Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
109671/17.1YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOURIERO
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
INDIVISIBILIDADE DA DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
CONFISSÃO JUDICIAL EXPRESSA EM ARTICULADO
EMPREITADA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
Nº do Documento: RP20240506109671/17.1YIPRT.P1
Data do Acordão: 05/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em sede de articulados impõe-se a individualização de cada facto quer na sua alegação, quer na tomada de posição da contraparte sobre o mesmo. Perante esta exigência tem que se interpretar o artigo 360º do Código Civil, que prevê a indivisibilidade da declaração confessória, de modo a não postergar a exigência legal, adjetiva, de tomada de posição expressa sobre cada facto e a não afastar as consequências que a lei prevê para a omissão dessa forma de alegar e/ou de impugnar.
II - A concatenação entre os artigos 360º e 342º do Código Civil e também a convivência do primeiro com o disposto nos artigos 574º e 587º do Código de Processo Civil, determinam que se faça uma interpretação restritiva do princípio da indivisibilidade da confissão quando se esteja perante confissão judicial expressa em articulado em que a parte, confessando embora facto desfavorável, alegue outro, tendente a anular/evitar o efeito jurídico que dessa confissão decorreria, cabendo-lhe neste caso provar tal matéria de facto enquanto constitutiva de exceção perentória.
III - Os factos essenciais devem ser alegados pelas partes, apenas sendo lícito ao juiz considerar outros, não alegados, se forem complementares instrumentais, notórios ou que sejam do seu conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Estes últimos não têm de ser selecionados no elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença (salvo se deles resultar a aplicabilidade de uma presunção legal), apenas cabendo referi-los na motivação da mesma, como previsto no número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
IV - Se o empreiteiro dá a obra por concluída, o declara ao dono da obra cobrando-lhe o preço em dívida pela execução do contrato, e este manda que um terceiro execute um trabalho constante do caderno de encargos que o empreiteiro não executou, tal não consubstancia mora na execução do contrato, mas incumprimento definitivo dessa obrigação contratual pelo empreiteiro, devendo considerar-se que o devedor (empreiteiro) declarou expressamente que considerava cumprida a sua obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 109671/17.1YIPRT.P1, Juízo Central Cível de Santa Maria da Feira, Juiz 2

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeira adjunta:  Eugénia Cunha

Segundo adjunto: José Eusébio Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

1. Em 22-11-2017 A..., Ldª instaurou procedimento especial de injunção contra B..., Ldª, com vista à sua condenação no pagamento da quantia de 42 350,43 €, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de 2 517,82 €, e de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, bem como do valor de 500 €, a título de despesas decorrentes do alegado incumprimento, pela Ré, da referida obrigação de pagamento.

Para tanto alegou que prestou à Ré serviços, em cumprimento de contrato de subempreitada com ela celebrado, não tendo esta pago alguns dos trabalhos contratualizados e realizados, no valor de 12 300,00 € e nem os trabalhos extra que lhe pediu e a Autora realizou, no valor de 30 050,53 €.

2 - A Ré opôs-se, alegando que acordou com a Autora que esta procederia a obras gerais e profundas de conclusão, vedação, impermeabilização, reparação e conservação de um edifício mediante a celebração de um contrato de empreitada, acordando que tais trabalhos seriam executados no prazo de 300 dias desde  a consignação, com uma tolerância de 30 dias, podendo esse prazo ser prorrogado, por mútuo acordo, até 120 dias sendo que, em caso de atraso no início ou conclusão da execução da obra por facto imputável à Autora, a Ré podia aplicar-lhe uma sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 1% do preço contratual.

Alegou que a Autora nunca executou a totalidade dos trabalhos, motivo pelo qual não foi pedida a receção provisória da obra, nem a sua vistoria prévia e que, devido a desentendimentos quanto ao modo como os trabalhos iam sendo feitos e quanto aos materiais aplicados e ao modo da sua aplicação, a Autora parou e abandonou a obra no início do segundo semestre de 2016, tendo, no fim de outubro de 2016, ocorrido uma reunião entre os sócios-gerentes das partes e o engenheiro responsável pela obra, na qual se concluiu, nomeadamente, que faltava executar os trabalhos de desmonte e retirada a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, de aplicação, no seu lugar, de tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e de nova colocação de caleira inox.

Segundo descreveu, na referida reunião as partes acordaram, ainda, que a Autora não tinha efetuado uma série de outros trabalhos, que descreveu, tendo, outros que também enumera, sido realizados indevidamente pelo que chegaram a um acordo mediante o qual os trabalhos que a Ré reclamava que a Autora não tinha feito seriam considerados compensados com os trabalhos que aquela última dizia que tinha feito a mais, com a condição de a Autora suportar, ainda, o custo de 5 000,00 € por conta da regularização e preparação do piso da garagem que não executara, bem como acordaram que a Autora executaria todos os trabalhos de reparação e retificação dos defeitos que ambas tinham, por acordo, definido, após o que a Ré pagaria à Autora a quantia de 42 350,43 € que esta última dela reclamava, deduzida dos 5 000,00 € acima referidos.

Alegou, ainda, que a Autora não fez os trabalhos a que se comprometera pelo referido acordo e se afastou definitivamente da obra pelo que a Ré já teve e ainda terá de mandar executar a terceiros parte dos trabalhos em falta, com o que, afirma, despenderá não menos de € 50.000,00.

Deduziu pedido reconvencional com vista a que fosse declarado que a Autora incumpriu culposa e definitivamente o contrato de empreitada e fosse condenada a pagar quantia que viesse a liquidar-se em execução de sentença a título de indemnização pelos prejuízos causados quer com o atraso na conclusão e entrega da obra, quer com o seu abandono e incumprimento definitivo do contrato. Alega que tais danos, em que baseia o pedido reconvencional, se consubstanciaram no facto de ter ficado impedida de requerer e obter a licença de ocupação, utilização e habitação do prédio necessária a submeter o prédio ao regime da propriedade horizontal e, assim, também, de vender e receber o preço das lojas comerciais e das habitações que compõem o prédio.

3 – Em face da apresentação de oposição, notificada à Autora em 05-01-2018, o processo especial de injunção foi remetido à distribuição como processo comum.

4 - A Autora replicou, em 13-03-2018, pugnando pela improcedência da reconvenção alegando que, de acordo com o contrato de empreitada celebrado entre as partes em 14/07/2014, os trabalhos deveriam ser realizados no prazo de 730 dias, com tolerância de 30 dias, podendo ser prorrogado até 180 dias, tendo os trabalhos sido iniciados em novembro de 2014 e a obra sido entregue no prazo estipulado, em junho de 2017.   Afirmou que todas as obras foram realizadas por si já que, mediante o acordo celebrado com o Eng.º AA e o dono da obra, fora estabelecido que a Autora não teria de retirar a caleira de escoamento de águas pluviais, colocando sob a  mesma tela asfáltica e repondo-a no local, mas que apenas regularizaria uma das partes da cobertura que se encontrava torta, serviço este que fez e a Ré aceitou, tendo procedido ao pagamento da correspondente fatura. Mais alegou que procedeu ou mandou proceder a todas as alterações e retificações acordadas na mesma altura com a Ré  e que, após nova reunião em obra, ambas acordaram em contratar uma terceira empresa para regularizar a argamassa e melhorar o pavimento das garagens, não podendo a Ré requerer o pagamento de 5 000,00 € à Autora por tal trabalho, por não ser da sua arte e não estar previsto no caderno de encargos.

Por forma a evidenciar a efetiva conclusão dos trabalhos alegou existir um pedido de emissão da licença de utilização do imóvel desde 07/07/2017 e requereu a condenação da Ré por litigância de má-fé, em multa e indemnização.

5 – A 07-05-2018 foi declarada a incompetência do juízo local cível de Santa Maria da Feira em função do valor e os autos foram remetidos para o Juízo Central Cível.

6 – Com vista a permitir a dispensa da audiência prévia, foi facultado contraditório à Ré sobre as exceções substantivas constantes da Réplica e sobre o pedido de condenação da mesma como litigante de má-fé.

7- A Ré respondeu a 25-06-2018, pugnando pela improcedência das exceções deduzidas na réplica e pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má-fé, tendo, nesse articulado, admitido que, após a reunião de outubro de 2016, a Autora realizou, de facto, alguns dos trabalhos que ali foram acordados, ao contrário do que afirmara na Réplica.

Deduziu, ainda, em conjunto com essa resposta, requerimento que apelidou de ampliação do pedido reconvencional, com vista à indemnização pelo atraso na conclusão da obra, à razão de € 206,00 por cada dia de atraso, a contar desde 30 de setembro de 2015 e até à notificação da reconvenção. Requereu, por sua vez, a condenação da Autora enquanto litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor.

8 - Foi admitida a requerida ampliação do pedido por despacho de 22-10-2018, tendo a Autora pugnado, em resposta, pela sua improcedência e pedido a realização de perícia à caligrafia da sua assinatura manuscrita no contrato de “subempreitada” junto pela Ré na contestação, que diz ter sido forjada.

9 – A Ré respondeu alegando, por sua vez, que a versão desse contrato junto pela Autora, (em que se fixava um prazo para conclusão da obra diverso do exarado no contrato junto pela Ré), é que fora forjada, com o seu acordo, com vista à sua entrega a uma seguradora no âmbito de participação de um sinistro ocorrido durante a obra que causou danos em viaturas de terceiros, já que tal acidente ocorrera depois de ultrapassado o prazo efetivamente acordado para conclusão da obra e, assim sendo, a seguradora não aceitaria a sua responsabilidade pelo pagamento da indemnização devida.

10- Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador em que se afirmou a validade e a regularidade da instância e se identificaram o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

11 - Admitidos os requerimentos de prova, foi ordenada a realização de perícia ao imóvel (colegial) e à caligrafia correspondente às rúbricas e às assinaturas da Ré e da Autora apostas em ambas as “versões” do contrato de subempreitada juntas pelas partes com os seus articulados.

12 - A 07-01-2020 foi apresentado o relatório da perícia à escrita que concluiu que ambas as assinaturas contestadas em ambos os contratos poderiam ser do punho dos legais representantes de Autora e Ré.

13 - A 11-02-2022 foi apresentado o relatório pericial relativamente aos defeitos/obras do imóvel de que reclamou a Ré, tendo pedido esclarecimentos e, ainda, a comparência dos peritos subscritores em audiência de julgamento tendo sido ambos os pedidos deferidos por despacho de 28-06-2020. A 24-09-2020 foram apresentadas as repostas dos Srs. Peritos aos pedidos de esclarecimento tendo os mesmos alegado a necessidade de acesso a frações habitadas e de realização de trabalhos no interior das mesmas. Por despacho de 22-11-2020 foi determinada a realização de reunião conjunta, no imóvel, entre as partes e os peritos, devendo as primeiras diligenciar pelos elementos e equipamentos tidos por necessários à prestação dos esclarecimentos pedidos.

14 - Após vicissitudes relativas à ausência do mandatário e do legal representante da Ré na referida reunião conjunta, foi considerada, por despacho de 09-03-2021, concluída a perícia, sem que pudessem ser prestados os esclarecimentos antes pedidos e ordenados por falta de acesso ao interior de algumas frações em consequência da não comparência da Ré à reunião em obra.

15 – Foi, então, pedida a realização de segunda perícia foi a mesma deferida e realizada conforme relatório junto aos autos a 29-11-2022, sobre que incidiu, e foi deferido novo pedido de esclarecimentos por banda da Ré.

16 – Foi designada audiência de julgamento que se realizou ao longo de três sessões, com produção da prova admitida e debates orais.

17 – Em 20-10-2023 foi proferida sentença pela qual se condenou a Ré a pagar à Autora “(…) a quantia de € 16.340,01 (dezasseis mil, trezentos e quarenta euros e um cêntimo), acrescida de juros de mora, às taxas legais de juros comerciais (…) desde 31/08/2017 até efetivo e integral pagamento, deduzida da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros)” e “a quantia global de € 26.010,42 (vinte e seis mil e dez euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, às taxas legais de juros comerciais (…) desde 05/12/2017 até efetivo e integral pagamento” e, ainda, “(…)a quantia de € 40,00 (quarenta) euros, a título de indemnização decorrente dos custos de cobrança extrajudicial da dívida”.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre a Ré, pretendendo a alteração parcial do julgamento da matéria de facto e a sua revogação com a consequente declaração de procedência da reconvenção.

Para tanto, alega o que sumaria da seguinte forma em sede de conclusões de recurso:

(…)


*

A Autora contra-alegou sustentando que o recurso da matéria de facto não cumpre os ónus previstos no artigo 640º, número 1 do Código de Processo Civil, pelo que deve ser rejeitado, e defendendo a confirmação da sentença de primeira instância.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões da Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1- Aferir se estão confessados, na réplica, factos alegados na contestação/reconvenção que devam ser aditados à matéria de facto provada, eliminando-se, em consequência, os mesmos das alíneas g), h) e bb) do elenco dos factos não provados;
2- Apurar se a Recorrente cumpriu os ónus a que alude o artigo 640º do Código de Processo Civil quanto ao recurso da matéria de facto e, em caso afirmativo, se devem passar a provados os factos dados por não provados nas alíneas v) e aa), bem como se deve ser julgado não provado o facto constante da alínea 23) dos factos provados.
Caso se conclua pela improcedência da pretensão enunciada em 1, cabe ainda aferir se devem ser julgados  provados os factos constantes das alíneas g), h) e bb) em consequência da reapreciação dos meios de prova indicados pela Recorrente (que além de invocar os efeitos da confissão vem, também, indicar meios de prova que entende confirmarem tais factos).
3- Aferir se devem ser aditados factos não alegados, resultantes da instrução da causa, relativos à existência de infiltrações no imóvel objeto dos autos e às causas das mesmas; e,
4- Em face dos factos provados apurar se há fundamento para a procedência da reconvenção.

