Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP00032557 | ||
Relator: | TOMÉ BRANCO | ||
Descritores: | IMPUTABILIDADE PERIGOSIDADE MEDIDAS DE COACÇÃO INTERNAMENTO INTERNAMENTO DE INIMPUTÁVEL EXEQUIBILIDADE PRISÃO PREVENTIVA | ||
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Nº do Documento: | RP200202270210015 | ||
Data do Acordão: | 02/27/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recorrido: | T J V CONDE | ||
Processo no Tribunal Recorrido: | 423/01 | ||
Data Dec. Recorrida: | 11/16/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. ALTERADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | CPP98 ART160 ART202 N2. L 36/98 DE 1998/07/24 ART12 ART21 ART23. | ||
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Sumário: | Estando fortemente indiciado que o arguido deve ser considerado inimputável para os crimes de que vem acusado (ofensa à integridade física qualificada e detenção de armas proibidas) e que não haverá perigosidade desde que haja acompanhamento psiquiátrico regular, deverá o mesmo ser sujeito à medida coactiva de internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado. Não pode pois manter-se a decretada medida de prisão preventiva aplicada com o fundamento de que "as unidades hospitalares existentes no distrito judicial do Porto não dispõem de infra-estruturas e recursos humanos que permitam o internamento preventivo referido no citado artigo 202 n.2, uma vez que não é possível naqueles estabelecimentos prevenir perigos de fuga e cometimento de novos crimes". Com efeito, nesta fase o que importa é saber se a medida de internamento é ou não adequada ao caso. A questão da execução de tal medida é um problema diferente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I) O arguido, JOSÉ....., interpôs recurso do despacho judicial certificado a fls. 170, que manteve a prisão preventiva, concluindo a correspondente motivação por dizer:I- Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 179 dos autos, que determinou a manutenção da medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido/recorrente; II - O recorrente vem acusado nestes autos pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 143°, nº 1 e 146°, n° 2 do Código Penal e pela prática de um crime de detenção de armas proibidas p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 275° nºs 1 e 3 do C. Penal, com referência ao art. 3°, nº 1, ai. f do Decreto-Lei nº 207-A/75, de 17 de Abril; III- Na sequência da sua detenção, por despacho proferido em sede de Primeiro Interrogatório Judicial, foi-lhe aplicada a medida de coacção de Prisão Preventiva; IV- Os fundamentos invocados no douto despacho para a aplicação dessa medida foram, a existência de perigo, tendo em conta a personalidade revelada pelo arguido, de continuação da actividade criminosa e o de perturbação da ordem e tranquilidade públicas; V- Em face do comportamento do arguido, foi ainda ordenada a realização de perícia sobre a sua personalidade e perigosidade, tendo sido elaborado pelo Hospital de Magalhães Lemos relatório do exame médico-legal psiquiátrico acerca daquele; VI- Nas conclusões do referido relatório, constata-se que o arguido "sofreu de episódio psicótico do tipo maniforme, documentado nas passagens por serviços de urgência e internamento psiquiátrico", devendo "ser considerado inimputável para os crimes de que é acusado". VII- Concluindo ainda o Exmo. Perito que, "os episódios maniformes são transitórios, havendo habitualmente recuperação completa, mas podem recidivar, o que obriga a acompanhamento psiquiátrico regular" entendendo assim que "não haverá perigosidade desde que tenha esse acompanhamento" ; VIII- Por despacho datado de 20 de Novembro de 2001, manteve-se a medida de coacção aplicada, prisão preventiva; IX- Invocando-se como fundamento da sua aplicação a inalteração dos pressupostos de facto e de direito que a determinaram e ainda o facto de não haver lugar a internamento