Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2475/19.5T8VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DE COBERTURA
Nº do Documento: RP202404182475/19.5T8VFR-A.P1
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CPNFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Por pedido não deve entender-se tudo aquilo que formalmente é expresso como tal, exigindo-se, antes, que ele traduza ou consubstancie a substancialidade jurídica que a causa de pedir lhe atribui. Um pedido que não contenha uma pretensão substancialmente autónoma integra um pedido meramente aparente.
II - Em qualquer decisão judicial (o silogismo judiciário), se desenvolve um conjunto de operações de análise, de perspetivas da situação jurídica invocada que funcionam apenas como pressuposto da ação, como antecedente lógico ou premissa daquelas que são as verdadeiras pretensões do autor. Mas que não integram pedidos.
III – A ampliação do pedido é permitida se se traduzir no desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (art.º 265ºnº 2 do CPC), isto é, se comportar alguma conexão ou coerência com o facto jurídico que desencadeou a pretensão inicial; ou, nas palavras de Alberto dos Reis, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial e pressupõe a mesma causa de pedir.
IV – Numa ação de responsabilidade civil por factos ilícitos (acidente de viação), em que a Ré Seguradora invoca estarem excluídas da apólice as coberturas de danos morais e de incapacidade permanente, no tocante à “cobertura especial e facultativa de proteção vital do condutor” (exceção perentória impeditiva), pretendendo o Autor obter a declaração de nulidade dessa exclusão por violação do dever de comunicação e de informação, essa declaração de nulidade não integra um pedido no sentido técnico-jurídico, mas apenas uma contraexceção à exceção invocada pela Ré.
V - Nessa medida, não estamos perante uma ampliação do pedido, mas perante uma contraexceção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 2475/19.5T8VFR-A.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha do processado
1. AA instaurou ação contra A...-Companhia de Seguros, SA, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 80.615,00, a título de danos patrimoniais e morais, bem como o custo de despesas médicas e medicamentosas futuras.
Invocou a ocorrência de um sinistro rodoviário entre 2 veículos, conduzindo o Autor um deles, que era propriedade de uma empresa segurada na Ré, e que o Autor conduzia prestando um serviço a essa empresa. O sinistro originou-lhe lesões muito graves, que importaram internamento hospitalar e incapacidade permanente.
Em contestação, a Ré, para além de impugnar a factualidade alegada, excecionou com a inacumulabilidade de indemnizações em caso de concorrência de responsabilidades (o acidente deveria ser classificado como de trabalho), bem como com a exclusão das garantias da apólice relativamente aos danos morais e incapacidade permanente do condutor.
Sob iniciativa judicial, o Autor veio informar não ter recebido ainda qualquer indemnização e inexistirem processos judiciais em curso.
Foi realizada perícia médico-legal ao Autor.
Em audiência prévia, o Autor respondeu às exceções invocadas pela Ré e efetuou requerimento de ampliação do pedido em termos de dever «ser declarado não escrito, nulo, inexistente e de nenhum efeito o vertido nas exclusões alegadas neste articulado de resposta.»
Como substrato dessa ampliação, invocou a violação do dever de informação e comunicação sobre as cláusulas de exclusão invocadas pela Ré, que qualificou ainda de cláusulas abusivas, ambíguas e violadoras das regras da boa fé.
Exercendo o contraditório, a Ré pugnou pela improcedência da pretensão, dado não ser o Autor parte aderente no contrato de seguro, nem representante legal da proprietária do veículo.
Em nova audiência prévia, a M-mª Juíza conheceu da ampliação do pedido nos seguintes termos:
«(…) veio o A. apresentar ampliação do pedido, invocando para tanto, em suma, a existência de violação do direito de informação por parte da R., ao não ter informado directamente a aderente do contrato de seguro em apreço, das cláusulas contratuais, não ter entregue qualquer documento à aderente contendo a nota informativa, as conduções gerais e especiais do contrato de seguro, sendo que a aderente se limitou a aderir às cláusulas contratuais definidas previamente pela R.
