos provados ou não provados deve refletir as regras de distribuição dos ónus de alegação e de prova sob pena de, não se atendendo às mesmas, se virem a julgar provados ou não provados factos inúteis à decisão e ou de se omitirem factos essenciais alegados. II - Não obstante a presunção de responsabilidade do transportador pela avaria dos bens expedidos decorrente do artigo 17.º, número 1 da CMR, o expedidor tem o ónus de alegação e prova do dolo do transportador caso pretenda beneficiar do regime especial de responsabilização deste quando atue dolosamente (vg. o afastamento das normas limitadoras da indemnização que está previsto no seu artigo 29.º, ou o prazo alargado de prescrição decorrente do seu artigo 32.º). III - O dolo do transportador a que se refere o artigo 29º da CMR não é de equiparar à mera negligência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo número 2685/15.4 T8 MTS.P2, Juízo local cível de Matosinhos, Juiz 3.
Recorrente: A..., S.A. Recorrida: B..., S.A.
Relatora: Ana Olívia Loureiro Primeiro adjunto: António Mendes Coelho Segunda adjunta: Teresa Sena Fonseca
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório: 1. A..., S.A. propôs em 26-05-2015 ação declarativa de condenação contra B..., S.A. pedindo a sua condenação no pagamento de 17 817, 12 €, para indemnização pelos danos que sofreu em consequência de comportamento da ré que, na qualidade de transportadora encarregada de proceder ao transporte internacional de mercadoria por si produzida e destinada a uma sua cliente sedeada na Suíça, foi responsável pelo estrago dessa mercadoria. Alegou os danos ocorreram porque os bens expedidos eram frágeis e necessitavam de ser transportados em veículo de uso exclusivo e na vertical, do que a ré foi por si advertida, tendo esta, apesar disso, e de forma deliberada, acondicionado a mesma de forma desadequada, para rentabilizar a viagem do veículo que efetuou o transporte. Daí decorreu a deterioração dos produtos transportados, tendo a sua cliente reclamado e obrigado a autora expedir novo transporte para substituir um corrimão danificado bem como a suportar o custo de reparação dos demais bens danificados, que a própria cliente efetuou. Alegou ter interpelado a ré para a indemnizar dos danos sofridos, obrigação que esta não assumiu, mas também não recusou, tendo apenas informado a autora de que a seguradora com que tinha contratado o contrato de seguro com cobertura dos danos decorrentes do transporte se recusara a ressarci-la. Acrescentou, ainda, ter perdido negócios com a cliente em causa, que nunca mais lhe fez encomendas, como antes acontecia, e ter sofrido um dano na sua imagem comercial. 2. Em 26-10-2015 foi proferido despacho em que se notificou a autora para juntar os documentos 6 a 10 referidos na petição inicial “sem prejuízo do prazo de deserção da instância”. A mesma procedeu à sua junção em 6 de novembro de 2015 tendo, em 18-11-2015 sido proferido despacho que julgou que a forma de junção dos mesmos não respeitava o previsto no artigo 6º do DL 280/2103 de 26 de agosto, pelo que não podia ser atendida. De novo foi reiterada a ordem de notificação da autora para juntar tais documentos, por despacho de 05-01-2016. Em 04-07-206 a autora juntou, novamente, quatro fotografias como documentos 7 a 10 e pediu que a menção ao documento número 6 na petição inicial passasse a referir-se ao documento número 12, já junto. A 13-07-2016 foi proferido despacho que determinou que os autos continuassem a aguardar o cumprimento do ordenado a 18-11-2015 e renovado a 05-01-2016, sem prejuízo do prazo de deserção da instância. Em 12-01-2017 a autora juntou, de novo, aos autos os documentos 7 a 10. 3. Em 24-01-2017 foi ordenada a citação da ré, despacho esse cumprido a 27-01-2017. A 03-02-2017 foi junto aos autos o aviso de receção da carta para citação cujo teor, contudo, não é possível consultar no histórico digital dos autos. 4. A ré contestou excecionando a prescrição do direito da autora por terem decorrido mais de dez meses desde a conclusão do serviço até que foi interpelada para a ação por via da citação ou, pelo menos, mais de um ano a contar desde a data e entrega da mercadoria e impugnando os factos alegados pela autora relativos às recomendações que lhe fez sobre os cuidados de acondicionamento e transporte que a mercadoria demandava e alegando que as mercadorias foram carregadas por funcionários da autora para o primeiro camião, tendo o carregamento do segundo, para onde passaram, sido feito nos mesmos moldes. Alegou que recusou ressarcir a autora quando por ela interpelada extrajudicialmente, recusa essa expressa em 3 de junho de 2013 por email e impugnou a alegação de que faltava, na descarga, uma das peças carregadas para transporte bem como a ocorrência dos danos alegados na petição inicial. 5. A autora foi convidada por despacho de 27-07-2017 a responder à matéria de exceção, o que fez em 11-05-2017, alegando que o prazo de prescrição de 10 meses que foi invocado não é aplicável ao contrato dos autos e que, quanto ao prazo de um ano decorrente da aplicação do artigo 32.º da Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada – CMR, o mesmo se suspendeu a partir do dia em que foi realizada a reclamação escrita por sua parte apenas podendo recomeçar a sua contagem a partir do momento em que a ré recusasse, por escrito, tal reclamação e devolvesse os documentos entregues com a mesma, o que nunca veio a ocorrer. Mais alegou que a ré atuou com dolo na forma como acondicionou e efetuou o transporte da mercadoria pelo que o prazo de prescrição aplicável é de três anos, prazo esse que se interrompeu cinco dias após a propositura da ação nos termos do previsto no artigo 323.º, número 2 do Código de Processo Civil. 6. Em 04-07-2017 foi proferida sentença em que se fixou à ação o valor de 17 817, 12 € e se julgou procedente a exceção de prescrição do direito da autora, tendo a ré sido absolvida do pedido. Ali se considerou, na respetiva fundamentação, que “entre o dia 04.06.2013 (data do início da contagem do prazo de prescrição) e o dia 27.01.2017 (data da citação da ré) decorreram mais de 1 e de 3 anos, ou seja, ambos os prazos previstos no art.º 32º, n.º 1, da Convenção CMR, pelo que o direito que a autora pretende exercer se encontra prescrito”, tendo-se julgado que a citação não foi feita antes por facto imputável à própria autora que “não juntou com a petição todos os documentos que deveriam acompanhar a citação e, quando o fez, não respeitou o disposto no art.º 6º da Portaria 280/2013 de 26.08” pelo que “(…) não poderá a autora beneficiar do disposto no art.º 323, n.º 2, do Código Civil". 7. Desta sentença recorreu a autora e, tendo o recurso sido admitido para subir de imediato e nos próprios autos, foi proferido acórdão em 11 de janeiro de 2018 que julgou não verificado o prazo de prescrição. Ali se considerou não ter sido ainda reiniciada a sua contagem após a suspensão determinada pela reclamação da autora, dado que a ré transportadora nunca recusou a reparação dos danos por escrito e nunca devolveu os documentos (no caso fotografias), entregues com tal reclamação. Pelo que foi revogada a sentença e ordenado o prosseguimento dos autos “com audiência final e sentença”. 8. Em 06-03-2018 foi proferido despacho saneador com afirmação da validade e regularidade da instância, identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova. Foram admitidos os meios de prova e foi expedida carta rogatória para inquirição de testemunha residente na Suíça que veio a ser devolvida em 16 de novembro de 2021, após cumprimento. 9. Desde essa data e até 13-02-2023 os autos aguardaram que a autora juntasse tradução da carta rogatória devidamente cumprida, o que a mesma não fez, apesar de para tanto notificada na sequência de despachos proferidos em 18-02-2022, 28-03-2022 e 12-05-2022, tendo este último cominado a autora com a possibilidade de decurso do prazo para deserção da instância. 10. Em 13-02-2023 foi proferido novo despacho a ordenar a notificação da autora para esclarecer, em 10 dias, se prescindia do depoimento da testemunha inquirida por via de carta rogatória com a cominação de que o seu silêncio, após tal prazo, seria interpretado nesse sentido. 11. Nada tendo a autora respondido a tal notificação, foi designada data para a audiência de julgamento por despacho de 16-03-2023. 12. Em 23-01-2024 a autora veio juntar aos autos tradução da carta rogatória para inquirição de testemunha inquirida na Suíça, alegando que não tinha sido informada pelo seu então mandatário da necessidade dessa tradução, tendo o mesmo substabelecido sem reserva nos seus atuais mandatários como consequência do “período conturbado que este sofreu, a nível pessoal, familiar e de saúde, que tiveram reflexo no exercício do mandato forense”. 13. Por despacho de 10-02-2024, o tribunal declarou que se tinha formado caso julgado por via do despacho que considerou a testemunha prescindida[1], mas ordenou que se notificasse a autora para esclarecer se pretendia que a testemunha em causa fosse ouvida em audiência de julgamento ou, antes, juntar a tradução do seu depoimento. 14. Em 14-02-2024 a autora veio declarar, como já fizera no requerimento de 23-01-2024, que pretendia que fosse admitida a junção aos autos da tradução da carta rogatória expedida para inquirição da testemunha residente na Suíça. 15. Em 16-02-2024 iniciou-se a audiência de julgamento, que continuou a 13-03-2024 e a 03-04-2024. 16. Em 31-03-2025 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente, por não provada.
