Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
824/25.6T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO MARCELO DE NÓBREGA DOS SANTOS DE FREITAS ARAÚJO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
REALIZAÇÃO DE OBRAS
ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIRO
Nº do Documento: RP20251013824/25.6T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Relativamente à obrigação exequenda, baseada em decisão judicial, de realização de obras em fracção autónoma ou de pagamento de indemnização compensatória em sua substituição, requerida por incumprimento da primeira, a alienação do imóvel a terceiro não constitui facto extintivo ou modificativo, nem produz efeitos quanto à legitimidade das partes do processo executivo.
II - Tal alienação não implica a extinção da obrigação por impossibilidade de cumprimento da prestação ou mercê de qualquer outra modalidade de cessação diversa do cumprimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 824/25.6T8PRT-B.P1

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO (3.ª SECÇÃO CÍVEL):

Relator: Nuno Marcelo Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
1.º Adjunto: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha
2.º Adjunto: Carlos Gil

RELATÓRIO.
AA, titular do NIF ... e residente na Rua ...., em Vila Nova de Gaia, intentou processo executivo, contra CONDOMÍNIO ..., sito na mesma rua, nos nº140 a 196, portador do NIF ..., com base em decisão judicial condenatória e para pagamento da quantia de € 7.693,65.
No requerimento executivo, indicou que por sentença homologatória de transação, proferida na acção declarativa nº..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 4, foi o condomínio executado condenado na realização dos trabalhos de construção civil descritos nos pontos 1 e 2 da transação, nos prazos aí fixados.
E que, nos termos do ponto 4 da transação, “a não realização dos trabalhos previstos nos pontos 1.º e 2.º da presente transação nos prazos aí estabelecidos, constituirá incumprimento definitivo por parte do Condomínio Réu”.
Sucede que o condomínio executado, no prazo de 30 dias após a data da sentença homologatória, nem posteriormente, não executou qualquer dos trabalhos em que foi condenado, apesar de interpelado pela exequente para o efeito em 24/11/2024.
Por último, declarou que, na verificação do incumprimento culposo e definitivo da prestação, por parte do executado, a exequente desde já opta pela indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação, pelo prejuízo causado à exequente com o incumprimento, aí se englobando o valor da prestação incumprida, em montante não inferior a €7.693,65, correspondente à soma dos orçamentos juntos aos autos de ação declarativa, para os quais remete o ponto 2 da transação homologada por sentença, e adiante juntos como docs. n.ºs 6, 7, 8, 9, 10 e 11, no valor, com IVA, de €7.693,65 (€2.656,80 + €1.180,80 + €1.131,60 + €602,70 + €1.783,50 + €338,25).
Devidamente citado, o executado deduziu oposição à execução mediante embargos, nos quais, em síntese, afirmou que não pode concordar com a pretensão da exequente, com fundamento no disposto no art.º 729.º, n.º1, al. e) do CPC, pois não faltou, sem mais, ao cumprimento do ponto 2 da transação, tendo sempre encetado esforços junto dos prestadores de serviços com vista a assegurar esse cumprimento, vendo-se obrigado, por isso, a aguardar a disponibilidade dos mesmos para tais efeitos.
Para além disso, referiu que, na sequência do contacto operado via e-mail a 24/11/2024, solicitou à exequente a indicação de disponibilidade para o agendamento de visita do prestador de serviços ao imóvel, do que dependia a realização dos trabalhos, uma vez que seriam realizados no interior da fracção da exequente, aguardando indicação nesse sentido, o que não veio a suceder, tendo, pelo contrário, o executado sido surpreendido com a citação para os presentes autos e imputando à contraparte, por isso, mora do credor.
Em consequência, concluiu que não assiste razão à exequente, sob pena de incorrer em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, para vir agora exigir do executado o pagamento de indemnização no valor total de € 7.693,65, devendo, assim, extinguir-se a execução.
Na contestação aos embargos e em resumo, a exequente impugnou a generalidade dos factos alegados na petição inicial e defendeu a improcedência da pretensão da contraparte.
Acto contínuo à notificação da contestação, veio o embargante oferecer articulado superveniente, através do qual, no essencial, alegou o seguinte:
3º. A 26/02/2025, a Exequente/Embargada alienou a fracção autónoma designada pelas letras “AO”, conforme melhor se alcança Doc. 2 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida para os devidos efeitos legais.