preventivo em hospital psiquiátrico ao abrigo da Lei n° 36/98 de 24 de Julho, Lei da Saúde Mental, em virtude das unidades hospitalares competentes não disporem de infra-estruturas e recursos humanos que permitam prevenir perigos de fuga e de cometimento de novos crimes; X- E deste despacho que se recorre; XI- Refere o douto despacho recorrido a inalteração dos pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva; XII- Tal não é verdade, pois em face de perícia médico-legal psiquiátrica efectuada pelo Hospital de Magalhães Lemos ao arguido, concluiu-se pela sua inimputabilidade relativamente aos factos ilícitos por ele praticados; XIII- As medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal do arguido, liberdade esta que é um direito fundamental do cidadão consagrado na Constituição, como tal a sua aplicação em detrimento deste direito, só pode ter lugar nos termos previstos e fixados na lei; XIV- Segundo art. 192°, n° 2 do C.P .P . relativo às condições gerais da aplicação das medidas de coacção, havendo dados conclusivos da existência de causas exclusórias da responsabilidade do arguido, não haverá lugar à aplicação de medidas de coacção, pois em tais circunstâncias, essa aplicação contenderia necessariamente com os direitos, liberdades e garantias individuais do cidadão; XV - Devem compreender-se na expressão "causas de isenção da responsabilidade" utilizada pelo legislador no n° 2 do referido artigo "todos os casos de afastamento da responsabilidade penal, nomeadamente as causas de justificação e de exculpação, de extinção da responsabilidade e do procedimento criminal e as causas de isenção de pena", considerando-se, em suma, "toda a espécie de situações em razão das quais o agente não será punido"; XVI - Não pode pois, nem deve, ser aplicada ao arguido nenhum tipo de medida de coacção, visto ele não poder ser responsabilizado pelos seus actos uma vez que deve ser considerado inimputável;. XVII- A prisão preventiva não tem carácter de pena e como tal não tem justificação em si mesma. A sua justificação reside antes, na necessidade de garantir determinados fins, os quais doutro modo, não poderiam ser assegurados; XVIII- Quer isto dizer que a prisão preventiva só deve ter lugar, quando, de todo, não for imprescindível, isto é, quando, por outros meios, não for possível assegurar os fins que, com ela se pretendem acautelar; XIX- A nossa Constituição consagra como princípio fundamental a excepcionalidade da prisão preventiva (artº 27°, n° 3) e a inaplicabilidade da mesma sempre que possa ser substituída por outra medida de liberdade provisória prevista na lei (artº 28°, n° 2); XX- Para além da presunção de inocência de todo o arguido até ao trânsito em julgado da sentença de condenação; XXI- O C.P.P. nunca perdeu de vista estes princípios constitucionais ao tratar das medidas de coacção; XXII- Deu assim letra de lei ao princípio da legalidade (artº 191º), ao da adequação (artº 193°, n° 1), e ao da proporcionalidade (artº 193°, n° 1), e ao do subsidariedade (artº 193, n° 2); XXIII - Acresce que a natureza excepcional e subsidiária do prisão preventiva é consagrada a nível mundial, nomeadamente pelo Pacto Internacional Direitos Cívicos e Políticos de 16.12.1996, Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Resoluções e Recomendações do Comité de Ministros do Conselho da Europa; XXIV- Tudo isto foi ponderado na feitura do actual C.P.P., maxime na parte relativa às medidas de coacção, concebendo assim a prisão preventiva como a última medida, a última ratio" (cfr. art° 193°, n° 2), aliás na esteira da lei de Autorização legislativa (lei nº 43/86, de 26.09, art. 2°, al. 38), só devendo ser aplicada quando nenhuma outra medida de coacção o puder ser; XXV - Não parece pois ser este o caso, uma vez que o n° 2 do art° 202° do C.P.P. consagra, expressamente a possibilidade de se sujeitar a internamento preventivo, como medida substitutiva da prisão preventiva, o arguido