Ora, compulsados os autos, resulta à saciedade que o ora A. não demonstra que possui a qualidade de aderente de qualquer contrato estabelecido com a R., não sendo interveniente do dito contrato, não denotando ter a qualidade de representante legal do proprietário do veículo que interveio no acidente, pelo que não se verificam preenchidos quer os requisitos da legitimidade, por parte do A., para vir invocar vícios do contrato que não celebrou, não figurando no mesmo como parte quer, em consequência, os pressupostos exigidos para a admissibilidade da ampliação do pedido – cfr. Art. 265º do C.P.C., pois para além dos requisitos para ampliação do pedido não se verificarem, o A. não tem legitimidade para apresentação do mesmo nos molde s em que o fez.
Termos em que se indefere a ampliação do pedido.»

2. Inconformado com tal indeferimento, dele apelou o Autor, formulando as seguintes conclusões:
1. O aqui Recorrente não se conforma com a decisão proferida nos Autos, datada de 13/10/2022, que indeferiu o seu Requerimento para Ampliação do Pedido, apresentado em 04/07/2023;
2. O referido pedido aprende-se com o Contrato de Seguro, em discussão nos autos, tendo sido requerida a nulidade das suas cláusulas de exclusão, porquanto a Ré não terá cumprido com os seus deveres de informação, de comunicação, de entrega do contrato ou qualquer um outro documento com as cláusulas do mês, nomeadamente as cláusulas de exclusão; uma vez que estamos perante contratos aos quais uma das partes se limita a aderir, sem poder de intervenção;
3. Pedido sobre o qual, recaiu decisão de indeferimento, o qual despoletou a apresentação do presente Recurso;
4. Salvo do devido e merecido respeito, a decisão é nula, por violação flagrante de vários preceitos legais, entre outros, mormente do disposto nos artigos 30.º, 265.º e 411.º do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC); os artigos 18.º, 21.º, 22.º, 48.º, 140.º do - DL 72/2008 - REGIME JURÍDICO CONTRATO DE SEGURO (RJCS); e também os artigos 3.º, 5.º, 6.º, 8.º, 12.º, 15.º, 21.º e 22.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (CCG); e ainda 236.º, 443.º e 445.º do CÓDIGO CIVIL (CC);
5. Ferindo os mais básicos princípios legais, nomeadamente os processuais de produção de prova, contraditório, defesa, acesso à direitos constitucionalmente consagrados;
Vejamos,
6. Nos presentes Autos, instaurados, em 22/08/2019, é reclamada indemnização com base na existência de Contrato de Seguro Automóvel sobre a viatura de matrícula ..-..-XC, com várias coberturas facultativas, nomeadamente de RESPONSABILIDADE CIVIL FACULTATIVA, PROTEÇÃO AO CONDUTOR, OCUPANTES DA VIATURA, PROTECÇÃO VITAL DO CONDUTOR, entre outros; Cfr. Documentos juntos à Contestação;
7. Pedido esse que incorpora danos como a incapacidade permanente, rebate profissional, quantum doloris, dano estético, medicação, privação da vida quotidiana e dano moral e danos futuros que se remetem para liquidação de sentença;
A Ré Contestou, arguindo, além da impugnação, dois pontos que qualifica como excepções e que denominou de A) Da inacumulabilidade de indemnizações em caso de concorrência de e a B, da exclusão das garantias da apólice, juntando ainda documentos, como a Apólice e as Condições do Seguro Automóvel denominado ..., que o Autor impugnou; Cfr. Contestação, de 26/09/2019 e Requerimento, de 23/10/2019;
8. O processo seguiu os seus trâmites, foi ordenada a realização de perícia que concluiu:
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 27-12-2016
Período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 8 dias
Período de Défice Funcional Temporário Parcial fixável num período 147 dias
Quantum Doloris 4/7
Do evento em análise não resultou qualquer Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica
Do evento não resultou, para o examinado, Repercussão Permanente na
Atividade Profissional
Dano Estético Permanente fixável no grau 2 /7
Cfr. E-Mail Recibos, com data de 05/04/2023
9. Depois da avaliação médica, foi promovida a realização de Audiência-Prévia - Cfr. Ata, de 04/07/2023;
10. Nesse momento, o Autor formulou um Pedido de Ampliação, mediante o qual requereu a nulidade das Cláusulas do Contrato de Seguro, nomeadamente das de exclusão - Cfr. Documento junto em audiência, de 04/07/2023;
11. A Ré exerceu o seu contraditório - Cfr. Requerimento, de 14/07/2023;
12. Voltou a ser designada Audiência Prévia, na qual foi proferido o Despacho de indeferimento do Pedido em apreço, por entender que: não se verificam preenchidos quer os requisitos da legitimidade, por parte do A., para vir invocar vícios do contrato que não celebrou, não figurando no mesmo como parte quer, em consequência, os pressupostos exigidos para a admissibilidade da ampliação do pedido cfr. Art. 265º do C.P.C., pois para além dos requisitos para ampliação do pedido não se verificarem, o A. não tem legitimidade para apresentação do mesmo nos molde s em que o fez.