II - O recurso: É desta sentença que recorre a autora, pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência da ação. Para tanto, alega o que verte da seguinte forma em sede de conclusões de recurso: (…) * A ré contra-alegou sustentando que as conclusões de recurso são prolixas e confusas, dificultando o contraditório e defendendo a confirmação da sentença de primeira instância. * III – Questões a resolver: Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver: 1. Alteração das alíneas 11, 22, 34, 35 e 39 dos factos provados e a) a j) e l) dos não provados. 2. Aditamento de matéria de facto não constante da sentença; 3. Apuramento da responsabilidade da ré pela indemnização dos danos sofridos pela autora em face dos factos julgados provados. IV – Fundamentação: Antes de se avançar na análise das questões a resolver cumpre referir a oposição da recorrida à forma de apresentação das alegações e conclusões do recurso. Alega que ambas são prolixas e confusas. Acompanha-se a primeira dessas críticas, sendo manifesto que tal prolixidade decorre essencialmente da continua repetição de quase todos os argumentos da recorrente mas, também, de alguma confusão entre a matéria de facto e o direito que levou mesmo a apelante a transcrever partes de depoimentos em sede de alegações que ela mesma intitulou como sendo de “de direito”, pretendo com elas fundar na prova produzida a sua discordância em relação à solução jurídica. Todavia, como a própria recorrida reconhece, tal não impede, apenas dificultando, a compreensão das pretensões recursórias, pelo que não se justifica dirigir à recorrente qualquer convite para que as sintetize ou clarifique. * 1. A apelante indicou as alíneas da matéria de facto que pretende ver alteradas, o sentido da alteração pretendida e os meios de prova em que estriba essa pretensão, explicando em que medida contribuem para o que pede, tendo indicado, no caso dos depoimentos gravados, as respetivas passagens. Estão, assim, cumpridos os ónus impostos pelo legislador ao recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto nos termos do artigo 640º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil. A matéria de facto que deve constar da sentença é aquela que, tendo sido alegada pelas partes, nos termos do previsto nos artigos 5º, número 1 e 552º, número 1 d) do Código de Processo Civil, seja relevante para a solução jurídica das pretensões das partes que tenha de conhecer. Quer o artigo 5º, número 1, quer a alínea d) do número 1 do artigo 552º referem a obrigação das partes de alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou o suporte para as exceções que invocam. O número 2 do referido artigo 5º, todavia, obriga a que se considerem ainda outros factos, não articulados pelas partes sendo eles: “a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.” Afirma Teixeira de Sousa[2] que “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Quanto aos primeiros afirma o referido Autor que “(…) são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”. Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.” Finalmente, quanto aos factos instrumentais o mesmo Autor entende que se destinam“(…) a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares(…)”e “(…) são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.” O que são os factos essenciais a cada pedido/exceção é questão que sempre tem de ser resolvida no confronto das pretensões das partes e o direito substantivo que pode suportar as mesmas. No caso a autora não alegou que a ré tenha subcontratado outra pessoa para efetuar o transporte em causa e nem a ré alega tal subcontratação como forma de excluir a sua responsabilidade e/ou de acautelar um eventual direito de regresso. Como tal, o facto que a apelante quer aditar na alínea 11 não é essencial à ação, sendo, todavia, uma concretização da forma de transporte que resulta da própria contestação e está confirmada pelo documento CMR junto como documento número 3 de tal articulado. Nas suas contra-alegações a recorrida tampouco põe em causa a veracidade dessa subcontratação (discutindo apenas a relevância desse facto para a decisão, que afirma que a apelante não explica qual seja). Ora tratando-se de mera concretização de um facto alegado pela autora e admitido pela ré – de que esta se encarregou do transporte das mercadorias produzidas pela autora até à sede de uma cliente na Suíça -, do qual resulta que tal transporte foi subcontratado pela ré, a pretensão da apelante deve proceder nos termos do artigo 5.º, número 2 b) do Código de Processo Civil. Pelo exposto, sem necessidade de reapreciação da prova testemunhal indicada o trecho sugerido pela recorrente deve ser aditado, como mera concretização do teor do facto, essencial, que consta da alínea 11 dos factos provados. Assim a alínea 11 dos factos provados deverá passar a conter a seguinte redação: A Ré transportou as mercadorias para a Suíça, através da empresa C..., Lda, no veículo com reboque identificado pela matrícula L-..... * b) Alínea 22 dos factos provados.Tem a seguinte redação: “Tendo em conta as circunstâncias descritas em 21) e o facto de os varandins serem integrados por peças tubulares e ocas, verificaram-se os danos descritos em 15)”. A apelante quer que dela passe a constar o seguinte: Tendo em conta as circunstâncias descritas em 21), no momento da entrega da mercadoria à cliente da Autora, os varandins encontravam-se riscados, amolgados e empenados. As circunstâncias referidas em 21 são a forma de acondicionamento da carga pela ré: em cima de paletes e de sacos sem qualquer proteção a separá-las e sem qualquer outra carga em cima delas. Segundo a autora, não se provou que uma das causas dos danos verificados nos varandins expedidos fosse o facto de as mesmas serem integrados por peças tubulares e ocas. Para tanto pede a reapreciação de passagens, que indica, dos depoimentos de BB, AA e CC, alegando que nenhuma delas afirmou que os danos se verificaram porque os varandins transportados eram integrados por peças tubulares e ocas. Entende ainda a recorrente que é conclusiva a expressão “e o facto de os varandins serem integrados por peças tubulares e ocas”. Começaremos por analisar este último argumento que, a proceder, tornaria inútil a reapreciação da prova indicada, pois levaria à eliminação do trecho que se quer discutir. Ora, não tem qualquer razão a recorrente ao qualificar como genérico ou conclusivo tal trecho da alínea 22. O mesmo contém matéria de facto, relativa ao nexo causal entre os danos verificados e dados por provados (na alínea 15) e as próprias características das peças expedidas bem como à sua forma de transporte. Sucede, porém, que as concretas caraterísticas dadas por provadas não foram alegadas por nenhuma das partes, não constando de qualquer dos articulados. O que a ré alegou, convocando a aplicabilidade das alíneas b), c) e d) do número 4 do artigo 17.º da CMR, foi a falta de embalamento das peças expedidas pela autora e a sua carga por funcionários da mesma, no veículo que as foi recolher às suas instalações, sem que nesse momento os referidos funcionários tivessem colocado qualquer proteção ou embalagem que possibilitasse o resguarde de tais varandins. E atribuiu a ocorrência dos danos a tais factos da responsabilidade da autora. Esta, por sua vez, admitiu na petição inicial que as peças que expediu eram frágeis, o que é claramente relevante para a averiguação do nexo causal entre as suas formas de embalamento e/ou transporte e os danos ocorridos. Assim, estando admitido pela própria autora que as peças expedidas eram frágeis, deve ser de julgar assente tal alegação que é significativa para a afirmação, pela ré, de que os danos decorreram da falta de embalamento (e da deficiente forma de carregamento das mesmas pelos próprios funcionários da autora). Tal qualificação, por via de adjetivação, dos materiais expedidos consta do artigo 7º da petição inicial é, todavia, conclusiva. Ora, o tribunal a quo concretizou-a pela descrição de componentes dessas peças, reconhecidamente frágeis, como sendo tubulares e ocos. A concretização em causa é de admitir nos termos do artigo 5º, número 2 b) do Código de Processo Civil, como já acima adiantado, pelo que apenas cabe aferir se se provou que essas caraterísticas, concretizadoras da admitida fragilidade das peças expedidas, foram concausa dos danos, como ficou a constar da alínea 22. O que torna relevante apurar que características da mercadoria, de entre as alegadas, permitem, uma vez provadas, conduzir à conclusão de que tal embalamento era necessário e que a sua falta foi causa dos danos ou de parte deles. Assim, é nestes pressupostos - de que é de admitir a concretização pelo Tribunal a quo da afirmação, conclusiva, da autora de que as mercadorias a expedir eram frágeis - que se reapreciarão os depoimentos que convoca a apelante. O primeiro deles é da testemunha BB. Impõe-se, antes de mais, afirmar que a apreciação deste depoimento (a que a motivação da sentença não faz referência), é de admitir. Como consta do relatório, as vicissitudes relativas à admissibilidade do seu depoimento foram causa de grande demora nos autos e de despachos sucessivos com cominações diversas. Sucede que, como já ali salientado, nenhum desses despachos considerou que tal testemunha fora prescindida e também não foi indeferida a junção, ainda que tardia, da tradução da carta rogatória para sua inquirição. Pelo contrário, no despacho 10-02-2024, o tribunal ordenou que se notificasse a autora para esclarecer se pretendia que a testemunha em causa fosse ouvida em audiência de julgamento ou, antes, juntar a tradução do seu depoimento, tendo a autora optado pela segunda via que lhe foi oferecida. E tal despacho transitou em julgado. Pelo que se terá em conta tal depoimento. Contudo, no que aqui releva apurar do mesmo nada resulta com a virtualidade de alterar o decidido. Tal testemunha afirmou que quando abriram o camião, à chegada às instalações da cliente da autora – onde ao tempo o depoente trabalhava -, as grades estavam a monte e sobrepostas estando muito “maltratadas” o que disse que “provavelmente” ocorreu durante o transporte e que “seguramente” o camião teve de travar. Disse ainda que parte do gradeamento