4º. Ora, tal fracção autónoma é, precisamente, a fracção autónoma em relação à qual veio a Exequente/Embargada, então Autora, no âmbito do processo n.º ..., que correu termos no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, invocar danos e, bem assim, requerer a condenação do aqui Executado/Embargante, então Réu, na respectiva reparação.
6º. Mais, foi em relação a uma tal fracção autónoma que a Exequente/Embargada, em face de um alegado incumprimento por parte do Executado/Embargante, optou, nos presentes autos de execução para prestação de facto, desde logo, pelo pedido de condenação do Executado/Embargante no pagamento de indemnização no valor de € 7.693,65 (…).
8º. (…) a partir do momento em que a Exequente/Embargada deixa de ser proprietária da fracção, extingue-se uma tal obrigação do Executado/Embargante!
10º. Pelo que a adoptar-se um entendimento contrário será validar um enriquecimento sem causa da Exequente/Embargada à custa do aqui Executado/Embargante, o que doutamente não se concebe, nem se concede!
11º. Ora, sempre se diga que, com a conduta anteriormente explanada, resulta claro que a Exequente/Embargada ocultou, de forma gravosa, elementos essenciais à boa decisão da causa.
Concluiu pedindo que o articulado superveniente seja julgado procedente, por provado, observando-se, em consequência, a extinção da presente instância executiva e a condenação da exequente como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização ao embargante, a arbitrar em valor que o douto tribunal considerar justo e adequado.
O que tudo mereceu a oposição da exequente, para quem os factos ora alegados pelo embargante não são constitutivos, nem modificativos ou extintivos do direito e, seguramente, não são, de todo, extintivos da obrigação exequenda.
Na sequência, a primeira instância agendou a audiência prévia e, na diligência, decidiu não admitir o articulado superveniente e igualmente indeferiu o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé.
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E dessa decisão, inconformado, veio o executado e embargante interpor recurso, que integrou as seguintes conclusões:
(…)
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A exequente ofereceu resposta ao recurso, mediante requerimento que culminou com as conclusões que a seguir se transcrevem:
(…)
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OBJECTO DO RECURSO.
Sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o Tribunal só pode conhecer das questões que constem nas conclusões do recurso, as quais, assim, definem e delimitam o seu objeto (arts. 635.º/4 e 639.º/1 do CPC).
Nestes termos, importa unicamente apreciar se a alienação do imóvel, onde as reparações resultantes da transação deveriam ser cumpridas, constitui facto extintivo da obrigação exequenda, ou por qualquer outra forma relevante para a decisão dos embargos.
E, em especial, se essa natureza resulta de os termos da transação apenas vincularem as partes que a celebraram, ou na medida em que o exequente não mais pode usufruir do imóvel e à executada não mais é possível cumprir os orçamentos relativos à reparação ou, finalmente, por implicar enriquecimento do exequente sem causa justificativa: conclusões XVIII, XIX, XXIV e segs..
Por outro lado, cumpre salientar que, apesar das críticas que nas restantes conclusões se desferem à decisão recorrida, delas, todavia, não é possível extrair qualquer consequência quanto ao desfecho da causa e ao sentido daquela decisão, razões pelas quais, a nosso ver, são irrelevantes para a conformação do objecto do recurso.
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FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS.
Embora em conjugação com o que resulta do relatório, para o qual se remete, os factos relevantes a considerar são os seguintes, de acordo com a decisão recorrida e que, nesse segmento, não foi impugnada:
1) Por sentença proferida nos autos de ação declarativa n.º ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 4, em 05/11/2024, foi homologada a transação alcançada entre as partes e constante da ata de audiência de julgamento realizada naquela data e que que se encontra junta aos autos como documento n.º 1 com o requerimento executivo, dando-se por reproduzido o seu teor.
2) A aí autora instaurou a presente execução com base no aludido título executivo, pretendendo o pagamento pelo prejuízo causado à exequente com o incumprimento, em montante não inferior a €7.693,65 – cifrando requerimento executivo cujo teor se dá por reproduzido.
3) A 26/02/2025, a Exequente/Embargada alienou a fracção autónoma designada pelas letras “AO” - conforme doc. 2 junto com o requerimento datado de 10-3-2025, que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, sendo tal fracção autónoma mesma em causa no âmbito do processo n.º ....
Por outro lado, não houve respostas negativas à factualidade relevante.
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O DIREITO.
No plano do direito, importa destacar, desde logo, que o recorrente não logrou identificar as normas jurídicas que, a seu ver, foram violadas na decisão recorrida, como prescreve o art. 639.º/2, al. a), do CPC.