13. Ou seja, o pedido foi indeferido por se ter entendido que o Autor padece de legitimidade para discutir contrato no qual não interveio nem celebrou;
14. Todavia, o Autor não se pode conformar com tal decisão;
Atentemos:
15. Antes de mais, desde já se disponha que os requisitos da ampliação estão cumpridos, nos termos do disposto no artigo 265.º do CPC, porquanto, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
16. Motivo pelo qual, não havendo dúvidas que a ampliação se prende com o Contrato em discussão nos Autos, ao abrigo do qual o Autor sustenta o seu pedido, não haverá, consequente, dúvidas de que a ampliação é admissível, para todos e devidos efeitos legais!!!
17. Foquemo-nos, pois, então na questão da legitimidade;
18. Como acima evidenciado, estamos perante um seguro automóvel, de natureza mista, uma vez que, além da cobertura obrigatória, possui igualmente coberturas facultativas;
19. Em tal seguro, com a apólice número ..., figura como Tomadora do Seguro, a empresa B... UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva n.º ..., proprietária da viatura segurada e na qual ocorreu o sinistro que viria a provocar ao Autor, condutor da carrinha naquele fatídico dia 28/07/2016;
20. Ora, considerando o tipo de condição segura que o Autor acciona nos Autos, não temos dúvidas em afirmar tratar-se de um seguro por conta de outrem, ao abrigo estou disposto no artigo 48.º do RJCS;
21. Em tal tipo de seguros, a relação é tripartida, contrapondo Seguradora, Tomador de Seguro e Segurado;
22. Como determina o art.º 48º do RJCS, “o tomador de seguro actua por conta do segurado, determinado ou indeterminado”;
23. Privilegiando-se, assim, o princípio do interesse, mediante o qual o tomador actua por conta do segurado, e, nessa medida, não lhe podem advir quaisquer efeitos negativos;
24. No caso concreto, considerando que o Tomador de Seguro é uma pessoa colectiva, esta jamais poderia tomar o lugar de Segurado, ou seja, o concreto Condutor da viatura no caso de vir a ocorrer algum evento danoso;
25. Termos em que, sendo o Segurado o lesado é nele que se centram todos os direitos emergentes do contrato, sendo ele o seu titular, e podendo exercer todas as suas faculdades;
26. Nomeadamente, dispõe o artigo 48 do RJCS que “são oponíveis ao segurado os meios de defesa derivados do contrato de seguro, mas não aqueles que advenham de outras relações entre o segurador e o tomador do seguro”;
27. Se assim é, se na esfera do Segurado repercutem-se todas os meios de defesa resultantes do contrato, enquanto direitos do Segurador, então correlativamente, o Segurado tem o mesmo poder de defesa, ou seja, terá necessariamente de puder beneficiar de todos os meios de defesa do Tomador perante o Segurador, podendo opor-se com recurso aos mesmos meios e com base nos mesmos fundamentos;
28. Sob pena de, não se concebendo desse modo, e conforme entendimento de M. Lima Rego, in CONTRATO DE SEGURO E TERCEIROS. ESTUDO DE DIREITO CIVIL, tal redondar em “algo artificial” considerando “a presença de um direito de crédito na esfera do segurado sem a correspondente faculdade de exigibilidade”;
29. Termos em que, o Autor, enquanto Segurado, tem o direito de discutir o contrato, em todos os seus parâmetros, seja de validade, aplicação, interpretação, eficácia, extensão, etc.