estava dobrado/torcido em consequência de embates. Todavia, nada disse sobre a sua composição (com peças tubulares e ocas) e nem afastou que os danos que apresentavam tenham decorrido, também, dessas características. Ora, tratando-se tais peças de varandins/corrimãos em metal, é razoável supor que a sua movimentação dentro do reboque durante o transporte teria diferentes resultados caso as mesmas fossem maciças em vez de ocas, bem como que o seu embalamento/proteção, em face dessas características teriam contribuído para uma diminuição de parte desses danos, nomeadamente os riscos que apresentavam. E nem se diga, como faz agora a apelante, que tais materiais não costumam ser embalados. O embalamento não significa necessariamente o seu acondicionamento em caixas (o que a sua dimensão realmente não permitiria). Outras formas de embalar, com revestimentos de esponja/plástico bolha ou outro enchimento eram possíveis e seriam adequadas às suas características. O que, aliás, resultou de depoimentos indicados pela apelante que infra se analisarão, entre eles o do seu legal representante. Ora, estes dois factos resultaram desde logo, segundo a motivação constante da sentença das fotografias juntas, ali se afirmando que “Quanto à forma de transporte, desde a central de cargas até à Suíça, o tribunal considerou o teor das fotografias que integram os documentos 7 a 10 da petição inicial e que, reproduzindo o momento da descarga já em território helvético, permitem perceber que a mercadoria seguiu simplesmente aposta sobre paletes de madeira, circunstância aliás consentânea com a posição assumida pela R. (cuja versão é justamente de que nada mais solicitado senão um transporte daquela mercadoria nos termos vertidos em no facto 7. e sem qualquer outra especificidade, a saber, a posição vertical) e com o depoimento da testemunha DD, funcionário da R. há 30 anos e que referiu justamente tal modo de expedição da carga. * c) Alínea 34 dos factos provados
Tem a seguinte redação: “Nas circunstâncias descritas em 6. a 8., não foram dadas quaisquer instruções ou especificações quanto à natureza frágil da mercadoria, e nunca foi feita qualquer menção à necessidade de transporte das mercadorias “na posição vertical”, tendo ficado demonstrado apenas o ali vertido”. A apelante pretende que dela passe a constar o seguinte: Nas circunstâncias descritas em 6. a 8., foram dadas instruções e especificações sobre a mercadoria e foi feita menção à necessidade de transporte das mercadorias “na posição vertical”. Pede, em sustentação, desta pretensão, a reapreciação de parte dos depoimentos de EE e do legal representante da autora, FF. Alega ainda que a expressão “tendo ficado demonstrado apenas o ali vertido” é conclusiva, pelo que deve ser eliminada. Dúvidas não há que este último trecho não tem cabimento no teor dos factos provados, não por ser conclusivo, mas por ser repetitivo e desnecessário. É que, tendo-se provado o teor das comunicações relativas à contratação do transporte que constam das alíneas 6 a 8 e considerando o Tribunal a quo que não se provou que a autora tivesse feito qualquer pedido ou recomendação no sentido de que as mercadorias eram frágeis e de que fossem transportadas pela ré em posição vertical, não faz sentido acrescentar à afirmação de que essa menção não foi feita a de que que só se demonstrou o que já antes constava como provado. Pelo que é de eliminar, como pretende a autora, tal trecho final. No âmbito do conhecimento da impugnação da alínea 34 deve chamar-se desde já à análise conjunta a pretensão da recorrente quanto ao teor da alínea a) dos factos não provados. Nela o mesmo facto foi dado por não provado, mas pela positiva[3]. A autora alegou que fez certas recomendações sobre a mercadoria (que era frágil) e um concreto pedido quanto à forma de transporte das mercadorias (que fosse feito na vertical) e a ré impugnou tal alegação, afirmando que tal não ocorreu. Ora o Tribunal a quo não só deu como não provado que tais recomendações nunca foram feitas como julgou como não provado que o foram. O que desde logo se revela desnecessário e, por tal, errado. Pelo que, a manter-se o facto provado sob a alínea 34, sempre seria de eliminar a não prova do seu contrário, por desnecessária. Resta saber qual das duas formulações deveria/poderia ser dada por provada em função da distribuição do ónus de alegação e prova que a cada parte incumbe em face das suas pretensões/defesa. Nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil cabe a quem invocar um direito fazer a prova dos factos constitutivos do mesmo e cabe àquele contra quem tal invocação é feita, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito. Em face do disposto nos artigos 552.º, número 1 d) e 572.º c) do Código de Processo Civil cabe igualmente a autor e réu a alegação dos factos que têm que provar nos termos do referido artigo 342.º do Código Civil. Respetivamente, ao autor cumpre alegar os essenciais que constituem a causa de pedir, e ao réu cumpre articular aqueles em que se baseiam as exceções deduzidas, sejam elas perentórias ou dilatórias. A forma – pela afirmativa ou pela negativa -, como tais factos se julgam provados ou não provados na sentença deve refletir as regras de distribuição dos ónus de alegação e de prova que vimos de referir sob pena de, não se atendendo às mesmas, se virem a julgar provados ou não provados factos inúteis à decisão e ou de se omitirem factos essenciais alegados. Dando um exemplo numa situação simples de compreender: se o autor alegar a celebração de um contrato com o réu e este alegar que tal contrato não foi celebrado, deve ser dado ou por provado ou por não provado que o foi. Num tal caso, em nada aproveitaria ao autor a não prova de que o contrato não foi celebrado e também não cabia ao réu a prova de que o não foi. Nem sempre, contudo, é assim fácil dilucidar que ónus de alegação e prova tem cada parte pois, nalguns casos, nomeadamente por força de presunções legais de que decorre inversão desses ónus, a ponderação do que cada parte deve alegar e provar é mais intrincada e exige reflexão (a tal ponto que o legislador, admitindo que essa dúvida seja insolúvel para o julgador, estabeleceu mesmo um critério supletivo no número 3 do artigo 342.º do Código Civil em que se prevê que, na dúvida, os factos devem ser considerados constitutivos do direito). Com o atual sistema de seleção de temas da prova que veio substituir o da elaboração de um questionário com quesitação dos factos controvertidos, é muitas vezes apenas em sede de sentença (e não, como antes, no momento da prolação do despacho saneador) que o julgador se vê confrontado com a necessidade de ponderar as regras de distribuição dos ónus de alegação e de prova e com a interrogação sobre a consequente forma como os factos alegados devem constar da decisão. Reportando ao caso dos autos, é necessário que se afira qual o regime legal aplicável para se saber se era à autora que cabia a prova das recomendações e pedidos constantes da alínea 34 dos factos provados, ou se era a ré quem tinha o ónus de alegação e prova de que assim não aconteceu. A autora alegou que a ré agiu com dolo ao não cumprir as suas recomendações sobre a forma de transporte e cuidados a ter, o que afirma que a mesma fez conscientemente e com vista a rentabilizar a viagem do veículo usado. Pelo que à partida seríamos levados a qualificar tal facto como constitutivo do seu direito o que, na dúvida, sempre decorreria do artigo 342.º, número 3 do Código Civil. Sucede que é aplicável ao contrato dos autos – de transporte internacional de mercadorias por estrada -, o disposto na Convenção Relativa ao Contrato Internacional de Mercadorias por Estrada (adiante CMR)[4] como infra melhor se verá, e ora se adianta de forma mais assingelada, desde logo porque as partes têm, quanto à aplicabilidade desse regime legal uma posição convergente, que também coincide com a fundamentação de direito da sentença. Do artigo 17.º, número 1 da CMR resulta a obrigação de o transportador entregar a mercadoria no seu destino, ali se afirmando que ele é responsável pela avaria e pela perda total ou parcial da mercadoria ocorridas durante o transporte, assim como pela demora na entrega. Todavia, o número 2 do artigo 17.º prevê que o transportador fique “desobrigado dessa responsabilidade se a perda, avaria ou demora tiver por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta do transportador, um vício próprio da mercadoria, ou circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.” O número 3 desse mesmo preceito elenca algumas das causas dos danos que o transportador não pode alegar para se “desobrigar” (defeitos do veículo, faltas das pessoas a quem o alugou ou dos seus agentes) e o seu número 4 prevê que o transportador fique “isento da sua responsabilidade quando a perda ou avaria resultar dos riscos particulares inerentes a um ou mais dos factos seguintes: a) Uso de veículos abertos e não cobertos com encerado, quando este uso for ajustado de maneira expressa e mencionada na declaração de expedição; b) Falta ou defeito da embalagem quanto às mercadorias que, pela sua natureza, estão sujeitas a perdas ou avarias quando não estão embaladas ou são mal embaladas; c) Manutenção, carga, arrumação ou descarga da mercadoria pelo expedidor ou pelo destinatário ou por pessoas que actuem por conta do expedidor ou do destinatário; d) Natureza de certas mercadorias, sujeitas, por causas inerentes a essa própria natureza, quer a perda total ou parcial, quer a avaria, especialmente por fractura, ferrugem, deterioração interna e espontânea, secagem, derramamento, quebra normal ou acção de bicharia e dos roedores; e) Insuficiência ou imperfeição das marcas ou dos números dos volumes; f) Transporte de animais vivos”. Do artigo 18.º, número 2 da mesma Convenção resulta que se o transportador provar um dos factos previstos no número 4 do artigo 17.º caberá ao interessado alegar e provar que o prejuízo sofrido não resultou apenas deles, caso em que não se afasta total ou parcialmente a responsabilidade do transportador. Há quem defenda que o número 1 do artigo 17.