Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | DONAS BOTTO | ||
Descritores: | CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE PRAZOS | ||
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Nº do Documento: | RP20181115113/17.0GBOVR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/15/2018 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | PROVIDO RECURSO DA OFENDIDA | ||
Indicações Eventuais: | 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º50/2018, FLS.65-68) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – Nos crimes públicos e semi-públicos a constituição como assistente pode ter lugar em qualquer altura do processo, com os limites das alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 68º do Código de Processo Penal. II – Porém, nas situações previstas nestas alíneas, o requerimento tem de ser apresentado até cinco dias antes do debate instrutório ou da audiência de julgamento para poder intervir neles. III – Este limite de cinco dias constitui, pois, uma limitação à regra geral e vale para a respectiva fase processual se o titular desse direito não tiver requerido a constituição de assistente de tais crimes. IV – Assim, o ofendido, mesmo sem intervenção no debate ou no julgamento, poderá requerer a constituição de assistente posteriormente para intervir na respectiva fase de recurso, ou seja, do debate ou do julgamento. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 113/17.0GBOVR.P1 Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto B…, ofendida nestes autos, não se conformando com o despacho que indeferiu a sua constituição como assistente para efeitos de recurso da decisão instrutória que decidiu não pronunciar o arguido, dele veio interpor recurso para este Tribunal da Relação do Porto. Nos termos de tal despacho, esse pedido devia ter sido formulado até cinco dias antes do debate instrutório. Por discordar desta posição, veio a ofendida B… recorrer do referido despacho, sustentando, em síntese, que ao abrigo do disposto no artigo 68.º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal é admissível a constituição de assistente para efeitos de recurso da decisão instrutória que não pronunciou o arguido pelos factos constantes da acusação, pelo que, no seu entender, o despacho recorrido deverá ser substituído por outro que aceite a sua constituição como assistente. A questão essencial a apreciar no presente recurso é a de saber se a ofendida pode requerer a sua constituição como assistente, para efeitos de recurso, após a decisão de não pronúncia proferida na sequência da abertura de instrução requerida pelo arguido. *** O MP em 1.ª Instância é de parecer que o recurso deve improceder.Nesta Relação o Sr. PGA é de parecer que o recurso deve proceder. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** «- Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz:Dispõe o artº 68º, nº 3 do CPP: a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento; b) Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos. c) No prazo para interposição de recurso da sentença.» A actual redacção do artº 68º do CPP foi dada pela Lei n.º 130/2015, de 04/09, sendo que tal alteração-aditamento da alínea c)- resultou da transposição da Directiva nº 2012/29/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2012. Vimos que a questão colocada no recurso, é a de saber se esta nova al. c) prevê apenas o recurso da sentença final do processo ou abrange também a decisão instrutória prevista no artº 307º do CPP. Sabemos que a interpretação da lei deve «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.» (artº 9º, nº 1 do C.Civil) Ora, na “Exposição de Motivos” da Proposta de Lei nº 343/XII que fundamentou a referida Lei nº 130/2015 de 04.09 refere-se que o objectivo geral desse diploma é a protecção das vítimas e o reconhecimento e a consagração legal dos seus direitos, tal como tem vindo a ser feito por outros textos normativos de organizações internacionais. Ali se diz, além do mais, o seguinte: « No âmbito do processo penal as vítimas são incontestavelmente o substrato e a finalidade, porquanto nelas se corporiza a violação da lei e é por causa delas que se punem os comportamentos infractores. O direito penal visa efetivamente garantir a paz e a segurança dos cidadãos, assegurando o respeito pelos direitos fundamentais, imperativo ético e jurídico de Estados estruturalmente assentes na dignidade da pessoa humana. Esta afirmação não tem, contudo, encontrado sempre eco nos sistemas judiciais, onde durante muito tempo a preocupação dominante foi a determinação da sanção aplicável ao criminoso, obnubilando as vítimas e as suas necessidades de proteção. No contexto da União Europeia, a Decisão-Quadro n.º 2001/220/JAI, do Conselho, de 15 de março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal, e a Diretiva n.º 2012/29/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui aquela, constituem os instrumentos de caráter genérico mais relevantes. A definição de um estatuto homogéneo para as vítimas de crimes tem enfrentado a dificuldade assente na existência de vários enquadramentos legais, pois as vítimas podem ser sujeitos processuais se assumirem as vestes de assistentes ou demandantes civis, em ordem a sustentar uma acusação ou formular um pedido de indemnização civil, respetivamente, ou podem ter apenas intervenção no processo, neste caso como denunciantes e testemunhas. Todas estas vertentes se podem cumular, em virtude de serem complementares, mas encerram distintos regimes jurídicos: aos assistentes e aos demandantes civis, por terem a qualidade de sujeitos processuais, é facultada a apresentação de peças processuais, a participação na audiência de julgamento através de advogado por si constituído, bem como a interposição de recurso relativamente às decisões que lhes sejam desfavoráveis; já as demais vítimas têm tão somente os direitos reconhecidos às testemunhas, o que significa que apesar de se poderem fazer acompanhar por um advogado, este não pode intervir na audiência de julgamento em sua representação (artigo 132.