30. E, como tal, está plenamente habilitado a, nomeadamente, discutir os moldes da contratação, podendo fazer prova de que as clausulas contratuais insertas no contrato, por violação dos deveres que recaem sobre a Ré;
31. Nomeadamente com base na matéria de ampliação: nulidade das cláusulas por violação do direito à comunicação e informação, falta de entrega das condições do contrato (sejam gerais, particulares e/ou especiais), entre outros;
32. E essas questões poderão levantar-se em 3 planos: I nas relações entre Seguradora e Tomador de Seguro; II Nas relações entre Seguradora e Segurado e III nas relações entre Tomador de Seguro e Segurado;
33. Sendo várias as hipóteses a apreciar? I Quais os direitos e deveres do Segurador perante o Tomador de Seguro? II Quais os direitos e deveres do Segurador perante o Segurado? I Quais os direitos e deveres do Tomador de Seguro perante o Segurador e o Segurado? Em que momento tais direitos e deveres se efectivam? Quais as consequências do incumprimento desses deveres e direitos? Qual a extensão dessas consequências?
34. Ora, tudo isto, deve ser matéria que deve ser permitida ao Autor levar a Julgamento e realizar prova em conformidade;
35. Até porque, os elementos fornecidos pelo processo não justificam a antecipação do juízo sobre o mérito da questão, como se pretende demonstrar neste Recurso, até por existirem outras soluções de direito, sendo a sentença o momento próprio e adequado para aplicação do direito aos factos;
36. E, como tal, deveria ter sido deferida a ampliação, e ordenado o prosseguimento dos Autos para os seus ulteriores termos, sendo esse o momento próprio para que o Tribunal, perante os factos que lhe são levados ao conhecimento, pudesse ter a sua apreciação sobre os mesmos, aí fazendo aplicar o direito;
37. Oportunidade que é vedada ao Autor, considerando a decisão aqui em recurso;
38. Por exemplo, se o Autor lograr demonstrar a falta de informação, esclarecimento, explanação, de entrega de documentos, qual a consequência na relação dos Autos?
39. Por outro lado, temos de nos questionar, demonstrado o incumprimento de deveres por parte da Ré, e se esse incumprimento tiver como consequência a nulidade, é possível que as clausulas nulas sobrevivam efeito e tenham plena eficácia e validade??
40. Não conseguimos admitir tal hipótese!!! Até porque a mesma coloca em questão os bons princípios processuais, como o da defesa, contraditório, tutela efectiva, entre outros;
41. E, aliás, já quanto a caso concreto idêntico ao dos Autos, proferiu-se Acórdão neste Insigne Tribunal da Relação, no processo 24/10.0TBVNG.P1, de 25/10/2012, no sentido de que “o negócio” da adesão não é estranho à seguradora, para se remeter a uma total irresponsabilidade pela deficiente formação da vontade do aderente ao se vincular em virtude da omissão de informação” e que “Quem se pretende fazer valer das cláusulas gerais em causa (de exclusão da cobertura) é a seguradora/apelante. Por isso que a ela cabe provar a comunicação/informação das cláusulas ao aderente”
Acresce que,
Ordena o RJCS que incumbe “ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das limitações de cobertura” - cfr. artigo 18.º; a fazê-lo da forma que dispõe o artigo 21º, nomeadamente “prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular” existindo ainda um dever especial de esclarecimento, no que concerne às modalidades, conveniência e coberturas do mesmo cfr. artigo 21.º - negrito e sublinhados nossos;
Além disso,
42. O regime acima não afasta a aplicação das CCG - DL n.º 446/85, de 25 de Outubro;
43. Algo que, não há dúvidas, tratar-se do caso dos Autos;
44. Impondo-se-lhe, à Seguradora, Ré nos Autos, também por esta via, os Deveres de Comunicação, Informação e boa-fé, entre outros, sob pena de nulidade Cfr. artigos 3.º, 5.º, 12.º, 15.º, 21. E 22.º do CCG;
Por outro lado,
Dir-se-á ainda o seguinte:
45. Deve ainda ter-se em consideração que a Ré reconheceu poderes ao Autor para intentar a presente acção sem fazer chamar a Tomadora de Seguro por o ter julgado desnecessário entendemos;
46. Se tivesse entendido que a medida do pedido excedia a sua responsabilidade, podia e deveria ter feito uso do chamamento da Tomadora, mas não o fez!!!