IV – Fundamentação:

A sentença qualificou o acordo escrito celebrado entre as partes, que é alegado como causa de pedir da ação e da reconvenção, como contrato de empreitada e de tal qualificação não divergem Recorrente ou Recorrida, nem a mesma é suscetível de discussão no presente recurso dada a clareza da matéria de facto quanto ao teor do referido acordo no que respeita às obrigações essenciais que cada uma delas assumiu perante a outra: a Autora obrigou-se a realizar certa obra, mediante um preço, a pagar pela Ré – cfr. artigo 1207º do Código Civil.

No recurso a Apelante pede apenas a alteração da matéria de facto em pontos concretos, que indica, o aditamento de novos factos ao elenco dos provados e a revogação da sentença na parte em que absolveu a Reconvinda do pedido reconvencional.

Quanto à sua condenação decidida em primeira instância a Apelante não se insurge, não pedindo, nessa parte, a revogação da sentença, pelo que apenas no que relevar para a pretensão da revogação da decisão relativa à reconvenção serão apreciados os argumentos alinhados pela mesma nas suas alegações.


*

1 - A primeira questão sobre que versa o recurso é a da alegada confissão pela Autora, em sede de réplica, de que “não executou os trabalhos que consistiam em desmontar e retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, não meteu no seu lugar tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e colocou depois caleira inox novamente no sítio”.

A Apelante funda essa afirmação em duas ordens de razões:

- que alegou, na oposição ao requerimento inicial de injunção, que era obrigação contratual da Autora desmontar, retirar e substituir as caleiras de escoamento das águas pluviais à volta dos dois blocos do edifício, colocando por baixo tela asfáltica e que esta não executou tais trabalhos; e,

-  que a Autora, em sede de réplica, admitiu quer que tal obrigação fora estipulada no contrato de empreitada (constando do respetivo caderno de encargos), quer que não tinha executado tais trabalhos.

A sentença recorrida deu por não provado que “A A. não desmontou e retirou a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, não meteu no seu lugar tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e colocou depois caleira inox novamente no sítio.” (alínea g), bem como julgou não provado, com relação a tal trabalho, que o legal representante da Ré haja interpelado o legal representante da Autora para o fizesse “por diversas vezes” (alínea h), bem como, finalmente, que ambos tenham acordado, posterior e verbalmente, que a Autora não teria de executar tal trabalho (alínea bb)).

 A Apelante entende que estão confessados quer o acordo das partes, no âmbito do contrato de empreitada, no sentido de que tais trabalhos relativos à recolocação das caleiras após assentamento de tela teriam de ser realizados pela Autora, quer que o não foram, caldeando ao longo da sua argumentação outros assuntos relativos ao que qualifica como o fim ou propósito da empreitada – a impermeabilização do imóvel – para concluir que aquela não foi concluída já que o imóvel apresenta infiltrações e, ainda, convocando meios de prova que entende deverem conduzir a conclusão contrária.

Em momento próprio serão essas outras vias argumentativas tratadas.

Por ora debruçamo-nos apenas sobre a pretensão da Recorrente de ver julgado provado o teor das alíneas g), h) e bb), com base em confissão em sede de réplica.

O seu raciocínio assenta nas seguintes premissas:

- na sua oposição alegara, nos seus artigos 18º, 19º e 22º que:

“18º - Até ao dia de hoje, a requerente nunca executou a totalidade, e segundo as condições do contrato, dos trabalhos a que a empreitada respeitava”;

“19º - Pelas mesmas razões, nunca ocorreu nem foi pedida, pela requerente, nem a receção provisória da obra nem a sua vistoria prévia, nem a assinatura do correspondente auto de vistoria e receção”; e,

“22º - Nessa reunião (cfr. artigo anterior, em Outubro de 2016), na própria obra, todos, incluindo o legal representante da requerente, verificaram e acordaram que faltava à requerente desmontar e retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, meter no seu lugar tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e colocar depois caleira inox novamente no sítio, faltando fazer esses trabalhos”;

- , alegou nos artigos 38º e 38ºA da mesma oposição que depois da reunião de outubro de 2016 a Autora não fez os trabalhos a que se comprometera e que se afastou definitivamente da obra, continuando o imóvel a sofrer de infiltrações que imputa à falta de execução do referido trabalho relativo às caleiras e colocação de tela;

- tais afirmações não estão impugnadas na réplica, nomeadamente no seu artigo 4º; e,

- nos artigos 25º e 26º da mesma peça a Autora admitiu expressamente que se comprometera a fazer tais trabalhos e que os não fez.

Ora, nos artigos 4º, 25º e 26º da réplica o que se pode ler é o seguinte:

“4º - Desde já se impugnam os artigos 1.º, 2.º, 8.º e 11.º a 57.º, atento o seu teor falacioso (…)

25º - Através de acordo verbal entre o Engenheiro AA, e o dono da obra, foi estabelecido que o A., não teria de efetuar o seguinte serviço: Retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, colocando no seu lugar tela asfáltica e depois colocar a caleira no lugar original.

26º - Foi acordado que, essa parte descrita em caderno de encargos não seria feita, obrigando-se o A., a regularizar uma das partes da cobertura que se encontrava torta”.

A alegação da Ré no artigo 22º da sua contestação/reconvenção é um dos fundamentos do pedido reconvencional e, por tal, consubstancia parte da respetiva causa de pedir.

Nos termos do artigo 587, número 1 do Código de Processo Civil, que remete para o seu artigo 574º, a falta da impugnação, na réplica, dos novos factos alegados pelo Réu determina que os mesmos se considerem admitidos por acordo “salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou só puderem, ser provados por documento escrito (…)”.

Nos termos do número 1 do referido artigo 574º, na sua aplicação à réplica, deve o autor tomar posição definida sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.

Ora, muito embora tenha impugnado genericamente os factos alegados pela Ré, no artigo 4º da réplica, a Autora, quanto à concreta alegação de que na reunião de Outubro de 2016, todos acordaram que faltava desmontar e retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, aplicar no seu lugar tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e colocar a caleira inox novamente no sítio, tomou posição definida: afirmou que através de acordo verbal entre o Engenheiro AA e o dono da obra foi estabelecido que a Autora não teria de efetuar o tal serviço.

Também afirmou na réplica que esses trabalhos estavam descritos no caderno de encargos, tendo, necessariamente depois, as partes acordado que, afinal, não seriam feitos obrigando-se a Autora apenas a regularizar uma das partes da cobertura que se encontrava torta.

Assim, considerando que a Ré alegara que em reunião de outubro de 2016 todos acordaram que “faltava” à Autora executar os trabalhos em apreço, deve concluir-se que a alegação de que tais trabalhos estavam, de facto, descritos no caderno de encargos é uma declaração confessória de que esse era um dos trabalhos que tinha que efetuar, já que tal alegação é desfavorável à Autora e favorável à Ré – cfr. artigo 352º do Código Civil.

Em sede de contra-alegações a Autora ensaia uma tímida justificação para essa afirmação pretendendo justificá-la por mero lapso já que, sustenta, na verdade não resulta do caderno de encargos qualquer acordo quanto à realização desse trabalho. Todavia, tal lapso não é evidente nem resulta de forma alguma indiciado como tal, pelo que não pode colher essa via de argumentação. Aliás, ouvido o depoimento da testemunha AA e do legal representante da Ré, da respetiva gravação resulta que a Ilustre Mandatária da Autora foi manifesta e repetidamente alertada pelo seu Ilustre colega para o facto de ter sido admitido por si, no artigo 26º da réplica, que tais trabalhos constavam do caderno de encargos e nunca a mesma, nessa oportunidade, veio afirmar ter incorrido em lapso.

Acresce que a Ré, convidada a responder às exceções perentórias invocada na réplica, afirmou, no artigo 19 dessa resposta, aceitar o teor do alegado nos artigos 25º e 26º daquele articulado na parte em que “(…) estava acordado que aquela devia retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, colocando no seu lugar tela asfáltica e depois recolocando a caleira no seu lugar original”. Donde, nos termos do previsto no artigo 465º do Código de Processo Civil a admissão pela Autora de que tais trabalhos estavam previstos no caderno de encargos acordado na celebração do contrato de empreitada já não pode ser retratada.

A Autora contra-alega, ainda, que a considerar-se admitida por confissão essa afirmação – de que tais trabalhos faziam parte da obra fixada no contrato de empreitada -, a indivisibilidade da confissão determinará que, por igual, se considere também provado que, posteriormente, as partes acordaram em que tais trabalhos não teriam, afinal, que ser feitos.

Não tem razão.

A confissão judicial está definida nos artigos 355º, número 2 e 356º do Código Civil de que resulta que a “Confissão judicial é a feita em juízo, competente ou não, mesmo quando arbitral, e ainda que o processo seja de jurisdição voluntária”,  que “A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual, ou em qualquer outro ato do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado” e que “A confissão judicial provocada pode ser feita em depoimento de parte ou em prestação de informações ou esclarecimentos ao tribunal”.

Segundo Alberto dos Reis a confissão judicial feita nos articulados, “consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo réu na contestação (…)”[1].

O artigo 360º do Código Civil estipula que: “Se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão”.

Lebre de Freitas[2] defende (seguindo, como anuncia, o mesmo entendimento que Manuel de Andrade), que quando a declaração complexa que constituir confissão judicial tiver lugar em articulado “o tratamento individualizado de cada faco dele constante, desde a elaboração da peça (…) passando pela impugnação especificada (…) não se coaduna com o princípio da indivisibilidade que não é observável no plano da confissão judicial espontânea em articulado”.

A necessidade de concatenar as regras relativas ao valor probatório da confissão que emergem do direito substantivo com a lei adjetiva, nomeadamente quando nesta se regula a forma de produção dessa prova, se atribuem efeitos confessórios à falta de impugnação do teor dos articulados e se definem as formas como deve ocorrer a impugnação dos factos alegados pela parte contrária (tomando posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir), leva tal Autor a afirmar mesmo não ser “defensável, em face das nossas normas processuais, um outro entendimento” que seria o “consistente em ter o princípio da indivisibilidade por aplicável no plano da confissão expressa em articulado[3].

A lei, no artigo 360º do Código Civil exige que para a afirmação da natureza indivisível da confissão se tenha em conta que a mesma apenas se pode aplicar quando se esteja perante uma declaração acompanhada de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar o facto confessado.

Se em sede de confissão judicial por depoimento de parte ou noutras modalidades de declaração confessória se pode afirmar, sem restrições de qualquer espécie, que tais outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar o facto confessado são parte de uma declaração complexa em que uma das afirmações não pode separar-se da outra, no caso dos factos alegados em articulados o legislador impõe uma tomada de posição expressa sobre cada facto que constitui a causa de pedir, considerando-se admitidos os que não tenham sido impugnados salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto. O seja, o legislador impõe, em sede de articulados, a individualização de cada facto quer na sua alegação, quer na tomada de posição da contraparte sobre o mesmo. Ora, perante esta exigência, que convive com a natureza confessória atribuída à admissão expressa de factos desfavoráveis em sede de articulados, tem que se interpretar o artigo 360º do Código Civil da forma restritiva de modo a não postergar a exigência legal, adjetiva, de tomada de posição expressa sobre cada facto e a não afastar as consequências que a lei prevê para a omissão dessa forma de alegar e/ou de impugnar.

Também o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 03-11-2021[4] ao analisar decisão em que se considerou confessado certo facto por admitido em sede de articulado, entendeu que não “(…) merece reversão essa alteração à luz da indivisibilidade da confissão imposta pelo artigo 360º do CCiv., uma vez que este princípio legal não é de observar (por restrição) no plano da confissão espontânea em articulado (…) Na verdade, o regime processual pertinente aponta para que “o tratamento individualizado que tem cada facto” constante do articulado não se coaduna com a regra geral aplicável a uma declaração complexa que contém a afirmação de factos desfavoráveis ao declarante e também de factos que lhe são favoráveis e, como tal, devesse ser aproveitada e aceite no seu todo na medida em que estejam entre si em relação: com efeito, seguindo uma vez mais JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “a exposição dos factos é feita em artigos separados (147-2); têm-se por admitidos os factos não impugnados (arts. 574-2 e 587-1); há que fazer separadamente a defesa por exceção (art. 572-c)”; v. ainda os arts. 552º, 1, d), 583º, 1, e 590º, 4, do CPC.”

Concordamos com este entendimento a que Miguel Teixeira de Sousa acrescenta aquele que para nós é argumento decisivo no sentido desta interpretação restritiva do princípio da indivisibilidade da confissão em sede de articulados. Este Autor[5] ensaia uma distinção entre o que qualifica como confissão qualificada e/ou complexa. A primeira é por ele descrita como “aquela em que o réu confessa o facto, mas fornece-lhe um diferente enquadramento jurídico (por exemplo: o réu confessa que recebeu a quantia alegada pelo autor, mas invoca que ela não lhe foi mutuada, mas sim doada). A confissão complexa, por sua vez, será aquela “(…) em que o réu, conjuntamente com a confissão de certos factos, invoca factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito pretendido pelo autor. Por exemplo: o réu aceita ter recebido a quantia emprestada pelo autor, mas afirma que já a restituiu.”

A situação dos autos integra esta segunda categoria, tendo a Autora admitido que era uma das obrigações constantes do contrato de empreitada a realização dos trabalhos de remoção das caleiras, impermeabilização com tela e recolocação da mesmas, por constar do respetivo caderno de encargos, mas alegando que, depois, as partes alteraram o referido contrato, nessa parte, já que acordaram em que tais trabalhos não teriam de ser feitos. A segunda alegação constitui a invocação de exceção perentória na medida em que consiste na invocação de facto que modifica/extingue parcialmente o efeito jurídico dos factos articulados pela Reconvinte quando esta alegara que tais trabalhos, acordados, estão por fazer.

