Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ MANUEL ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | INFIDELIDADE PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL ELEMENTO SUBJECTIVO | ||
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Nº do Documento: | RP201103304850/02.5TDPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/30/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O crime de infidelidade consuma-se com a verificação da ofensa e não com a reintegração do bem no património do lesado. II - O elemento subjectivo do tipo pressupõe a intenção de apropriação, que deve ser vista e valorada como a vontade intencional do agente se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem. III - Tal não é o caso do agente que actua com o intuito de acautelar os direitos de terceiros e os seus próprios. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | 1ª SECÇÃO CRIMINAL – Processo nº 4.850-02.5TDPRT.P1 Tribunal de Instrução Criminal do Porto – 3º Juízo – B Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto I RELATÓRIOAs assistentes B…, Lda, e C… vieram recorrer do despacho proferido a fls 1206 e sgs, que não pronunciou a arguida D…. Notificados, apresentaram resposta o Ministério Público e a arguida D…, sustentando a bondade do despacho recorrido. Foi admitido o recurso, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. O procurador-geral adjunto neste tribunal, no seu parecer, pronunciou-se no sentido de o despacho recorrido não merecer censura. Não houve resposta. Foram observadas as formalidades legais, nada obstando à apreciação do mérito do recurso - artigos 417º, nº 9, 418º e 419º nºs 1, 2 e 3, alínea b), do Código de Processo Penal. II FUNDAMENTAÇÃOPEÇAS PROCESSUAIS 1. Transcreve-se o despacho de não pronúncia recorrido Realizou-se a instrução a requerimento das assistentes B…, Lda., e C…, inconformadas com o despacho do Ministério Público que, a fls 704 a 707, determinou o arquivamento dos autos de inquérito. Alegaram as assistentes o que melhor consta do requerimento de fls. 738 a 748 no sentido da pronúncia da arguida D… pela prática dos crimes de abuso de confiança qualificado, de furto qualificado e de infidelidade. Foram tornadas declarações à arguida, à assistente e a várias testemunhas. Foi apresentada diversa prova documental, nomeadamente informações bancárias e certidão da sentença, ainda não transitada em julgado, que julgou procedente uma acção cível, de condenação, sob a forma ordinária, intentada pelos filhos do falecido E…, com a intervenção principal da aqui assistente C… contra a arguida nestes autos. Realizou-se o debate instrutório, no qual o Ministério Público formulou doutas conclusões no sentido da não pronúncia da arguida, mantendo as assistentes a posição defendida no requerimento de abertura de instrução, e defendendo a arguida uma posição oposta, alegando ainda a extemporaneidade da queixa relativa ao furto dos bens existentes no laboratório. Não há questões prévias ou incidentais que ora cumpra conhecer salvo a da alegada nulidade ou inexequibilidade do requerimento de abertura de instrução, defendida pelo Ministério Público no debate instrutório, a alegada extemporaneidade da queixa apresentada pelo crime de furto, a extinção do procedimento criminal, por prescrição, quanto ao crime de infidelidade. Relativamente à primeira, suscita-se concretamente a questão de saber se o requerimento de abertura de instrução contém os elementos necessários à realização da instrução e à decisão instrutória. Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao artigo 287.° do C.P.P., “o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente é constituído pelas seguintes partes: a. a narração dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança, sendo aplicável o disposto no artigo 283, n.º 3, al. b); esta narração deve ter o formato de uma verdadeira acusação (o ..) b. as disposições legais violadas pelo arguido e as razões de direito de discordância relativamente ao arquivamento pelo MP a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo os meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito" (Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 1.ª edição, da Universidade Católica Portuguesa, p. 741 e 742). O artigo 283.°, n.