º, n.º 4, a contrario, do Código de Processo Penal), e, apesar de poderem solicitar verbalmente o arbitramento de uma indemnização na audiência, não lhes assiste legitimidade para interporem recurso da decisão que eventualmente não fixe essa indemnização, nem, aliás, da decisão que eventualmente absolva o acusado (artigo 401.º, n.º 1, alíneas b) e c), a contrario, do Código de Processo Penal). Na presente proposta de lei, entendeu-se autonomizar o conceito de vítima no Código de Processo Penal, mantendo todavia os conceitos de assistente e demandante civil, precisamente porque todos se revestem de utilidade prática no espectro de proteção da vítima que se pretende reforçado. Não obstante, introduziu-se na presente proposta de lei uma alteração que se considera significativa no regime do assistente e que se prende com a possibilidade de requerer a atribuição desse estatuto no prazo de interposição de recurso da sentença. Na verdade, o exercício pleno do acesso ao direito e aos tribunais deve necessariamente compreender o direito à interposição de recurso das decisões que são desfavoráveis ao interessado, sendo certo que quando as vítimas que não se constituíram assistentes são confrontadas com uma sentença de absolvição já nada podem fazer, atentos os limites previstos na lei quanto ao momento para a constituição de assistente. No que se reporta ao regime da vítima, entendeu-se na presente proposta de lei restringir as menções específicas vertidas no Código de Processo Penal à enunciação do conceito de vítima e elenco dos seus direitos, com a expressa alusão ao direito de participar ativamente no processo penal, prestando informações e facultando provas. No mais, remete-se para a disciplina que se mostra contida noutras normas do Código de Processo Penal e no Estatuto da Vítima.» Assim, o objectivo da referida alteração legislativa é permitir à vítima que, quando confrontada com uma decisão desfavorável, possa, após essa decisão, constituir-se assistente e interpor recurso. Ora, a al. c) do nº 3 do artº 68º do CPP não colide com o disposto na al. a) do nº 3 do artº 68º do CPP quando refere que a constituição de assistente deve ser requerida até cinco dias antes do início do debate instrutório. Efectivamente, uma situação é o ofendido querer participar no debate instrutório (e como tal tem de ser assistente), outra é o ofendido querer recorrer da decisão que não pronunciou o arguido. São dois momentos processuais distintos. Por isso, nos termos dessa al. a) verifica-se que a lei prevê que o ofendido se quiser intervir na audiência de julgamento como assistente terá de requerer a sua constituição como tal até cinco dias do início da audiência de julgamento. Podemos, pois, concluir que nos crimes públicos e semi-publicos, a constituição de assistente pode ter lugar em qualquer altura do processo com os limites das alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 68.º do CPP. Porém, nestas situações, o requerimento tem de ser apresentado até 5 dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento para poder intervir neles. Este limite de 5 dias constitui, pois, uma limitação á regra geral, e vale para a respectiva fase processual se o titular desse direito não tiver requerido a constituição de assistente em tais crimes. Nestes termos, o ofendido, mesmo sem intervenção no debate ou julgamento, poderá requerer a constituição de assistente posteriormente para intervir na respectiva fase de recurso, ou seja, do debate ou do julgamento. Esta nova alínea c) do n.º 3 do art.º 68º do CPP, vem reforçar a possibilidade de recurso na fase da instrução, embora este entendimento já se pudesse deduzir da anterior redacção. Na unidade do pensamento legislativo não se compreenderia que se permitisse a constituição de assistente cinco dias antes do debate instrutório e não permitisse a mesma constituição de assistente para recurso da decisão instrutória que põe termo ao processo, não pronunciando o arguido. Aliás, o artigo 2.º do Código de Processo Penal consagra o princípio da legalidade processual, onde se enquadram a realização da justiça e a descoberta da verdade material, e a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos (arguido e vítima). Assim, nos crimes públicos e semi-públicos é sempre admissível a constituição de assistente até ao trânsito em julgado da decisão que colocar termo ao processo, aceitando-o o titular do direito no estado em que se encontrar, com as excepções atrás mencionadas. Neste sentido, embora respeitando à fase de julgamento e não de instrução, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc. n.º 176/16.5PDCSC-A.L1 em 30/5/18, in www.dgsi.pt., citado pelo Sr. PGA no seu douto parecer. Também no Acórdão nº 12/2016 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República n.º 191/2016, Série 1 de 2016-10-04, uniformizou-se jurisprudência nos seguintes termos; “Após a publicação da sentença proferida em 1.ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semipúblico, o ofendido não pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68., n.º 3, do Código de Processo Penal, na redação vigente antes da entrada em vigor da Lei n.9 130/2015, de 04.09” Não obstante este AUJ não seja aplicável ao caso dos autos, tendo natureza transitória, sendo o seu campo de aplicação restrito a situações anteriores à data de entrada em vigor da Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro que veio aditar a alínea c) ao n.º 3 do art. 68º do CPP, o certo é que o mesmo também nos leva a concluir que, com a entrada em vigor deste diploma, os interessados a quem o artigo 68º, n.º 1, do Código de Processo Penal e bem assim as leis especiais conferem o direito de se constituírem assistentes no processo, passam a poder fazê-lo em qualquer altura, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz no prazo para interposição de recurso. No caso concreto, a recorrente não tinha direito a intervir no debate instrutório porque não se constituiu como parte assistente até 5 dias antes do início do debate instrutório - alínea a), do n.º 3, do artigo 68., do CPP, mas, proferida decisão instrutória de não pronúncia do arguido, poderá a ofendida constituir-se assistente, com vista à interposição do respectivo recurso (cfr. arts. 68º, n.º 2, als. a), b) e c), 287º, n.º 1, al. b) e 401º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Penal). Concluindo: nos crimes públicos e semi-publicos, a constituição de assistente pode ter lugar em qualquer altura do processo com os limites das alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 68.º do CPP. Porém, nas situações previstas nestas alíneas, o requerimento tem de ser apresentado até 5 dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento para poder intervir neles. Este limite de 5 dias constitui, pois, uma limitação á regra geral, e vale para a respectiva fase processual se o titular desse direito não tiver requerido a constituição de assistente em tais crimes. Assim, o ofendido, mesmo sem intervenção no debate ou julgamento, poderá requerer a constituição de assistente posteriormente para intervir na respectiva fase de recurso, ou seja, do debate ou do julgamento. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela ofendida, pelo que deve ser substituído o despacho que não admitiu a recorrente B… como assistente para interpor recurso da decisão que não pronunciou o arguido, por outro que a admita como assistente, se obedecer aos demais requisitos legais. Sem custas. Porto, 15-11-2018 Donas Botto José Carreto (vencida conforme declaração de voto anexa) Francisco Marcolino __________________ Declaração de voto Entendo que o pedido de constituição de assistente após prolação do despacho de não pronúncia do arguido, com vista a interpor recurso da decisão instrutória, é extemporâneo e inadmissível.A lei no artº 68º nºs 2 e 3 CPP regula especificadamente os momentos em que essa constituição é possível, sendo que no que respeita à fase da instrução, pode fazê-lo ou requerer a mesma instrução e no seu prazo (artºs 68º3 b) e 287º1 b) ou não a tendo requerido até 5 dias antes do debate instrutório, e na fase de julgamento até 5 dias antes da audiência (artº 68º 3 a) CPP, ou ainda na fase de recurso da sentença – artº 68º3 c) CPP “No prazo para interposição de recurso da sentença” Esta norma (artº 68º3 c) CPP) foi introduzida ex novo pela Lei n.º 130/2015, de 04/09 que alterou o Código Processo Penal visando a implementação do Estatuto da Vitima e creio que para resolver o litígio que existia (antecipando-se à Jurisprudência) e que por via jurisprudencial o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 12/2016, in Diário da República n.º 191/2016, I Série, de 04/10/2016, veio solucionar, do seguinte teor: “Após a publicação da sentença proferida em 1.ª Instância, que absolveu o arguido da prática de um crime semipúblico, o ofendido não pode constituir-se assistente, para efeitos de interpor recurso dessa decisão, tendo em vista o disposto no artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 130/2015, de 04.09”. Tal norma é específica daquela fase processual (de recurso diria) da sentença, e como tal deve ser considerada. Poder-se-á argumentar estarmos perante um lugar paralelo. Todavia creio que o legislador teve oportunidade de resolver essa questão e não o fez, mantendo a regulação específica para a fase de instrução e aditando uma norma nova para fase de recurso subsequente a julgamento e prolação de sentença. Em face dessa norma, se fosse outra a sua intenção, o legislador até devia ter revogado, senão totalmente pelo menos parcialmente a al. a) do nº 3 do artº 68º CPP, o que não fez, pelo que, pelo menos, no que respeita à fase de instrução deve considerar-se que mantém plena eficácia, no pressuposto legal de que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – artº 9º 3 CC. Aliás a própria “exposição de motivos” da proposta de lei é clara e limitativa à fase de recurso da sentença: “Não obstante, introduziu-se na presente proposta de lei uma alteração que se considera significativa no regime do assistente e que se prende com a possibilidade de requerer a atribuição desse estatuto no prazo de interposição de recurso da sentença” o que é inequívoco no seu sentido e vontade e foi plasmado na norma em causa, mostrando-se o seu pensamento perfeitamente expresso. Manteria por isso a decisão recorrida. José Carreto |