Essa omissão, todavia, não justifica o convite ao aperfeiçoamento, por ser evidente que as disposições legais a considerar são os arts. 588.º/1 e 729.º do CPC, dos quais se partirá para a análise das demais normas que interessem à resolução das questões suscitadas pelo recorrente.
De acordo com a primeira regra, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
Por outro lado, prescreve a al. g) do art. 729.º do CPC que, fundando-se a execução em sentença, a oposição do executado só pode ter por fundamento, entre outros que agora não relevam, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.
Pode afirmar-se, face ao teor da petição de embargos, que o direito de que o embargante pretendeu lançar mão, visto num sentido muito amplo, foi o de lograr a extinção do processo executivo, mediante a alegação de factos susceptíveis de colocar em crise a exigibilidade da quantia exequenda.
Neste sentido, é de aceitar a invocação, no articulado superveniente, de factos que, embora essencialmente diversos dos iniciais, com eles comungam o mesmo desiderato relativo à extinção da execução.
Tanto mais que, segundo tem sido entendido, “o princípio da economia processual e a consideração de que o alcance do preceito [o actual art. 588.º do CPC] seria quase nulo se a sua previsão fosse reduzida, quanto ao autor, aos factos que completem a causa de pedir já invocada, atendendo a que a alegabilidade desses factos já está prevista em outras disposições, leva a perfilhar a solução de não o limitar pelo disposto nos arts. 264.º e 265.º” (cfr. J. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À luz do CPC de 2013, p. 147).
Ponto para a admissibilidade, em sede de embargos de executado, do articulado superveniente, porém, é que os factos nele alegados, independentemente de estarem ou não carecidos de prova, sejam realmente extintivos ou modificativos da obrigação dada à execução.
Note-se que, segundo pensamos, esta questão não pode ser confundida com a legitimidade para instaurar e fazer prosseguir a execução, que o art. 53.º/1 do CPC atribui à pessoa que no título executivo figura como credor, que é a embargada e que como tal se manteve posteriormente, a despeito da venda do imóvel referido no ponto 3 dos factos provados.
Na verdade, quer o direito à realização das obras, expresso no título dado à execução, quer a faculdade de obter a indemnização compensatória, pela qual o exequente optou no requerimento inicial, ao abrigo do art. 869.º do CPC, no pressuposto, de que adiante se cuidará, de que continuam a existir, com aquela venda, não mudaram de titularidade.
Tais direitos, pois, caso não se tenham extinguido, não foram objecto de qualquer transmissão: nos termos do título dado à execução e do disposto no art. 869.º do CPC, mantêm-se na esfera jurídica da exequente.
Identicamente, não está em discussão no processo executivo, muito naturalmente, a questão de decidir a titularidade da propriedade ou de outro direito sobre o imóvel alienado, como seria indispensável para que estivesse em causa, com propriedade, a qualidade de “coisa ou direito litigioso” a que se refere o art. 263.º/1 do CPC.
Todavia, embora isso evidencie que assiste razão ao recorrente na asserção de que o regime previsto nessa disposição legal não rege a situação dos autos, a verdade é que daí nada resulta de significativo quanto ao desfecho do recurso, certo que a legitimidade quanto ao lado activo da instância executiva se mantém incólume mesmo depois da referida venda.
A qual apenas poderia ter sofrido alguma modificação, de acordo com o disposto no art. 54.º/1 do CPC, mercê da “sucessão na obrigação”, que “tanto pode ser uma sucessão mortis causa, como uma transmissão da obrigação para outrem por ato inter vivos, nos termos dos artigos 577º (cessão de créditos) e 595º CC (assunção de dívida) ou do endosso” (cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, Reimpressão 2025, p. 282), e que não ocorreu nestes autos.
Deste modo, a questão da extinção ou da modificação da execução tem de colocar-se por referência à obrigação exequenda, em sede de direito material e, em especial, face às disposições que no Código Civil disciplinam as formas de extinção das obrigações diversas do cumprimento.
Ora, é ostensivo que a venda a terceiro do imóvel no qual deveriam ser realizadas as obras a cargo do executado não preenche os requisitos da dação em cumprimento, consignação em depósito, compensação, novação, remissão ou da confusão, e que são susceptíveis de, nos termos dos arts. 837.º e segs. do CC, determinar a extinção da dívida de forma diversa do cumprimento.