º 3, do Código de Processo Penal especifica aquilo que a acusação, sob pena de nulidade, deve conter, nomeadamente: b) A narração ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; (...). Como ensinam Jean-Michel Adam e Françoise Revaz, "no quadro da retórica antiga, a parte narrativa de um discurso - Narratio - tem uma função bastante precisa. «Ela consiste em dizer tudo o que puder esclarecer o facto em causa ou tudo o que fizer crer que ele foi consumado, prejudicial ou ilegal, ou como se queira apresentá-lo.» (Aristóteles, Retórica, livro III, 14173). «A narração é o enunciado de uma acção consumada [oo.] que se destina a persuadir ou [oo.] um discurso que instrui o ouvinte do que é controverso.» (Quintiliano, Instituição Oratória, livro IV, 2, parágrafo 31). Em qualquer caso a Narratio visa, por um lado, informar-instruir o auditório e, por outro, persuadi-lo da justeza da causa defendida." ("A análise da narrativa", editora Gradiva, p. 104). Mas, ainda segundo os mesmos autores, a partir de finais dos anos 70, "a narratologia, passa da simples descrição dos factos estruturais para a valorização da comunicação". "A narratologia contemporânea volta a considerar o discurso narrativo numa perspectiva de estratégia de comunicação. O produtor, na narrativa, estrutura o seu texto em função do efeito que ele procura produzir na pessoa que o interpreta. A interpretação pelo leitor ou ouvinte assenta, não apenas na importância literal do texto, mas igualmente no postulado de uma intenção comunicativa do produtor-enunciador." (Ob, citada, p. 12-13). Para depois referirem a obra de Umberto Eco, "Lector in Fabula", na qual o referido autor aborda a ideia de «cooperação interpretativa» "destinada a preencher os vazios, espaços em branco, elipses de qualquer enunciado" (Ob. cito p. 13 e 39). Carlos Reis e Ana Cristina Lopes referem também a possibilidade de "equacionar a problemática da narração à luz das teorias bakhtinianas sobre a condição dialógica e pluridiscursiva da linguagem (...)", e de "abrir caminho a uma concepção da narrativa como prática interactiva (relação narrador/narratário), conduzindo directamente à pragmática narrativa", definindo esta como a descrição da significação comunicativa, emergente num processo interaccional, que transcende sempre as restrições da significação meramente virtual. Ou definida "de um modo geral, a pragmática narrativa ocupa-se da configuração e comunicação da narrativa naqueles aspectos em que melhor se ilustra a sua condição de fenómeno interactivo, isto é, que se não esgota na actividade do emissor, projectando-se como acção sobre o receptor." ("Dicionário de Narratologia", Almedina, p. 287-288 e 335-337). Ora, toda a acusação, como qualquer comunicação humana, abrange não apenas os signos ou sinais, mas também a própria significação que é integrada na dinâmica da comunicação. Na expressão de Umberto Eco, "quando o destinatário é um ser humano [...] estamos [...] em presença de um processo de significação, já que o sinal não se destina a funcionar como simples estímulo, mas solicita uma resposta interpretativa no destinatário», como referem e citam os mesmos autores do "Dicionário de Narratologia", p. 74. Assim, no contexto de um processo judicial, não são apenas as partes que devem colaborar com o tribunal no sentido da justa composição do litígio, mas o tribunal também deve colaborar com as partes, nomeadamente com as assistentes, na interpretação e análise da matéria do requerimento de abertura de instrução, nomeadamente enquadrando-o com os factos alegados na queixa ou denúncia inicial. O juiz de instrução não é um destinatário passivo, nem um receptor desentendido. Na interpretação da lei, o tribunal "não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada" - artigo 9.°, n." 1, do Código Civil. Do mesmo modo, na interpretação do requerimento de abertura de instrução, o juiz não deve cingir-se apenas ao que lá está escrito, mas interpretar esse requerimento, reconstituindo uma representação da intenção do requerente. Isso mesmo nos parece resultar, igualmente, das regras de interpretação das declarações negociais, previstas no artigo 236.° do Código Civil, sob a epígrafe "sentido normal da declaração" : "1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida." Ora, após uma leitura atenta do requerimento de abertura de instrução no contexto de um despacho de arquivamento do inquérito instaurado na sequência de uma determinada denúncia, aparentemente suportada em factos materiais e concretos, não nos encontrávamos, como não nos encontramos perante uma instrução legalmente inadmissível ou inexequível. Porque assim o entendemos, e apesar do respeito que nos merece diferente entendimento, consideramos improcedente a nulidade ou a inadmissibilidade do requerimento de abertura de instrução. A arguida alegou a extemporaneidade da queixa relativa ao crime de furto. No entanto a queixa apresentada pelas assistentes contra a arguida imputou-lhe especificamente "um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 203.°, n.º 1, e 204.° nº 1, als. a), f) e i), do Código Penal, o que lhe atribui a natureza de crime público, afastando a aplicação do n.º 3 do artigo 203.° do Código Penal e a exigência de queixa. Consequentemente, julgamos improcedente a alegada extemporaneidade da queixa. No entanto, à arguida vem imputada a prática de um crime de infidelidade previsto e punível pelo artigo 224.