º consagra uma presunção de culpa do transportador[5] e quem entenda que essa presunção é de responsabilidade e não de mera culpa, assim se dispensando o expedidor da prova de nexo causal entre o dano[6] (avaria, perda ou demora) e atuação do transportador. Independentemente do entendimento que se venha a seguir[7], resulta claro que é ónus do transportador a prova de que ocorreu uma falta do expedidor, quer por força do conteúdo uma sua ordem, de um vício da mercadoria, ou seu embalamento ou de circunstâncias que não podia evitar. Desta presunção resulta uma inversão do ónus de prova legalmente prevista, nos termos previstos no artigo 344º, número 1 do Código Civil. Ao transportador passa assim, a ser possível afastar a sua responsabilidade pela mera prova de que a perda ou avaria resulta de riscos particulares inerentes a um ou mais dos fatores enumerados no número 4 do artigo 17º. Dessa prova de verificação dos riscos alegados pelo transportador resulta, por sua vez, novo ónus de prova do expedidor, a quem caberá, então, alegar e provar que os fatores referidos no número 4 do artigo 17.º não foram a causa única ou parcial do dano Assim, no caso, com vista à condenação da ré, caberia: - à autora a prova dos danos consistentes na deterioração das peças expedidas (prova que fez e não está posta em causa no recurso); - à ré a prova de que a autora não procedeu ao adequado embalamento das peças tendo em conta as suas características e/ou que as carregou ela da mesma forma como foram transportadas (únicos facto por ela alegados como causais dos danos e que cabem no previsto nas alínea b) a d) do número 4 do artigo 17.º da CMR cuja aplicação pediu; e, - provada esta falta ou defeito da embalagem, caberia à autora provar que a mesma não foi a causa ou, pelo menos, a única causa da deterioração das peças. A autora, todavia, alegou desde logo que a ré não cumpriu dolosamente as instruções claras da sua parte relativas à forma de transporte, fundadas na fragilidade das peças a transportar de que diz ter dado conta à ré. A alegação desses factos era nomeadamente relevante para a contagem do prazo de prescrição do seu direito, que, no caso de dolo do transportador é de 3 anos nos termos do artigo 32.º, número 1 da CMR. Era, ainda relevante a alegação desse dolo para a aplicação do disposto no artigo 29.º do mesmo Diploma de que decorre que “O transportador não tem o direito de aproveitar-se das disposições do presente capítulo que excluem ou limitam a sua responsabilidade ou que transferem o encargo da prova se o dano provier de dolo seu ou falta que lhe seja imputável e que, segundo a lei da jurisdição que julgar o caso, seja considerada equivalente ao dolo”. A prova dos factos de que decorreria o alegado dolo da ré era, assim ónus da autora[8]. Já à ré não cabia o ónus de provar que as referidas recomendações e solicitações de transporte não lhe foram feitas. Dizendo de outra forma, a prova de que não foram feitas não lhe aproveita e nem tinha que a fazer. Pelo que é desde logo errada a forma como tal facto ficou a constar da alínea 34.º dos factos provados. Bastaria, para a defesa da ré que tal facto fosse julgado não provado, como foi. Pelo que deve ser eliminada a alínea 34.º dos factos provados pois a prova do facto negativo ali constante não aproveita à decisão da causa. Já para a autora pode ser relevante a pretendida prova do teor da alínea a) dos factos não provados: de que deu à ré instruções precisas quanto à forma de transporte da mercadoria e que lhe transmitiu que a mesma era frágil, o que alegou nos artigos 7º, 11º e 16º a 21º da petição inicial. Pelo que há que apurar se tal facto deve passar a provado. Quanto a esta pretensão da autora estranha-se desde logo que a mesma peça que o teor da referida alínea passe a provado com eliminação do trecho que qualifica como frágeis as mercadorias transportadas. É que tal qualificação decorreu da sua própria alegação na petição inicial – artigo 7º, como já se afirmou - tendo sido concretizada pelo tribunal mediante descrição das peças tubulares ocas que compunham os bens expedidos, pelo que não há qualquer razão para o eliminar. Até porque, estando a defesa da ré alicerçada na alegação de falta de embalamento das mercadorias, é de extrema relevância apurar que características da mesma, de entre as alegadas, permitem concluir que tal embalamento era necessário ou recomendável. Assim, no pressuposto de que deve ser apurada a matéria de facto impugnada da forma como foi alegada pela própria autora/recorrente, não se alterará essa parte da redação do facto constante da alínea a) dos factos não provados, cabendo apenas apurar se o que dele resulta está ou não total ou parcialmente provado. Para o que iremos analisar os meios de prova indicados pela recorrente e os demais que se revelem necessário caso aqueles sejam de molde a justificar a alteração do decidido. Foram ouvidos na sua totalidade os depoimentos de EE e do legal representante da autora, FF e não apenas as passagens dos mesmos indicadas pela recorrente. Ora a testemunha EE, diretora de recursos humanos da autora, afirmou ter assistido a uma conversa telefónica entre o Engº GG da parte da autora e alguém da parte da ré, em que aquele explicara que pretendia que o transporte das peças a expedir fosse feito sem outras peças. Todavia, ao ler o email que lhe foi exibido onde era feito o pedido reconheceu que dele não decorria qualquer pedido de que as peças a expedir fossem a única carga do reboque do camião, ou fossem na vertical. Disse tal testemunha que não sabia quais as medidas do reboque. Confrontada com o preço do transporte acordado – 1800 € -, afirmou que o mesmo se justificava por se tratar de um transporte único. Apesar disso, admitiu que a autora pagou 980 € pelo transporte de apenas um corrimão, uns dias mais tarde, em carga exclusiva. O que torna inverosímil que o transporte de 33 varandins tivesse um preço equivalente a menos do dobro deste. A testemunha EE disse, ainda, que o Engenheiro GG explicou a quem o atendeu da parte da ré a forma de transporte que pretendia, como o fez em telefonemas que ouviu, em que contactou com duas outras empresas de Matosinhos a quem tentaram encomendar o frete. Ora é desde logo inverosímil que tal testemunha tenha assistido a todo o teor das três conversas e, tantos anos volvidos delas se recordasse com tal pormenor. Acresce que relevância dada pela autora, segundo a referida testemunha, às especificações de transporte não é compatível com a absoluta falta de menção de tal exigência na solicitação da cotação/orçamento de transporte por escrito. Autora e ré exercem funções comerciais de forma profissional e é, por isso, inverosímil que fosse contratado um transporte exclusivo (sem outra carga) com a especificação de que a carga tinha que seguir na vertical (o que exigia uma estrutura própria) sem que nenhuma dessas exigências constasse do pedido de orçamentação, do orçamento/cotação e da posterior ordem de transporte. Segundo a testemunha EE as peças enviadas eram frágeis e, indo deitadas, não podiam chegar bem ao destino, pelo que costumavam pedir para não serem transportadas em conjunto com outros materiais. Admitiu que não era habitual expedirem este tipo de material para a Suíça, costumando trabalhar com outras transportadoras. Disse espontaneamente que esse material costuma ser por eles embalado, após o que, a insistências do mandatário da autora, acabou por afirmar que, afinal, os produtos fabricados só eram embalados quando já estavam pintados para proteger apenas a pintura. E disse, porque a tanto expressamente instada, que não inseriam tal material em caixas. Mas também não disse, nem foi questionada sobre tal, como eram embaladas as peças idênticas às transportadas pela ré que já estavam pintadas. Ficou, contudo, claro que era possível embalá-las de alguma forma. Foi ainda ouvido o depoimento do legal representante da autora. Afirmou ter sido exigência sua que o transporte fosse exclusivo, o que o engenheiro GG que tratava desse processo de transporte sabia ser a forma que usavam habitualmente para expedir esses materiais pelas transportadoras habitualmente contratadas. Disse, ainda, que o material tinha que ir “de pé” por correr o risco de entortar. Uma vez mais se regista que do email em que foi pedida a orçamentação/cotação do transporte não constava qualquer dessas especificações tão relevantes para a autora. A motivação da sentença esmiúça de forma lógica, que se acompanha in totum, os cálculos de que resulta que o transporte dessas peças em pé exigia a ocupação de uma área muito superior à que consta do cálculo de cubicagem que foi feito pela ré aquando da orçamentação do serviço que a autora aceitou. Ali se salienta que a autora, dado que tinha experiência de fabrico e expedição deste tipo de peças, facilmente perceberia que o cálculo da ré não revelava que estava a planear um transporte vertical, que disse ser habitual. Segundo disse o legal representante da autora, quando perguntado sobre o embalamento desse tipo de peças as peças, as mesmas eram transportadas devidamente embaladas com espuma quando estão já com o tratamento final, mas que quando as expedem “em bruto” não embalam tais peças. O que é contraditório com o facto de ele mesmo alegar que eram peças frágeis e que disso deu devida nota à ré. Tal legal representante, como salientado na motivação da sentença, admitiu que aceitou o transporte das peças deitadas em camião aberto a partir das suas instalações e até às da ré. Disse, ainda, que foram os seus trabalhadores quem as carregou dessa forma, com calços e com cintas, mas que estas não podiam ir muito apertadas porque senão “amolgavam” logo os tubos. Essa descrição - da facilidade como as peças podiam entortar em consequência até das cintas que as segurassem -, leva a que se conclua que as suas características não foram, de facto, transmitidas à ré, que, nesse caso, teria de orçar um transporte em condições muito mais exigentes. Além de que leva a concluir que a falta de proteção das referidas peças pela autora, nomeadamente com a espuma que usavam habitualmente nos produtos já pintados, também as tornava mais suscetíveis. Deve ainda concluir-se que a própria autora, ao acomodá-las deitadas, sem embalamento, no primeiro camião usado para o transporte, admitiu nesse momento o risco que diz ter comunicado à ré. Da conjugação destes dois depoimentos não resultam, pois, infirmadas as conclusões a que chegou o Tribunal a quo: de que não ficou provado que a autora tenha transmitido à ré que as grades tinham que ser transportadas sem outra carga e em pé. Pelo que é de manter a alínea a) dos factos não provados, eliminando-se apenas a alínea 34 dos provados, pelas razões já acima expressas. * d) Alínea 35 dos factos provados. Tem a seguinte redação: “As mercadorias da Autora, sem qualquer embalagem, foram carregadas, por funcionários da Autora, no veículo OM-..