que sofre de anomalia psíquica; XXVI - O douto despacho recorrido refere como fundamento da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva ao arguido, que não haverá lugar ao referido internamento preventivo ou de urgência nos termos da Lei da Saúde Mental, em virtude de as unidades hospitalares competentes não disporem de infra-estruturas e recursos humanos que permitam prevenir perigo de fuga e de cometimento de novos crimes, aplicando neste sentido o art° 202°, n° 2 do C.P.P. a contrário; XXVII- Não podemos deixar de demonstrar o nosso desacordo com tal posição; XXVIlI- Pois entendemos que a ratio legis da norma estabelecida no n° 2 do referido artigo 202°, é precisamente possibilitar ao arguido sujeito a prisão preventiva que sofra de anomalia psíquica, os meios adequados ao seu efectivo tratamento e recuperação, de forma a reintegrá-lo o mais rapidamente possível na sociedade; XXIX- Se a arguido imputável sujeito a prisão preventiva que sofra de anomalia psíquica, é passível de se aplicar este regime mais favorável substituindo-se a medida de prisão preventiva pela de internamento preventivo, por maioria de razão nos parece ainda mais legítimo a aplicação deste regime àqueles arguidos considerados efectivamente inimputáveis; XXX- Além de que, a lei expressamente consagra no caso do n° 2 do art° 211° do C.P.P. idêntica hipótese para os casos de doença física grave, gravidez ou puerpério do arguido, imputável, ficando este último sujeito a outras medidas, nomeadamente a do internamento hospitalar , que melhor se adequem ao seu estado e que com ele se revelem compatíveis; XXXI- Não podemos pois concordar de maneira nenhuma com a douta opinião vertida no despacho recorrido, pois se em situações em que o arguido é imputável e como tal responsável pelos seus actos, está previsto na lei um regime mais favorável e adequado ao estado, físico e psicológico, do arguido;. XXXII- Mais exigível e justificada é a aplicação deste regime ao arguido inimputável, que não é responsável pelos seus actos e que, como homem em particular estado de necessidade, importa dar auxílio e protecção, proporcionando-lhe na medida do possível, o tratamento e a cura; XXXIII- A lei na 36/98 de 24 de Julho, denominada Lei da Saúde Mental, foi criada especificamente para regular o internamento compulsivo dos portadores de anomalia psíquica, designadamente das pessoas com doença mental, tomando todas as medidas ao seu alcance que contribuam para assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos, para favorecer o desenvolvimento das capacidades envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração no meio social em que vivem; XXXIV- Para cumprir estes objectivos, estão previstos na lei os meios necessários ao cumprimento de tais medidas, nomeadamente no artº 21 e 23 da referida lei, cabendo ao tribunal pugnar pelo efectivo cumprimento da lei sob pena de esta se tornar ineficaz; XXXV - O nosso ordenamento jurídico-penal é um sistema dualista, estabelecendo como sanções criminais as penas e as medidas de segurança; XXXVI- As penas sancionando e castigando, têm como pressuposto e limite irrenunciáveis a existência de culpa, não podendo de forma alguma ultrapassar a medida desta. E as medidas de segurança, visando prevenir futuros ilícitos e reintegrar o agente na sociedade, têm por base a perigosidade individual do delinquente; XXXVII- No caso do arguido, de acordo com o relatório médico-legal psiquiátrico já anteriormente referido, este "deverá ser considerado inimputável para os crimes de que é acusado", não podendo portanto ser responsabilizado por eles; XXXVIII - A declaração de inimputabilidade exclui a culpa do arguido e, portanto, a possibilidade de se lhe aplicar uma pena; XXXIX- Não lhe, poderá pois, de forma alguma, ser aplicada uma pena, devendo-lhe antes ser aplicada uma medida de segurança;. XL- A aplicação das medidas de segurança tem como fundamento a perigosidade social do