Ora, segundo Teixeira de Sousa, aceitar “A indivisibilidade desta confissão complexa teria como consequência que incumbiria ao autor (aqui leia-se reconvinte) provar a não veracidade do facto impeditivo, modificativo ou extintivo invocado pelo réu (leia-se reconvinda)”. Prosseguindo, este Autor conclui que “(…) este resultado não é aceitável, pois que implicaria uma inversão do ónus da prova da exceção perentória, oposta pelo réu. Se a confissão complexa realizada na contestação tivesse como efeito essa inversão, isso esvaziaria por completo a repartição do ónus da prova que se encontra estabelecida no artigo 342º, número 2 do Código Civil. Pois que, como qualquer invocação de uma exceção pode ser reconduzida a uma confissão complexa, nada restaria para aquela previsão legal”.

Com os contributos da citada doutrina e jurisprudência e reverenciando ao princípio hermenêutico imposto pelo artigo 9º, número 1 do Código Civil, expresso na alocução “tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico”, conclui-se que a concatenação entre os artigos 360º e 342º do Código Civil  e também a convivência do primeiro com o disposto nos artigos 574º e 587º do Código de Processo Civil, apenas permitem aceitar como boa a restrição proposta à interpretação do princípio da indivisibilidade quando se esteja perante confissão judicial expressa em articulado em que a parte, confessando embora facto desfavorável, alegue outro tendente a anular/evitar o efeito jurídico que dessa confissão decorreria.

Assim, e voltando ao caso, muito embora a Autora tenha impugnado de forma genérica o alegado em sede de reconvenção, acabou por admitir que se obrigara pelo contrato de empreitada a executar os trabalhos ora sob apreciação e tal alegação de facto que lhe é desfavorável tem que ser valorado como confissão.

Já a alegação, no mesmo articulado, de que, posteriormente (deduz-se com segurança) as partes acordaram em que essa parte da obra não tinha feita não pode ter-se por provada com base na indivisibilidade da declaração confessória do facto desfavorável.

Finalmente cumpre aferir se, como pretende a Recorrente, se deve também julgar provado, por confissão, que tais trabalhos relativos às caleiras não foram feitos.

Ora, com base na mesma ordem de razões acima expostas tem que se considerar que resulta da réplica a admissão pela Autora de que não executou os referidos trabalhos, pois afirmou que os mesmos foram, posteriormente, objeto de acordo que os dispensou, acordo esse pelo qual se obrigou, em vez desse, a fazer outro serviço que alegou ter sido feito e pago pela Ré.

Assim aditar-se-á, aos factos provados, sob a alínea 29 e em virtude de confissão expressa na réplica que:

A Autora não realizou o trabalho, que constava do caderno de encargos, consistente em retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, colocando no seu lugar tela asfáltica e depois colocar a caleira no lugar original.

Em consequência será eliminado do elenco dos factos não provados o que agora ali consta da alínea g).

Já a introdução, pedida também em alegações e igualmente constante da conclusão 12ª do mesmo, de um facto provado relativo à alegada interpelação, repetida, do legal representante da Ré para que a Autora executasse tais trabalhos, não resulta provada por confissão pelo que com esse fundamento não há por que alterar o facto dado como não provado sob a alínea h), sem prejuízo de o mesmo ser novamente objeto de apreciação em face da prova que a Recorrente indica e, a esse propósito, quer ver reapreciada (o depoimento de parte do legal representante da Ré e o testemunha de AA que a Recorrente indica e transcreve em parte a fls. 11 a 13 e 17 a 20 das alegações).

Quanto à alínea bb) dos factos não provados, que a Recorrente entende que deve passar a provada ainda em consequência da confissão, a mesma tem a seguinte redação (que remete para os artigos 22º a 36º da oposição): “A A. recusou-se a fazer mais quaisquer dos trabalhos referidos nos artigos 22º a 36º, bem como a efetuar a reparação ou a substituição de qualquer dos trabalhos que anteriormente executara incorretamente”.

Como é manifesto também este facto não resulta admitido por confissão, nem mesmo que se restringisse a remissão ali constante para os trabalhos de reparação das caleiras que vimos de referir e que estão descritos no artigo 22º da oposição. É que a Autora afirmou na réplica que tinha acordado com a Ré que não tinha que fazer tais trabalhos. Donde não ocorre confissão de que recusou executar tal trabalho (nem, menos ainda qualquer das outras referidas na alínea em apreço), mas, tão-só, que o não realizou de facto.


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2. Volvendo agora a nossa atenção para a censura dirigida pela Recorrente à apreciação da prova pelo Mmº Juiz a quo, para o que pede a sua reapreciação, começar-se-á por afirmar que não assiste razão à Recorrida quando pugna pela rejeição do recurso da matéria de facto.

A admissibilidade do recurso da matéria de facto depende do cumprimento dos ónus previstos no artigo 640º, do Código de Processo Civil.

Tal preceito, no seu número 1, impõe – no que agora releva convocar - ao recorrente que especifique, “sob pena de rejeição”:

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.

O número 2 do referido artigo estatui que “Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

A Recorrente cumpriu a obrigação de discriminação dos factos que quer ver alterados, indicou a decisão que sobre eles quer ver proferida e os meios de prova que entende como relevantes para a sua pretensão. Transcreveu mesmo grande parte dos depoimentos gravados que tem por relevantes para a sustentação da sua tese, indicou as respetivas passagens e explicou em que medida entende que tais depoimentos contribuem para as pretendidas alterações [6].

Foram, assim, cumpridos os ónus exigidos para o recurso da matéria de facto.


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Cumpre, agora, apreciar se há razão para alterar os factos provados e não provados que a Recorrente censura com base no pedido de reapreciação de meios de prova, que indica.

Entre eles e como enunciado acima, está em primeiro lugar o facto dado por não provado na alínea h) com o seguinte teor: “Apesar do sócio-gerente da Ré interpelar por diversas vezes o sócio-gerente da A. para executar tal trabalho”, referindo-se esta alínea aos trabalhos de retirada da caleira e sua recolocação após impermeabilização com tela a que já acima nos reportamos.

A Recorrente entende que tal facto deve passar a provado.

Para tanto releva os depoimentos da testemunha AA, na parte indicada e parcialmente transcrita.

Tal depoimento foi ouvido na sua integralidade.

AA foi engenheiro encarregado da fiscalização obra em discussão e disse prestar, ainda à data do seu depoimento, alguns serviços para a Ré. Afirmando que a Autora não finalizou a obra, na medida em que ficaram trabalhos por executar, disse espontaneamente que o que ficou por fazer foram apenas as impermeabilizações dos terraços do primeiro andar. Perguntado, de seguida, pelo Mº Juiz, se se faltou fazer mais alguma coisa respondeu seguramente: “que eu tenha de memória não!” Também perguntado sobre o teor da reunião de outubro de 2016 e o que lá foi acordado quanto a trabalhos que faltava fazer, disse ter um apontamento seu de que havia um piso de uma casa que precisava de ser reparado, o que foi acordado que a Autora faria, bem como que acordaram as partes em que as pinturas finais seriam feitas e que se faria um desconto ao valor da obra consistente no não pagamento de trabalhos a mais cujo valor já fora apresentado pela Autora e na subtração de 5000 € ao valor do total do preço acordado para a empreitada. Disse, ainda, saber que, depois dessa reunião as referidas pinturas ainda foram executadas e que ficaram apenas por fazer os trabalhos de impermeabilização dos terraços do primeiro andar.

Acresce que está junta aos autos, por via do requerimento de 25-06-2018, cópia de email dirigido pela Ré à Autora a interpelar esta à conclusão dos trabalhos que ainda faltava fazer na obra em apreço, ali listados em anexo e desse elenco não constam os trabalhos de retirada das caleiras, impermeabilização com tela e recolocação daquelas. Confrontada a testemunha com tal lista em anexo, disse que não sabia ao pormenor o que faltava fazer, pois não estava sempre na obra, mas que, “no geral” podia afirmar que apenas faltava a impermeabilização dos terraços pois o que ali fora feito “não estava ao gosto” do Sr. BB, era preciso fazer melhor e, convidado a concretizar o que estava mal disse que entendia que a impermeabilização dos terraços do primeiro andar tinha que ser de novo feita por ter ficado mal executada.

Quanto às paredes e cobertura das frações, a instâncias do mandatário da Ré a referida testemunha disse que as infiltrações ali existentes poderiam decorrer das paredes ou da cobertura e afirmou que os trabalhos necessários para reparar tal defeito seriam os de betumar melhor, de novo, as juntas.

Perguntado pelo Mandatário da Ré se na reunião de outubro de 2016 se falou da impermeabilização das paredes, voltou a afirmar que não. Foi, depois, especificamente perguntado se, nessa reunião se falou da colocação das caleiras e respondeu que não, mas, após insistência, acabou por afirmar que o Sr. BB sempre falou das caleiras e que “foi um trabalho que nunca lhe agradou”. Não afirmou, contudo, que o legal representante da Ré tenha interpelado ou falado nesse assunto à Autora.

Pelo contrário, do seu depoimento resultou que, tal como quanto às coberturas dos terraços, do que se queixava o legal representante da Ré era da falta de qualidade do serviço feito e não da sua não execução. Disse que no caderno de encargos estava prevista a realização dos trabalhos relativos às caleiras, mas, tendo-lhe sido lida a passagem onde a testemunha afirmou estar previsto este trabalho – página 70, alínea f) primeiro parágrafo – não decorre claramente da mesma senão que tinham que ser impermeabilizados os remates das coberturas. Explicou, contudo, e com segurança, que era nesse parágrafo que se estipulava a aplicação da tela e que para aplicação da mesma necessariamente tinha que ser retirada e recolocada a caleira.

Só nesse momento do seu depoimento é que afirmou que afinal, este era outro trabalho que não tinha sido feito quando antes, repetida e seguramente dissera que apenas ficara por fazer a impermeabilização dos terraços do primeiro andar.

Reiterou, já em insistências repetidas do mandatário da Ré que o legal representante da mesma sempre se preocupou com esse trabalho e que nunca ficou contente, dando a entender estar apenas descontente com o que fora feito e não que tal trabalho estava por executar e jamais afirmou que o mesmo tenha contactado ou interpelado a Autora para concluir/executar tais trabalhos.

A instâncias da Ilustre mandatária da Autora acabou por admitir que quando assinou o termo necessário a emissão da licença de utilização declarou que a obra estava concluída e que apesar de ter dito antes que faltou a execução da impermeabilização dos terraços da garagem, era verdade que a Autora tinha colocado tela nos mesmos.

Disse, ainda, que, existem e tinha visto recentemente infiltrações nas garagens. Foi confrontado com a explicação avançada pelos peritos de que as marcas de humidade ali visíveis poderiam decorrer de falta de estanquicidade de tubos e foram-lhe exibidas fotos de marcas de água junto a tubos nos tetos das referidas garagens, mas não chegou a responder ao que lhe foi perguntado a propósito dessas imagens, por o ter feito o Ilustre mandatário da Ré que afirmou, ele mesmo, que os referidos tubos eram de esgoto e que apenas havia infiltrações quando chovia pelo que as mesmas não podiam provir dos referidos tubos. Desconsiderando esta afirmação do Ilustra Mandatário, que não foi corroborada pela testemunha, certo é que esta acabou por afirmar que não se acreditava “a 100%” que as infiltrações, nas garagens, fossem provenientes dos terraços.

Quanto aos trabalhos das caleiras, a instâncias da Ilustre mandatária da Autora, a testemunha reafirmou que nunca houve acordo para dispensar aquela de executar tais trabalhos. Confrontado com a execução pela mesma de regularização de uma das partes da cobertura que estava torta e o pagamento desse trabalho, explicou que o legal representante da Ré procedeu ao pagamento de regularização da cobertura sempre na expetativa de que o serviço das caleiras ainda ia ser “corrigido”. Foi, ainda, perguntado porque o legal representante da Ré nunca enviou qualquer email à Autora a pedir, então, a realização desse trabalho que entendia tão relevante, apesar de ter enviado o já cima referido email em que listava os trabalhos por executar e em que constam trabalhos de muito menor monta e relevância (como os de limpar as massas nos alumínios na janelas), disse que a questão dos trabalhos das caleiras apenas “foi falada em obra”. Mais uma vez não afirmou, contudo, que o legal representante da Ré tenha interpelado o da Autora para efetuar tal trabalho das caleiras.

Admitiu, depois, que o legal representante da Ré já mandou fazer a terceiros trabalhos com vista a corrigir a falta da retirada e recolocação das caleiras pela Autora após aplicação de tela e, também, que os mesmos não resolveram os alegados problemas de infiltrações.

Sublinhe-se, a este propósito que resulta do segundo relatório pericial, em resposta ao quesito 3ª da Ré que tais trabalhos estão feitos o que conjugado com o facto de estar confessado que não foi a Autora a fazê-los leva a concluir que terá sido um terceiro a executá-los. Ora, não obstante a realização desses trabalhos, disse a testemunha que as infiltrações continuam a ocorrer.

Confrontado, finalmente, com o preço do referido trabalho, que segundo o mesmo seria o indicado no caderno de encargos – a  70 alínea f) e a fls. 93 alínea i) -, como correspondente à análise, e substituição/colocação de rufos e caleiras, o mesmo admitiu, ainda, que a colocação de telas sob as caleiras teria um custo superior aos 2000 € orçados no caderno de encargos na rubrica relativa à substituição/colocação de rufos e caleiras.

Assim, face deste depoimento, do relatório pericial e do email acima referido, não há por que concluir que a Ré interpelou a Autora para fazer os trabalhos relativos às caleiras a que se refere a alínea h).

Pelo que tal facto permanece como não provado devendo, contudo, a sua redação ser alterada de modo a concatená-la com a prova do novo facto a aditar em resultado da confissão (que passará a constar da alínea 29) dos factos provados.

Assim passará a constar como não provado que:

O sócio-gerente da R. interpelou por diversas vezes o sócio-gerente da A. para executar o trabalho referido em 29..