-.., propriedade da empresa E..., não tendo os referidos funcionários da Autora colocado qualquer protecção que, acompanhando a mercadoria, possibilitasse o resguardo dos ditos varandins”. A recorrente pede que passe a ser o seguinte o seu teor: As mercadorias da Autora, sem qualquer embalagem, foram carregadas, por funcionários da Autora, no veículo OM-..-.., propriedade da empresa E..., tendo os referidos funcionários da Autora colocado calços de madeira entre as grades que, acompanhando a mercadoria, possibilitassem o resguardo dos ditos varandins. Para ver proceder esta pretensão a apelante requer que sejam ouvidas e reapreciadas passagens dos depoimentos de HH, II e do seu legal representante. O facto que a apelante quer que passe a provado – que os seus funcionários colocaram calços de madeira a proteger as grades -, é distinto do que foi julgado na alínea 35 – relativo à falta de embalagem ou outra proteção a acompanhar a mercadoria. O que a apelante quer que passe a provado mais não é, afinal, do que o que consta, como não provado, na alínea f) dos factos não provados. Ora a alínea 35 refere-se a um facto alegado pela ré – relativo à falta de embalamento -, e o da alínea f) foi alegado pela autora na petição inicial (artigo 15.º) e respeita à forma de transporte da mercadoria no camião e não à sua proteção por via de embalamento ou outra via que “acompanhasse a mercadoria”. Tendo presente esta distinção, reapreciar-se-á a prova indicada pela apelante com vista ao apuramento dos dois factos, distintos, a que se referem as alíneas 35. dos provados e f) dos não provados, que também esta é impugnada pela apelante. Já acima sumariamos o teor das declarações do legal representante da autora pelo que cumpre apenas reapreciar o que afirmaram as testemunhas indicadas pela apelante quanto a esta matéria. Ora, a testemunha HH, tal como o legal representante da autora, afirmou que foram colocados calços entre as peças a transportar no seu primeiro carregamento, e que as mesmas foram cintadas quando foram, por ele e pelos seus colegas carregados nas instalações da autora, em camião aberto sem proteção alguma. Todavia, disse, na altura o seu patrão recomendou que na mudança para outro camião teriam de ir na vertical. Afirmou que “normalmente” essas peças teriam que ir na vertical para evitar ficarem “amassadas”. O que é contraditório com o facto de terem eles mesmos procedido ao seu carregamento na horizontal. Disse ainda que não era normal aquele tipo de peças irem assim nos camiões, mas que lhes disseram que depois iriam ser recarregados nas instalações da ré. II também reiterou a mesma versão, no sentido de que o transporte foi feito pelos funcionários da autora nas suas instalações num camião aberto, sem quaisquer proteções, apesar de o seu patrão ter recomendado que, depois, fossem feitas na vertical. O Tribunal a quo deu como provado que as peças foram colocadas pelos funcionários da autora no primeiro camião sem embalagem ou qualquer proteção que, acompanhando a mercadoria, as resguardasse e em face destes depoimentos tal versão não só não está infirmada como foi confirmada. Pelo que é de manter o teor da alínea 35 dos factos provados. Coisa diversa é a questão da sua forma de acondicionamento no camião onde foram colocadas pelos mesmos funcionários, que é relativa ao facto dado por não provado na alínea f). Ora aqui é de salientar a unanimidade dos depoimentos ouvidos, no sentido de que as peças expedidas foram, de facto, carregadas na horizontal, mas com calços de madeira a separá-las. Todavia, tais depoimentos são pouco verosímeis. Tal carregamento foi feito na presença do legal representante da autora, pelos seus funcionários, e por ele aceite. Apesar de que nada se provou quanto à alegada prévia exigência de que o transporte fosse feito na vertical desde as negociações prévias à contratação do transporte, é de estranhar que o mesmo não tivesse recusado de imediato o transporte na horizontal se tivesse, como diz, exigido outra forma desde o início, ainda que verbalmente. E se, de facto, a acomodação horizontal fosse tão suscetível de causar danos, como alegou, é absolutamente inverosímil que a ela tivesse assistido, assumindo o risco de danificação de materiais que qualifica como frágeis, no transporte até às instalações da ré. Desde logo porque o mesmo e as demais testemunhas acima referidas frisaram bem a facilidade com que as peças expedidas “amolgariam” se transportadas na horizontal. Ainda que o carregamento que fizeram não se destinasse ao cliente final, mas apenas ao transporte até às instalações da ré sempre nesse percurso (de cerca de 60 km) se verificaria tal risco, assim aceite pelo legal representante da autora. O que não é credível. Por tudo isto não pode conferir credibilidade aos depoimentos indicados pela autora para reapreciação – do seu legal representante e dois dos seus trabalhadores -, ainda mais porque infirmados pelo depoimento já acima analisado de AA, que não tem ligação com qualquer das partes e já nem trabalha, sequer, para a sociedade subcontratada pela ré para o transporte em causa. Pelo que se mantém como não provado o teor da alínea f). * e) Alínea 39 dos factos provados. Tem o seguinte teor: “A carga foi transportada sem qualquer embalagem para protecção e sujeita à ação dos elementos.” * f) Quanto aos factos não provados que a autora pretende que passem a provados e tendo em conta que já acima foi proferida decisão quanto às alíneas a) e f), são as seguintes as que cumpre apreciar se devem passar a provadas:
“b) Sucede que, o veículo disponibilizado pela ré, identificado pela matrícula OM-..-.., não permitia o transporte das mercadorias na posição vertical. c) Os funcionários da A., desde logo, reclamaram o facto de o veículo em apreço não ser adequado à concretização do acordo que as partes haviam celebrado. d) Em resposta à reclamação da A., os funcionários da ré informaram que a mercadoria iria ser transferida para outro veículo, em .... e) Na mesma data e local, os trabalhadores da ré informaram os trabalhadores da A. de eles eram os responsáveis pela carga, pelo que, melhor do que ninguém, sabiam como fazê-la chegar sem danos ao respetivo destino. g) O gerente da A. alertou o motorista da ré para que a carga em apreço fosse acondicionada de forma a que nada fosse transportado em cima da mesma. h) E de forma a garantir que o transporte era feito na vertical, i) Sendo certo que, apesar de a área ocupada dessa forma ser maior j) Essa era a única forma de garantir o transporte em condições de não danificar a carga. l) E de os colocar com alguma barreira, que evitasse que se riscassem, por efeitos da fricção entre os mesmos ou com outros materiais, incluindo a galera do camião”. Quanto às alíneas b) a e) e g) a j) a apelante alegou que “atenta a alteração da matéria de facto como provada supramencionada, dela se tem que extrair a devida consequência dessa modificação, devendo-se dar como provados os pontos acima mencionados”. Ora apenas quanto a um pequeno trecho da alínea 11 dos factos provados procedeu a impugnação da matéria de facto provada, ali se aditando a referência à subcontratação, pela ré, de uma outra transportadora. Nada do que se refere à forma de acondicionamento das mercadorias no primeiro ou no segundo veículo e das exigências da autora a esse respeito resultou da decisão sobre a impugnação da matéria de facto provada, sendo a essas questões de facto que respeitam as alíneas b) a e) e g) a j) dos factos não provados. Remeteu, ainda a apelante, para os já acima analisados depoimentos de AA e CC de que diz decorrer que os varandins foram colocados pela ré em cima de paletes de cerâmicos, o que, contudo, não é um facto dado por não provado em nenhuma das alíneas que impugna. Acresce que da reapreciação dos meios de prova acima referidos resultou, como já se afirmou, a inverosimilhança da descrição feita pelo legal representante da autora e pelos seus trabalhadores, quanto aos cuidados tidos no carregamento da mercadoria no primeiro camião e as recomendações feitas sobre a carga a fazer a seguir. Assim sendo, na falta de indicação de outros meios de prova a reapreciar, não há por que julgar provado o teor de tais alíneas. Pede ainda a recorrente que passe a julgar-se provado o teor da alínea l) com modificações. O seu texto é o seguinte: “E de os colocar com alguma barreira, que evitasse que se riscassem, por efeitos da fricção entre os mesmos ou com outros materiais, incluindo a galera do camião”. Ora a apelante pretende que fique provado o seguinte: A Ré, quando carregou os varandins no veículo que os transportou para a Suíça, não teve o cuidado de os colocar com alguma barreira, que evitasse que se riscassem, por efeitos da fricção entre os mesmos ou com outros materiais, incluindo a galera do camião. Para sustentar esta pretensão pede a reapreciação dos seguintes meios de prova: As fotografias que constam dos documentos números 7 a 10 juntos aos autos no dia 12-01-2017, o depoimento da testemunha AA em trecho que indica e o depoimento da testemunha CC em trecho que também identifica. Segundo alega, das indicadas fotografias resulta que a ré, quando carregou os varandins no veículo em que os transportou para a Suíça, não teve o cuidado de os colocar com alguma barreira, que evitasse que se riscassem, por efeitos da fricção entre os mesmos ou com outros materiais, incluindo a galera do camião. E, alega ainda, ambas as testemunhas referiram que os varandins foram colocados no camião que os transportou até à Suíça em cima de paletes de peças cerâmicas. A testemunha AA terá, ainda, sido confrontada com as fotografias que constam dos documentos 7 a 10 juntos