Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RUI MOREIRA | ||
| Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL | ||
| Nº do Documento: | RP202404239241/16.8T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 04/23/2024 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Em processo de insolvência em que haja lugar à liquidação da massa insolvente, o valor da majoração da remuneração variável do administrador resulta da aplicação do factor previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas aplicação directa do factor de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | PROC. Nº 9241/16.8T8VNG.P1 Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia - Juiz 5 REL. N.º 863 Relator: Rui Moreira Alexandra Pelayo Fernando Vilares Ferreira * ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO1 – RELATÓRIO * Nos autos de insolvência relativos a A..., LDA, veio AA, administrador de insolvência aí nomeado para o exercício de tais funções (seguidamente referido no texto por AI), interpor recurso da decisão que, decidindo diferentemente da pretensão que formulara, fixou a remuneração variável que lhe é devida nos termos resultantes do seguinte excerto do despacho agora em crise: (…) A majoração da remuneração variável visa, e sempre visou, recompensar o administrador da insolvência pelo facto de ter logrado obter a satisfação de uma maior percentagem de créditos, considerando que a 1ª parte da remuneração variável é calculada em função do valor da liquidação. No caso, o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 17,35%, circunstância que não pode deixar de ser atendida no cálculo da remuneração variável. Pelo exposto, fixa-se a remuneração variável do Sr. Administrador da Insolvência no montante de 27.742,29 euros.” Terminou o seu recurso formulando as seguintes conclusões: A) Vem o presente recurso interposto do que decidiu estabelecer o valor total da remuneração variável do Administrador de Insolvência em 27.742,29€, IVA incluído à taxa legal, uma vez que, entende o Tribunal a quo que o critério de majoração previsto no n.º 7 do artigo 23º do EAJ é o do grau (percentagem) de satisfação de créditos. B) Ao invés do que o Venerando tribunal a quo decidiu, é convicção do AI, ora recorrente, que, porque procedeu nos presentes autos à liquidação dos ativos da Insolvente, ele adquiriu, por essa via, direito à remuneração variável consagrada na alínea b) do nº 4 do artigo 23º do EAJ, a qual é majorada nos termos do nº 7 do mesmo artigo. C) No que à primeira parcela de remuneração variável respeita (artigo 23, n.º 4 b) e n.º6 do EAJ), foi fixado o montante de 23.880,66€ (19.415,17€+IVA). D) Já no que à majoração respeita, e com a qual o recorrente não concorda, entendeu o Tribunal a quo que “(…) a operação a realizar não pode ser alheia ao grau (percentagem) de satisfação dos credores, face ao universo da totalidade dos créditos (…) No caso, o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos é de 17,35%, circunstância que não pode deixar de ser atendida no cálculo da remuneração variável (…)” E) Esta parcela de remuneração variável, majoração, é verdadeira contrapartida pela liquidação realizada pelo AI. F) E não há fundamento legal que suporte o entendimento defendido no despacho que se recorre, de que há que apurar a percentagem/proporção dos créditos satisfeitos e aplicar a esta os 5% previsto na norma. G) A interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do disposto o n.º 7 do artigo 23 do EAJ não é compatível nem como o elemento literal, nem com o elemento teleológico da norma. H) Efetuando uma leitura da norma, verificamos que a referência ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos se encontra entre virgulas, pelo que se trata de uma referência lateral que não entra nos elementos a ter em conta no cálculo. I) O art. 23.º, 7, do EAJ é claro: a majoração corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos. J) podia ter estabelecido 1) a majoração corresponde a 5% do montante dos créditos reclamados e admitidos quando todos estes tenham sido satisfeitos; 2) se o montante dos créditos satisfeitos for inferior ao montante dos créditos reclamados e admitidos, a percentagem da majoração será proporcionalmente reduzida. 