° do Código Penal com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, pelo que o procedimento criminal correspondente tem um prazo de prescrição de cinco anos – artigo 118º do Código Penal. O crime ter-se-á consumado em data anterior à denúncia que foi apresentada em 6 de Junho de 2002. O referido prazo de prescrição interrompeu-se com a constituição da arguida, em 9/07/2003, começando a correr novo prazo de prescrição - artigo 121.°, nº 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, que terminou em 10/07/2008, uma vez que não nos parece ter existido qualquer causa de suspensão do decurso do referido prazo de cinco anos nos termos previstos no artigo 120.° do Código Penal. Consequentemente, nos termos das disposições legais supra referidas, declaramos extinto por prescrição o procedimento criminal contra a arguida no que se refere ao crime de infidelidade, determinando-se o arquivamento dos autos nesta parte. Entrando na análise do objecto da instrução, cumpre-nos verificar a suficiência ou insuficiência de indícios para a pronúncia da arguida em ordem a submeter ou não a causa a julgamento - artigos 286.°, 308.° e 277.° do Código de Processo Penal. Assim, o artigo 308.° do Código de Processo Penal preceitua que se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos, caso contrário profere despacho de não pronúncia. Luís Osório, no seu Comentário ao CPP Português, Vol. IV, pág. 441, afirma que "devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer, em quem os aprecia, a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado". No que respeita aos factos relativos ao crime de furto, há que analisar se indícios existem dos factos alegados pelas assistentes, nomeadamente nos artigos 13.° a 17.° da denúncia, designadamente a alegada retirada ou subtracção dos objectos que se encontravam nas instalações da sociedade assistente, e descritos a fls. 4 e 5 dos autos: Um microscópio pessoal do E… Um aparelho de coloração automática Uma máquina centrifugadora Reagentes para aparelhos de coloração Placas de registo, facas, bisturis, pinças e tesouras Um computador com dados da sociedade Pastas com documentação da sociedade Todos os objectos pessoais do E… Documentos pessoais do E…". Ora, relativamente a estes factos a arguida prestou desenvolvidas declarações, nomeadamente na instrução, a fls. 783 e 784, que se nos afiguraram sinceras e credíveis, credibilidade que ficou reforçada pelo depoimento rigoroso e credível da testemunha F…, a fls. 836 a 840 e 844 a 846. Desse depoimento, resulta suficientemente indiciado que a arguida não praticou os factos que lhe são imputados em relação ao crime de furto dos bens do laboratório, e que não tinha a intenção de se apropriar dos mesmos artigos. Mesmo que alguns objectos tenham sido indevidamente retirados das instalações da assistente, não pode excluir-se a possibilidade de ter existido um erro quanto à identificação ou propriedade dos mesmos. Nestas circunstâncias muito dificilmente a arguida poderia ser condenada pelo furto desses objectos e documentos, razão pela qual se deve manter nesta parte o arquivamento dos autos. Igual conclusão se nos impõe em relação à utilização de verbas depositadas nas contas bancárias da arguida. Conforme concluiu a testemunha F…, a partir do momento em que a arguida informa os herdeiros do E… da existência daquele dinheiro, do destino que lhe tinha sido atribuído pelo falecido, e da sua intenção de restituir o remanescente aos herdeiros, ficam infirmados os parcos indícios de uma eventual intenção de apropriação. Pelo contrário, indicia-se suficientemente que a arguida utilizou sempre os valores que lhe tinham sido confiados pelo E… no cumprimento das instruções e vontade do mesmo, conforme resulta do teor da carta dirigida pela arguida à assistente C…, reproduzida a fls. 26 a 27, e das declarações da arguida a fls. 779 a 784, que igualmente se nos afiguraram sinceras, pelo menos no que se refere a esta matéria. Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, por douto acórdão de 16/03/2005, reproduzido a fls. 788 a 791, que confirmou a decisão de não pronúncia da arguida por factos em parte idênticos aos que são objecto dos presentes autos, conforme o alegado pela arguida a fls. 785. Por último, resta a questão da alegada apropriação dos títulos da sociedade anónima que pertenciam ao falecido E…. A apreciação da suficiência dos indícios relativos a estes factos está directamente relacionada com a matéria de facto provada no processo cível n.