aos autos no dia 12.01.2017, tendo referido que as paletes em determinado ponto eram mais baixas e que os varandins não tinham apoio em toda a extensão e, naquele local em particular, onde as paletes eram mais baixas, era possível visualizar uma pessoa em cima do estrado do camião. Já acima analisamos criticamente o depoimento desta testemunha e dele não resultou o que alega a apelante. O mesmo admitiu que as grades foram transportadas sobre paletes baixas com caixas de cartão que continham material cerâmico ou vinho (não se recordava em concreto) e disse não se recordar se tais paletes cobriam todo o pavimento do reboque ou apenas parte dele. Todavia, deste depoimento resultou confirmado que entre as várias grades não foram colocados separadores ou barreiras que evitassem a sua fricção com a peça adjacente. Mas já decorre da prova produzida que terá sido evitada a movimentação livre, nomeadamente o risco de embate com a galera do camião, pois tal testemunha afirmou ter sido ele mesmo a amarrar tais grades com cintas e a retirar estas à chegada ao destino e foi seguro em afirmar que as peças expedidas não andaram soltas durante o transporte, do que imediatamente se teria apercebido. Como tal, será eliminado da alínea l) dos factos não provados apenas o trecho relativo à não prova de não colocação de barreiras pela ré com vista a evitar que as grades expedidas entrassem em fricção entre si ou com os demais materiais transportados, facto que passará a provado. Acresce que a colocação de cintas pela ré foi alegada pela própria autora, no artigo 30º da petição inicial, dessa forma de atamento resultando, pelo menos, alguma proteção contra a fricção das peças com outros elementos. Face à convicção gerada pelo depoimento de AA, que assegurou que prendeu tais peças com cintas, tendo em conta que o próprio legal representante da autora admitiu que até a colocação de cintas apertadas poderia causar dano nas peças expedidas dada a sua fragilidade, bem como e sobretudo, porque a própria autora alegou que tais cintas foram usadas pela ré, impõe-se, à luz do disposto no artigo 662º, número 1 e número 2 c) do Código de Processo Civil alterar também a decisão relativa à matéria de facto dada por não provada sob a alínea y) (“Nas circunstâncias descritas em 21., a mercadoria foi acondicionada com cintas”) sendo a não prova da colocação dessas cintas contraditória com o que a própria autora alegou e com a valoração que foi feita da prova reapreciada, que levou à alteração apenas parcial da alínea l) dos factos não provados. Constando do processo e tendo já sido analisados os meios de prova de que resulta a convicção de que tais cintas foram colocadas pela ré, como a autora descreveu, será eliminada a alínea y) dos factos não provados, passando o seu teor a provado em conjunto com o trecho da alínea l) que passa a provado. Assim será aditado aos factos provados o seguinte: A ré, quando carregou os varandins no veículo em que os transportou para a Suíça, não colocou barreiras entre eles que evitassem que se riscassem, por efeitos da fricção entre os mesmos ou com outros materiais tendo apenas acondicionado tal mercadoria com cintas. E as alíneas l) e y) dos factos não provados serão, por consequência, eliminadas. * 2 – Pretende ainda a recorrente o aditamento aos factos provados de uma nova alínea com o seguinte teor: As grades foram descarregadas pelos funcionários da Ré na sua central de cargas em ... e voltadas a ser carregadas por aqueles para o veículo que as transportou para a Suíça. Tal facto não foi alegado na petição inicial nem na contestação e se é certo que resultou abundantemente da discussão da causa o mesmo está já, contudo, suficientemente refletido na matéria de facto provada, quer por mor da alteração acima introduzida na sua alínea 11, quer em face do teor das alíneas 10, 21 e 40, agora aditada. Pelo que nenhum outro facto deve ser aditado. * Assim, e em face das alterações e consequente renumeração da decisão de facto, passam a ser os seguintes os factos provados:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, com fim lucrativo, à construção, reparação e montagem de tubagens. 2. A ré é uma sociedade comercial, que se dedica ao exercício da atividade de transitário, incluindo a intervenção em despachos aduaneiros, no transporte nacional e internacional de mercadorias por qualquer meio e via, no armazenamento e distribuição de quaisquer produtos, bem como na prestação de quaisquer serviços conexos com essas atividades. 3. No exercício da respetiva atividade, a autora acordou com a sociedade comercial “F..., S.A.”, com sede na Suíça, o fornecimento de Varandins em alumínio, na quantidade de trinta e três varandins, com um total de duzentos e vinte e cinco metros e sessenta e três centímetros lineares, pelo valor global de € 15.777,40 (quinze mil, setecentos e setenta e sete euros e quarenta cêntimos). 4. A encomenda realizada pela sociedade “F...” foi executada em Portugal. 5. Em 10 julho de 2012, a execução da encomenda em apreço ficou concluída. 6. Em 9 de julho de 2012, a autora contactou os serviços da ré, telefonicamente e por correio eletrónico, para que a mesma informasse o preço de um transporte para a Suíça, a partir de ..., Viana de Castelo, de diversos varandins com comprimentos variáveis, no máximo 9 metros, com altura de 1,3 m, largura de 3 metros, 4100 kg de peso. 7. No mesmo dia, a ré, via email, informou que o preço para o transporte, considerando 9 metros de estrado de camião, tendo este 2,40 metros de largura e altura, ascenderia ao montante de € 1.800,00, para o transporte, acrescido do montante de € 65, relativo a despacho de exportação. 8. No mesmo email, a ré solicitava a confirmação por parte da autora até ao dia 13 do corrente mês. 9. Em 13 de julho de 2012, a ré colocou um veículo de transporte nas Instalações da autora, em ..., para carregar a encomenda. 10. Os funcionários da autora colocaram trinta e três grades em ferro no veículo de transporte de pesados, identificado pela matrícula OM-..-.., para que fossem transportadas dos estaleiros da autora, situados em ..., Viana do Castelo, para a central de cargas da ré, em .... 11. A Ré transportou as mercadorias para a Suíça, através da empresa C..., Lda, no veículo com reboque identificado pela matrícula L-.... 12. Em 18 de julho de 2012, a carga chegou ao cliente final da autora, na Suíça. 13. Em 18 de julho de 2012, a sociedade F..., cliente da autora, reclamou o estado em que se encontrava a carga, quando foi entregue. 14. Nomeadamente, o cliente da autora reclamou os seguintes danos nos bens entregues pela ré: 15. a) Os varandins encontravam-se riscados, amolgados e empenados. 16. b) Faltava um varandim, com o comprimento de 9 metros. 17. Em 18 de julho de 2012, a autora reclamou, junto da ré, os danos visíveis nos bens que lhe havia entregue para transporte, resultantes do transporte efetuado por aquela. 18. A autora entregou à ré todos os varandins que constituíam a encomenda da “F...”, para que a mesma os transportasse. 19. A autora entregou à ré todos os varandins, em estado de novo, sem quaisquer riscos e/ou amolgadelas. 20. Os bens que a autora entregou à ré para transportar tinham um valor de mercado de € 15.777,40, à data do transporte. 21. A ré acondicionou a mercadoria, para o transporte até à Suíça, na horizontal, em cima de paletes, de sacos, sem qualquer proteção a separá‐las, sem qualquer outra carga em cima. 22. Tendo em conta as circunstâncias descritas em 21) e o facto de os varandins serem integrados por peças tubulares e ocas, verificaram-se os danos descritos em 15). 23. Para poder cumprir o acordo que celebrou com a “F...”, a autora foi obrigada a garantir que os bens entregues eram substituídos por outros sem danos, 24. Ou eram reparados os que estavam danificados. 25. A autora teve que expedir, novamente, um corrimão danificado no transporte realizado pela ré, para a Suíça, o que comportou um custo global de €980,00. 26. A autora despendeu a quantia de € 98,25 em material, para o referido corrimão. 27. A “F...” procedeu a reparações do material entregue pela ré, que comportaram um custo global de 14.429,85 CHF (catorze mil, quatrocentos e vinte e nove francos suíços e oitenta e cinco cêntimos), que corresponde a € 11.738,87. 28. A autora pagou os valores referidos em 25. a 27. 29. A ré, depois da comunicação pela autora do sucedido, encaminhou o assunto para a sua seguradora. 30. Nunca tendo, também, recusado ressarcir a autora dos mesmos. 31. A R., nas comunicações que trocou com a autora apenas informou a mesma de que a seguradora com a qual terá contratado a transferência da responsabilidade pelos danos que pudessem ocorrer, recusou ressarcir a autora. 32. Nunca tendo referido à autora que se recusava, ela própria, a pagar esses danos. 33. Nas circunstâncias descritas em 7), o representante da autora Sr. GG contactou a ré através da sua funcionária, ali referida, para organizar o transporte de diversos varandins, com comprimentos variáveis, com um peso bruto de 4100 Kgs, desde ..., Viana do Castelo, até à Suíça, por camião. 34. As mercadorias da autora, sem qualquer embalagem, foram carregadas, por funcionários da Autora, no veículo OM-..-.., propriedade da empresa E..., não tendo os referidos funcionários da autora colocado qualquer proteção que, acompanhando a mercadoria, possibilitasse o resguardo dos ditos varandins. 35. A carga da autora foi transportada sem qualquer peso por cima. 36. Aquando da receção da mercadoria no destinatário, este fez constar no documento CMR, como reserva, a existência de peças torcidas durante o transporte, fazendo menção à necessidade de verificação posterior, constando de tal documento, no espaço destinado a “Embalagem”, a menção a “Diversos”. 37. Não foi possível visualizar os alegados danos a posteriori, para avaliar a sua extensão face ao descrito em 27. 38. A carga foi transportada sem qualquer embalagem para proteção e sujeita à ação dos elementos. 39. A ré, quando carregou os varandins no veículo em que os transportou para a Suíça, não colocou barreiras entre eles que evitassem que se riscassem, por efeitos da fricção entre os mesmos ou com outros materiais, tendo apenas acondicionado tal mercadoria com cintas.