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Da alínea v) dos factos não provados resulta que (porque a Autora não picou e removeu as massas de revestimento que estavam podres e a desfazer-se na garagem e não aplicou massas novas, como consta da alínea u)) “(…) ocorriam infiltrações das águas pluviais para o interior da garagem, arrastando consigo aquelas massas à medida que as mesmas se iam desfazendo”.

A Recorrente, sem discutir a não prova da alínea u), quer ver provada a alegada ocorrência de infiltrações tal como descrita na alínea v).

Para tanto indica como meios de prova a reapreciar:

- o teor das fotografias por si juntas em 10-01-2023 de que, a seu ver resulta contrariado o teor do relatório pericial no que tange à resposta dada ao quesito 11º já que no referido dia 10-01-2023 “uma dessas infiltrações era tão abundante e durava há tanto tempo que dera até origem ao depósito de vários montículos de resíduos sólidos, designados silicatos, provenientes de massas de assentamento do pavimento cerâmico da cobertura das garagens que, por sua vez, serve de terraço às fracções habitacionais do 1º andar, como se mostrava pelas fotografias então juntas sob os números 5 a 7”;

- o depoimento da testemunha CC;

- o depoimento da testemunha AA;

- o depoimento da testemunha DD; e

- o depoimento da testemunha EE.

Foram apreciados tais meios de prova e concatenados os mesmos com o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência de julgamento.

Das fotografias juntas constata-se que há alguns sinais de acumulação de água e de humidade no chão das garagens, cuja causa podia ser, segundo esclarecimentos dos peritos, a lavagem do chão com uso de mangueira e, no que se refere a pequenos detritos brancos, a queda de tintas. Vê-se, ainda, que há tetos que têm marcas de infiltrações de água (tinta descascada e escurecimento), sendo que nos locais evidenciados nas fotografias onde o teto revela tais marcas existem tubos de pvc, escuros, para passagem de águas de origem que se desconhece.

Na resposta ao quesito 12º da Ré, na segunda perícia, afirmou-se que “Além do teste de estanquicidade efetuado aos terraços com água, foi ainda realizada uma verificação às telas de vedação dos terraços, nos remates com as paredes do edifício, com a remoção parcial da cerâmica e reboco, tendo-se confirmado que as telas de vedação dos terraços dobram para as paredes. As eventuais infiltrações de humidade terão eventualmente origem em infiltrações através das paredes exteriores do edifício”.

Ou seja, foi efetuado um teste, que está documentado nas fotos de fls. 17 do relatório, de estanquicidade, em que, colocada água sobre os terraços das garagens durante três dias (de sexta até segunda feira), como explicado pelos Srs. peritos em esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, não ocorreu entrada de água por essa via para o interior da garagem.

Ainda em sede de esclarecimentos os Srs. Peritos afirmaram, quanto à causa das infiltrações, desconhecer a mesma, sabendo apenas que não provinham do terraço, que foi a questão que curaram de averiguar, por ser a que lhes foi questionada no âmbito do objeto da perícia.

Disseram, ainda, perante as fotografias 5 a 7 juntas a 10-01-2023, que lhes foram exibidas em audiência de julgamento, que não tinham visto as marcas nos tetos que ali estão exibidas, mas chamaram a atenção para que naqueles locais existiam tubos que podem explicar tal tipo de infiltrações, tendo mesmo revelado que viram marcas idênticas numa loja, sobre a qual não existia terraços, mas apartamentos, pelo que claramente não podiam tais marcas imputar-se, nesse caso, à falta de impermeabilização dos terraços. Foram perentórios em afirmar que, em face do teste de estanquicidade por eles feito era seguro afirmar que dos terraços não podia provir a água alegadamente existente nas garagens.

Dos depoimentos das testemunhas indicados também não resultou, como pretende a Recorrente, que haja razões para pôr em causa essas conclusões dos Srs. peritos.

A testemunha CC mostrou genuína surpresa perante a descrição realização do teste de estanquicidade e o seu resultado negativo dado estar convicto que as infiltrações provinham do terraço. Apodou de “estranho” que, face a tal teste, que durou três dias, não tenha entrado água nas garagens e encetou uma explicação genérica sobre as formas como e por onde a água pode entrar no interior de um edifício, contudo, afirmar saber de onde provinham as humidades que disse ter constatado existirem naquelas garagens.

Também a testemunha AA, cujo depoimento já acima se sumariou, não afirmou com segurança que as humidades que disse existiam na garagem proviessem dos terraços sobre as mesmas tendo, como se viu, reconhecido, que os trabalhos de impermeabilização tinham sido feitos pela Autora.

DD, proprietária de uma das frações e ali moradora desde 2018 disse que quando chovia as garagens ficavam cheias de água, o que disse acontecer desde há cerca de dois anos por referência ao seu depoimento de parte, mas confirmou ter visto a realização do teste de estanquicidade. Disse que enquanto proprietária queria era as suas coisas “arranjadas”.

A testemunha EE, também morador no imóvel disse que ocorre entrada de água na sua garagem pelas paredes desde o primeiro inverno após a aquisição da sua fração, em 2019. Disse que começou por pensar que seria um problema de condensação por falta de ventilação e, depois, constatou que não, que a água escorria pelas paredes que confrontam com a estrada e com o prédio que fica ao lado. Apesar disso, afirmou estar convicto de tais infiltrações nas paredes que decorria de má impermeabilização dos terraços. Tal testemunha, motorista de pesados, não tem conhecimentos específicos na área da construção. E afirmou que ultimamente tem visto água a escorrer junto dos tubos e, ainda, nas juntas do teto. Confrontado com o teor da perícia disse, ainda, que cai água nas garagens quer na parte em que estão sob terraços quer sob os apartamentos. O que inculca que a origem das infiltrações não será, de facto, pelos terraços como concluíram os peritos.

Também o Tribunal não dispõe, como a testemunha, de conhecimentos técnicos bastantes à avaliação de da causa de infiltrações. Se assim não fosse, aliás, não se justificaria o recurso à prova pericial. Feita esta e não obstante a livre apreciação a que a mesma está sujeita não pode olvidar-se que a mesma é pedida exatamente quando sejam exigíveis conhecimentos especiais de que o julgador não disponha – cfr artigo 388º do Código Civil.

Assim, em face da acima analisada concatenação dos meios de prova referidos, não pode julgar-se provado o teor da alínea v) que, assim, se manterá como não provado.


*

As alíneas aa) e bb) dos factos não provados (subsequentes a alínea (z) em que se julgou não provado que a Autora abandonou definitivamente a obra sem executar os trabalhos a que se comprometera por acordo de outubro de 2016) têm o seguinte teor:

“aa. Em consequência disso, continuam por executar os trabalhos referidos nos artigos 22º a 27º e a haver infiltrações de águas e humidades em vários terraços e em várias divisões interiores do prédio, designadamente nos 3 quartos referidos no artigo 31º, o pavimento cerâmico continua descolado e levantado, os vitrais continuam a consentir infiltrações de águas e humidades para o interior.;

bb. A A. recusou-se a fazer mais quaisquer dos trabalhos referidos nos artigos 22º a 36º, bem como a efectuar a reparação ou a substituição de qualquer dos trabalhos que anteriormente executara incorrectamente”.

Como já cima afirmado, a remissão dessas alíneas para os artigos 22º a 27º e 22º a 36º refere-se ao articulado de oposição/reconvenção.

A Recorrente quer que estes dois factos passem a provados para o que argumenta, desde logo, e uma vez mais, com a alegada confissão, pela Autora, de que não fez os trabalhos acordados e descritos na alínea 22 da oposição o que já foi objeto de decisão.

Quanto aos demais trabalhos para que remete a alínea aa) (descritos nas alíneas 23 a 27 da oposição), e à sua alegada não realização, nada resulta confessado.

A Apelante argumenta que, havendo infiltrações e humidades – o que diz resultar da prova por fotografia que juntou aos autos -, deve concluir-se que, independentemente do apuramento das concretas causas para tais desconformidades, se deve considerar que a Autora não executou a empreitada devidamente ou não a terminou, pois a mesma tinha por objetivo essa impermeabilização.

Essa questão, relativa ao conteúdo das obrigações que resultaram do contrato de empreitada será tratada em seguida e não se confunde com a censura dirigida à matéria de facto.

O que está agora sob apreciação é saber se os meios de prova indicados no recurso para fundar a alteração destas duas alíneas dos factos não provados são de molde a que se conclua que, por causa do abandono da obra nos termos dados por não provados na alínea zz), “(…) continuam por executar os trabalhos referidos nos artigos 22º a 27º e a haver infiltrações de águas e humidades em vários terraços e em várias divisões interiores do prédio, designadamente nos 3 quartos referidos no artigo 31º;

- que o pavimento cerâmico continua descolado e levantado;

 - que os vitrais continuam a consentir infiltrações de águas e humidades para o interior; e,

- que a Autora se recusou a fazer mais quaisquer dos trabalhos referidos nos artigos 22º a 36º, bem como a efetuar a reparação ou a substituição de qualquer dos trabalhos que anteriormente executara incorretamente”.

Para fundar a prova destes factos a Recorrente estriba-se no pedido de reapreciação dos seguintes meios de prova:

- as fotografias juntas no requerimento de 10-01-2023;

- os depoimentos das testemunhas FF no trecho que identifica e transcreve em parte (a fls. 24 a 26 das alegações), GG (igualmente indicado e parcialmente transcrito a fls. 26 a 27 das alegações) DD  e de EE, de AA (a fls. 35), de CC (identifica os trechos que no seu entender relevam e transcreve-o parcialmente a fls. 32 a 34 e, de novo, a fls. 39/40) de DD (indicado e parcialmente transcrito a fls. 35 a 37) e de EE (indicado e parcialmente transcrito a  fls. 37 a 39).

Para a alteração, para provado, do facto da alínea aa) a Recorrente alega, ainda, a insuficiência da licença de utilização relevada na sentença para fundar a prova de conclusão da obra. Todavia, tal questão prende-se já com a sua pretensão de ver julgado não provado o teor da alínea 23º que se apreciará autonomamente.

Assim, quanto ao teor das alíneas aa) e bb) foram reapreciados os meios de prova indicados e, de novo, a prova pericial e dos mesmos, bem como da sua concatenação com os demais factos provados e não provados, não resulta infirmada a convicção gerada em primeira instância e constante da sentença sob censura.

Ali se afirmou, a propósito da fundamentação destas duas alíneas o que também já acima salientamos nós quando se sumariou e analisou criticamente o depoimento da testemunha AA: “consta dos autos pedido de emissão de licença ou autorização de utilização de 07/07/2017 (doc. 11 junto com a réplica), consta uma declaração de 07/06/2017 de AA, na qualidade de director técnico da obra, que esta se encontra totalmente construída de acordo com o projecto aprovado, estando ainda conforme as telas finais apresentadas (doc. 14 junto com a réplica), e no termo de responsabilidade, igualmente do Director de Obra e com a mesma data, o mesmo atestou que a obra se encontra concluída desde Junho de 2017 (doc. 15 junto com a réplica), estando a licença apenas dependente da prévia execução do troço de arruamento na parte lateral esquerda do edifício e não da Autora (doc. 16 junto com a réplica), tendo, aliás, aquele AA, em sede de depoimento, referido que a licença foi obtida em 2018, sendo certo que neste ano já tinham sido vendidas, pelo menos, duas fracções, como referiram as testemunhas DD e EE, adquirentes das fracções autónomas”.

Reapreciada a prova indicada acompanha-se inteiramente esta apreciação feita em primeira instância.

Dos depoimentos indicados, que em parte já acima se analisaram, não resulta a afirmação de recusa da Autora em efetuar os trabalhos referidos em bb) e nem que haja infiltrações em terraços e divisões interiores bem como em vitrais e descolamento do pavimento cerâmico que sejam consequência da saída da Autora da obra antes do seu termo, tendo as testemunhas referido alguns defeitos, sem, contudo indicarem com segurança as suas causas e, menos ainda, sem os imputarem ao abandono dos trabalhos pela Autora.

Acresce que relatório pericial da segunda perícia concluiu estarem executados os trabalhos descritos nas seguintes alíneas da oposição, para que remetem as alíneas aa) e bb):

- 23ª, como resulta da resposta ao quesito 3º;

- 24ª, como resulta da resposta ao quesito 4º;

- 24ª- A, como resulta da resposta ao quesito 4- Aº;

- 26ª, como resulta da resposta ao quesito 6º;

- 27ª como resulta da resposta ao quesito 7º;

36ª como resulta da resposta ao quesito 16º da perícia.

Quanto aos trabalhos referidos na alínea 33ª e 34ª da oposição, como resulta da resposta aos quesitos 13º e 14ª da perícia, não foi confirmado pela perícia que tais trabalhos estivessem por fazer.

Quanto aos trabalhos referidos na alínea 25ª da oposição, da resposta ao quesito 5º da perícia resulta que não foi possível verificar se estes trabalhos foram ou não executados.

A alínea 28ª da oposição não se reporta a atrasos ou à não realização de trabalhos, ali se alegando, ao invés, um defeito da obra. A Ré invocava que por errada conceção, execução ou instalação, por parte da Autora, ocorrem infiltrações de águas através dos vitrais existentes nas paredes, do exterior para o interior e os Srs. peritos, na resposta ao quesito 8º confirmaram que foram verificadas, pontualmente, algumas infiltrações de humidade junto dos vãos envidraçados das caixas das escadas, sem afirmar, contudo, que as mesmas tenham decorrido de trabalhos indevidamente efetuados pela Autora. Menos ainda que tais trabalhos tenham ficado por fazer.

Também alínea 29ª da oposição não se refere a trabalhos por fazer ali imputando a Ré à Autora a deficiente colocação de tijoleira nos terraços superiores, afirmando que a mesma estava descolada e permitia infiltrações para o interior dos edifícios, cerâmica essa que os Srs. peritos concluíram não estar descolada bem como afirmaram que, efetuados testes de estanquicidade, não ocorreu qualquer infiltração de água nas habitações nem nos estabelecimentos comerciais.