º 3076/03.5TVPRT constante da douta sentença reproduzida a fls. 1137 a 1170. Efectivamente, naquela acção cível, cujo julgamento decorreu na última fase da presente instrução, e em face dos elevados montantes envolvidos naquela acção, temos como seguro que as partes, entre elas a aqui assistente e a arguida, não deixaram de produzir toda a prova documental e testemunhal relevante, inclusive aquela que resultou dos actos de instrução realizados neste processo. Por esta razão, a matéria de facto provada na referida acção, apesar da respectiva sentença ainda não ter transitado em julgado, constitui um elemento indiciário fundamental, na medida em que nos permite antever os factos que um tribunal penal, perante as mesmas provas, consideraria provados. Por isso, pelo seu especial interesse, remetemos para os seguintes factos que consideramos suficientemente indiciados porque provados na referida acção cível: O E… faleceu em 14 de Outubro de 2001, tendo deixado como seus únicos herdeiros: a mulher, aqui assistente C…, com quem foi casado no regime da comunhão de adquiridos; e quatro filhos, G…, F…, H… e I…. Os três primeiros são os únicos filhos do primeiro matrimónio de E… com J…. Por sua vez, a I…, é filha do segundo matrimónio do E… com a aqui assistente C…, sendo aquela única filha desta última. Em 27 de Julho de 1998, o E… constituiu uma sociedade anónima denominada "B…, S.A.". Na escritura de constituição figuram como outorgantes o E…, a aqui arguida, os srs. K…, economista, L…, M…, N… e O…, médicos, que declararam constituir entre si a referida sociedade. Posteriormente, a referida sociedade foi matriculada na l ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número 6895. A mesma sociedade foi constituída com o capital social de Esc. 5.000.000$00 (equivalentes a € 24.939,89), sendo o valor nominal das acções de mil escudos cada uma, representadas em títulos de uma, dez, e cem acções - cfr. o art. 5.°, n.º 3 dos estatutos da sociedade. No art. 6.° do pacto social da sociedade consignou-se o seguinte: "1. Na transmissão gratuita ou onerosa de quaisquer acções para estranhos à sociedade, os accionistas terão direito de preferência, preço por preço e na proporção do seu capital, se houver mais de um preferente. O número anterior não é aplicável às acções do accionista originário E…, as quais são transmissíveis nos termos gerais do direito." A arguida enviou à assistente C… a carta datada de 19/11/2001 cujo teor aqui se dá por reproduzida, e também enviou, pelo menos, à filha do E…, uma carta de teor idêntico ou semelhante e com a mesma data. A sociedade adquiriu em locação financeira, num dos locais mais caros da cidade do Porto - … -, um apartamento, localizado na Rua …. A mesma sociedade adquiriu a viatura de marca Daimler, de matrícula IE-..-.., e o Jeep …, de matrícula ..-..-ML. O E… transmitiu a acção que detinha no P…, e a titularidade dos direitos inerentes, para a referida sociedade anónima. O apartamento da … foi decorado de forma sumptuosa a mando e ao gosto do falecido e do seu filho F…. A conta nº …………., do Q…, era exclusivamente da lª R. - al. R) da matéria de facto assente. O E… foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da sociedade anónima, cargo que ainda exercia à data da sua morte, e a denominação da própria sociedade decorre do nome, especialização e elevada reputação profissional daquele. Era o falecido quem, com o seu nome, o seu prestígio e o seu saber, dava vida à sociedade, que adoptou uma denominação que reflectisse o prestígio do nome de quem orientava a área técnica e cientifica do B…. O E… e a mulher C… encontravam-se separados de facto, ininterruptamente, desde início de Outubro de 1998, altura em que cessaram definitivamente a coabitação. Esta situação desembocou num processo de divórcio litigioso, tendo a respectiva acção sido intentada em vida pelo E…, em 2000. A assistente B…, Lda., na qual o falecido desenvolvia a sua actividade profissional, tinha também como sócias C… e sua filha Ana I…, esta então com uma quota de 11.110.000$00, do capital social de 15.000.000$00. Quando o E… decidiu constituir a sociedade anónima, convidou para sócios os médicos e economista supra referidos, atendendo também às profissões que exerciam. Mais tendo convidado a arguida, D…, por estar a ela ligado por uma antiga e profunda relação profissional e ser da sua inteira e muito íntima confiança. Através da constituição da referida sociedade anónima, o E… visava mais facilmente dispor das acções, no caso de reclamação das mesmas, pela sua cônjuge, por alturas da partilha subsequente ao divórcio. A distribuição do capital decorreu nos termos que melhor aprouveram ao E…, o qual por mera liberalidade resolveu oferecer 100 acções a cada um dos seus mais próximos colaboradores, futuros accionistas da sociedade. Os títulos dessa sociedade apenas foram impressos e não ficaram assinados. Porém, os mesmos ficaram sempre na posse do E…. O mesmo E… reservou, para a sua pessoa de confiança, a aqui arguida, a tarefa de figurar como sendo a detentora do maior número de acções, assim, as subtraindo do património conjugal. Depois do falecimento do E…, a arguida veio a arrogar-se titular da maioria do capital social da sociedade anónima, mais precisamente de 8400 acções, invocando que o falecido E… era, à data da sua morte, apenas titular de 300 acções na