Factos não provados: a) A autora informou a ré, desde o primeiro contacto que com a mesma estabeleceu, que as mercadorias em apreço eram frágeis, tendo que ser transportadas num veículo em uso exclusivo para as mesmas, com capacidade para as transportar na posição vertical. b) Sucede que, o veículo disponibilizado pela ré, identificado pela matrícula OM-..-.., não permitia o transporte das mercadorias na posição vertical. c) Os funcionários da autora, desde logo, reclamaram o facto de o veículo em apreço não ser adequado à concretização do acordo que as partes haviam celebrado. d) Em resposta à reclamação da autora os funcionários da ré informaram que a mercadoria iria ser transferida para outro veículo, em .... e) Na mesma data e local, os trabalhadores da ré informaram os trabalhadores da autora de que eles eram os responsáveis pela carga, pelo que, melhor do que ninguém, sabiam como fazê-la chegar sem danos ao respetivo destino. f) Quando carregaram as grades em questão no veículo OM, os funcionários da autora tiveram o cuidado de colocar proteções a separar cada uma dessas grades, para que não fossem danificadas no transporte; g) O gerente da autora alertou o motorista da ré para que a carga em apreço fosse acondicionada de forma a que nada fosse transportado em cima da mesma. h) E de forma a garantir que o transporte era feito na vertical, i) Sendo certo que, apesar de a área ocupada dessa forma ser maior j) Essa era a única forma de garantir o transporte em condições de não danificar a carga. k) A ré, quando carregou os varandins no veículo em que os transportou para a Suíça, não teve o cuidado de os colocar livres de pesos sobre os mesmos. l) A ré e os respetivos trabalhadores sabiam que podiam produzir os danos, com a forma como efetuaram o transporte. m) E conformaram-se com a possibilidade de produzir esses danos, não se coibindo, mesmo assim, de acuarem como atuaram. n) Nomeadamente, realizando o transporte com os bens em manifesto risco de se danificarem. o) Acresce que a autora ia ter mais encomendas por parte da sociedade “F...”. p) Após a entrega da primeira a encomenda da “F...”, com os defeitos supra descritos. q) A “F...” não quis contratar a autora para qualquer outro serviço. r) A “F...” perdeu a confiança que depositava no trabalho da autora s) Antes da verificação dos danos, a “F...” confiava no trabalho desenvolvido pela autora. t) A autora teve um dano de imagem e de quebra de confiança com a cliente, provocado pela ré. u) O material em causa, de ferro, estava depositado em espaço aberto nas instalações da autora, sem quaisquer resguardos que impedissem a consequente oxidação e outros danos similares. v) A ré rejeitou a reclamação da autora, e fê-lo de forma categórica em 3 de junho de 2013, através de correio eletrónico remetido com essa data, tendo ficado demonstrado apenas o vertido em 31. w) A Ré rejeitou a responsabilidade que a Autora lhe pretendia imputar desde logo por não haver registo de qualquer anomalia ocorrida durante o transporte, e por não se verificarem danos comprováveis que pudessem ter ocorrido durante o transporte da mercadoria. * 3- Da responsabilidade da ré pelos danos sofridos pela autora. Já acima se adiantou (com vista a apurar que factos cabia a cada uma das partes provar e aferir com que redação deviam ser julgados provados/não provados) que as partes não discutem a aplicação ao contrato dos autos da CMR, dado que entre elas foi celebrado um contrato de transporte internacional de mercadorias por terra. Foi esse o regime jurídico aplicado na sentença, com o qual ambas as partes concordam expressamente. Não sendo a qualificação do contrato que celebraram – de transporte internacional de mercadorias por terra - discutida em sede de recurso, resta aferir se, como pretende a recorrente, em face dos factos provados, se deve concluir que os danos provados devem ser indemnizados pela ré ou se, pelo contrário esta logrou afastar a responsabilidade prevista no artigo 17.º, número 1 da CMR que prevê que “O transportador é responsável pela perda total ou parcial ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora da entrega”. Não se discute nos autos se os referidos danos já existiam na mercadoria antes do transporte. A ré impugnou a inexistência desses danos no momento da carga, por desconhecimento, mas não tendo feito qualquer reserva no momento da receção da mercadoria relativamente ao seu estado, e tendo ela a obrigação legal de verificar o seu estado aparente e a sua embalagem nos termos do artigo 8.º, número 1 b) e 9.º, número 2 da CMR, é de presumir que a mercadoria estava em bom estado no momento da expedição. Estando provado que na chegada ao seu destino os varandins expedidos estavam riscados, amolgados e empenados, resta saber se dos factos provados pode retirar-se a responsabilidade da ré, total ou parcial, por tais danos. Ora, como já acima se afirmou, do artigo 17.º, número 1 da CMR resulta a obrigação de o transportador entregar a mercadoria no seu destino, ali se afirmando que ele é responsável pela avaria e pela perda total ou parcial da mercadoria ocorridas durante o transporte, assim como pela demora na entrega. Pelo contrato de transporte de mercadorias o transportador assume uma obrigação de resultado: deslocar a mercadoria e a colocá-la no lugar convencionado na forma e quantidade em que lhe foram entregues. Tal obrigação do transportador é a essencial, mas não a única, cabendo-lhe ainda proceder ao transporte de forma a evitar a perda ou avaria da mercadoria. Ocorrendo um destes danos ao expedidor cabe apenas alegar e provar a ocorrência desse dano e os prejuízos/lucros cessantes que daí decorreram. O número 2 do artigo 17.º prevê, contudo, que o transportador fique “desobrigado dessa responsabilidade se a perda, avaria ou demora tiver por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta do transportador, um vício próprio da mercadoria, ou circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar.”. O número 3 desse mesmo preceito elenca algumas das causas dos danos que o transportador não pode alegar para se “desobrigar” (defeitos do veículo, faltas das pessoas a quem o alugou ou dos seus agentes) e o seu número 4 prevê que que a isenção da sua responsabilidade ocorra quando o mesmo alegar e provar que a perda ou avaria “resultar dos riscos particulares inerentes a um ou mais dos factos seguintes: a) Uso de veículos abertos e não cobertos com encerado, quando este uso for ajustado de maneira expressa e mencionada na declaração de expedição; b) Falta ou defeito da embalagem quanto às mercadorias que, pela sua natureza, estão sujeitas a perdas ou avarias quando não estão embaladas ou são mal embaladas; c) Manutenção, carga, arrumação ou descarga da mercadoria pelo expedidor ou pelo destinatário ou por pessoas que atuem por conta do expedidor ou do destinatário; d) Natureza de certas mercadorias, sujeitas, por causas inerentes a essa própria natureza, quer a perda total ou parcial, quer a avaria, especialmente por fratura, ferrugem, deterioração interna e espontânea, secagem, derramamento, quebra normal ou ação de bicharia e dos roedores; e) Insuficiência ou imperfeição das marcas ou dos números dos volumes; f) Transporte de animais vivos”. (sublinhados nossos). Do artigo 18.º, número 2, da mesma Convenção resulta que se o transportador provar que a perda ou avaria resultou de um dos riscos previstos no número 4 do artigo 17.º caberá ao interessado alegar e provar que o prejuízo sofrido não resultou apenas deles, caso em que não se afastará já, total ou parcialmente a responsabilidade do transportador. Ou seja, estabelece-se, na conjugação destes dois preceitos nova presunção e consequente inversão do ónus da prova no que se refere à causa da avaria das mercadorias transportadas. Como já acima referido há quem defenda que o número 1 do artigo 17.º consagra uma presunção de culpa do transportador e quem entenda que essa presunção é de responsabilidade e não de mera culpa, assim se dispensando o expedidor da prova de nexo causal entre o dano (avaria, perda ou demora) e atuação do transportador. Acompanhamos a doutrina e jurisprudência que defendem a segunda via interpretativa o que, contudo, no contexto da questão a resolver não tem aqui interesse prático. No caso concreto, com vista à condenação da ré, caberia: - à autora a prova dos danos consistentes na deterioração das peças expedidas (prova que fez e não está posta em causa no recurso); - à ré a prova de que a autora não procedeu ao adequado embalamento das peças tendo em conta as suas características e/ou que as carregou ela da mesma forma como foram transportadas (únicos facto por ela alegados como causais dos danos e que cabem no previsto nas alínea b) a d) do número 4 do artigo 17.º da CMR cuja aplicação pediu); e, - em face da prova efetivamente feita relativa à fragilidade das peças expedidas e à falta de embalamento das mesmas, caberia à autora provar que estas não foram a única causa da deterioração das peças que expediu. Ora, no caso, o Tribunal a quo pronunciou-se expressamente, na alínea 22 dos factos provados, sobre a concausa dos danos descritos na alínea 15. Dessa alínea decorre que a circunstância de os varandins expedidos estarem riscados, amolgados e empenados à sua chegada ao destino decorreu quer da forma como a ré a acondicionou - na horizontal em cima de paletes e de sacos sem qualquer proteção a separá-las-, quer do facto de os mesmos serem frágeis, por serem constituídos por peças tubulares ocas. Como já acima se afirmou, estas características dadas por provadas são a concretização da qualificação que a própria autora fez das mercadorias expedidas, que adjetivou de frágeis. Ora, também se provou na alínea 38., que a autora não embalou ou protegeu por qualquer forma as peças expedidas, entregando-as à transportadora sem qualquer resguardo. O carregamento das mercadorias no meio de transporte usado e o seu embalamento são coisas distintas. Este refere-se à proteção da mercadoria, ou seja, qualquer resguardo que acompanha a mesma e que é, por isso, da responsabilidade do expedidor. São formas de embalamento, caixas, sacos, revestimentos de espuma, filme, cartão ou qualquer outro material que proteja a mercadoria antes do carregamento resguardando-a. O facto de se tratarem de mercadorias frágeis torna a necessidade de embalamento/resguardo especialmente premente. Já a forma de acondicionamento da mercadoria no transporte de modo a não sofrer danos por força das vicissitudes deste, refletir-se-á na posição que ocupam na galera, no modo como são presas ou separadas entre si ou cobertas, de modo a não sofrerem com a trepidação, travagens, exposição ao clima, etc. Ora, provou-se, em suma, a falta de embalamento de mercadorias frágeis dadas as suas características e que estas foram concausa dos danos sofridos, conjuntamente com a forma como foram transportadas pela ré: deitadas sobre paletes e sem nada a separá-las. A questão de facto decidenda suplanta, assim, qualquer discussão de direito quanto aos ónus de alegação e prova de cada uma das partes, pois dela resulta já assente o contributo de duas causas para o resultado danoso. E se, quanto às caraterísticas dos materiais expedidos (a sua fragilidade decorrente da forma tubular e oca das suas peças) sem embalagem ou resguardo, não se podem imputar à ré, já assim não sucede quanto à forma como foram acondicionadas no transporte. A prova de que a autora carregou, ela mesma, a mercadoria dessa forma no primeiro veículo que a foi recolher às suas instalações não desobriga por si só a ré, já que mais tarde, quando a mesma foi acondicionada no veículo em que efetuou a parte substancial do percurso (das suas instalações até à Suíça), foi a ré quem a carregou, sabendo que a mesma iria ser transportada ao longo de três dias, em estrada, não estando a mesma embalada. Recorde-se, a propósito, que do artigo 17.