3) Ou então a lei poderia estabelecer que a majoração corresponde a 5% da percentagem dos créditos reclamados e admitidos que tenha sido satisfeita, Mas não o fez. K) A atual redação do artigo 23º, introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01, refere-se expressamente ao valor que existe para distribuição e não em percentagem, sendo totalmente irrelevante o grau ou percentagem de satisfação o credor assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos. L) A expressão “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” pretende tornar claro que os créditos satisfeitos que contam para a majoração, são os que se incluem nos créditos reclamados e admitidos. M) Compulsados diversos dicionários da língua portuguesa, em nenhum deles encontramos o termo percentagem como sinonimo de grau, palavra a que se refere, com maior propriedade, a volume a grandeza do que percentagem. N) A nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação – e ao contrário do que resultava da letra da lei na anterior redação, sugere a total irrelevância que o grau (ou a percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos. O) A alteração à forma de cálculo da remuneração variável introduzida pela Lei 9/2022 teve em vista constituir um estímulo à actividade do AJ, levando-o a diligenciar pela obtenção da maior receita possível, não se afigurando nem justo nem conforme à teleologia da norma penalizar o AJ, ora recorrente, por algo que não está nas suas mãos, isto é, penalizá-lo pelo elevado volume dos créditos admitidos. P) O elemento teleológico da interpretação vem reforçar o entendimento de que a majoração a que nos referimos deve ser calculada sobre o montante disponível para a satisfação dos créditos (montante dos créditos satisfeitos) e não sobre a percentagem dos créditos verificados que venha a ser satisfeita com o mesmo montante, Q) A Lei 9/2022 pretendeu transpor para a ordem jurídica nacional a Diretiva 2019/1023, sendo que o artigo 27, n.º 4 desta estabelece que os «Estados Membros asseguram que a remuneração dos profissionais de reja por regras que sejam compatíveis com o objetivo de uma resolução eficiente dos processos” R) A nova formula de calculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao contrário do que entende o Tribunal a quo, implica a total irrelevância que o grau (ou percentagem ou proporção) de satisfação dos credores assume agora, face ao Universo da totalidade dos créditos. S) O entendimento plasmado no despacho de que ora se recorre pode conduzir, em tese, a que um AJ que obteve uma parca receita possa ver a sua remuneração majorada em maior valor do que outro AJ que tenha “valorizado”, pela sua ação os ativos, mas tenha reconhecido um grande volume de créditos. T) Não estando o valor dos créditos admitidos na dependência do AJ ou da respetiva Acão, não deverá tal elemento ter qualquer relevância para o cálculo da respetiva remuneração, sendo essa total irrelevância o único entendimento conforme à letra da lei. U) Resulta inequivocamente a vontade do legislador em reproduzir a remuneração variável do AJ proposta no projeto de portaria sujeito a consulta publica a partir de 11 de Junho de 2019 e designadamente que, a remuneração variável do AI resultante da liquidação dos bens compreendidos na MI compreende uma majoração que corresponde exatamente a 5% do montante dos créditos satisfeitos, sem dependência de quaisquer outros cálculos ou condições. V) O Tribunal a quo fez por isso uma errada interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, W) A decisão de que ora se recorre viola assim o disposto no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que faça multiplicar os 5% sobre o valor líquido para distribuição pelos credores que corresponde ao valor das receitas ao qual são subtraídas todas as despesas e o valor da remuneração variável alcançado nos termos do n.º 4 do artigo 23.º do EAJ, fixando a majoração da remuneração variável, nos termos do artigo 23º n.º 7 do EAJ no valor de 20.970,99€ (vinte mil novecentos e setenta euros e noventa e nove cêntimos) (17.049,59€+IVA), ao invés dos 3.861,62€(3.139,53€ + IVA á taxa legal) , fixados em primeira instância, X) Resultando, assim, um total de remuneração variável de 44.851,66€ (quarenta e quatro mil oitocentos e cinquenta e um euros e sessenta e seis cêntimos), (36.464,76€+IVA). Y) Neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/01/2023, processo n.