sociedade. Mas a arguida não é titular de mais de 200 acções. O E… residia no aludido apartamento situado na …, onde o filho F… costumava ficar com frequência. As viaturas supra referidas foram adquiridas para utilização do E… e eram também, algumas vezes, conduzidas pelo F…. O Jeep … era principalmente utilizado para rebocar um barco pertencente ao E…, utilizado por este e pelo seu filho, F…. O falecido E… pretendia efectuar a transferência da propriedade de alguns outros carros da sua colecção, nomeadamente um Porshe, um Jaguar e um Triumph, da titularidade da referida sociedade B…, Lda., para a sociedade anónima. Também os fundos utilizados para a realização do capital social da sociedade anónima foram na íntegra disponibilizados pelo falecido. Os fundos foram disponibilizados através do cheque n.º ……., datado de 27 de Julho de 1998, s/ sobre a conta n.º …………., do Q…, titulada pelo E…., no valor de Esc. 2.500.000$00, destinados à realização do capital social. Para os restantes Esc. 2.500.000$00, procedeu-se a uma transferência no valor de Esc.: 2.455.363$00, da conta n.º …………. do Q…, para a conta n.º …………. do mesmo banco, o mesmo sucedendo com uma transferência efectuada com data valor de 31 de Julho de 1998, no montante de Esc. 49.096$00, destinando-se a verba de Esc. 4.459$00 a pagar juros em referência à conta da arguida nº …………., que havia ficado a descoberto. Embora a referida conta estivesse no nome da arguida, todo o dinheiro aí depositado, mais de Esc. 40.000.000$00, era do falecido E…, que a movimentava por intermédio da arguida. O saldo dessa conta bancária, à ordem, a prazo e carteira de títulos, à data de 19/11/2001, era de mais de Esc. 20.000.000$00. Da dita conta bancária, a arguida pretendia reter o valor de 20.000.000$00, a fim de garantir o aval que a mesma havia dado pessoalmente e juntamente com o marido. A distribuição do capital da sociedade anónima foi feita de acordo com a vontade do E…. Este não figurava como sócio maioritário porque ele próprio assim o não quis. O filho, F…, pretendia ter a posse de tal apartamento após a morte de seu pai, e a sociedade mudou para outras instalações. O Jeep … ficou na posse do referido F…, após a morte do seu pai. O E… tinha em conta aberta em nome da arguida, por ele movimentada, quantia que garantia o pagamento do aval prestado pela arguida. São estes, no essencial, os factos provados na referida acção, e que permitiram ao tribunal, com a fundamentação jurídica reproduzida a fls. 1157 a 1169, determinar a entrega, à herança por morte do E…, dos títulos emitidos com referência à sociedade anónima, bem como a condenação dos réus, arguida e marido, a devolver e a restituir ao acervo hereditário da referida herança, o montante correspondente a Esc. 26.200.000$00, que retêm e que fazem parte do mesmo acervo, acrescido de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde 14 de Outubro de 2001 até efectivo e integral pagamento. Em face desta condenação poderia pensar-se, numa primeira análise, que a condenação na acção cível permitiria considerar igualmente possível uma condenação penal. No entanto, a complexidade da matéria de facto e da prova, e os termos em que foi avaliada e decidida, naquela acção cível, a inexistência de má fé, leva-nos a concluir no sentido da improbabilidade de uma condenação penal da arguida. Com efeito, o tribunal cível decidiu que não podia qualificar "como litigante de má fé o comportamento da parte que, embora sem razão, defende convictamente a sua posição jurídico-processual, tal como o fizeram as partes neste processo". "Para haver condenação por litigância de má fé, não basta a comprovação da falta de fundamento da pretensão ou da oposição, necessário é que ocorram comportamentos praticados com dolo ou culpa grave para que se possa assacar a cominação de litigância de má fé do artigo 456.° do C.P.C." (fundamentação reproduzida a fls. 1169). Se o tribunal cível assim o entendeu em relação a uma condenação por dolo ou culpa grosseira, maiores dificuldades se antevêem para uma condenação penal da arguida por um crime de abuso de confiança que é necessariamente doloso. Ainda que se indicie uma motivação económica para a intervenção da arguida nas transformações que se verificaram na sociedade anónima após a morte do sócio fundador, consideramos que em julgamento não seria possível excluir aquela dúvida razoável sobre os elementos subjectivos constitutivos do tipo legal de crime, pelo que uma absolvição da arguida seria sempre mais provável que uma condenação. Por tudo o exposto, nos termos do artigo 308.° do Código de Processo Penal, não pronunciamos a arguida D…, determinando o arquivamento dos autos. 2. Transcrevem-se as conclusões da motivação do recurso A. As Recorrentes não podem concordar com o douto despacho recorrido que declara extinto por prescrição o procedimento criminal contra a arguida no que se refere ao crime de infidelidade, na verdade este não se consumou em data anterior à denúncia apresentada em 6/06/2002, isto porque se trata de um crime continuado. B. Nos termos conjugados do artigo 30.