A alínea 30ª da oposição, uma vez mais, não se refere a trabalhos por executar, antes se ali se alegando o aparecimento de uma goma branca tipo salitre nas juntas das cerâmicas acima referidas, que os peritos confirmaram existir e que está dado por provado na alínea 22ª da matéria de facto.

Da mesma forma, na alínea 31ª da oposição a Ré não alega a falta de realização de um trabalho, mas o empolamento e descascar da tinta de revestimento interior e exterior em determinados locais situados nos terceiro ao quinto andares do imóvel, defeitos que os peritos disseram não ter visto.

Também na alínea 32ª da oposição não foi alegada a não realização de um trabalho pela Autora, mas que a aplicação pela mesma de silicone nas juntas das tijoleiras dos terraços sem as limpar deu causa a que as infiltrações continuassem a correr. Defeito esse que os Srs. Peritos não confirmaram, tendo concluído que “As eventuais infiltrações de humidade terão eventualmente origem em infiltrações através das paredes exteriores do edifício”.

O artigo 35º da oposição refere-se à existência de infiltrações para o interior da garagem por causa dos trabalhos alegadamente não realizados e descritos na alínea 34º, relativos à junta de dilatação e os Srs. Peritos concluíram, na resposta à alínea 15ª dos quesitos, que não foram detetadas infiltrações nas juntas de dilatação.

Acresce salientar que nas alíneas k), l), m), n), o), p), q)), r), s), t), u), v) e w) da matéria de facto concluiu-se não estarem provadas as omissões e/ou defeitos descritos, respetivamente, nas alíneas 23ª, 25ª, 26ª, 27ª, em parte, 28ª, 29ª, 31ª, 32ª, 33ª, 34ª, 35ª e 36ª da oposição. A não prova desses factos não foi objeto de censura pela Recorrente.

Ficou apenas provado quanto a trabalhos que ficaram por fazer que:

- A A. não aplicou revestimento em cerâmica em 20 cozinhas, no sítio dos móveis anteriores, bem como em 3 quartos de banhos das frações das lojas; mas, também se provou, que foi verbalmente acordado entre as partes que não seria aplicada cerâmica na parede que se situava por trás dos móveis a aplicar sendo esse local areado (alíneas 16 e 17 dos factos provados.

- Que a Autora não executou o revestimento a gesso projetado dos tetos dos 4 apartamentos duplex; mas também se provou que face às dificuldades que a Autora teria em trabalhar o gesso, foi verbalmente acordado entre as partes que seria colocado pladur, trabalho este que foi executado por terceiro e que a Autora pagou; e

- Que a Autora não executou os trabalhos de regularização dos pisos nas garagens, os quais foram executados por um terceiro; mas, também se apurou e ficou provado, que as partes acordaram em outubro de 2016, que primeira pagaria à segunda por conta de tais trabalhos a quantia de € 5.000,00.

Expurgadas as alíneas 22 a 36 da oposição do que ali é alegado, mas não se trata de trabalhos “por fazer”, e sim, de alegados defeitos/má execução da obra e vista a não prova – que a Ré não pretende ver alterada – da não execução dos trabalhos que ali são descritos (e nem dos defeitos, aliás), não há qualquer razão para julgar estar provada a não execução dos trabalhos descritos na alínea aa) em consequência do abandono da obra nos termos descritos sob a alínea z), ou para afirmar que a Ré tenha recusado a executá-los ou a repará-los, como afirmado na alínea bb).

Pelo que se mantém inalterado o teor das referidas alíneas.

A alínea aa) relaciona-se, por sua vez, também com o alegado abandono da obra pela Autora, afirmado na alínea z), dela resultando que foi por causa desse abandono que tais trabalhos ficaram por fazer.

O que entronca na análise do ponto seguinte da matéria de facto cuja reapreciação é pedida.


*

A Recorrente pretende que se dê por não provada a matéria da alínea 23ª dos factos provados para o que uma vez mais indica e transcreve em parte os depoimentos de AA e do legal representante da Ré BB.

Em tal alínea considerou-se provado que: A Autora concluiu a obra e entregou as chaves à Ré em junho de 2017.

Sustenta a Apelante que alegou na sua oposição factos de que resulta infirmado que Autora concluiu a obra e entregou as chaves à Ré em junho de 2017 já que ali argumentou que “nunca ocorreu nem foi pedida, pela requerente, nem a recepção provisória da obra nem a sua vistoria prévia, nem a assinatura do correspondente auto de vistoria e recepção”.

Segundo defende, a Autora, em sede de réplica, não tomou posição clara e concreta sobre tal facto alegado, pelo que considera que está por provar a conclusão da obra.

Ora, foi, de facto, julgado provado, sob a alínea 15) que “Não ocorreu, nem foi pedida, pela A. a receção provisória da obra, nem a sua vistoria prévia, nem a assinatura do correspondente auto de vistoria e receção”. Donde, tal facto foi devidamente julgado assente.

Não se acompanha, contudo, o raciocínio da Apelante quando quer fazer deduzir dessa inexistência de autos de vistoria e receção que a Autora não concluiu a obra nem entregou as chaves da mesma.

Ouvidos os depoimentos indicados pela Recorrente foram os mesmos analisados no confronto com o depoimento de parte do legal representante da Autora – que foi referido, a esse propósito, na motivação da convicção do Mmº juiz a quo e com os seguintes documentos:

- pedido de emissão de licença ou autorização de utilização datado de 7 de julho de 2017 que constitui o documento número 11 junto com a réplica;

 - declaração, datada de 7 de junho de 2017 e subscrita pelo diretor técnico da obra AA, no sentido de que aquela se encontrava já totalmente construída de acordo com o projeto aprovado e conforme as telas finais apresentadas cujo teor é o documento número 14 junto com a réplica;

- termo de responsabilidade, do mesmo autor e com a mesma data, em que o referido AA atesta que a obra se encontra concluída desde junho de 2017 e que constitui o documento número 15 junto com a réplica.

 - fatura ... junta com o requerimento de injunção e com a réplica, como documento número 2, que menciona expressamente a “conclusão dos trabalhos da totalidade da obra”.

O legal representante da Autora afirmou que entregou a obra e as respetivas chaves em junho de 2017.

O legal representante da Ré admitiu que a obra era para ser feita em dois anos e meio três anos e que começou no verão de 2014 e que a Autora saiu da obra em 2017, depois de tentar abandonar a obra muitas vezes antes disso.

Segundo disse, teve de mudar os canhões da obra depois da Autora “desaparecer” o que, contudo, diz ter feito por lhe terem contado que o legal representante da mesma continuava a entrar lá dentro. Perguntado se ele iria lá para trabalhar, respondeu: “sei lá” e, depois afirmou, referindo-se ao legal representante da Autora que “ele acabou o contrato” querendo dizer que o deu por concluído.

Disse que o legal representante da Ré foi ao seu estabelecimento e disse: “está aqui”, sem explicar claramente o que lhe mostrou ou entregou nesse momento, mas afirmando que tal visita visava cobrar o pagamento de algumas faturas que estavam por pagar.

O que inculca que o legal representante da Autora deu a obra por terminada e, por isso, foi cobrar o preço que estava ainda por pagar, apresentando as respetivas faturas.

A testemunha AA afirmou espontaneamente no seu depoimento, como já acima foi referido e sumariado, que a obra não foi concluída por faltar executar as impermeabilizações dos terraços do primeiro andar, único trabalho que no seu entender estava em falta, o que repetiu a instâncias do Mmº juiz e apenas alterou em parte após instâncias repetidas do Ilustre Mandatário da Ré tendo, contudo, afirmado então que tais trabalhos foram feitos, mas que o legal representante da Ré não estava contente com eles e entendia que deviam ser reparados e que faltava, também, a recolocação das caleiras após a aplicação de tela sob as mesmas.

Em face destes meios de prova entende-se que a redação dada à alínea 23 deve ser alterada, pois, com exceção do depoimento de parte do legal representante da Autora ninguém mais confirmou a entrega das chaves do imóvel.

Também a afirmação de que a Autora concluiu a obra é conclusiva, devendo ser expurgada da matéria de facto, já que o que está em causa, em sede de apreciação da reconvenção, é exatamente aferir se a obra foi concluída e quando pelo que deve evitar-se a afirmação dessa conclusão em sede de seleção dos factos relevantes.

Do teor dos meios de prova acima elencados resulta, assim e apenas que, a Autora deu a obra por concluída em junho de 2017.

Será, nesses termos, alterada a redação da alínea 23.


*
3 - Cabe agora apurar se devem ser aditados aos factos provados os seguintes, não alegados nos articulados, que a Apelante entende resultarem da instrução da causa e que são relativos à existência de infiltrações nas garagens do imóvel objeto dos autos e às causas das mesmas:

“1) quando chove, pelo menos a partir do segundo dia de chuva, sempre houve e há infiltrações de águas das chuvas no interior das garagens e, pelo menos, dos apartamentos duplex do 5º andar;

2) a causa dessas infiltrações não era susceptível de ser detectada através do teste de estanquidade feito pelos senhores peritos, realizado em tempo seco, já que foi, naturalmente, a ausência da água das chuvas que os levou a ter de mandar tapar as saídas dos terraços e despejar sobre estes uma altura apreciável de água para ver se a mesma passava daí para baixo;

3) as infiltrações “terão eventualmente origem em infiltrações através das paredes exteriores do edifício”, como aliás admitiram os senhores peritos no final da resposta ao quesito 20º (2ª perícia), ou através dos tijolos dessas paredes e das tijoleiras das lages, como admitiu a testemunha arquitecto CC, mais que provavelmente vindas das caleiras que a A. não substituiu”.

É manifesto que a Apelante, com esta sugestão de redação, confunde ostensivamente factos com meios de prova e factos instrumentais que, na sua tese, seriam resultantes da instrução da causa, com factos essenciais à sua pretensão.

A matéria de facto que deve constar da sentença é aquela que, tendo sido alegada pelas partes, nos termos do previsto nos artigos 5º, número 1 e 552º, número 1 d) do Código de Processo Civil, seja relevante para a solução jurídica das pretensões das partes que tenha de conhecer.

Quer o artigo 5º, número 1, quer a alínea d) do número 1 do artigo 552º (ex vi artigo 583, número 1 no caso dos pedidos reconvencionais) referem a obrigação das partes de alegarem os factos essenciais que constituem a causa de pedir ou o suporte para as exceções que invocam.

O número 2 do referido artigo 5º, todavia, obriga a que o juiz considere ainda outros factos, não articulados pelas partes sendo eles:

“a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Afirma Teixeira de Sousa[7] que “os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção; - os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte”. Quanto aos primeiros afirma o referido Autor que “(…) são necessários à identificação da situação jurídica invocada pela parte e, por isso, relevam, desde logo, na viabilidade da ação ou da exceção: se os factos alegados pela parte não forem suficientes para perceber qual a situação que ela faz valer em juízo (…), existe um vício que afeta a viabilidade da ação ou da exceção. É por isso que, quando respeitante ao autor, a falta de alegação dos factos essenciais se traduz na ineptidão da petição inicial por inexistência de causa de pedir (…) e que a ausência de um facto complementar não implica qualquer inviabilidade ou ineptidão, mas importa a improcedência da ação”. Já “Os factos complementares (ou concretizadores) são os factos que, não integrando a causa de pedir (porque não são necessários para individualizar o direito ou o interesse alegado pela parte), pertencem ao Tatbestand da regra que atribui esse direito ou interesse ou são circunstanciais em relação ao facto constitutivo desse direito ou interesse.” Finalmente, quanto aos factos instrumentais o mesmo Autor entende que se destinam“(…) a ser utilizados numa função probatória dos factos essenciais ou complementares(…)”e “(…) são utilizados para realizar a prova indiciária dos factos principais, isto é, esses factos são aqueles de cuja prova se pode inferir a demonstração dos correspondentes factos principais.”

A produção de prova em processo civil tem por objeto os temas da prova enunciados - cfr. artigo 410º do Código Civil.

O legislador não explicita em nenhum preceito o que sejam os temas da prova a selecionar nos termos do artigo 596º, número 1 do Código de Processo Civil.

O que resulta claro do uso desse conceito, em contraponto com a anterior obrigação de seleção de factos assentes e a instruir, é que já não se exige em sede de saneamento a quesitação de cada facto controvertido, satisfazendo-se o legislador com a enunciação das questões de facto  essenciais à decisão sobre que deve ser produzida prova [8].

É, pois, de admitir que a seleção dos temas da prova, tenha um caráter genérico e até que possa agrupar vários factos essenciais à decisão numa formulação ampla, por temas/assuntos relevantes, desde que tal seleção respeite os limites que decorrem da causa de pedir e das exceções invocadas, tendo em conta as soluções plausíveis de direito.

No momento da sentença, todavia, o legislador obriga a que se discriminem os factos que se julgam provados e não provados, como resulta do disposto nos números 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil [9].

E, na motivação da sua convicção, deve o julgador indicar “as ilações tiradas dos factos instrumentais”, como resulta do número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.

Assim, a seleção dos factos provados e não provados a constar da sentença deve conter os que sejam essenciais às pretensões das partes, sendo os factos instrumentais (que tenham sido alegados, resultem da instrução ou tenham sido oficiosamente averiguados) úteis para a prova dos primeiros e não em si mesmos (salvo se deles resultar a obrigatória aplicação de uma presunção legal).

Exemplificando: a velocidade acima do limite legal a que seguia um veículo interveniente em acidente de viação será essencial caso a pretensão de uma das partes decorra da imputação de tal atuação ilícita e culposa ao seu condutor; já a extensão dos rastos de travagem que o mesmo deixou no pavimento será facto instrumental que, ainda que não alegado pode ser averiguado, e de que resultará indício tendente a confirmar ou infirmar o referido facto essencial.

