Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0110178
Nº Convencional: JTRP00032061
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: ASSISTENTE
APOIO JUDICIÁRIO
CUSTAS
DISPENSA
INCIDENTES DA INSTÂNCIA
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RP200105230110178
Data do Acordão: 05/23/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J MAIA
Processo no Tribunal Recorrido: 597/99
Data Dec. Recorrida: 01/26/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Área Temática: DIR TRIB - DIR CUSTAS JUD.
Legislação Nacional: CPP98 ART515 N1 D.
CCJ96 ART85 N3 E.
Sumário: Considerando-se injustificada a abstenção de acusar por parte do assistente, que beneficia do apoio judiciário na forma de dispensa do pagamento de custas, deve ser fixada a taxa de justiça devida pelo incidente nos termos do artigo 515 n.1 alínea d) do Código de Processo Penal e artigo 58 n.3 alínea e) do Código das Custas Judiciais.
Esta fixação tem, todavia, apenas o sentido de uma simples declaração de responsabilidade, não podendo ser entendida como uma condenação directa no seu pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

Nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da comarca de....., Irene..... apresentou queixa contra Rosa....., por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de injúrias p. e p. pelo art. 181, n.º 1 do C. Penal.
Por despacho de 15 de Março de 2000, foi concedido à ofendida o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de custas.
A ofendida foi constituída assistente nos autos.
Findo o inquérito, o Ministério Público notificou a assistente, nos termos do art. 285, n.º 1 do CPP, para que esta deduzisse, em dez dias, acusação particular.
Não tendo a assistente deduzido acusação particular, o Ministério Público determinou que os autos fossem conclusos ao M. m.º Juiz de Instrução Criminal, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 515, n.º 1 al. d) do CPP.
Sobre tal promoção, recaiu o seguinte despacho:
“Nos autos, a assistente goza de apoio judiciário, na modalidade de isenção de pagamento de custas - fls. 49.
Entendemos face a esse benefício e salvo melhor opinião, que se torna inútil proceder à sua condenação em custas, após proceder à respectiva liquidação e demais actos processuais.
Com efeito, e conforme refere Salvador da Costa, in Incidentes da Instância, pág. 331 e segs., caso esse benefício venha a ser retirado à requerente essa decisão declarativa deverá fixar o respectivo montante a liquidar a titulo de custas.
Assim sendo, pelos motivos referidos pelo respectivo autor e ainda ao abrigo do art. 137 do CPC, nada se determina”.
Inconformado, o Ministério Público recorreu para esta Relação, concluindo deste modo:
1. Reza o art. 515, n.º 1 al. d) do CPP, que “é devida taxa de justiça pelo assistente se fizer terminar o processo (...) por abstenção injustificada de acusar”.
2. Estipula o art. 15, n.º 1 do DL n.º 387-B/87, de 29/12, que no âmbito do apoio judiciário pode ser requerida e concedida dispensa do pagamento de custas.
3. Tal norma seguiu de perto o regime que resultava da Lei n.º 7/70, de 9/6, segunda a qual, a concessão de apoio judiciário não interferia nas regras de responsabilidade das custas, mas tão somente na exigibilidade do seu pagamento, o qual ficaria dependente da informação sobre a posterior aquisição de bens (cf. art. 29 do DL n.º 562/70, de 18/11).
4. No seu douto despacho, o M.º Juiz “a quo” entendeu que a decisão que concedeu à assistente o apoio judiciário se traduziu numa decisão que a isentou do pagamento de custas.
5. Os arts. 15, n.º 1 e 31, n.º 4 do DL n.º 387-B/87, de 29/12 não referem qualquer isenção do pagamento de custas, mas tão só a sua dispensa.
6.É com tais normativos que o art. 54 do mesmo diploma legal, cuja epígrafe é “Acção para cobrança de quantias cujo pagamento foi dispensado”, deve ser compatibilizado.
7. A condenação do assistente, a quem foi concedido o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de preparos e de custas, que desiste da queixa apresentada ou injustificadamente não deduz acusação, é uma realidade diversa da do pagamento da quantia respectiva, pelo que deveria o M.m.º Juiz ter-se pronunciado pela condenação da assistente no pagamento da taxa de justiça, já que a cobrança dessa quantia ficaria dependente da obtenção de informação donde resultasse que a situação económica do requerente do benefício se tinha alterado.