º 3454/20.5T8STS-K.P1, disponível em www.dgsi.pt, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2023, junto como documento n.º 1 e Acórdão do Tribunal na Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2022 proferido no processo 415/13.4TYLSB-E.L1-1, disponível em www.dgsi.pt. TERMOS EM QUE, pelos fundamentos expostos e nos melhores de direito que por certo D. e A. V. Exªs sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e por via disso, anulado ou revogado o aliás douto despacho de que se recorre, e substituído por outro, que (mantendo-se a 1ª parcela de remuneração variável (artigo 23, n.º 4 b) e n.º 6 do EAJ) no montante de 23.880,66€ (19.415,17€+IVA): a) ordena a fixação da 2ª parcela da remuneração variável, Majoração (artigo 23º, n.º 7 EAJ) no montante de 20.970,99€ (vinte mil novecentos e setenta euros e noventa e nove cêntimos) (17049,59€+IVA), fixando- se, assim, um total de remuneração variável de 44.851,66€ (23.880,66€+20.970,99€). * Não foi oferecida qualquer resposta ao recurso.O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Cumpre apreciá-lo. * 2- FUNDAMENTAÇÃONão podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso. No caso, como se referiu, a questão a decidir é constituída pela definição dos pressupostos segundo os quais deve ser calculado o valor da remuneração variável devida ao Sr. AI, pelo exercício das correspondentes funções nos autos de insolvência de A..., LDA. Esta questão prende-se com a interpretação e aplicação do regime estabelecido nos n.ºs 4, 6 e 7 do art. 23.º EAJ,, que apresentam o seguinte teor: “4 — Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10 % da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5 % do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. (…) 6 — Para efeitos do n.º 4, considera -se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 — O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos nºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 % do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.” Defende o apelante que, segundo este nº 7, a majoração de 5% obtém-se em função do total de créditos satisfeitos, “sem dependência de quaisquer outros cálculos ou condições.” Entendeu a decisão recorrida que essa majoração deve ser calculada em função da percentagem de créditos satisfeitos relativamente ao montante de créditos reconhecidos. A questão vem sendo colocada desde a entrada em vigor das alterações trazidas pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro. E vem tendo um tratamento uniforme neste TRP, sem prejuízo de decisões no mesmo sentido noutros tribunais, como as que tiveram lugar no TRC, nos procs. nº 2495/20.7T8ACB.C1 e 3947/08.2TJCBR-AY.C1, em 28-09-2022 e 11-10-2022 respectivamente (ambas disponíveis em dgsi.pt). Assim, no TRP, nesta mesma secção, no proc. nº 1910/17.1T8STS-F.P1, em acórdão de 24-01-2023 (relator Rodrigues Pires), foi decidido: “I – Para determinação da remuneração variável a que tem direito o Administrador da Insolvência, ao abrigo do disposto no art. 23º, nº 7 do Estatuto do Administrador Judicial, na redação da Lei nº 9/2022, de 11.1., há que atender ao grau de satisfação dos créditos. II – Como tal, no cálculo da majoração prevista nesta disposição legal ter-se-á em atenção a percentagem de satisfação dos créditos reclamados que foram admitidos.” No mesmo sentido, já no proc. nº 2631/20.3T8OAZ-E.P1, por acórdão de 11-10-2022 (relator João Diogo Rodrigues), havia sido decidido: “No âmbito do processo de insolvência, em caso de liquidação da massa insolvente, o valor da majoração da remuneração variável do Administrador de Insolvência nomeado pelo juiz deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo legalmente previsto (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação direta desses 5% sobre montante dos créditos satisfeitos.” Além disso, no proc. nº 1027/13.8TYVNG-K.P1 (relator Ramos Lopes, e subscrito pelo ora relator), em acórdão de 18/4/23, foi adoptada exactamente a mesma solução. Tal como o foi no processo nº 4090/19.4T8STS-I.P1, relatado pelo próprio. Inexistindo qualquer justificação para que se altere a posição então assumida perante o problema a resolver, não se justifica mais do que importá-la para o presente acórdão, acolhendo por inteiro o seu conteúdo, que se passa a transcrever: “A apelação constitui, neste segmento, mais