47. E assim sendo, poderá ser o Autor chamar a si e sub-rogar-se nos direitos do Tomador de Seguro;
48. Não é um direito novo, mas um direito que existe na esfera do Tomador, e como tal, tem a faculdade o Segurado de usar todas as prerrogativas que aquele Tomador tivesse à sua disposição;
49. Vejamos, num Contrato a Favor de Terceiro artigo 443.º e ss “o terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação” “tem igualmente o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa”, sendo que, tal como no Contrato de Seguro, “São oponíveis ao terceiro, por parte do promitente, todos os meios de defesa derivados do contrato, mas não aqueles que advenham de outra relação entre promitente e promissário”
50. Devendo, pois, o despacho em referência ser substituído por um outro que admita a ampliação do pedido;
Acrescentando-se ainda o seguinte:
51. Sendo-lhe ainda conferida legitimidade ao Segurador, aqui Recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 140.º n.º 3 do RJCS, porquanto o Lesado foi informado da existência de Contrato de Seguro e inclusivamente existiram negociações directas entre Seguradora e Lesado, e tanto assim é que a Ré pagou as despesas hospitalares (de tratamento e de internamento), conforme aliás a alegação efectuada nos artigos 19.º e 20.º da Contestação apresentada no processo;
Em conclusão,
52. Levantando-se a questão e registando-se dúvidas acerca do cumprimento dos deveres a que a Ré se encontrava adstrita, tem o Segurador o direito de ver debatida e apreciada tal questão;
53. O Segurador tem legitimidade para o efeito, ainda que não seja nem tenha sido interveniente no Contrato de Seguro;
54. Tal legitimidade é-lhe conferida, desde logo, porque e simplesmente tal contrato está em discussão nos Autos;
55. Depois porque, a legitimidade afere-se nos termos do disposto no artigo 30.º do CPC, e como tal se o Autor coloca a questão desse prisma, a legitimidade afere-se pela relação controvertida, do modo e da forma que o Autor a coloca, e conclui-se, pois, pela legitimidade para o efeito, ainda que de forma preliminar e sujeita a apreciação posterior;
56. Depois porque, nos termos do 48.º do RJCS quer nos termos do 445.º do CC, se o Segurador pode opor os seus meios de defesa perante o Segurador, este também, por igualdade de armas, tem de puder usar de todas as prerrogativas de defesa que o Tomador pudesse usar perante o Segurador;
57. Depois, ainda porque, não se vê como seria possível admitir que, demonstrada que fosse a violação dos seus deveres a que a Ré estava adstrita, nos termos dos artigos 18.º, 21.º e 22.º do RJCS e nos artigos 5.º, 6.º e 15.º da CCG, as clausulas de exclusão pudessem ainda permitir e fundamentar a negação do reconhecimento dos direitos do Autor, como seja o do recebimento de uma justa indemnização!!!!