Razão pela qual, se bem pensamos, apenas merece específica verificação a questão de saber se, em consequência dessa venda do imóvel, a obrigação em causa se tornou impossível por causa não imputável ao devedor de acordo com o disposto nos arts. 790.º e segs. do Código Civil.
Algo que o embargante começa por sustentar na circunstância de os termos da sentença homologatória, que constitui o título executivo destes autos, apenas vincularem as partes que celebraram a transacção.
Neste ponto, porém, resvala o recorrente, salvo o devido respeito, para o erro que o próprio tinha apontado à decisão recorrida, pois a identificação das pessoas que estão vinculadas ao título executivo apenas importa para definir a legitimidade das partes, a qual, contudo, como acima se fundamentou, não foi questionada no recurso e está inequivocamente assegurada.
Em segundo lugar, afirma o recorrente que a extinção da obrigação em causa impõe-se na medida em que o exequente não mais pode usufruir do imóvel e à executada não mais é possível cumprir os orçamentos relativos à reparação.
Todavia, também aqui, se bem pensamos, não lhe assiste razão.
Recorde-se que, segundo o art. 790.º/1 do CC, a obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor e, de acordo com o disposto no art. 791.º do mesmo diploma, a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro.
Ora, vista a obrigação exequenda no plano da prestação de facto e, assim, mesmo sem a conversão que a exequente operou ao abrigo do art. 869.º do CPC, afigura-se evidente que as obras permanecem possíveis de realizar, ainda que tenha de ser um terceiro a facultar a entrada no imóvel para o efeito, e que o executado não está, apenas por isso, impedido de as executar.
Com efeito, como assinala a jurisprudência, “para que a obrigação se extinga ao abrigo do art. 790º, nº 1 do Cód. Civil, a impossibilidade tem de ser objetiva (nem o devedor, nem terceiros, a podem prestar), absoluta (a causa impossibilitante não é superável), total, definitiva e tem ainda de resultar de circunstâncias não imputáveis ao devedor” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/7/2025, relator Rodrigues Pires, proc. 14067/24.2T8PRT-A.P1, disponível em dgsi.pt).
No mesmo sentido, refere a doutrina que “só a impossibilidade absoluta libera o devedor e não a mera impossibilidade relativa («difficultas praestandi») que se traduz na simples dificuldade ou onerosidade exagerada da prestação, de ordem financeira, pessoal ou moral” (cfr. M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., p. 1075).
Paralelamente, perspectivada a obrigação já no plano da indemnização compensatória, resultante da referida conversão, tal conclusão é ainda mais apodíctica, visto que o dever de pagamento do valor pecuniário dela resultante, a cargo do executado e a favor da exequente, continua naturalmente em condições de ser observado.
Em acréscimo, e decisivamente, sublinhe-se que a conversão requerida pela exequente tem por pressuposto o incumprimento definitivo da obrigação de realização das obras imputável ao embargante.
Algo cuja verificação tem lugar na fase da decisão final dos embargos e em face dos demais fundamentos invocados na petição inicial contra semelhante incumprimento e em apoio da afirmada mora da exequente.
Ora, recorda a doutrina que o art. 869.º do CPC tem ínsito “o regime geral do incumprimento das obrigações” e por isso que, “atrasando-se o devedor na realização da prestação, mas sendo esta ainda possível, ocorre a situação de mora do devedor (art. 804-2 CC), pela qual este é constituído na obrigação de reparar os danos causados ao credor (…). Mas se, em consequência da mora, o credor perder o interesse objectivo que tinha na prestação ou se esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado (…) a simples mora cede lugar ao incumprimento da obrigação e, então, o credor tem direito, em lugar da prestação, a uma indemnização compensatória” (cfr. J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, Depois da reforma da reforma, 5.ª ed., pp. 384-5).
Identicamente, para a jurisprudência, tratando-se de prestação exequenda de facto positivo de natureza fungível, “aquele art. 868º, n.º 1 do CPC., em caso de incumprimento da obrigação exequenda pelo executado, confere ao exequente a possibilidade de optar entre: - a) a prestação da obrigação por terceiro, acrescida da indemnização pela mora;
- b) pela indemnização compensatória, isto é, a indemnização correspondente aos danos sofridos pelo exequente por ter ficado sem a prestação a que tinha direito, direito de opção esse que assiste ao exequente e que não é contrariado pelo art. 828º do CC” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 1/2/2024, relatora Conceição Bucho, proc. 573/17.9T8CHV-C.G1, disponível na mesma base de dados em linha).