uma objectivação do debate que vem ocorrendo na jurisprudência a propósito do critério legal para apuramento da majoração da remuneração variável, prevista no nº 7 do art. 23º do EAJ (redacção introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01), no âmbito do processo de insolvência, ocorrendo liquidação. Debate entre duas posições: - a orientação (defendida pela apelante) que entende que tal majoração, rompendo com a forma de cálculo prevista na legislação pregressa, corresponde a 5% do montante disponível para satisfação dos créditos ; defende-se que para a majoração da remuneração variável em caso de liquidação a lei pretende a aplicação do factor de 5% sobre o valor pronto para distribuição, ‘«limpo», totalmente líquido, que seria destinado ao pagamento dos créditos, mas que vai ser retirado desse destino para majorar a remuneração do AI, quase como se este fosse um credor’ . De acordo com este entendimento ‘a nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao contrário do que a letra do nº 7 parece sugerir, implica a total irrelevância que o grau (ou percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos.’ - a posição (seguida na decisão apelada) que sustenta que o valor de tal majoração deve ser encontrado mediante a aplicação do elemento de cálculo legalmente previsto (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas por aplicação directa desses 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos. A remuneração do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz (como é o caso dos autos) obedece a um regime misto, constituído por uma parte fixa (art. 23º, nº 1 do EAJ) e uma parte variável, calculada em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente (art. 23º, nº 4, 5, 6, e 7 do EAJ), permitindo a parte fixa maior certeza e ‘constituindo a parte variável como que uma motivação pra o exercício da actividade.’ Remuneração variável que pode ser majorada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (nº 7 do art. 23º do EAJ). De fácil apreensão e compreensão ‘a intenção que domina esta majoração da remuneração do administrador’: trata-se ‘de estimular a sua diligência no sentido de obter para os bens da massa insolvente o valor mais alto possível.’ Tal propósito presidiu ao estabelecimento (criação) de tal incremento (majoração) à remuneração variável – o Estatuto do Administrador da Insolvência aprovado pela Lei 32/2004, de 22/07, previa que a remuneração variável do administrador de insolvência nomeado pelo juiz, apurada em função do resultado da liquidação da massa insolvente, fosse majorada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (art. 20º, nº 4 do EAI), tendo o regime (misto) então adoptado sido justificado na exposição de motivos ‘da proposta de Lei que deu origem à Lei n.º 32/2004 [Proposta de lei n.º 112/IX/2] nos seguintes termos: «No que respeita à remuneração, estabeleceu-se um regime misto constituído por uma parte fixa e outra variável. Assim, a par de um montante fixo suportado pela massa insolvente, cria-se um sistema de prémios cujo montante varia em função da efectiva satisfação dos créditos. Este sistema garante, quer uma maior certeza no que respeita ao montante da remuneração, em virtude da existência de critérios objectivos, quer um incentivo que premeia o bom exercício da actividade»’. Propósito comum (idêntico) aos diplomas que, desde 2004 e até à entrada em vigor da Lei 9/2022, de 11/01, regulavam a matéria da remuneração do administrador da insolvência/administrador judicial (o EAI, aprovado pela Lei 32/2004 e o EAJ, aprovado pela Lei 22/2013, com as sucessivas alterações). Desde o Estatuto do Administrador da Insolvência (Lei 32/2004) até à entrada em vigor da Lei 9/2022, de 11/01, quer o montante da remuneração fixa, quer os factores necessários para determinação do valor da remuneração variável e da majoração desta eram estabelecidos através de portaria (portaria conjunta dos ministros das finanças e da Justiça no âmbito do EAI - art. 20º, nº 1, 2 e 4 da Lei 32/2004, de 22/07 -, portaria conjunta dos ministros das finanças, da justiça e da economia no âmbito do EAJ – art. 23º, nº 1, 2 e 5 da Lei 22/2013, de 26/02, solução que se manteve com as alterações introduzidas pela Lei 17/2017, de 16/05 e DL 52/2019, de 17/04) – podia na vigência de tais diplomas afirmar-se, com inteira