8. Pelo que, dando provimento ao recurso e revogando o douto despacho sindicado e substituindo-o por outro que condene a assistente Irene..... no pagamento da taxa de justiça prevista no art. 515, n.º 1 al. d) do CPP, se fará justiça.
Não houve resposta.
O Ex. m.º Juiz proferiu despacho de sustentação.
Nesta instância, o Ex. m.º Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão prévia da inadmissibilidade do recurso, por a taxa de justiça a fixar, entre ¼ da UC e 5 Ucs, ficar aquém do valor a que se refere o art. 400, n.º 2 do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Acerca da questão prévia:
Como bem se sabe, a regra geral é a da recorribilidade (art. 399 do CPP).
Não se encontrando prevista na lei a irrecorribilidade da decisão sobre custas - uma coisa é o recurso, da parte cível da sentença, relativa a indemnização (cf. art. 400, n.º 2 do CPP), outra coisa é o recurso da decisão sobre custas -, temos de concluir, se bem julgamos, que o despacho recorrido é susceptível de recurso, não tendo fundamento a questão prévia suscitada.
Acerca da questão que é objecto do recurso:
Não está em causa a responsabilidade da assistente por taxa de justiça, nos termos do art. 515, n.º 1 al. d) do CPP, ao ter feito terminar o processo por abstenção injustificada de acusar.
O ponto está em saber - e este é o único sobre que temos de decidir - se do despacho recorrido devia o Ex. m.º Juiz ter feito constar a condenação da assistente - a quem foi concedido o benefício do apoio judiciário, na forma de dispensa do pagamento de custas - no pagamento do respectivo quantum, sendo ademais certo estar-se perante uma hipótese em que a taxa de justiça é variável (cf. art. 85, n.º 3 al. e) do CCJ).
É uma questão controvertida a de saber se ficando vencido (na acção, no incidente, no recurso), o beneficiário do apoio judiciário, na forma de dispensa de custas, deve ser condenado no seu pagamento na respectiva decisão.
Perfilam-se, a este respeito, duas teses:
Para uns, o juiz deve condenar o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de custas, no pagamento das custas por que for considerado responsável, já que tal condenação não contende com a dispensa de pagamento do respectivo montante, enquanto se mantiver a situação económica e financeira em que se baseou a concessão do benefício. Condena-se, então, o beneficiário do apoio judiciário a pagar o montante das custas, de cujo pagamento foi dispensado, com a menção sem prejuízo do apoio judiciário [Neste sentido, cf. António Santos Abrantes Geraldes, in Temas Judiciários, I Volume, p. 279, para quem, em face da informação de onde resulte a alteração da situação patrimonial em que se baseou a decisão favorável à concessão do apoio judiciário, o MP deve deduzir, no processo em que o apoio foi concedido, o incidente a que se reporta o art. 37 do DL n.º 387-B/87, de 29/12 e o art. 9 do DL n.º 391/88, de 26/10. Diferente é a posição de Salvador da Costa (Apoio Judiciário, 2.ª ed., p. 355), para quem, nessa hipótese, não há lugar ao incidente de revogação do benefício do apoio judiciário previsto no citado art. 37, mas sim ao accionamento a que se refere o art. 54, n.º 1 do mesmo diploma legal (cf., também, de acordo com esta segunda posição, Ac. da RE de 17.01.91, BMJ n.º 403, p. 500).].
E verificados os pressupostos referidos no art. 54, n.º 1 do DL n.º 387-B/87, de 29/12, deverá o Ministério Público, com base no titulo executivo consubstanciado naquela decisão, instaurar acção executiva, para pagamento de quantia certa, [Actualmente, com processo sumário, em vista da eliminação da forma sumarissima do processo de execução, com a Reforma de 1995/1996.] para cobrança das custas devidas.