º e do artigo 118.º n.º 2 b) do Código Penal, o prazo de prescrição só corre nos crimes continuados desde o dia da prática do último acto. C. No caso, a arguida, ora Recorrida, mantém-se na Administração da sociedade cujo capital era na maioria detido pelo falecido E… e mantém-se na posse das quantias em dinheiro que persiste em não restituir. D. Por sentença proferida no identificado processo 3076/03.5TVPRT da 2.ª vara cível – 1.ª secção, está a mesma obrigada a restituir a totalidade da verba de que era apenas fiel depositária. E. O que a arguida até à data não fez. F. Donde beneficiando da morosidade da justiça mantém na sua disponibilidade património que não lhe pertence, gerindo-o a seu bel-prazer até à presente data, daí retirando dividendos, provocando prejuízo patrimonial à herança do falecido E…, e concretamente à Recorrente C…, que dele não usufruiu em todos estes anos já decorridos desde o falecimento daquele em 14/10/2001. G. Pelo que, a arguida praticou e persiste na prática do crime de infidelidade dispondo e administrando o património que não lhe pertence em violação da relação de confiança nela depositada, razão pela qual não pode considerar-se prescrito este crime. H. Errou o despacho de não pronúncia no que diz respeito à apreciação da matéria referente aos objectos e documentos retirados das instalações da assistente. I. Todavia, do processo resulta suficientemente indiciado factos que permitem retirar uma conclusão diversa. J. Resulta dos documentos juntos ao processo de que se destaca a declaração assinada pela arguida em que entrega algumas pastas de documentos à testemunha F… e a declaração de funcionários do B… recorrente em que identificam bens que foram levados do laboratório no fim-de-semana da morte do E…. K. A arguida admitiu em fase de instrução que esteve no laboratório designadamente acompanhada da testemunha F… e que retiraram daí bens e documentação alegadamente pertencentes à sociedade anónima cuja titularidade se arroga. L. Não se percebe como pôde o tribunal de instrução criminal, nesta parte, credibilizar os depoimentos da própria arguida e da testemunha F…, parceiros que foram na retirada dos ditos bens e documentação das instalações do B… Recorrente. M. A decisão instrutória chega mesmo a avançar uma justificação para tal comportamento da arguida, referindo a fls.6 da decisão: «não pode excluir-se a possibilidade de ter existido erro quanto à identificação ou propriedade dos mesmos». N. Errou o despacho de não pronúncia no que diz respeito à utilização de verbas depositadas nas contas bancárias da arguida. O. Salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido pretender legitimar-se a posse até à data de hoje de verbas confessadamente pertencentes ao E…, falecido em 14/10/2001, com uma carta escrita pela própria autora do crime e com base num suposto cumprimento de instruções e vontade do mesmo que não foram reflectidas em nenhum acto jurídico, do qual não existe qualquer prova. P. Por ter chegado a tal conclusão é que a 2.ª vara cível – 1.ª secção do Porto ordenou a sua restituição nos termos e com a seguinte fundamentação transcrita supra e para a qual se remete. Q. Se a arguida confessa na dita carta estar na posse de tal verba mas se se recusa – como o faz – a restitui-la a quem de direito até à presente data, não pode afastar-se a presença da conduta criminal da arguida, como fez erradamente a decisão instrutória. R. De resto, a decisão instrutória remete e bem para a decisão proferida pela 2.ª vara cível do Porto a propósito das acções da sociedade anónima pertencentes ao falecido E…, esquecendo que também nesta acção se decidiu a propósito da restituição de verbas. S. Não podia pois concluir a decisão recorrida no sentido em que o fez, já que resulta suficientemente indiciado face à matéria provada naqueles autos que a arguida se manteve ilicitamente na posse de tais verbas até à presente data. T. Errou o despacho de não pronúncia no que diz respeito à apropriação dos títulos da sociedade anónima que pertenciam ao falecido E…. U. A decisão instrutória julgou correctamente ao entender estarem suficientemente indiciados os factos referentes à apropriação indevida dos títulos da sociedade anónima por remissão para a decisão proferida pela 2.ª vara cível do Porto junta aos autos. V. Todavia erra ao estabelecer um nexo entre a decisão proferida pela 2.