58. Dizer ainda que, a nível jurisprudencial, e em matérias que tocam directamente com as suscitadas neste Recurso, temos vários Acórdãos, que individualmente vão no sentido acima exposto, e cujos fundamentos vão supra transcritos, por exemplo: Acórdãos desta Relação de 25/10/2012, 31/12/2012, 26/03/2007 e 17/11/2018 nos Processos 24/10.0TBVNG.P1, 8728/09.3TBVNG.P1, 0654478 E 0736845, respectivamente; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no Processo 721/20.1T8VCT.G1, de 25/11/2011 e do Supremo tribunal de Justiça, no Processo 08B1846, de 10/07/2008,  entre outros, cujos sumários e demais fundamentação aqui inteiramente se reproduz para todos e devidos efeitos legais;
59. E, como tal, impõe-se pois a revogação do despacho sub judice de indeferimento do pedido de ampliação, formulado pelo Autor, aqui Apelante, devendo o mesmo ser substituído por um outro que defira esse mesmo pedido!!!!
TERMOS em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, no sentido das conclusões acima tomadas e, em consequência, ser o despacho recorrido revogado, por nulo, e, em sua substituição, determinar-se a admissão do pedido de ampliação requerido, para todos e devidos efeitos legais. Assim se fazendo a inteira e desejada JUSTIÇA!

3. A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as questões a decidir:
● Se o despacho recorrido é nulo;
● Se é de dar provimento à ampliação do pedido.

4.1. Da nulidade do despacho
As causas de nulidade da sentença mostram-se elencadas no art.º 615º do CPC, aplicando-se também aos despachos, por força do art.º 613º nº 3:
a) Não se mostre assinada pelo juiz;
b) Omita os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz omita o conhecimento de alguma questão que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Ora, apelidando o despacho de nulo, o Recorrente invoca apenas a “violação flagrante de vários preceitos legais” e de princípios gerais plasmados no CPC, no Regime Jurídico Contrato de Seguro, no Regime das Cláusulas Contratuais Gerais e no Código Civil.
Não ocorreu a violação de qualquer desses preceitos e/ou princípios. Mas, a ter acontecido, tal não importaria o vício de nulidade do despacho, mas apenas erro de julgamento.
Improcede a invocada nulidade.

4.2. Da ampliação do pedido
§ 1º - Como se sabe, costuma definir-se o pedido como o efeito jurídico que o Autor pretende obter com a ação (art.º 581º nº 3 CPC), qual a pretensão que dirige ao Tribunal.
Por outro lado, por pedido não deve entender-se tudo aquilo que formalmente é expresso como tal, exigindo-se, antes, que ele traduza ou consubstancie a substancialidade jurídica que a causa de pedir lhe atribui.
Um pedido que não contenha uma pretensão substancialmente autónoma integra um pedido meramente aparente.
Essa questão desde há muito se encontra dilucidada a propósito da cumulação real e cumulação aparente de pedidos.
Assim, já Alberto dos Reis ensinava a propósito da ação de reivindicação: «A acção de reivindicação é uma acção de condenação; mas toda a condenação pressupõe uma apreciação prévia, de natureza declarativa. De maneira que, ao pedir-se o reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a condenação na entrega efectiva (efeito executivo), não se formulam dois pedidos substancialmente distintos, únicamente se indicam as duas operações ou as duas espécies de actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último da acção» [1].
No mesmo sentido, Rodrigues Bastos: «Quando se fala em multiplicidade de pedidos, tem-se em vista os pedidos que se referem à relação jurídica material; os requerimentos meramente processuais, como o da citação do réu ou o da condenação deste nas custas do processo, não são pedidos em sentido técnico. Do mesmo modo há um pedido único quando se pede a declaração do reconhecimento de determinado direito e a consequente condenação do réu a ver produzir-se o efeito jurídico desse reconhecimento.» [2]
O que faz todo o sentido dado que o recurso a tribunal pressupõe a possibilidade de efetivação prática do direito que se pretende ver declarado, para que o mesmo vincule definitivamente quem põe em causa esse direito, se necessário através de uma ação executiva.
Visto nesta perspetiva, situando-se o pedido do “reconhecimento” no domínio da esfera mental e subjetiva do réu, não se vê como pudesse o tribunal “obrigá-lo” a tal reconhecimento.
Realidade jurídica bem diversa é todo o leque de questões, mais ou menos complexas, que o Tribunal terá de apreciar/desenvolver para almejar o resultado pretendido, reconhecendo ou negando a pretensão do Autor.