agente e obedece aos princípios da legalidade (art° 29°, n° 1 da CRP e art° 1º, n° 2 do C.P .), da tipicidade e da proporcionalidade, significando este último que a aplicação de uma medida de segurança não é para casos insignificantes e tem uma correlação com a gravidade e perigosidade social (art°s 92° do C.P., 18, n° 2 e 30°, nº 2 da CRP); XLI- Deste modo, para que possa ser aplicada ao agente uma medida de segurança, é necessário que este revele através da sua conduta, o perigo de vir a cometer, na futuro, novos factos ilícitos; XLII- No caso em apreço entendemos que não existe esse perigo, uma. vez que no próprio relatório médico-legal psiquiátrico se refere que não haverá perigosidade desde que o arguido tenha acompanhamento psiquiátrico regular;. XLIII- Por último, sem prescindir, há ainda um último princípio a respeitar relativamente a esta matéria, o princípio da subsidiariedade, que refere que a medida de segurança. mais gravosa não deve ser aplicada. quando se puder realizar a protecção adequada dos bens jurídicos face à perigosidade que o agente revela, através de outras menos onerosas; XLIV- Neste sentido, as medidas de segurança não têm que supor necessariamente a privação de liberdade, sendo aconselhável que se for possível uma cura ou garantir a segurança necessária da sociedade através de medidas de segurança não detentivas, assim se faça; XLV - Por fim, convém aqui salientar que o arguido sofre de doença cardíaca desde os 18 anos de idade, o que já obrigou a vários internamentos no Hospital de Santo António e no Hospital Pedro Hispano, constando da carta de alta do último internamento, que sofre de "cardiopatia com insuficiência cardíaca"; XLVI- Actualmente não se encontra em boas condições de saúde, embora esteja a ser tratado na enfermaria do Estabelecimento Prisional onde se encontra, não se revelando tal tratamento suficiente e eficaz; XLVII - O arguido não possui antecedentes criminais; sempre foi trabalhador, tendo deixado de o poder fazer em virtude dos problemas do coração; XLVIII- Ultimamente tem-se comunicado com a antiga companheira, da qual tem um. filho, manifestando a intenção de se reconciliarem e de voltarem a residir juntos como uma família; XLIX- Desta forma, tendo em conta todo o exposto e o facto de o arguido não ser perigoso desde que tenha acompanhamento psiquiátrico, entende-se haver aqui lugar à revogação do despacho recorrido devendo ser o arguido devolvido à liberdade e aí aguardando julgamento mediante a obrigatoriedade de um acompanhamento psiquiátrico regular, ou em último caso ser-lhe aplicada medida de segurança adequada e proporcional ao seu estado de saúde O MP na l.ª instância pronunciou-se pela confirmação do julgado. Nesta Relação, o MP limitou-se a aderir às razões aduzidas pelo MºPº na 1ª instância. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir . II) Colhe-se dos autos, com relevo decisório, a seguinte materialidade:A prisão preventiva do arguido foi determinada por despacho da Senhora Juíza de Instrução, certificado a fls. 56, do seguinte teor, no segmento que aqui importa: «Conforme se refere na promoção que antecede, e tendo em conta por outro lado o referido pelo arguido, este sofrerá de perturbações neurológicas ou psiquiátricas que poderão traduzir-se em anomalia psíquica. Impunha-se assim a aplicação do n° 2 do art° 202° do Código Processo Penal ou ainda o recurso ao internamento de urgência previsto na Lei n° 36/98 de 24 de Julho, Lei de Saúde Mental. No entanto, as unidades hospitalares existentes no distrito judicial do Porto, não dispõem de infra-estruturas e recursos humanos que permitam o internamento preventivo referido no citado artº 202°, n° 2, uma vez que não é possível naqueles estabelecimentos prevenir perigos de fuga e de cometimento de novos crimes. E tanto assim é que, o arguido já por duas vezes foi conduzido ao Hospital Magalhães Lemos no Porto para dar cumprimento ao disposto no art° 12° da citada