ª vara cível quanto à conduta processual das partes e a conduta da arguida em relação à apropriação. W. É que uma e outra conduta, de uma banda a conduta processual e de outra banda os factos praticados pela arguida numa data, em determinado local e de determinado modo não se confundem. X. Acresce que dos factos provados naquela acção, resulta que a arguida é apenas titular de 200 acções e que mantinha, como mantém a administração de um património, neste caso de uma sociedade, bem sabendo que a maioria do capital pertence ao acervo hereditário do E…. Y. É isto que resulta provado da mencionada acção cível e por conseguinte é altamente provável a obtenção de uma decisão condenatória em sede de julgamento penal que efectivamente penalize a arguida pelas condutas suficientemente indiciadas nos autos de instrução, outra coisa não pode resultar da remissão para aquela decisão cível. Z. Caso contrário, está o tribunal de instrução criminal a despenalizar antecipadamente uma conduta criminosa, altamente reprovável e que se mantém até à presente data, ou seja a conduta da arguida que subtraiu o património alheio, gerindo-o a seu bel-prazer, dele retirando lucros dos quais vem beneficiando desde a data do falecimento do E…, isto é, já ao longo de 9 anos! AA. Não é em sede de instrução que tem de convencer-se o tribunal para além de toda a dúvida razoável. Na verdade, a decisão instrutória reconhece estarem suficientemente indiciados factos com relevância penal, pelo que deverá ser o tribunal a fazer o julgamento quanto à efectiva verificação dos pressupostos de que a lei penal e processual penal faz depender uma condenação, é o que pretendem as Recorrentes. BB. Dos autos constam suficientemente indiciados os factos pelas quais deve a arguida ser acusada e julgada pelos crimes pelos quais foi denunciada. CC. A decisão instrutória recorrida ao determinar o arquivamento dos autos viola os artigos 308.º do CPP, o artigo o artigo 30.º e o art.118.º n.º 2 b) do Código Penal do CPP, viola ainda os artigos 204.º, 205.º e 224.º do Código Penal. 3. Na sua resposta, a fls 1251 e seguintes, o Ministério Público sustenta a bondade do despacho recorrido. Bem como a arguida, na sua resposta de fls 1267 e seguintes, e o procurador-geral adjunto neste tribunal, no seu parecer de fls 1326 e seguintes. + DISCUSSÃO1. As recorrentes começam por se insurgir contra o despacho recorrido que declara extinto por prescrição o procedimento criminal contra a arguida no que se refere ao crime de infidelidade. Alegam, em suma, atento o disposto nos artigos 30º e 119º, nº 2, b), do Código Penal, que o prazo de prescrição só corre nos crimes continuados desde o dia da prática do último acto. Assim, mantendo-se a arguida na administração da sociedade e persistindo em não restituir as quantias em dinheiro de que naquela qualidade se teria apropriado, não obstante sentença que, embora não transitada, a condenou a tal, o prazo de prescrição não teria sequer começado a correr. As recorrentes incorrem todavia em erro, ao invocarem a figura do crime continuado. Esta não abarca a hipótese dos autos, já que se não surpreende na conduta da arguida “a realização plúrima do mesmo tipo de crime” – ver o nº 2 do referido artigo 30º. Quando muito, tratar-se-ia de um crime permanente, no qual a consumação ainda não teria cessado, com idêntica consequência de não início do decurso do prazo de prescrição, por força da alínea a) do nº 2 do artigo 119º. Mas parece que lhe não assiste de todo razão. Pois, se é certo que a arguida mantém a qualidade de administradora que lhe permitiu praticar os actos que pretensamente consubstanciam a prática do crime de infidelidade, esses já produziram todos os seus efeitos. Não sendo, portanto, de aceitar a tese de que não cessou a consumação do crime. Neste, como em todos os crimes contra o património, o crime consuma-se com a verificação da ofensa e não com a reintegração do bem no património do lesado. Assim, não é verdade que no crime de furto a consumação só cesse com a devolução do bem furtado. Nem, no crime de dano, com a reparação do bem danificado. Do mesmo modo que, no crime de infidelidade, ela não cessa tão só com a reparação do prejuízo patrimonial importante. Pelo exposto, tendo o pretenso crime sido consumado aquando da imputada apropriação indevida por parte da arguida de património da sociedade que administrava, bem andou o juiz a quo em declarar a sua prescrição. Na verdade, sendo esse prazo de 5 anos (artigos 224º, nº 1, e 118º, nº 1, alínea c), do Código Penal) e tendo-se interrompido com a constituição de arguida, em 9.07.2003, começando a correr novo prazo de prescrição (artigo 121°, nºs 1, alínea a), e 2, do Código Penal), terminou em 10.07.2008. 2. Quanto aos crimes de furto e de abuso de confiança, reclamam as recorrentes que, ao contrário do decidido, existem nos autos indícios suficientes de a arguida ter praticado tais crimes. Vejamos. 