Assim, para decidir uma condenação do réu a indemnizar o autor, o Tribunal terá de analisar se estão verificados todos os requisitos da responsabilidade civil; da mesma feita, para se condenar o réu a restituir um prédio ao autor, o Tribunal tem de concluir primeiro se o autor é efetivamente o proprietário.
Em qualquer decisão judicial (o silogismo judiciário), se desenvolve um conjunto de operações de análise, de perspetivas da situação jurídica invocada que funcionam apenas como pressuposto da ação, como antecedente lógico ou premissa daquelas que são as verdadeiras pretensões do autor.
Nas palavras de Oliveira Ascensão, «A declaração do direito só surgirá como a via crucis a percorrer para atingir a almejada entrega.» [3]

§ 2º - Delimitado o conceito técnico de pedido, passemos à sua possibilidade de ampliação.
Segundo o art.º 260º do CPC, depois de citado o Réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.
E a ampliação do pedido é exatamente uma dessas exceções ao princípio da estabilidade da instância.
Segundo o art.º 265ºnº 2 do CPC, permite-se a ampliação do pedido se ela se traduzir no desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. [4]
Assim, para se considerar “desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo”, a ampliação terá de comportar alguma conexão ou coerência com o facto jurídico que desencadeou a pretensão inicial.
Para Alberto dos Reis, estes requisitos traduzem limites de qualidade e de nexo, considerando que «a ampliação há-de ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo; quere dizer, a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial.»
E, mais à frente, distinguindo da cumulação de pedidos, mais refere: «A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado acto ou facto, se junta outro, fundado em acto ou facto diverso.» [5]
Efetivamente, o vocábulo ampliação remete para a ideia de aumento de algo já existente, algo mais que o pedido/pretensão original. Lebre de Freias considera a ampliação uma modificação por acrescentamento. [6]
E, por imposição legal, essa ampliação tem de ser atinente à mesma relação jurídica.
Assim, o exemplo académico de numa ação de responsabilidade civil por factos ilícitos em que inicialmente só se pediu o montante indemnizatório, vir-se depois a proceder a ampliação com o pedido de juros moratórios.

§ 3º - No caso, constitui causa de pedir a responsabilidade civil por factos ilícitos, pretendendo o Autor ser ressarcido de danos morais e patrimoniais que lhe advieram de um sinistro rodoviário.
Da sua alegação resulta que o Autor conduzia um dos veículos e embateu nas traseiras dum outro veículo que seguia na sua frente. Mais refere que se encontrava desempregado e que o veículo que conduzia era propriedade de uma empresa, a quem ele estava a “prestar um serviço”.
Na sua contestação, a Ré Seguradora, para se exonerar da responsabilidade, invocou que da apólice de seguros contratada com o proprietário do veículo estavam excluídas as coberturas de danos morais e de incapacidade permanente, no tocante à “cobertura especial e facultativa de proteção vital do condutor”.
E é em resposta a esta alegação que o Autor suscita a ampliação do pedido em análise.
Invocando não ter sido cumprido o dever de comunicação e de informação quanto a essas exclusões, pretende ver ampliado o pedido inicial (─ “ser a Ré Seguradora condenada a pagar ao aqui Autor a quantia de 80.615,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até ao efetivo e integral pagamento, bem ainda todas as despesas médicas ou medicamentosas que o Autor tenha ainda de ser sujeito futuramente” ─), com o seguinte: “ser declarado não escrito, nulo, inexistente e de nenhum efeito o vertido nas exclusões alegadas neste articulado de resposta, com os devidos e legais efeitos”.
Ora, face ao que se disse nos §§ anteriores, parece-nos resultar evidente que não estamos perante um pedido no sentido técnico-jurídico.
Na verdade, a declaração de nulidade de tais cláusulas nada aumenta/amplia/acrescenta de substancial ao pedido indemnizatório de € 80.615,00 + juros + despesas que, com ou sem declaração de nulidade, permanecerá sempre o mesmo.