Para outros, resulta da conjugação das normas dos arts. 15, n.º 1, 37, n.º 1 e 54, n.º 1 a 3 do DL n.º 387-B/87, de 29/12 e 446 do CPC, que a decisão cujo conteúdo implique o segmento relativo a custas contra quem beneficiou do apoio judiciário na modalidade de dispensa do seu pagamento deverá definir, se for caso disso, em termos de percentagem, a responsabilidade pela realização do crédito de custas, mas não pode, por dele ter havido dispensa por decisão definitiva, condenar no pagamento do respectivo quantum.
E a acção a que alude o art. 54, n.º 1 do DL n.º 387-B/87, de 29/12 é a declarativa de condenação com processo sumarissimo [Neste sentido, Salvador da Costa, in Apoio Judiciário, Dec. Lei 387-B/87, de 29 de Dezembro e 391/88, de 26 de Outubro anotados e comentados, 2.ª edição, p. 355 e ss.; Os Incidentes da Instância, p. 331 e ss.; O Apoio Judiciário, 3.ª edição, p. 221 e ss.; cf., também, Ac. do STJ de 12 de Novembro de 1996, BMJ n.º 461, p. 357.].
Coloca-se esta questão perante o regime de apoio judiciário constante do DL n.º 387-B/87, de 29/12, aplicável no caso dos autos [O art. 54 da Lei do Apoio Judiciário aprovada pela Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, manteve a redacção do art. 54 do diploma anterior.]. Em análise, fundamentalmente, a interpretação do normativo do art. 54, n.º 1 e 2 do mesmo diploma, segundo o qual:
“1-Caso se verifique que o requerente do apoio judiciário possuía à data do pedido ou que adquiriu no decurso da causa ou após esta finda meios suficientes para pagar os honorários, despesas, custas, imposto, emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido declarado isento, é instaurada acção para cobrança das respectivas importâncias.
2-A acção a que se refere o número anterior segue sempre a forma sumarissima”.
Quanto a nós, propendemos a considerar que a acção a que aludem os n.º 1 e 2 do art. 54 do DL n.º 387-B/87, de 29/12, é a acção declarativa de condenação com processo sumarissimo.
É a posição defendida por Salvador da Costa, para quem:
– O elemento literal de interpretação não se apresenta, aqui, como decisivo, já permitindo o elemento histórico uma leitura interpretativa mais concludente.
– Por outro lado, o entendimento perfilhado corresponde ao sentido mais acertado da solução legal.
Escreve este Autor (Lei do Apoio Judiciário, 3.ª edição, p. 222 e 223):
“No anterior sistema da assistência judiciária não havia dúvida sobre esta questão, visto a lei expressar que se houvesse informação de que o devedor que litigara com o benefício da assistência judiciária adquirira bens, devia instaurar-se execução para cobrança das custas e dos honorários em dívida, mas aquele normativo não passou para o actual sistema de acesso ao direito e aos tribunais.
Nos trabalhos preparatórios relativos ao artigo em análise sempre foi utilizada a expressão execução para cobrança.
Como o legislador optou pelo uso da expressão acção para cobrança, no confronto daqueloutra historicamente consagrada e não polissémica de execução para cobrança, ou de outra possível como é o caso de acção executiva para cobrança, é legítimo o entendimento de que pretendeu reportar-se à acção declarativa de condenação.
O facto de o normativo em análise estabelecer que a referida acção segue a forma sumarissima reforça, aliás, o entendimento referido em segundo lugar, ou seja, que ele visa a acção declarativa de condenação.
Com efeito, prevê o nosso ordenamento jurídico um processo especial de acção executiva, correntemente designado por execução por custas ou execução por dívida de custas, com relevantes particularidades em relação à acção executiva para pagamento de quantia certa com processo sumario.
O intérprete deve presumir, na determinação do sentido e alcance da lei, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas.
Se o legislador pretendesse que a acção prevista no normativo em análise fosse a executiva, então não necessitava de inserir esse comando, bastando para o efeito, que utilizasse, em vez do termo acção, o vocábulo execução.
Por outro lado, se o legislador pretendesse inserir este normativo com o escopo de estabelecer que a acção em causa é a executiva e que ela seguia sempre a forma sumarissima de processo, então a solução não assenta em suficiente base literal nem é, em termos de adequação, razoavelmente compreensível.