2.1. A arguida retirou das instalações da assistente objectos e documentos que pertenceriam a esta. Utilizou verbas depositadas nas contas bancárias da arguida. Apropriou-se de títulos da sociedade anónima que pertenceriam ao falecido E… e, portanto, aos seus herdeiros. Os factos supra resultam inequivocamente da prova carreada para os autos. No entanto, mais se apurou que a conduta da arguida foi determinada e se insere em um conjunto de acções que o falecido E… pretendia levar a cabo, no intuito de transferir grande parte do património da assistente para a sociedade anónima que entretanto constituíra. E que o referido médico se encontrava em litígio, por causa dos bens a partilhar, com a assistente C…, de quem se tinha divorciado. Como também se provou que a arguida nunca pretendeu ocultar aqueles seus actos, que sempre assumiu perante todos, nomeadamente os tendo comunicado à C…. Estando a correr uma acção cível na qual se discute a titularidade desses bens, cuja sentença em primeira instância foi favorável às assistentes. 2.2. Posto o que, compulsemos o tipo do crime de furto, descrito no artigo 203º, nº 1, do Código Penal - «quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia». Bem como o do crime de abuso de confiança, constante do artigo 205º, nº 1 - «quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade». Surpreendem-se naquelas previsões vertentes objectivas e subjectivas. Reportando-nos especificamente ao elemento subjectivo do tipo daqueles crimes cumpre reter, nas palavras de Faria Costa[1], que “o elemento intenção de apropriação – que para além de tudo a lei exige ainda que seja ilegítimo, isto é, contrário ao direito – deve ser visto e valorado como a vontade intencional do agente se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua, como seu proprietário, querendo, assim, integrá-la na sua esfera patrimonial ou na de outrem, manifestando, assim, em primeiro lugar, uma intenção de (des)apropriar terceiro”. Prosseguindo com a precisão de que “no entanto, se, em termos lógicos, somos capazes de estabelecer este primeiro momento, é também indispensável que se verifique, por consequência, na determinação global do elemento um animus sibi rem habendi”. 2.3. Ora, compulsada a prova já supra aludida, forçoso é concluir que nunca esteve na mente da arguida tornar sua propriedade aquilo que sabia ser de outrem. Não se duvida que ela tivesse dúvidas sobre essa titularidade. Tanto que se apressou a comunicar os seus actos a quem se poderia arrogar direitos sobre esses bens. No entanto, de toda a sua actuação apenas se pode concluir ter ela agido no intuito de acautelar os direitos de alguns dos herdeiros do E… e de si própria. Aliás, e nisso só podemos acompanhar o senhor juiz a quo, o facto de na sentença cível se ter expressamente recusado a condenação da arguida, aí ré, como litigante de má-fé, acaba por confirmar o que já ressaltava com alguma evidência da prova recolhida nestes autos. Perante o que, falhando o elemento subjectivo do tipo de crime, se torna irrelevante o apuramento de quem seja o verdadeiro proprietário desses bens. Ou melhor, tal só relevaria se se viesse a apurar que os bens eram pertença da arguida. Porque, nesse caso, estaria excluído um elemento objectivo do tipo do crime - ninguém furta o que é seu, mesmo que esteja convencido que pertence a outrem. Face ao que se expõe, não nos parece aconselhável enquadrar a questão decidenda perscrutando o alcance do conceito de indícios suficientes, critério de acusação ou pronúncia. Na verdade, quem por aí for, estará a sobrevalorizar o facto de com alguma certeza, até porque declarado por sentença, se bem que não transitada, se terem indiciado os pressupostos objectivos de que depende a verificação do tipo do crime. Dando de barato a total ausência de prova quanto ao seu elemento subjectivo. Isto porque nada permite, com um mínimo de razoabilidade, prever que venham a ser recolhidos novos indícios que contrariem a para já evidente ausência de intenção por parte da arguida de se apropriar do que saberia convictamente pertencer a outrem. 3. Extrai-se, em súmula conclusiva, que: - No crime de infidelidade, como em todos os crimes contra o património, o crime consuma-se com a verificação da ofensa e não com a reintegração do bem no património do lesado - O prazo de prescrição do procedimento criminal por crime de infidelidade não começa a correr apenas após a cessação dos poderes utilizados para causar prejuízo patrimonial importante - Aquele que, na dúvida sobre a titularidade de determinados bens, para acautelar eventuais direitos, seus ou de quem representa, os subtrai a quem sabe que também se pode vir a arrogar ser proprietário dos mesmos, não comete os crimes de furto ou de abuso de confiança. III DISPOSITIVOAcorda-se em, confirmando o despacho recorrido, negar provimento ao recurso. Custas pelas recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC – artigo 87º, nºs 1, alínea b), e 3, do Código das Custas Judiciais. +++ Notifique.+++ Porto, 30 de Março de 2011José Manuel Ferreira de Araújo Barros Joaquim Maria Melo de Sousa Lima __________________ [1] Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, pág. 33. |