O que são os factos essenciais a cada pedido/exceção é questão que sempre tem de ser resolvida no confronto das pretensões das partes e o direito substantivo que pode suportar as mesmas.

Em resumo: os factos essenciais devem ser alegados pelas partes, apenas sendo lícito ao juiz considerar outros, não alegados, se forem complementares instrumentais, notórios ou que sejam do seu conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Estes últimos não têm de ser selecionados no elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença (salvo se deles resultar a aplicabilidade de uma presunção legal), apenas cabendo referi-los na motivação da mesma, como previsto no número 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil.

Resta acrescentar, dada a inusitada redação proposta pela Recorrente para os factos a aditar, que também não deve enumerar-se como facto o teor de um meio de prova (embora com alguma frequência tal ocorra). Assim, não tem o juiz que fazer constar dos factos provados o teor de autos de inspeção, relatórios periciais ou mesmo de depoimentos, devendo, tão-só, deles retirar a sua convicção sobre os factos que os mesmos se destinam a provar. Exemplificando: salvo se o teor de um documento for, em si mesmo, um facto relevante (vg. o envio de uma missiva que consubstancie interpelação suscetível de interromper um prazo de caducidade ou prescrição), não tem de se fazer constar da sentença o seu teor como facto provado ou não provado, devendo ser o mesmo apenas referido na motivação da convicção que gerou sobre o facto a provar.

Resulta do artigo 581º número 4 do Código de Processo Civil uma definição legal de causa de pedir, a propósito da enumeração legal dos requisitos do caso julgado e da litispendência, descrevendo-a o legislador como o facto jurídico de que decorre a pretensão. Ora a causa de pedir da reconvenção foi a definida pela Ré na contestação e está este Tribunal impedido de tomar em consideração factos essenciais não alegados e, por isso, não instruídos nem apreciados na sentença recorrida, uma vez que a apelação é mera forma de impugnação de uma decisão judicial e não meio para apreciar de novo um litígio com ponderação de factos  que não foram alegados oportunamente.

A Apelante pretende reconfigurar a reconvenção, sublinhando agora que o relevante é que existem nas garagens do imóvel infiltrações, ainda que não sejam originadas na falta de execução de trabalhos acordados, pelo que, em face desses defeitos que agora diz decorrerem de diferentes causas, se deve julgar que a obra está por concluir.

Ora, não é instrumental à sua pretensão aferir a existência de defeitos e qual a causa dos mesmos, já que em sede de reconvenção a mesma deduziu pedido de indemnização pela mora na conclusão da obra a efetuar pela Autora a quem imputou a não realização dos trabalhos e de reparações que são os que descreve nos artigos 22 a 36 da contestação. Assim, ainda que se apurasse que outras causas tinham conduzido aos defeitos que alegou – que não a falta de realização dos concretos trabalhos que disse terem sido acordados e que a Autora, depois, se recusou a fazer -, não poderia a ação proceder com base nessas outras causas, não alegadas.

Exemplificando: a Reconvinte alegara que por causa de falta de execução de concretos trabalhos de impermeabilização das garagens ocorriam infiltrações das águas pluviais para o seu interior. Tal alegação era essencial à sua pretensão apenas porque pedia a condenação da Autora/Reconvinda no pagamento dos danos que para ela advieram da mora/não conclusão desses trabalhos. Agora pretende que, em face da prova produzida, se declare que essas infiltrações existiam e provinham de outras causas, que alternativamente descreve e que sequer afirma que se relacionem com trabalhos acordados e não executados pela Autora.

Por tudo o exposto, improcede a pretensão em apreço, indeferindo-se o aditamento dos novos factos ora sugeridos.


*

Dispõe o artigo 662º, número 1 do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuseram decisão diversa. Do seu número 2, alínea c) resulta ainda o dever de oficiosamente alterar a decisão sobre a matéria de facto quando constem do processo todos os elementos para tal, de modo a eliminar insuficiências, obscuridade ou contradição da mesma[10].

Ora, em face do aditamento do facto que ora ficará provado sob a alínea 29), tem de ser alterada a redação da alínea jj) dos factos não provados que é a seguinte: “Até hoje, a A. nunca executou a totalidade dos trabalhos”. Concluiu-se, acima, que a Autora não executou o trabalho consistente em desmontar e retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, de aplicar no seu lugar tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e de colocar, depois, caleira inox novamente no sítio.

Donde, não pode, sob pena de contradição, dar-se como não provado que até hoje a Autora não executou a totalidade dos trabalhos.

Tal alínea jj) passará, assim a ter a seguinte redação: A Autora, com exceção do trabalho referido em 29), que ficou por executar não executou a totalidade dos trabalhos.

Ainda em consequência da prova do facto que ora passará a constar da alínea 29) não pode manter-se, sob pena de contradição, a redação dada à alínea dd) onde se julgou não provado que: “Devido à recusa da Autora, a Ré teve já de mandar executar a terceiros parte dos trabalhos em falta, como a reparação, impermeabilização, reboco e pintura das paredes do Norte, e as valas e caixas para o escoamento das águas pluviais, a quem pagou o respetivo custo”.

De facto, do teor da referida alínea 29) e dos meios de prova analisados e acima referidos a propósito da apreciação dessa matéria, nomeadamente do relatório pericial e do depoimento de AA resulta que o trabalho descrito na referida alínea já foi realizado por terceiro. Pelo que, pelo menos quanto a esse trabalho deve ser dado por provado que a Reconvinte já o mandou executar a terceiro. Não resulta de nenhum meio de prova, contudo que tenha pago o respetivo custo que a Reconvinte alegou de forma genérica para todos os trabalhos já alegadamente realizados e ainda a realizar por terceiros, sem concretizar preços e datas e modos de pagamento (o que também não teria relevo já que nenhum pedido foi feito com base nesses alegados custos).

Assim, por forma a evitar a contradição entre os factos provado sob a alínea 29), e não provado sob a alínea dd) será ainda aditado um novo facto provado, sob a alínea 30), com o seguinte teor: A Ré já mandou executar a terceiros os trabalhos referidos em 29).

E a alínea dd) (que por força da eliminação da alínea g) dos factos não provados passará a Código Civil) passará a ter a seguinte redação: “Com exceção do referido em 29) e 30) a Ré teve já de mandar executar a terceiros trabalhos em falta, como a reparação, impermeabilização, reboco e pintura das paredes do Norte, e as valas e caixas para o escoamento das águas pluviais, a quem pagou o respetivo custo”.


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Fica assim fixado o seguinte elenco de factos provados e não provados:

Factos provados:

1. A Ré era e é dona de uma parcela de terreno com 962,30 m2 de área, para construção, situada na Av.ª ..., na freguesia, cidade e concelho de São João da Madeira, inscrita na matriz sob o artigo ... e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;

2. A Ré adquiriu essa parcela por compra realizada em 16/01/2013 e fez registar essa aquisição a seu favor, na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira, pela inscrição a que se refere a AP. ... de 2013/01/17;

3. Nessa parcela tinha sido licenciada e iniciada desde o início dos anos 2000, pelos seus antigos proprietários, a construção de um edifício de composto por dois blocos de 8 pisos cada um, para garagens, comércio e habitações unifamiliares, a submeter ao regime da propriedade horizontal;

4. O qual se encontrava em adiantado estado de construção;

5. A Ré adquiriu a parcela de terreno e o edifício que nela tinha sido construído, no estado em que essa construção se encontrava;

6. Devido aos anos que entretanto tinham decorrido desde o início da construção, esta, pelo menos ao nível dos revestimentos e acabamentos interiores e exteriores, vedações e impermeabilizações, e das várias redes, de água, saneamento e eletricidade, encontrava-se degradada e em mau estado geral de apresentação e conservação, imprópria para ser continuada, concluída e ou ocupada ou habitada nesse estado, sem previamente ser submetida a obras gerais de restauro e reparação geral, quer pelo exterior quer pelo seu interior;

7. A Ré decidiu então submeter o edifício a obras gerais e profundas de conclusão, vedação, impermeabilização, reparação e conservação através de empreitada que para o efeito combinou com a Autora;

8. Assim, mediante escrito particular datado de 14 de julho de 2014, junto como doc. 3 com a oposição e aqui dado por reproduzido, a Ré, na qualidade de 1.º outorgante, e a A., na qualidade de segundo outorgante declararam que:

“Cláusula 1.ª Objeto Pelo presente contrato, o 1.º Outorgante adjudica ao 2.º Outorgante a empreitada do prédio sito na Avenida ..., na freguesia/Concelho de São João da Madeira, obrigando-se esta a executar a obra correspondente a trabalhos da arte de trolha e pintor para os quais se encontra devidamente habilitado.

Cláusula 2.ª Valor O preço de Empreitada está descrito na proposta anexada ao caderno de encargos e mapa de pagamentos que terá um custo de 206.000,00 € (duzentos e seis mil euros) + IVA.

Cláusula 3.ª Prazo e condições de pagamento O 1.ª Outorgante compromete-se a cumprir o pagamento em prestações mensais variáveis em função das quantidades de trabalhos executados. O pagamento ao Empreiteiro dos trabalhos incluídos no contrato far-se-á mensalmente, com base em autos de medição, aprovados pelo Dono da obra, sobre a qual será efetuada a respetiva fatura, procedendo-se à sua liquidação, no prazo de trinta dias.

Cláusula 4.ª Prazos de execução: Os trabalhos para realização da obra deste contrato de empreitada deverão ser executados no prazo de 300 dias, contados da data da consignação, com tolerância de 30 dias. O prazo inicial convencionado poderá ser sempre prorrogado por mútuo acordo do Dono da obra e do Empreiteiro até 120 dias. Cláusula 5.ª Garantia. 5.1. O 2.ª Outorgante é responsável pela boa execução dos trabalhos contratados obrigando-se a executar os mesmos de acordo com as normas e técnicas de boa execução e em cumprimento da legislação aplicável. 5.2. O prazo de garantia da obra objeto deste contrato é de 5 anos contados a partir da sua entrega, devendo o 2.º Outorgante proceder às reparações e correções necessárias e que resultem de deficiências de execução ou vícios que lhe sejam imputáveis logo que seja solicitado por escrito pelo 1.ª Outorgante.

Cláusula 6.ª Condições gerais: O 2.º Outorgante obriga-se a cumprir o presente contrato em conformidade com o seu orçamento, todos os projetos aprovados no que respeita ITED, Rede de águas, Rede de Saneamento e Águas Pluviais, Segurança Contra Incêndio, o caderno de encargos no que diz respeito as Condições Administrativas e Condições Técnicas, o mapa de medições,, plano de trabalhos e a legislação aplicável em vigor, dos quais declara ser integral conhecimento e perfeito entendimento, (…) e ainda de acordo com as instruções que lhe venham a ser dadas pelo Sr. BB, representando o 1.º Outorgante ou pela fiscalização pela qual será responsável o Eng.º AA. Os acompanhantes da obra serão o Sr. BB e o Eng.º AA. (…)”;

9. De acordo com a Cláusula 2.ª do caderno de encargos, junto com a oposição e aqui dado por reproduzido:

Cláusula 2.ª Disposições por que se rege a empreitada 1. A execução do Contrato obedece: a) Às cláusula do Contrato, e ao estabelecido em todos os elementos e documentos que dele fazem parte integrante; b) Ao Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro, e respetiva legislação complementar; c) À restante legislação e regulamentação aplicável, (…); d) Às regras da arte.

2. Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, consideram-se integrados no contrato: a) Os suprimentos dos erros e omissões do caderno de encargos identificados pelos opositores, desde que tais erros e omissões tenham sido expressamente aceites pelo órgão competente para a decisão de contratar; b) Os esclarecimentos e as retificações relativos ao caderno de encargos; c) O caderno de encargos; d) A proposta adjudicada; e) Os esclarecimentos sobre a proposta adjudicada prestados pelo empreiteiro; f) Todos os outros documentos que sejam referidos no clausulado contratual ou no caderno de encargos.”

10. Segundo a Cláusula 9.ª (Prazo de execução da empreitada) do caderno de encargos: “1. O empreiteiro obriga-se a:

a) Iniciar a execução da obra na data da consignação total ou da primeira consignação parcial ou ainda da data em que o dono da obra comunique ao empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, caso esta última data seja posterior, sem prejuízo do plano de trabalhos aprovado;

b) Cumprir todos os prazos parciais vinculativos de execução previstos no plano de trabalhos em vigor;

c) Concluir a execução da obra e solicitar a realização de vistoria da obra para efeitos da sua recepção provisória no prazo de 200 dias a contar da data do início da obra ou da data em que o dono da obra comunique ao empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, caso esta última data seja posterior.

2. No caso de se verificarem atrasos injustificados na execução de trabalhos em relação ao plano de trabalhos em vigor que sejam imputáveis ao empreiteiro, este é obrigado, a expensas suas, a tomar todas as medidas de reforço de meios de ação e de reorganização da obra necessárias à recuperação dos atrasos e ao cumprimento do prazo de execução.

3. Quando o empreiteiro, por sua iniciativa, proceda à execução de trabalhos fora das horas regulamentares (…).

4. (…).

5. Se houver lugar à execução de trabalhos a mais cuja execução prejudique o normal desenvolvimento do plano de trabalhos e desde que o empreiteiro o requeira, o prazo para a conclusão da obra será prorrogado nos seguintes termos:

a) Sempre que se trata de trabalhos a mais da mesma espécie dos definidos no contrato, proporcionalmente ao que estiver estabelecido nos prazos parcelares de execução constantes do plano de trabalhos aprovado e atendendo ao seu enquadramento geral na empreitada;

b) Quando os trabalhos forem de espécie diversa dos que constam no contrato, por acordo entre o dono da obra e o empreiteiro, considerando as particularidades técnicas da execução.