Com efeito, não se compreenderia que pela simples informação sobre o pressuposto patrimonial a que se reporta o n.º 1 deste artigo, o Ministério Público instaurasse a acção executiva, sem que o beneficiário do apoio judiciário fosse notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento do montante em causa”.
E mais adiante, ao enunciar as razões pelas quais, na sua opinião, esse entendimento é o que corresponde ao sentido mais acertado da solução legal:
“Ademais, no caso de dispensa de pagamento de custas, sem prejuízo da declaração do valor percentual de cujo pagamento o beneficiário do apoio judiciário foi dispensado, inexiste fundamento razoável para a condenação no respectivo pagamento e, consequentemente, para a formação de titulo executivo.
Acresce que o meio adequado de verificar, com respeito pelos princípios da segurança jurídica e do contraditório, se o requerente do apoio judiciário dispunha, ao tempo do pedido de apoio judiciário, ou se adquiriu posteriormente meios económicos suficientes para suportar o pagamento das custas de que foi dispensado é a acção declarativa de condenação.
Finalmente, se no procedimento de revogação do apoio judiciário se exige que o seu beneficiário seja ouvido antes da decisão final, diversa solução na hipótese em análise seria não só descabida como também desajustada, certo que a fase declarativa inicial dos embargos à acção executiva não impedia o acto de penhora”.
Ao contrário, porém, de Salvador da Costa, não nos parece decorrer, forçosamente, deste entendimento, que da decisão que ponha termo à acção, incidente ou recurso, não deva constar a fixação do montante das custas devidas pelo beneficiário de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de custas.
Em tal decisão, deve o juiz, a nosso ver, pronunciar-se sobre a responsabilidade pelo pagamento das custas, em termos percentuais, se for caso disso, fixando, ainda, a taxa de justiça devida, se variável.
Claro que, nesse caso, a fixação das custas devidas não se traduzirá numa condenação directa, antes se devendo considerar como uma simples declaração de responsabilidade [Cf. o citado Ac. do STJ de 12/11/96, BMJ n.º 461, p. 361.].
Nem essa decisão autorizará a secretaria a remeter ao beneficiário do apoio judiciário o aviso para pagamento das custas.
Esta solução, que nos parece preferível, coaduna-se com a letra do n.º 1 do art. 54 do DL n.º 387-B/87, de 29/12:
“Caso se verifique que o requerente do apoio judiciário possuía à data do pedido ou que adquiriu (...) meios suficientes para pagar (...), é instaurada acção para cobrança das respectivas importâncias”.
Note-se, também, que o momento adequado para o juiz fixar a medida da responsabilidade pelas custas é aquele em que profere a decisão que julga a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos (cf. art. 446, n.º 1 do CPC).
A solução que defendemos não colide com o entendimento de que a acção a que alude o art. 54, n.º 1 do DL n.º 387-B/87, de 29/12, é a acção declarativa de condenação com processo sumarissimo, uma vez que, nesse caso, a fixação das custas devidas pelo beneficiário do apoio judiciário não constituirá titulo executivo suficiente para a cobrança das custas, a qual terá de ser feita, através da referida acção se e quando se verificarem os pressupostos referidos no normativo citado.
Em síntese, e revertendo ao caso dos autos, diremos que:
Considerando-se injustificada a abstenção de acusar por parte da assistente, beneficiária do apoio judiciário, na forma de dispensa de pagamento de custas, deve ser fixada a taxa de justiça devida pelo incidente nos termos dos arts. 515, n.º 1 al. d) do CPP e 85, n.º 3 al. e) do CCJ.
Essa fixação das custas tem, todavia, apenas, o sentido de uma simples declaração de responsabilidade, não podendo ser entendida como uma condenação directa da assistente no seu pagamento.
Decisão:
No termos expostos, acordam os Juizes desta Relação em conceder parcial provimento ao recurso, revogando, em parte, o despacho recorrido que deve ser substituído por outro em que seja fixada a taxa de justiça a cargo da assistente pela injustificada abstenção de acusar, sem que, todavia, essa decisão tenha o sentido e alcance de uma condenação directa no seu pagamento.
Sem custas.
Porto, 23 de Maio de 2001
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira.
Francisco Marcolino de Jesus
Nazaré de Jesus Lopes Miguel Saraiva