Lei de Saúde Mental- Internamento Compulsivo, e dali fugiu, facto este que é de conhecimento oficioso deste Tribunal em virtude dos Processos Administrativos que correram termos nesta Procuradoria. Assim, e para já, considera-se adequado e proporcional aplicar ao arguido a medida de coacção prisão preventiva, tudo isto p. e p. pelos artºs 191°, 192°, 193°, 195°,204°, al. c) e 202°, n° 1, al. a), todos do Código Processo Penal. Mais se ordena que se proceda à realização de perícia sobre a personalidade e perigosidade do arguido nos termos constantes do art° 160° do Código Processo Penal solicitando a realização da mesma ao Instituto de Medicina Legal com carácter de urgência. Mais se solicita a tal instituto que, caso não seja possível satisfazer o carácter urgente de tal perícia dê conhecimento de tal facto a este Tribunal atento o actual art° 160-A do Código Penal.» Efectuada que foi a perícia ordenada, a Exma perita médica concluiu que "o arguido deverá ser considerado inimputável para os crimes de que é acusado. Os episódios maniformes são transitórios, havendo habitualmente recuperação completa mas podem recidivar, o que obriga a acompanhamento psiquiátrico regular. Assim refere a perita, não haverá perigosidade desde que tenha esse acompanhamento psiquiátrico regular.» O despacho recorrido, de fls. 170, é do seguinte teor: «Por se manterem inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida de coacção prisão preventiva (cfr . despacho de fls. 62 a 64) ao arguido, decide-se manter esta, sendo certo que, atentos os fundamentos já vertidos no aludido despacho, não há lugar ao internamento preventivo em hospital psiquiátrico – tudo ao abrigo dos artºs 191º, 193°,202°, 1, a), 204°, als. b) e c) e 213°, nºs 1 e 2 do C.P.P. e ainda 202°, n° 2, a contrário, do diploma em apreço». A acusação deduzida contra o arguido é do seguinte teor: «O arguido viveu em uns anexos da casa da ofendida Conceição....., sua mãe, sitos em....., nesta comarca, até ao dia 28 de Maio de 2001. Durante os meses de Março, Abril e Maio de 2001 o arguido, quase diariamente, agredia fisicamente a mãe, desferindo-lhe bofetadas e, com auxílio de um pau, cujas dimensões e características não foi possível determinar, vibrava pancadas por todo o corpo daquela; com o que lhe causou, directa e necessariamente, dor e lesões físicas cuja extensão não foi possível determinar . No dia 18 de Maio de 2001, o arguido, mais uma vez, dirigiu-se mais uma vez a casa de sua mãe, levando consigo uma mala que continha um conjunto de seis facas de cozinha, com lâminas de 20 cm, 19cm, 18cm, 13cm e um garfo tipo churrasco, bem como uma forquilha com quatro dentes em ferro, objectos que se encontram examinados, descritos e apreendidos nos autos a fls. 150 e sgs. dos autos. Exibiu os supra mencionados objectos à ofendida e disse-lhe que aquilo "era para a matar" e que os tinha comprado na feira. No dia 24 de Maio de 2001, o arguido dirigiu-se à ofendida, sua mãe, desferiu-lhe um número indeterminado de bofetadas no rosto e, com auxílio de um pau vibrou várias pancadas no corpo daquela, atingindo-a no braço e perna esquerda; com o que lhe causou, directa e necessariamente, as lesões físicas descritas nos autos a fls. 156 a 159; as quais demandaram para curar um período de quinze dias de doença, sem afectação grave da capacidade de trabalho. O Mº Pº imputa assim ao arguido a prática de um crime de ofensa á integridade física qualificada p. e p. pelos art°s 143°, 1 e 146°, nº2 do C. Penal e um crime de detenção de armas proibidas p. e p. pelas disposições conjugadas dos art°s 275º, nºs 1 e 3 do C. Penal e 3°,1, f) do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17.04 Vejamos agora, de direito. É sabido que a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem os pressupostos que a ditaram, isto é, enquanto não houver alteração das circunstâncias que fundamentaram a prisão preventiva (cfr., neste sentido, por mais