De modo que, consolidando-se no ordenamento jurídico, se for o caso, na avaliação dos factos do requerimento executivo e da petição de embargos, o incumprimento definitivo da obrigação, imputável ao embargante, prévio à venda do imóvel e pondo termo à primitiva relação obrigacional, já não é logicamente possível, após a alienação, julgar que tal relação afinal renasceu para findar por impossibilidade da prestação.
Não se vislumbrando qualquer norma ou instituto jurídico que sirva para nesse caso repristinar os termos iniciais da prestação e, apagando aquele incumprimento prévio e definitivo, imputável ao devedor, substitui-lo depois por uma impossibilidade da prestação que a ele já não responsabilize.
Tanto mais que, atentos os termos da transacção, em especial por força da sua cláusula quarta, as partes definiram um prazo fixo para execução das obras que, uma vez ultrapassado, é susceptível de constituir o inadimplente em incumprimento definitivo e não em simples mora.
Por fim, o embargante sustenta a sua pretensão extintiva da obrigação exequenda com fundamento no enriquecimento sem causa que daí resultaria em benefício da contraparte.
No entanto, nos termos do art. 473.º/1 do CC, o enriquecimento ilegítimo não constitui fundamento de extinção das obrigações e, ao invés, traduz ele próprio fonte de constituição destas e, mais concretamente, do dever de indemnizar ou compensar o empobrecido.
É o que resulta com clareza daquele preceito legal: aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou
Em consequência, mesmo que procedesse a invocação do executado neste plano, a sua pretensão teria total autonomia e apenas poderia ser esgrimida em acção própria, não produzindo efeitos extintivos relativamente à obrigação dada à nossa execução, em qualquer das duas referidas perspectivas.
Para além disso, a verdade é que nada nos factos provados em primeira instância e extraídos do relatório desta decisão permite minimamente concluir pela verificação do aludido enriquecimento desprovido de causa.
Com efeito, a realização da venda do imóvel em nada interfere com a lesão que a executada sofreu no seu património com os danos que estiveram na base da formação do título executivo, tal como não existe qualquer evidência de que no preço daquela alienação tenham sido desconsiderados os referidos danos ou os custos necessários para a respectiva reparação.
Não basta, pois, ao embargante aventar a hipótese de ter ocorrido uma situação de enriquecimento sem causa, certo que este teria de ser demonstrado efectivamente por quem o invocou.
Destacando-se adicionalmente, a este respeito, que “na obrigação de indemnizar, com fundamento em enriquecimento sem causa, constitui um ónus do autor alegar e provar a falta de causa da atribuição patrimonial e não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus da prova, que não se prove a existência de uma causa da atribuição”, sendo, portanto, “preciso convencer o tribunal da falta de causa” (cfr. Acórdãos deste Tribunal da Relação do Porto de 15/12/2021, proferido no processo nº663/20.0T8PNF, relatado por Ana Paula Amorim, e de 3/11/2011, da autoria de Filipe Caroço, tirado no processo nº6557/09.3TBVNG, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/3/2021, relator Pedro de Lima Gonçalves, proc. nº3424/16.8 T8CSC, todos disponíveis na já citada base de dados em da Dgsi linha).
Tal como a doutrina vem sustentando que “é requisito de procedência da acção baseada no enriquecimento sem causa a prova da inexistência de causa para o enriquecimento” (cfr. L. P. Moitinho de Almeida, Enriquecimento Sem Causa, Almedina, 2.ª ed., p. 77), o que, aliás, está “de harmonia com o princípio geral do art. 342.º” do Cód. Civil” (cfr. M. Almeida Costa, Ob. cit., p. 501, nota 1).
Ora, em nosso entendimento e salvo o devido respeito por outro, o recebimento do preço e a obtenção da indemnização compensatória ostentam, claramente, causa justificativa, assente na compra e venda, no primeiro caso, e na relação jurídica estabilizada na transacção e no seu possível incumprimento, a apreciar na decisão final dos embargos, quanto à segunda.
Daqui emergindo, pois, a improcedência do recurso e a conclusão de que a omissão da indicação de infracção a qualquer norma de direito material nas alegações do recurso correspondeu, afinal, à sua inexistência.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, atento o seu decaimento (art. 527.º CPC).
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SUMÁRIO
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(o texto desta decisão não segue o Novo Acordo Ortográfico)

Porto, d. s. (13/10/2025)
Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo
Eugénia Cunha
Carlos Gil