§ 4º - A relevância da invocação do Autor situa-se a outro nível, que não a ampliação do pedido. Vejamos:
Ao invocar as cláusulas de exclusão de cobertura, pretendia a Ré obter a improcedência da obrigação de indemnizar o Autor, pelo menos quanto a determinados danos. Nessa medida, a invocação integra uma exceção perentória impeditiva do efeito jurídico pretendido pelo Autor: art.º 571º nº 2 e 576º nº 3 do CPC.
Na hipótese de vir a vingar essa exclusão de cobertura, a Ré seria absolvida da obrigação de indemnizar os danos morais e os relativos à incapacidade permanente.
Daí que o Autor pretenda neutralizar a pretensão da Ré. Só que, processualmente tal integra a invocação de contraexceções, e não a ampliação do pedido.
Na verdade, tal como no anterior CPC, às exceções invocados pelo Réu pode o Autor contrapor com contraexceções. E a tal não obsta a inexistência do articulado réplica, dado que às exceções deduzidas pela Ré, pode o Autor sempre responder (art.º 3º nº 4 do CPC).
«Sendo sempre teoricamente possível a dedução duma contra-excepção (excepção a uma excepção), a resposta à excepção eventualmente deduzida no último articulado admissível poderá ainda, sob pena de ofensa do princípio do contraditório, ser dada na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final, como expressamente resulta do art.º 3-4.» [7]
Ou seja, o pedido de nulidade de determinadas cláusulas contratuais, a vingar, irá impedir o efeito jurídico de exclusão de cobertura da apólice invocada pela Ré, integrando assim uma contraexceção perentória impeditiva desse efeito.
Concluindo, o que o presente “pedido de nulidade” das cláusulas irá acarretar é a neutralização da pretensão da Ré de não ser condenada pelos danos morais nem os relativos à incapacidade permanente. A nulidade irá integrar um efeito impeditivo do funcionamento da exceção perentória de exclusão de cobertura da apólice.
Não há, pois, que curar sequer da legitimidade do Autor para o pedido.
A dedução duma contraexceção não tem aptidão para sustentar uma ampliação do pedido.

5. Sumariando (art.º 663º nº 7 do CPC)
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III. DECISÃO
6. Pelo que fica exposto, acorda-se nesta secção cível da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, face ao decaimento.

Porto, 18 de abril de 2024
Isabel Silva
Francisca Mota Vieira
Isabel Peixoto Pereira
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[1] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, pág. 148; no mesmo sentido, ac. da Relação do Porto, de 18/07/1978 (C.J., ano III, 4º, 1213) e ac. da Relação de Coimbra, de 04/01/1983 (B.M.J. nº325, pág.610).
[2] Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 16.
[3] In “Acção de Reivindicação”, Revista da Ordem dos Advogados (ROA), Ano 1997, vol. II, abril de 1997, pág. 519.
[4] De registar que o regime do Processo Civil de 2013 (vulgo, Novo Código de Processo Civil) introduziu alterações de relevo nesta matéria, tornando o regime mais restritivo. Se compararmos a redação do atual art.º 265º como o seu antecessor, art.º 273º, vemos que antes se permitia a alteração, quando hoje só se aceita a redução e a ampliação. Por outro lado, permite-se hoje a ampliação em qualquer altura, até ao encerramento da discussão de 1.ª instância, mas apenas se esta ampliação for desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
A alteração do regime está correlacionada com a nova função do articulado réplica, que deixou de ter lugar para responder às exceções deduzidas na contestação. No CPC de 2013, a resposta às exceções deduzidas no último articulado admissível passa a ser feita na audiência prévia ou, quando não haja lugar a ela, no início da audiência final: art.º 3º nº 4 do CPC.
[5] Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, Coimbra Editora, 1946, pág. 93-94.
[6] Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 184.
[7] Lebre de Freitas, “Introdução …”, pág. 110, ainda com vários exemplos na nota 40 da pág. 35.
Ainda de Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 4ª edição, Gestlegal, pág. 158-159.
No mesmo sentido, Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 294.