significativos, os acórdãos, desta Relação, de 7-1-98, sumariado no BMJ 473-564 e de 18-11-92, na CJ XVII-5-255), pois que as medidas de coacção se encontram sujeitas à condição «rebus sic stantibus». No caso vertente o recorrente aporta em seu benefício, e em abono da pretendida revogação da medida de coacção de prisão preventiva a que se acha submetido, a conclusão formulada pela perita médica de que o arguido deverá ser considerado inimputável para os crimes de que é acusado e que não haverá perigosidade desde que o arguido tenha um acompanhamento psiquiátrico regular . Entende o recorrente que a declaração de inimputabilidade exclui a culpa do arguido e, portanto, a possibilidade de se lhe aplicar uma pena; assim, não lhe, poderá, de forma alguma, ser aplicada uma pena, devendo-lhe antes ser aplicada uma medida de segurança. No despacho posto em crise a Mº Juiz reiterou a ideia de que a aplicação da medida de internamento preventivo se impunha face às perturbações de que padece o arguido. No entanto, optou por manter a medida a que actualmente o arguido se encontra sujeito com o fundamento de que "as unidades hospitalares existentes no distrito judicial do Porto, não dispõem de infra-estruturas e recursos humanos que permitam o internamento preventivo referido no citado art° 202°, n° 2, uma vez que não é possível naqueles estabelecimentos prevenir perigos de fuga e de cometimento de novos crimes". Salvo o devido respeito não podemos concordar com os argumentos aduzidos na decisão recorrida. É que nesta fase o que importa é saber se a medida de internamento preventivo é ou não adequada ao caso. A questão da execução de tal medida é um problema diferente. E dúvidas parece não existirem quanto à necessidade de substituição da medida de prisão preventiva pela de internamento preventivo. Na verdade, e como bem se refere nas conclusões do recurso a ratio legis da norma estabelecida no n° 2 do referido artigo 202°, é precisamente possibilitar ao arguido sujeito a prisão preventiva que sofra de anomalia psíquica, os meios adequados ao seu efectivo tratamento e recuperação, de forma a reintegrá-lo o mais rapidamente possível na sociedade; se a arguido imputável sujeito a prisão preventiva que sofra de anomalia psíquica, é passível de se aplicar este regime mais favorável substituindo-se a medida de prisão preventiva pela de internamento preventivo, por maioria de razão parece ainda mais legítimo a aplicação deste regime àqueles arguidos considerados inimputáveis. In casu está fortemente indiciado que o arguido deve ser considerado inimputável para os crimes de que vem acusado e que não haverá perigosidade desde que haja acompanhamento psiquiátrico regular . Isto posto, verificado que o crime indiciado de ofensa à integridade física, dos art°s 143°, nº1 e 146°, nº2 do C. Penal, é punível com prisão de máximo superior a três anos e revisto, por ordem crescente de gravidade, o catálogo de medidas de coacção admitidas pelos arts. 196.0 a 202.0, do CPP, em honra dos princípios da adequação e da proporcional idade na aplicação das medidas de coacção, e da legalidade, tipicidade excepcionalidade e da subsidariedade da aplicação do internamento preventivo, e em honra, mesmo, antes de tudo, do direito do arguido à liberdade, não pode deixar de concluir-se pela aplicação da medida de internamento preventivo. Resta assim decidir . III) Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se alterar a actual situação prisional do arguido, devendo o mesmo ficar sujeito à medida de internamento preventivo em hospital psiquiátrico ou outro estabelecimento análogo adequado, adoptando-se as cautelas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes (art° 202°, n° 2 do C.P.P.).Sem tributação. Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (art" 94°, n° 2 do C.P.P .) Porto, 27 de Fevereiro de 2002 José Maria Tomé Branco Heitor Pereira Carvalho Gonçalves José Manuel Baião Papão Joaquim Costa de Morais |