6. Na falta de acordo quanto ao cálculo da prorrogação do prazo contratual previsto na cláusula anterior, os trabalhos respetivos são executados e pagos com base na contra-proposta do dono da obra, efetuando-se, se for caso disso, a correspondente correção, acrescida, no que respeita aos preços, dos juros de mora devidos, logo que haja acordo ou determinação judicial ou arbitral sobre a matéria.

7. Sempre que ocorra suspensão dos trabalhos não imputável ao empreiteiro, considerar-se-ão automaticamente prorrogados, por período igual ao da suspensão, o prazo global de execução da obra e os prazos parciais que, previstos no plano de trabalhos em vigor, sejam afetados por essa suspensão”.

11. E, prevê a Cláusula 11.ª do Caderno de encargos, sob a epígrafe “Multas por violação dos prazos contratuais”, que:

“1. Em caso de atraso no início ou na conclusão da execução da obra por facto imputável ao empreiteiro, o dono da obra pode aplicar uma sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 1% do preço contratual.

2. No caso de incumprimento de prazos parciais de execução da obra (…)”;

12. De acordo com cláusula 43.ª do Caderno de encargos:

“1. A receção provisória da obra depende da realização de vistoria, que deve ser efetuada logo que a obra esteja concluída no todo ou em parte, mediante solicitação do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, tendo em conta o termo final do prazo total ou dos prazos parciais de execução da obra.

2. No caso de serem identificados defeitos da obra que impeçam a sua receção provisória, esta é efetuada relativamente a toda a extensão da obra que não seja objeto de deficiência”;

13. A Autora iniciou os trabalhos, pelo menos, em setembro de 2014;

14. Não obstante o prazo fixado na cláusula 4.ª do contrato descrito em 8., A. e R. acordaram que os trabalhos seriam realizados pela Autora no prazo de dois anos e meio / três anos;

15. Não ocorreu, nem foi pedida, pela A. a receção provisória da obra, nem a sua vistoria prévia, nem a assinatura do correspondente auto de vistoria e receção;

16. A A. não aplicou revestimento em cerâmica em 20 cozinhas, no sítio dos móveis anteriores, bem como em 3 quartos de banhos das frações das lojas;

17. Nas cozinhas referidas em 16. e nas casas-de-banho das 3 frações da loja, foi verbalmente acordado entre as partes que não seria aplicada cerâmica na parede que se situava por trás dos móveis a aplicar, mas que seria areado o local;

8. A A. não executou o revestimento a gesso projetado dos tetos dos 4 apartamentos duplex;

19. Mas, face às dificuldades que a A. teria em trabalhar o gesso, foi verbalmente acordado entre A. e R. que seria colocado pladur, trabalho este que foi executado por terceiro e que a A. pagou;

20. A A. não executou os trabalhos de regularização dos pisos nas garagens, os quais foram executados por um terceiro;

21. Tendo A. e R. acordado, em outubro de 2016, que primeira pagaria à segunda por conta de tais trabalhos a quantia de € 5.000,00;

22. Em consequência das chuvas posteriores à aplicação dos revestimentos cerâmicos dos dois pisos/terraços superiores começou a aparecer, nas juntas entre as peças cerâmicas, uma goma branca tipo salitre que começou a espalhar-se por todo o piso;

23. A Autora deu a obra por concluída em junho de 2017;

24. No decurso da obra, o legal representante da Ré e o seu engenheiro iam frequentemente ao local de modo a vistoriarem tudo o que se vinha realizando em obra; 25. No âmbito do contrato celebrado entre as partes, a Autora prestou à Ré os serviços constantes da fatura ..., de 05/12/2016 e vencimento em 04/01/2017, junta como doc. 9 com a réplica e aqui dada por reproduzida, no valor global de € 12.300,00;

26. No âmbito do contrato celebrado entre as partes, a Autora prestou à Ré os serviços constantes da fatura ..., de 06/07/2017 e vencimento em 05/08/2017, junta como doc. 2 com a réplica e aqui dada por reproduzida, no valor global de € 16.340,01;

27. E, a solicitação da Ré, a Autora prestou àquela, que os aceitou, os serviços extras constantes da fatura ..., de 03/07/2017, com vencimento em 02/08/2017, junta como doc. 10 com a réplica e aqui dada por reproduzida, nas datas aí referidas, no valor global de € 13.710,42;

28. Por carta registada datada de 20/07/2017 e rececionada em 31/07/2017, a Autora, através da sua Mandatária, interpelou a Ré para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento de faturas em atraso, aí incluindo das três faturas acima referidas, a 117/33.

29. A Autora não realizou o trabalho, que constava do caderno de encargos, consistente em retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, colocando no seu lugar tela asfáltica e depois colocar a caleira no lugar original.

30. A Ré já mandou executar a terceiros os trabalhos referidos em 29..


*

Factos não provados:

A A. iniciou os trabalhos em agosto de 2014;

b. A A. iniciou os trabalhos em novembro de 2014;

c. Os trabalhos tinham que ser executados no prazo de 300 dias;

d. Os trabalhos tinham que ser executados no prazo de 730 dias;

e. À medida que a Autora ia executando os trabalhos, foram ocorrendo sucessivos desentendimentos entre ela e a Ré quanto ao modo como os trabalhos iam sendo feitos e quanto aos materiais aplicados e ao modo da sua aplicação;

f. No início do segundo semestre de 2016, a Autora chegou mesmo a parar e a abandonar a obra, retirando daí todo o pessoal e todas as suas ferramentas e equipamentos;

g. O sócio-gerente da R. interpelou por diversas vezes o sócio-gerente da A. para executar o trabalho referido em 29.

h. Através de acordo verbal entre o eng.º AA a Ré, foi estabelecido que a A. não teria de efetuar o seguinte serviço: Retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, colocando no seu lugar tela asfáltica e depois colocar a caleira no lugar original;

i. Foi acordado que, essa parte descrita em caderno de encargos, não seria feita, obrigando-se a Autora a regularizar uma das partes da cobertura que se encontrava torta, tendo a A. feito o trabalho requerido e a R. aceite, através do pagamento da fatura número ..., de 29/12/2014 e respetivo cheque de pagamento;

j. A A. não picou as massas de revestimento interior em 20 cozinhas e 44 quartos de banho, faltando também fazer esses trabalhos e aplicar rebocos novos em todas essas cozinhas e quartos de banho, deixando-os prontos para aplicação da cerâmica nova;

k. Na frente do bloco norte, a A. não fez a vala para lavar a parede e impermeabilizá-la, ceresitando-a e dando-lhe fleet coat, vedando e estancando a infiltração de humidade que ocorria nessa zona;

l. A A. não executou nem aplicou, no seu todo, a rede de tubagens e condutas e tubagens de escoamento das águas pluviais do prédio e dos respetivos terraços;

m. A A. não aplicou tinta própria de pavimento nos pisos das garagens, nem fez os trabalhos de lavagem das garagens e anexos, acabando e pintando-os com tinta própria para pisos;

n. Por errada conceção, execução ou instalação da A., ocorriam infiltrações de águas através dos vitrais existentes nas paredes, do exterior para o interior;

o. A tijoleira cerâmica que revestia os dois terraços superiores estava a descolar e a levantar e, em consequência, a permitir infiltrações das águas pluviais do exterior para o interior dos edifícios;

p. O referido em 22. ocorre devido à errada conceção, execução ou instalação da Autora; q. No bloco poente, a tinta de revestimento e proteção das paredes estava a enfolar, a descascar e a cair no (interior ou exterior) quarto do lado nascente, bem como no quinto andar, lado sul, e no terceiro andar, permitindo infiltrações de águas para o interior, tornando necessário limpar, tratar e pintar de novo todas essas divisões;

r. Para tentar eliminar infiltrações de águas pluviais que ocorriam através das juntas do terraço, a A. tapara parte delas sem as limpar, aplicando silicone por cima do lixo existente, fazendo com que as infiltrações continuassem a ocorrer;

s. Na fachada exterior poente do edifício, encostado ao prédio vizinho, a A. ainda não tinha retirado as massas de podres que a revestiam nem, como também estava combinado, aplicado massas novas com o seu subsequente tratamento e pintura de novo;

t. Na junta de dilatação da garagem, a A. também não tinha picado e removido as massas de revestimento, que estavam podres e a desfazer-se nem, subsequentemente, aplicado massas novas;

u. Por causa do referido no artigo anterior, ocorriam infiltrações das águas pluviais para o interior da garagem, arrastando consigo aquelas massas à medida que as mesmas se iam desfazendo;

v. No teto da garagem continua a existir um buraco amplo e aberto, que a A. se comprometera e tapar e nunca tapou;

w. Em outubro de 2016, A. e R. acordaram, ainda, que:

- os trabalhos a menos que a R. reclamava que a A. não tinha feito seriam considerados compensados com os trabalhos que aquela última dizia que tinha feito a mais;

- A A. faria todos os trabalhos de reparação e retificação de defeitos enunciados nos art.ºs 8.º a 36.º da oposição;

- a R. pagaria à A. a quantia de € 42.350,43, que esta reclamava, deduzida dos € 5.000,00 após a reparação e retificação aludida no item anterior;

x. Após isso, a A. não fez os trabalhos a que se comprometera pelo referido acordo, designadamente de reparação e retificação;

y. E, afastou-se, de novo, definitiva e totalmente da obra, desmontou o estaleiro e retirou daí todos os materiais e equipamentos, assumindo-se e declarando-se total e definitivamente desinteressada dela e do seu acabamento;

z. Em consequência disso, continuam por executar os trabalhos referidos nos artigos 22º a 27º e a haver infiltrações de águas e humidades em vários terraços e em várias divisões interiores do prédio, designadamente nos 3 quartos referidos no artigo 31º, o pavimento cerâmico continua descolado e levantado, os vitrais continuam a consentir infiltrações de águas e humidades para o interior.

aa. A A. recusou-se a fazer mais quaisquer dos trabalhos referidos nos artigos 22º a 36º, bem como a efetuar a reparação ou a substituição de qualquer dos trabalhos que anteriormente executara incorretamente;

bb. Ainda em consequência disso, o estado geral atual de apresentação e observação do prédio é o reproduzido nas respetivas 20 fotografias que foram obtidas em 18/12/2017; cc. Com exceção do referido em 29) e 30) a Ré teve já de mandar executar a terceiros trabalhos em falta, como a reparação, impermeabilização, reboco e pintura das paredes do Norte, e as valas e caixas para o escoamento das águas pluviais, a quem pagou o respetivo custo.

dd. A execução e instalação da rede de escoamento de águas pluviais, bem como os demais trabalhos em falta e os trabalhos de reparação e retificação de erros e defeitos que a requerente não fez e se recusa a fazer, importam em não menos de 50.000,00 €;

ee. O atraso da Autora na execução e conclusão da obra impediu e continua a impedir a Ré de requerer e obter a licença de ocupação, utilização e habitação do prédio;

ff. E, como consequência direta e necessária disso, de submeter o prédio ao regime da propriedade horizontal e, assim, de vender e receber o preço das lojas comerciais e das habitações que compõem o prédio;

gg. Com isso lhe causando prejuízos, por não poder recuperar o dinheiro investido na aquisição e reconstrução do prédio e os respetivos proveitos;

hh. Esses prejuízos irão continuar a acumular-se até que a requerida possa vender as frações, depois de cumpridas as fases referidas nas als. ee) e ff);

ii. A Autora, com exceção do trabalho referido em 29) que ficou por executar, não executou a totalidade dos trabalhos.

jj. A fatura ... não resultou de auto de medição aprovado pela Ré, nem de qualquer acordo prévio da Ré quanto aos alegados trabalhos nela mencionados;

kk. Em vez de retirar a caleira de escoamento de águas pluviais, a A. aplicou uma tinta por ela escolhida e adquirida em todas as emendas e soldas da caleira, tendo a R. reclamado e informado que não aceitava essa alteração e tendo a tinta passado a descolar e a soltar-se, continuando as infiltrações de águas e humidades para o interior do edifício; ll. A A. executou os trabalhos de reparação e substituição de cobertura dos terraços de acordo com as regras da arte e com regras do caderno de encargos;

mm. Art.ºs 46.º a 57.º da resposta à réplica cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

nn. Com o incumprimento da R., a A. teve despesas que ascenderam a € 500,00.


*

4 - Cabe agora apreciar a pretensão da Apelante quando afirma que o contrato de empreitada está por concluir, já que o mesmo tinha por desiderato a impermeabilização do imóvel e o mesmo tem infiltrações de água em vários locais. Tal via de censura à decisão recorrida, que foi repetidamente arguida a (des)propósito da censura dirigida à matéria de facto é explorada com base na afirmação de que, relativamente aos trabalhos efetuados/omitidos pela Autora “Não pode sequer falar-se em defeitos do que ela fez ou possa ter feito. A importância do que ela não fez e as suas consequências, na chamada economia do contrato, conduzem a uma situação de incumprimento e não de meros defeitos.”

Como acima salientado a Recorrente pediu a revogação da sentença apenas no que tange ao conhecimento do mérito da reconvenção, pedindo que a mesma seja julgada procedente.

O pedido reconvencional baseou-se na alegação de que “o atraso na execução e conclusão da obra impediram e continuam a impedir” que a Autora obtivesse licença de ocupação, utilização e habitação do prédio e, como consequência, que submetesse o imóvel a propriedade horizontal e que vendesse as frações. Identifica o seu prejuízo como o resultante de “não poder recuperar o dinheiro investido na aquisição e reconstrução do prédio” e afirma que tais prejuízos continuarão a acumular-se até que possa vender as frações”.

Formulou o seguinte pedido reconvencional: “(…) seja proferida decisão (…)” a) a decidir que a requerente incumpriu definitivamente o contrato de empreitada, declarando-se esse contrato incumprido por culpa da requerente, e (b) a condenar a requerente a indemnizar a requerida pagando-lhe a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença a título de indemnização pelos prejuízos causados quer com o atraso na conclusão e entrega da obra, quer com o seu abandono e incumprimento definitivo do contrato de empreitada.