propriedade, que a remuneração do administrador da insolvência era calculada de acordo com ‘dois critérios cumulativos’: um primeiro critério fixo de acordo com o montante estabelecido na portaria; e um segundo, com carácter variável, pois dependente do resultado da liquidação da massa insolvente (ou da recuperação do devedor), com majoração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (art. 20º, nº 2 a 4 do EAI e art. 23º, nºs 2 a 5 do do EAJ e o art. 2 da Portaria 51/2005, de 20/01). A solução de remeter para outra fonte de direito (outro diploma) o estabelecimento do valor da remuneração fixa e dos factores necessários ao cálculo da retribuição variável (e sua majoração) não era isenta de crítica – a doutrina identificava o risco inerente a tal solução, qual seja o de ‘as fontes para as quais se remete não serem, afinal, criadas ou, mesmo que o seja, ficarem rapidamente desactualizadas’, risco que se concretizou no caso, pois não foi adoptada/revista qualquer portaria depois do Estatuto do Administrador Judicial, valendo ainda (no âmbito daqueles referidos diplomas anteriores à entrada em vigor da Lei 9/2022, de 11/01) a Portaria 51/2005, de 20/01, publicada no quadro do Estatuto do Administrador da Insolvência, sendo patentes várias deficiências ou lacunas (falta de previsão da remuneração do administrador judicial nos regimes que lhe sobrevieram, nomeadamente a falta de previsão para a remuneração do administrador no âmbito do PER, não restando outra solução que não a de tentar aplicar a portaria em vigor, procedendo às adaptações e actualizações necessárias ou convenientes, sempre com sérios riscos para a uniformidade do critério) . No que especificamente concerne à majoração da remuneração variável, a solução normativa (o regime legal) impunha se valorizasse o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (o nº 4 do art. 20º do EAI e o nº 5 do art. 23º do EAJ) – e assim que, em articulação com o anexo II da portaria, era necessário encontrar a percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos (numa escala crescente de 5 a mais de 70) para lhe aplicar o factor de majoração (de 1 a 1,6), concluindo-se que a um maior grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos (correspondendo-lhe maior percentagem) correspondia um mais elevado factor de majoração (e logo mais elevada remuneração variável, satisfazendo o propósito da visado com o estabelecimento e tal majoração – a um maior grau de satisfação dos credores correspondia uma mais elevada remuneração). Interessa relevar, no que à economia da questão em apreciação importa, que o regime legal (composto pelas duas fontes de direito – a lei, EAI e EAJ, e a portaria) não dispensava, antes assentava, em vista da majoração da remuneração variável do administrador, na valorização e ponderação do que designava como ‘grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’ – a remuneração variável a atribuir ao administrador judicial era majorada ‘em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’. Precisando: o regime legal fazia assentar, decisivamente, o critério da majoração no grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e, por isso, também os créditos reclamados e admitidos que não obtinham satisfação eram considerados (e com directa e decisiva influência) para a determinação da majoração. O regime normativo impunha fosse atendido o grau de satisfação de todos os credores admitidos ao concurso (não só os que viam os seus créditos satisfeitos, ainda que parcialmente, mas também aqueles que não obtinham, ainda que parcialmente, qualquer pagamento para satisfação de créditos reclamados e admitidos ao concurso), e assim que também a insatisfação daqueles créditos reclamados e admitidos mas não satisfeitos se repercutia directamente no valor da remuneração a auferir pelo administrador (no valor da majoração da remuneração variável). Com a alteração introduzida pela Lei 9/2022, de 11/01, o Estatuto do Administrador Judicial passou a ser auto-suficiente quanto à matéria da regulamentação da remuneração do administrador – deixou de remeter-se a fixação do valor fixo e a concretização dos factores para a determinação da remuneração variável e sua majoração para outra fonte de direito (para diploma regulamentar – portaria), passando a regulamentação da matéria a ser feita, exclusivamente, no estatuto (arredando-se, assim, os riscos associados à remessa para outras fontes de direito). Mantendo o regime misto da remuneração (remuneração fixa e remuneração variável, bem assim a previsão de majoração desta), a Lei 9/2022, de 11/01, determina que o valor da remuneração variável (este encontrado por referência ao resultado da liquidação da massa insolvente) é majorado ‘em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.’ Na interpretação do preceito (buscando o seu sentido, o seu alcance enquanto critério da decisão) em vista de reconstituir o pensamento legislativo, devem recusar-se soluções literais, amarradas a uma pura exegese do texto – o elemento gramatical constitui ponto de partida e simultâneo limite da interpretação, impondo-se, porém, ao intérprete partir da proposição e buscar o sentido decisivo da norma, agregando nessa tarefa os demais (além do gramatical) elementos interpretativos (elemento racional ou teleológico, elemento sistemático e elemento histórico) . Os antecedentes históricos, que se deixaram referidos, apresentam-se como elemento de fulcral importância na interpretação do actual preceito. A ‘história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa’ é bastas vezes (como cremos acontecer no caso) elemento crucial na interpretação da lei: ‘as mais das vezes a norma é produto de uma evolução histórica de certo regime jurídico, pelo que o conhecimento dessa evolução é susceptível de lançar luz sobre o sentido da norma, pois nos faz compreender o que pretendeu o legislador com a fórmula ou com a alteração legislativa introduzida.’ Na reconstituição do pensamento legislativo que presidiu à elaboração do nº 7 do art. 23º do EAJ tem de ponderar-se ter sido mantida, no que concerne à majoração da remuneração variável, a proposição ou fórmula que o regime pregresso vinha utilizando desde os primórdios da instituição do regime misto da remuneração do administrador da insolvência, com recurso aos dois critérios cumulativos (parte fixa, parte variável e majoração desta), por isso desde o EAI, instituído pela Lei 32/2004, de 22/07. Tal fórmula (majoração ‘em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’) fazia assentar a majoração no grau de satisfação de todos os credores, incluindo aqueles que não obtinham a satisfação dos respectivos créditos (também reclamados e admitidos) – a majoração era calculada também em atenção à insatisfação de créditos reclamados e admitidos (ou seja, a majoração aferida tanto em função do sucesso quanto do insucesso na satisfação dos créditos reclamados e admitidos a obter pagamento pela massa insolvente). Ideia nuclear de fazer depender o valor da majoração da remuneração variável do administrador dessa dicotomia (dum lado, os créditos reclamados e admitidos não satisfeitos – representando a medida ou grau de insucesso da actividade do administrador – e, do outro, os créditos satisfeitos – representando a medida ou grau de sucesso de tal actividade) que era traduzida normativamente na fórmula ou proposição que a Lei 9/2022, de 11/01 manteve – a remuneração variável é majorada em ‘função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos’. A carga histórica contida em tal fórmula ou proposição, qual informação genética, consubstanciada na ideia de ponderar, em vista do cálculo da majoração da remuneração variável, também a insatisfação de créditos reclamados e admitidos (ou seja, a ideia de que a majoração é aferida tanto em função do sucesso quanto do insucesso na satisfação dos créditos reclamados e admitidos a obter pagamento pela massa insolvente), leva-nos a recusar atribuir-lhe (a tal proposição contida no nº 7 do actual art. 23º do EAJ) um simples e neutro papel (até de supérflua ou excrescente redundância) proclamatório de um critério concretizado e densificado, exclusivamente, na proposição (frase) seguinte: no fundo, de simples enunciado teórico do critério que a parte seguinte do preceito densificaria . Atribuir-lhe um tal significado representaria excluir sentido e ideia essencial que a mesma comporta desde a instituição do regime misto da remuneração do administrador da insolvência – trata-se de proposição que tem indelevelmente associada a ideia de fazer assentar o cálculo do valor da majoração da remuneração variável tanto em função do sucesso quanto do insucesso na satisfação dos créditos reclamados e admitidos a obter pagamento pela massa insolvente; proposição que tem ínsita a ideia de medida e proporção traçada entre os valores de todos os créditos reclamados e admitidos e o valor dos créditos satisfeitos. A alteração introduzida pela Lei 9/2022 circunscreve-se ao segmento final do actual nº 7 do art. 23º do EAJ (por referência ao nº 5 do art. 23º do EAJ, na redacção da Lei 22/2013) – ‘onde antes se dizia, “pela aplicação dos factores constantes da portaria referida no n.