º da CMR resulta uma presunção de responsabilidade e que esta não ficou totalmente afastada em sede de matéria de facto pois nesta expressamente se ligou o resultado danoso também a atos relativos ao acondicionamento no pesado, da sua responsabilidade. Definidos quer os danos, quer que as omissões de autora e ré foram concausa daqueles, cumpre, com vista a fixar a existência da obrigação de indemnizar, aferir o grau de culpa da ré, que, no âmbito do disposto no artigo 17.,º, número 1 da CMR se presume (no nosso entender, não só ela como a própria responsabilidade, como acima adiantado), mas que se pode revelar grave e, nesses casos, motivar o afastamento dos limites indemnizatórios previstos nos artigos 23.º a 28.º da CMR (cfr. artigo 29.º do mesmo diploma). Seguimos quando à qualificação da culpa a que se refere o artigo 29.º do CMR o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça em recente acórdão de 29-04-2025[9]. Tomando, mais uma vez, posição quanto à questão de saber se, por força da aplicação do conceito de culpa vigente no Código Civil no âmbito da responsabilidade civil, é de equiparar o dolo à negligência ou, pelo menos à negligência grosseira, ali afirma o Supremo Tribunal de Justiça que “A violação meramente negligente do dever contratual do transportador, por não equivaler, nos termos do art. 29.º, n.º 1, da CMR, ao dolo, não o impede de se prevalecer do direito à limitação da sua responsabilidade por perda do bem a transportar (…) Em primeiro lugar, não se julga correcto que a presunção – de responsabilidade ou de culpa, conforme o entendimentos que se julgue preferível – que vulnera do transportador, se resolva, afinal, numa presunção de dolo, dado que, patentemente, a única coisa que a CMR presume é aquela responsabilidade ou esta culpa, mas não, seguramente, o dolo (art.º 17.º, n.º 1). De seguida, a verdade é que a CMR reserva para si a definição – autónoma - das situações em que o transportador perde o benefício da limitação da sua responsabilidade e não remete essa mesma definição para a lex fori e só aceita a exclusão daquela limitação no caso de dolo ou de uma falta que, pela sua gravidade equivalha ao dolo. E, comprovadamente, a mera negligência, não constitui uma falta equivalente ao dolo, equivalência que, de resto, excluiria praticamente qualquer possibilidade de o transportador se prevalecer da limitação da sua responsabilidade, faculdade que constitui um elemento definidor do sistema específico da responsabilidade do transportador e que surge, de certo modo, como contrapartida da presunção de responsabilidade que o vulnera. Depois é igualmente certo que, como, aliás, este Tribunal Supremo tem sublinhado, o Código Civil não deixa de considerar relevante o distinguo entre o dolo e a negligência em casos de responsabilidade contratual, como sucede, v.g., nos casos de mora do credor (art.ºs 814.º e 815.º), de exclusão da compensação (art.º 853.º, n.º 1, a)), de responsabilidade do doador (art.ºs 956.º e 957.º), de responsabilidade do comodante (art.º 1134.º) e de responsabilidade do mutuante (art.º 1151.º) e, de outro, que não falta doutrina que sustenta que a faculdade de redução da indemnização quando a responsabilidade assenta na mera culpa é também aplicável à responsabilidade ex-contractu, ponto de vista que é também partilhado por alguma jurisprudência do Supremo. Neste contexto, o que se pode, realmente, discutir - aceitando-se como correcta a metodologia de transpor para a domínio da interpretação da Convenção CMR as soluções específicas do direito interno português no tocante à admissibilidade da limitação da responsabilidade do transportador - é, desde logo, se não haverá, decisivamente, que considerar, em vez do regime geral relativo à responsabilidade do devedor, o regime específico interno do contrato de transporte rodoviário de mercadorias, disposto no Decreto-Lei n.º 239/2003, de 4 de Outubro, na sua redacção actual - que, segundo o respectivo preâmbulo adoptou regras de limitação de responsabilidade (….) que não reproduzindo exactamente o constante da CMR, atento o espaço geográfico em que se realizam os transportes a que se aplica o presente diploma, segue, no entanto, os mesmos princípios orientadores - do qual resulta que, no caso de perda, avaria ou demora na entrega, só o dolo do transportador o impede de ser fazer prevalecer das disposições que excluam ou limitam a sua responsabilidade, e, portanto, é claro e terminante em não admitir a perda do direito à limitação da indemnização de que seja devedor, no caso de ter actuado, na realização da sua prestação, com mera negligência ou negligência simples (art.ºs 20.º e 21.º). (…) Realmente, parece ser de reconhecer que um comportamento do transportador caracterizado por um desrespeito particularmente intenso dos deveres de cuidado ou diligência presentes no caso e cuja observância, nas circunstâncias em que actuou, era capaz e lhe era exigível, portanto, por um grau essencialmente aumentado ou intensificado de negligência, pode ser equiparado ao dolo, para efeitos da exclusão do direito à limitação da responsabilidade regulada, tanto pela CMR, como pela norma específica correspondente de direito interno15 (art.ºs 29.º da CMR e 21.º do Decreto-Lei n.º 239/2003, de 4 de Outubro).” Segundo João Ricardo Branco[10], a conduta do transportador deve ser apreciada em termos objetivos, apelando ao grau de diligência de um bom pai de família colocado nas mesmas circunstâncias, e tendo em conta os padrões de qualidade exigíveis para profissionais. Afirma tal autor, que se impõe “uma apreciação de tipo tendencialmente abstracto, apelando à diligência profissional. Nos casos em que estiver em causa uma conduta temerária do transportador, impõe-se, com especial intensidade, fixar o carácter censurável dessa conduta à luz de critérios normativos, dados os valores em presença. De facto, seria manifestamente chocante e disforme com o sistema de responsabilidade do transportador que este se pudesse fazer valer dos limites de responsabilidade naquelas situações em que a sua conduta objetivamente apreciada não condiz com os patamares de diligência que passageiros e carregadores podem normalmente esperar.” Ora, perante o elenco de factos provados, conclui-se que ao transportador, tendo em conta as peças expedidas e ainda que desconhecesse a sua inerente fragilidade - que não era aparente por decorrer de serem ocas, característica do seu interior e não visível -, não seria exigível suprir, no seu acondicionamento/carregamento, a total falta de resguardo/embalamento, que cabia à expedidora. A sua responsabilidade revela-se na forma como empilhou as peças deitadas, umas sobre as outras, sendo essa forma de acondicionamento pouco cuidadosa, apesar de as ter prendido com cintas. Esta forma de amarração já revela algum cuidado, pois evitava que as peças andassem soltas a embater livremente umas contra as outras ou contra a galera e a carga que tinham sob elas. Mas não evitava que roçassem umas nas outras ainda que em movimentos mais curtos. Tratavam-se, contudo, de peças metálicas de grande dimensão e peso, não lacadas ou pintadas e a sua aparência de robustez não suscitava cuidados especiais ou dúvidas sobre a sua resistência. Dos factos provados não resulta, assim, uma conduta que possa ter-se por especialmente censurável e que, por isso, possa qualificar-se como de culpa grave da ré que, contudo, é responsável parcialmente pela ocorrência do dano, na medida em que este tenha decorrido da forma de carregamento da mesma. Recorde-se que do artigoº 17º, número 1 resulta a sua responsabilidade “pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega, assim como pela demora da entrega.” e a ré não afastou totalmente esta responsabilidade. Não se provou, em suma, como fora alegado, que a ré incumpriu dolosamente recomendações que lhe foram feitas pela autora quanto à forma de transporte, nem que tenha ocorrido culpa grave ou negligência grosseira da ré, pelo que está afastada a aplicação do artigo 29.º da CMR. Nos termos do artigo 17.º, número 5 da CMR, “Se o transportador, por virtude do presente artigo, não responder por alguns dos fatores que causaram o estrago, a sua responsabilidade só fica envolvida na proporção em que tiverem contribuído para o estrago os fatores pelos quais responde em virtude do presente artigo.”. Assim, cumpre fixar o contributo relativo de cada um dos comportamentos causais do dano e, de seguida, a indemnização a que tem direito a autora, por força da quota parte de responsabilidade a imputar à ré. Quanto à primeira questão, em face da exiguidade da descrição dos danos, não há grande lastro factual para que se possa ponderar em que medida a falta de embalamento e o mau acondicionamento da carga contribuíram para a sua ocorrência. Pode, contudo, com razoável grau de certeza, afirmar-se que o empenamento das peças não seria evitado pelo seu embalamento, tal como que os riscos seriam provavelmente evitados pelo mesmo. Já quanto às partes das peças amolgadas, desconhece-se em que consistia este dano, nomeadamente que profundidade teriam as mossas, pelo que não pode afirmar-se que seriam tendencialmente decorrentes de uma ou outra das referidas causas admitindo-se que podiam decorrer das duas. Também se não sabe que extensão tinha cada um dos danos (vg. quantas peças estavam riscadas, quantas empenadas e quantas amolgadas ou que área dos varandins exibia cada uma dessas avarias). Assim, sabendo-se apenas que existiam danos que eram mais provavelmente decorrentes da fragilidade das peças e da sua falta de embalamento e outros mais consentâneos com o seu indevido acondicionamento, afigura-se equitativo fixar a medida do contributo de cada uma dessas causas em 50% por não haver elementos que permitam distinguir o contributo de cada uma das causas para o resultado final. Nestes termos, a ré apenas será responsável pela indemnização devida à autora até ao limite de 50%. O cálculo dessa indemnização, na falta de prova de dolo ou negligência grosseira da ré, deve ser feito nos termos e com os limites previstos nos artigos 23.º a 28.º da CMR. * As custas da ação deverão ser suportadas pela autora e pela ré nas proporções dos seus decaimentos, a calcular de acordo com o pedido.As custas do recurso deverão ser suportadas por ambas as partes, já que ambas nele decaíram em igual medida, Tudo em face ao disposto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil. V – Decisão: Julga-se a apelação parcialmente provida e, em consequência revoga-se a sentença, condenando-se a ré a pagar à autora o valor de 6 408, 56 € acrescido de juros de mora à taxa de 5% ao ano desde a sua citação e até efetivo e integral pagamento. Absolve-se a ré do demais peticionado. Custas da ação por ambas as partes na proporção dos seus decaimentos e custas do recurso também por ambas, na mesma proporção (50% para cada uma delas). |