Mais tarde, por requerimento de 25-06-2018, pediu a ampliação desse pedido “No sentido de a A. ser ainda condenada a indemnizar a R., relativamente à sanção referida naqueles artigos 8º a 16º e 10º a 14º (da sua oposição), na quantia de 206,00 € por cada dia decorrido entre o último dia de Setembro de 2015 e o dia em que a própria A. foi citada ou notificada do pedido reconvencional”.

Do artigo 804º do Código Civil resulta que a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.

Quanto aos danos pelo atraso na conclusão da obra que a Reconvinte alegou como causa de pedir resultaram todos dados por não provados nas alíneas ee) a hh) pelo que, na falta da prova de tais danos nunca pode proceder a pretensão em apreço, tal como formulada, em pedido genérico, na reconvenção.

Acresce que resultou provado que as partes tinham acordado que a obra teria a duração de dois anos e meio a três anos, que a mesma se iniciou em setembro de 2014 e que a Autora a deu por concluída em junho de 2017. Ou seja, não resulta que tenha sido ultrapassado o prazo acordado pelas partes para a conclusão da obra pelo que também não pode proceder a pretensão expressa na ampliação do pedido reconvencional de 25-06-2016, em que foi requerida a condenação da Autora/Reconvinda, no pagamento da quantia de 206 € por dia desde 30 de setembro de 2015.

A Recorrente afirma, repetidamente, que a execução da obra com defeitos equivale a incumprimento mas, também, contraditoriamente, que a falta de conclusão dos trabalhos em falta equivale a atraso na sua execução, confundindo os conceitos de incumprimento, mora, e de cumprimento defeituoso.

A execução da obra com defeitos confere ao seu dono os direitos que resultam dos artigos 1221º a 1223º do Código Civil, direitos esses que a reconvenção deduzida não visa exercer.

E, ao contrário do defendido em sede de alegações, a Autora obrigou-se pelo contrato de empreitada a realizar certos e determinados trabalhos, discriminados no caderno de encargos anexo ao contrato e não a impermeabilizar totalmente o imóvel tornando-o absolutamente estanque a qualquer humidade/infiltração.

Claro está que o empreiteiro deve, nos termos do artigo 1208º do Código Civil, executá-la em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o seu valor ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto. Tal não significa que possa equiparar-se a realização da obra com tais vícios ao incumprimento do contrato.

Tratar-se-á, nesse caso, de um cumprimento defeituoso que, no caso da empreitada tem um regime legal específico.

Segundo Pedro Romano Martinez [11] “Na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou com vícios. As desconformidades são as discordâncias relativamente ao plano convencionado (por exemplo encomendou-se uma mesa com três metros de cumprimento e foi realizada uma mesa com dois metros e meio de cumprimento). Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato (…) Ao conjunto das deformidades e vícios, chamar-se-á, como faz o Código Civil, defeitos”.

Ora, como se viu, a Reconvinte não fez qualquer pedido que corresponda ao exercício dos direitos que estão previstos na lei para o caso da execução da obra com defeitos.

O incumprimento da empreitada, como, aliás, de qualquer contrato, tampouco se confunde com a mora na sua execução como também parece pretender a Reconvinte que, ora afirma na reconvenção, onde erige mesmo tal afirmação a pedido, que a Autora “incumpriu definitivamente o contrato de empreitada” e pede que se declare “esse contrato incumprido por culpa” daquela, afirmando ainda que pretende ser indemnizada “pelos prejuízos causados quer com o atraso na conclusão e entrega da obra, quer com o seu abandono e incumprimento definitivo do contrato de empreitada”  ora, em sede de alegações, vem afirmar que a obra não foi concluída e que, por tal a Reconvinda está, até hoje, em mora.

O devedor fica constituído em mora, nos termos do artigo 805º, número 2 a) do Código Civil, independentemente de interpelação, quando a obrigação tiver prazo certo. No caso já se afirmou que não foi ultrapassado pela Autora o prazo acordado com a Ré para conclusão da obra.

Certo é que um dos trabalhos acordados ficou por realizar. Todavia, provou-se que a Autora deu a obra por concluída em junho de 2017 e não que a tenha abandonado. Ficou, ainda, provado que a Ré já contratou terceiro para a execução do trabalho que ficou por executar pela Autora e que é o descrito na alínea 29 dos factos provados.

Ou seja, estamos perante um incumprimento parcial do contrato de empreitada, quanto a uma das obrigações dele resultante, que era a de execução dos trabalhos relativos à colocação das caleiras e à aplicação de tela sob as mesmas. E tal incumprimento é definitivo já que a Autora considerou a obra concluída e que tal trabalho já foi efetuado por terceiros.

A este propósito cumpre ainda acentuar que, como resulta da alínea 28) dos factos provados, “Por carta registada datada de 20/07/2017 e rececionada em 31/07/2017, a A., através da sua Mandatária, interpelou a Ré para, no prazo de 30 dias, proceder ao pagamento de faturas em atraso, aí incluindo das 3 faturas acima referidas, a 117/33”, dada por reproduzida na alínea 26) dos factos provados e de que consta a seguinte menção “Conclusão dos trabalhos da totalidade da obra”.

Ora a tal missiva não respondeu a Reconvinte tendo mandado efetuar por terceiros os trabalhos que se provou não terem sido executados.

Segundo Pedro Romano Martinez,[12]. “O não cumprimento definitivo é uma das formas que pode revestir a responsabilidade contratual do devedor. E, como responsabilidade civil que é, baseia-se na culpa, só que, presumida (art. 799°, n° 1).

Em termos gerais, admite-se a existência do incumprimento definitivo sempre que a prestação não tenha sido cumprida e já não possa vir a sê-lo posteriormente.

São três as causas que podem estar na origem de tal situação.

A impossibilidade da prestação, a perda de interesse por parte do credor e o decurso de um prazo suplementar de cumprimento estabelecido pelo accipiens (arts. 801°, n° 1 e 808°). Certa doutrina acrescenta ainda uma quarta causa, a qual consistiria na declaração expressa do devedor em não querer cumprir!

Tanto a impossibilidade física, como a jurídica (p. ex.., por confisco do bem) não permitem que a prestação venha a ser efetuada e, sendo imputáveis ao devedor, constituem causa de responsabilidade deste. Se o credor perder o interesse na prestação, não se justifica que o solvens a pretenda realizar, na medida em que, sendo a satisfação do interesse do accipiens o fim para o qual a obrigação foi constituída, se este não se pode obter por culpa do devedor, estar-se-á perante um caso de incumprimento definitivo. A perda de interesse na prestação é apreciada objetivamente (art. 808°, n° 2).

O credor pode estabelecer um prazo razoável para o devedor reali­zar a prestação após o seu vencimento, findo o qual esta se considera definitivamente incumprida. De outra forma, o credor, que não tivesse perdido o interesse na prestação, ficaria indefinidamente adstrito à relação obrigacional que o ligava à contraparte e, principalmente em contratos sinalagmáticos, tal indeterminação poderia acarretar consequências nefastas para a parte adimplente. Quando o devedor declara expressamente não pretender cumprir a prestação a que está adstrito, não se torna necessário que o credor lhe estabeleça um prazo suplementar para haver um incumprimento definitivo. A declaração do devedor é suficiente. (…)” (sublinhados nossos).

Concorda-se com este raciocínio, como aliás parece concordar a Reconvinte que já mandou executar tal trabalho a terceiro e alegou o incumprimento definitivo do contrato, pedindo mesmo que tal incumprimento fosse declarado.

Do que decorre em grande medida a improcedência da sua pretensão recursória, pois– repetimo-nos – a limitou à decisão que incidiu sobre o pedido reconvencional pedindo que se julgasse “a reconvenção procedente, tendo em conta a ampliação desse pedido formulada na resposta de 2/06/2018”.

Afastada, por falta de prova dos factos que a poderiam sustentar, a ocorrência de mora da Autora na execução dos trabalhos, pode, contudo, afirmar-se que a Autora não cumpriu um dos trabalhos acordados no contrato de empreitada que celebrou com a Ré.

Não pode, contudo, concluir-se que ocorreu incumprimento total desse contrato, como pedido em reconvenção, muito menos com o argumento ora esgrimido em sede de recurso, de que do mesmo resultava para a empreiteira a impermeabilização total do edifício (e não a execução de certos e determinados trabalhos).

Tendo em conta a natureza, genérica, do pedido reconvencional, cabe apreciar se pode ocorrer condenação da Reconvinda no pagamento de indemnização.

O artigo 798º do Código Civil prevê que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Do artigo 799º do mesmo diploma, por sua vez, decorre a presunção de culpa que aqui não foi ilidida já que não se provou o acordo, posterior, alegado pela Reconvinda, que a desobrigaria da execução desse trabalho em concreto.

A Reconvinte pediu, na reconvenção, indemnização pelos danos (alguns deles, como infra veremos) decorrentes do incumprimento do contrato (e pelos causados pelo atraso na sua execução que já vimos não ter ocorrido).

O artigo 609º, número 2 do Código de Processo Civil estatui que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Claro está que, se não tiver resultada provada a existência de danos, tal preceito não tem aplicação.

Pelo que, por forma a aferir se deve aplicar-se tal preceito cumpre averiguar se pode afirmar-se, perante o elenco dos factos provados, que a Reconvinte sofreu danos por causa do incumprimento da obrigação referida na alínea 29.

A Reconvinte alegara que mandou efetuar aquele concreto trabalho a terceiro, o que está provado. Tal alegação consubstancia, em parte, o dano que a mesma alegou nos artigos 42º -A a 44º da oposição/reconvenção.

Sucede que, claramente, não são esses danos que a Reconvinte pede que sejam ressarcidos por via da reconvenção. A mesma afirma, aliás, expressa e claramente, no artigo 51º da oposição, depois da descrição dos danos que diz ter sofrido com a necessidade de mandar executar e corrigir trabalhos a terceiros (e quantifica em não menos de 50  000€), que “Posteriormente, em ação autónoma, a requerida liquidará e exigirá da requerente a indemnização por todos os prejuízos que lhe causou com o seu incumprimento”.

Nesta ação limitou-se a pedir, contudo, nos artigos 52º e seguintes, a declaração de incumprimento do contrato e a condenação da Reconvinda em pagamento de indemnização pelos danos consistentes em não ter podido recuperar o dinheiro investido na aquisição e reconstrução do prédio, bem como auferir os respetivos proveitos, prejuízo que diz ter decorrido da falta de conclusão e do atraso nos trabalhos que a impediram de constituir o prédio em propriedade horizontal e de vender as respetivas frações.

Nenhum destes danos se provou.

Donde, apenas em parte pode proceder a sua pretensão já que pede a declaração de incumprimento definitivo do contrato de empreitada e se provou que a Autora não efetuou um trabalho – o descrito na alínea 29) dos factos provados – dos que constavam do caderno de encargos anexo ao contrato de empreitada.

Nessa parte declarar-se-á, assim, na procedência parcial da reconvenção, que a Autora não cumpriu tal obrigação contratual, sem que desse incumprimento haja que retirar qualquer consequência em termos de condenação da mesma.

No mais, mantém-se a sentença recorrida.

As custas do recurso serão a suportar por Recorrente e Recorrida fixando-se o decaimento da primeira em 9/10 dada a falta de indicação do valor do trabalho que se apurou não ter sido executado e o valor liquidado do pedido reconvencional que formulara (206 € por dia desde 30 de setembro de 2015 e a data da sua notificação do pedido reconvencional, em 08-01-2018, num total de 170.980 €).

V – Decisão:

Nestes termos, na procedência parcial do recurso, revoga-se a sentença recorrida a cujo dispositivo passará a aditar-se o seguinte:

Declara-se que a Autora não cumpriu a obrigação de execução do seguinte trabalho constante do caderno de encargos anexo ao contrato de empreitada que é objeto dos autos: desmontar e retirar a caleira de escoamento de águas pluviais em toda a volta dos dois blocos de apartamentos, meter no seu lugar tela asfáltica para fazer a vedação e impermeabilização das águas e colocar depois caleira inox novamente no lugar original.

Mantêm-se, no mais, o ali decidido.

Custas por Recorrente e Recorrida fixando-se o decaimento da primeira em 9/10, nos termos acima explanados.

Porto, 6 de maio de 2024.
Ana Olívia Loureiro
Eugénia Cunha
José Eusébio Almeida
______________
[1] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3ª ediçãO, reimporessão, volume IV,
[2] A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, páginas 218 e 219.
[3] Op. cit. página 219.
[4] Processo 8902/18.1T8LSB.L1.S. disponível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/bd50b0b35588365f8025878300336527 .
[5] Em “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, páginas 292 e 293.
[6] Tenha-se em conta a recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, em Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 17-10-2023 fixou que “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.
[7] Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Páginas 70 a 72.
[8] Segundo Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 699), “(…) não se trata mais da quesitação atomística e sincopada de pontos de facto que caracterizou o nosso processo civil durante muitas décadas. Numa clara mudança de paradigma, procura-se agora que a instrução, dentro dos limites definidos pela causa de pedir e pelas exceções deduzidas, decorra sem barreiras artificiai e sem quaisquer constrangimentos, assegurando a livre investigação e consideração de toda a matéria com atinência para a decisão da causa.”.
[9] A este respeito os mesmos Autores, op. cit, afirmam: “(…) quando, mais adiante, o juiz vier a decidir a vertente fáctica da lide, importará que tal decisão expresse o mais fielmente possível a realidade histórica tal como esta, pela prova produzida, se revelou nos autos, em termos de assegurar a adequação da sentença à realidade extraprocessual.”.
[10] Apenas quando não constem dos autos os elementos referidos no número 1 do citado artigo tem a Relação o dever de, oficiosamente, anular a decisão proferida para que seja o tribunal recorrido a suprir tais insuficiências, obscuridade ou contradições.
[11] Contrato de Empreitada, Almedina, página 189.
[12] Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada – Almedina – página 122.