º 1” diz-se agora “em 5% do montante dos créditos satisfeitos”’ –, podendo afirmar-se que o seu significado (sentido da alteração) é apenas o seguinte: ‘na versão actual, em vez de se aplicarem os factores referidos na Portaria (Anexo II), aplica-se a taxa de 5%. E, assim, qualquer que seja o grau de satisfação dos créditos aplica-se sempre a mesma taxa (5%).’ Conclui-se, pois, que se mantém, qual eixo central do critério para a majoração da remuneração variável , o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos – que este grau ou medida de satisfação dos créditos reclamados e admitidos se mantém ‘como um dos factores determinantes da majoração da remuneração variável’ ou, doutro modo, que a redacção do nº 7 do actual art. 23º do EAJ não foi determinada por qualquer intenção do legislador alhear a majoração da remuneração variável do administrador do grau de sucesso da satisfação dos créditos reclamados e admitidos . Interpretação que nos leva a concluir que o valor da majoração resulta da aplicação do factor previsto na lei (5%) à percentagem dos créditos reclamados e admitidos que foi satisfeita e não apenas aplicação directa do factor de 5% sobre o montante dos créditos satisfeitos – critério seguido na decisão apelada (que observou as operações aritméticas pelo mesmo implicadas).” No mesmo sentido já decidiu este tribunal, entre outros, na decisão sumária proferida no processo nº 482/20.4T8VNG-F.P1, bem como no Ac. proferido no proc. nº 3987/19.6T8VNG-G.P1, de 24/5/2023 e de 30/5/2023, respectivamente e, mais recentemente – em 30/1/2024 – no proc. nº 1282/12.0TYVNG.P1. Assim, e precisamente com os fundamentos e nos termos que acabam de se transcrever, cumpre concluir pelo acerto da decisão recorrida, na improcedência das razões da apelante. De resto, em acórdão proferido em 18/4/2023, no proc. nº 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1 (disponível em dgsi.pt), o STJ veio resolver situação congénere, acolhendo precisamente a tese que acaba de se enunciar. Consta do respectivo sumário: “I- No cálculo da majoração da remuneração do administrador de insolvência, o valor de 5% referido no n.7 do art.23º do EAJ, com a redação dada pela Lei n.9/2022, não tem como objeto o montante total apurado para satisfação dos créditos (ou seja, o apurado depois de extraída a parcela correspondente à percentagem da remuneração variável prevista nos números 4 e 6 do art.23º). II- Essa percentagem de 5% incide sobre o resultado de uma operação aritmética prévia destinada a apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”. Acresce que esta jurisprudência se estabeleceu uniformemente na secção competente nesta matéria, no STJ, como se pode constatar nos acórdãos de 2/11/2023 (proc.s. nº 476/12.3TYLSB-K.L1.S1 e 1027/13.8TYVNG-K.P1.S1, ambos em dgsi.pt), de 17/10/2023 (proc. nº 1892/19.5T8AVR-L.P1.S1), e, mais recentemente, de 16/1/2024 (proc. nº 345/17.0T8OLH-F.E1.S1). Nestas circunstâncias, mesmo neste TRP, alguns dos Mmos. Juízes Desembargadores intervenientes em acórdãos citados nas alegações do presente recurso e que chegaram a adoptar a solução que continua a ser invocada pelo apelante já reviram a sua posição. Resta, por todo o exposto, negar provimento ao presente recurso de apelação, na confirmação integral da decisão recorrida. * Sumário (onde se reproduz parte da síntese conclusiva elaborada no acórdão que se acolheu): ……………………………… ……………………………… ……………………………… 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à apelação sob apreciação, na confirmação integral da decisão recorrida Custas pelo apelante. Registe e notifique. * Porto, 23 de Abril de 2024Rui Moreira Alexandra Pelayo Fernando Vilares Ferreira (VENCIDO, conforme linha argumentativa seguida noutros acórdãos por mim relatados e subscritos, entre os quais os citados pelo Apelante nas suas alegações de recurso). |