Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | TOMÉ RAMIÃO | ||
Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA COMPRA DE COISA DEFEITUOSA REDUÇÃO DO PREÇO | ||
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Nº do Documento: | RP20150929399/14.1TJPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/29/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Da conjugação do disposto nos art.ºs 913.º, nº1, a 915.º do C. Civil, decorre que o comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa; de anulação do contrato, do direito de redução do preço e também do direito à indemnização do interesse contratual negativo. II - Justifica-se a redução do preço de aquisição do veículo automóvel usado quando se demonstre que, sem erro ou dolo, o comprador o teria igualmente adquirido, mas por preço inferior, de harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações que se verifiquem. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 399/14.1TJPRT.P1 2.ª Secção Acordam no Tribunal da Relação do Porto: *** I- Relatório.B…, casado, comerciante, residente na Rua …, …, Loja n.º ., Fafe, propôs a presente ação declarativa sumária contra C… e D…, pedindo que seja declarado anulado o contrato compra e venda do veículo automóvel de marca Renault, Modelo …, matrícula ..-BD-.., pelo valor de 14.500,00€ celebrado entre o Autor e os Réus e ser restituído tudo o que foi prestado e, subsidiariamente, ser o negócio reduzido ao valor de 7.000,00€ e, subsidiariamente, serem os Réu condenados a restituição a título de enriquecimento sem causa ao Autor da quantia de 7.500,00€, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal até efetivo e integral pagamento. Alegou, para o efeito, e em síntese, ter adquirido, por contrato de compra e venda verbal, em Abril de 2011, o veículo automóvel de marca Renault, Modelo …, matrícula ..-BD-.., pelo valor de 14.500,00€, à Ré D…, com intermediação do Réu C…, filho daquela; o veículo apresentou defeitos logo após o início da utilização e foram denunciados aos vendedores em menos de dois meses após a sua verificação, mas estes nunca se dispuseram a repará-los, sendo que também veio a saber, em 12-04-2011, que o veículo tinha em 06-10-2010 186.254Km e que em 06-04-2011 apresentava apenas 137.678Km, conforme histórico das intervenções que o veículo teve nas oficinas da marca Renault. Os Réus em comum e conjugação de esforços usaram o artifício de alterar os quilómetros do veículo para menos para convencer o comprador/Autor das qualidades que o veículo não tinha e para o convencer a comprar aquilo que se soubesse os quilómetros que efetivamente o veículo tinha feito não teria comprado. Quando o Autor se propôs a adquirir o veículo e/ou pelo preço que o fez foi na firme convicção de que o mesmo teria esta quilometragem (137.678Km), caso contrário não o teria adquirido ou apenas o faria por um preço substancialmente menor. A adulteração do número de quilómetros no veículo destinou-se a enganar o comprador e obter a aceitação da compra do veículo pelo Autor. Contestaram os Réus, por impugnação, alegando desconhecer qualquer alteração ou adulteração de quilómetros no veiculo em questão, quais os quilómetros reais do veiculo à presente data, bem como, qual a forma de proceder à adulteração dos mesmos, concluindo pela sua absolvição. Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo, tendo sido, a final, proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou o R. C… a entregar ao A. B…, a quantia de 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) acrescida de juros de mora (taxa civil) desde a notificação da sentença até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado e absolveu a R. D… dos pedidos contra ela formulados. Desta sentença veio o Réu interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes: 1 - Recorrente e o Recorrido celebraram um contrato de compra e venda referente a um veículo automóvel usado, veiculo esse marca Renault, modelo …, matricula ..-BD-.., pelo valor de 14.500,00€. 2 - O veículo em questão não apresentava qualquer defeito de funcionamento, sendo que o Recorrido revelou-se satisfeito com o estado em que o mesmo se encontrava. 3 - A viatura em questão possuía alegadamente mais 50.000km do que a apresentava no momento da compra, tendo Recorrente apenas teve conhecimento da alegada adulteração da quilometragem aquando da interpelação do Recorrido nesse sentido. 4 - Não foi feita prova de que havia sido o ora Recorrente a alterar a quilometragem do veículo em questão, pelo que não pode ser condenado a entregar uma quantia ao Recorrido. 5 - Pese embora o carro estivesse em boas condições quando o comprou como ele próprio afirmou, o carro era já um carro usado, com cerca de 6 anos, não podendo antever os problemas que apresentaria. 6 - A haver desvalorização, o que por mera hipótese académica se aceita, esta desvalorização, atento o número de quilómetros bem como o ano de matrícula do carro seria sempre de um valor médio de 2.000€. E concluiu pela revogação da sentença por outra que o absolva do pedido. *** Não estão juntas contra-alegações.*** O recurso foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. *** II – Âmbito do Recurso.Perante o teor das conclusões formuladas pelo recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº4, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que as questões essenciais a decidir consistem em saber se o veículo apresentava defeito e, na afirmativa, se o Autor tem direito à redução do preço de compra. *** III – Fundamentação fáctico-jurídica.1) Da matéria de facto. Na decisão recorrida, e aceite pelo recorrente, foi considerada a seguinte factualidade: a) O Autor e o R. C… declararam verbalmente, em Abril de 2011 que este venderia àquele o veículo automóvel de marca Renault, Modelo …, matrícula ..-BD-.., pelo valor de 14.500,00 € cuja propriedade se encontrava registada em nome da R. D…, mãe daquele R. b) O veículo apresentou logo problemas mecânicos após o início da utilização por parte do autor. c) Os “defeitos” foram comunicados aos RR em menos cerca de dois meses após a sua verificação, mas estes nunca se dispuseram a repara-los, conforme documentos n.º 1, 2 e 3 juntos com a petição inicial. d) O Autor precisava de utilizar o veículo para as suas deslocações, pelo que colocou o veículo numa oficina tendo-se vindo a verificar que os defeitos eram tantos que a reparação do motor muito dispendiosa, sendo a melhor solução a de adquirir um motor usado e substituir o que o veículo tem. e) Para efeito o Autor recebeu uma proposta para reparação do motor que ascende a 3.575,17€, conforme Doc. n.º 4, valor esse que reclamou aos Réus que lhe pagassem. f) O Autor voltou a endereçar carta aos RR em 22 de Setembro de 2011 no sentido de eles se responsabilizarem pela reparação dos danos e resolver o assunto, conforme documentos n.º 2 e 3. g) O Autor também veio a saber, em 12-04-2011, que o veículo tinha em 06-10-2010 186.254 Km e que em 06-04-2011 apresentava apenas 137.678Km, conforme histórico das intervenções que o veículo teve nas oficinas da marca Renault com cópia junta como documento n.º 5 com a petição inicial. h) Os Réus receberam as cartas, as mesmas nunca foram devolvidas, mas não responderam ou fizeram qualquer proposta sobre o assunto. i) O Autor deu entrada, em 8 de Novembro 2012, de uma queixa-crime contra os RR tendo o Ministério Publico arquivado o Inquérito por entender que não existia crime. j) Quando o Autor se propôs a adquirir o veículo pelo preço que o fez, foi na convicção de não teria que substituir o motor e que o mesmo teria a quilometragem 137.678Km, caso contrário teria adquirido por um preço substancialmente menor. k) A adulteração do número de quilómetros no veículo destinou-se a enganar o comprador e obter a aceitação da compra do veículo pelo Autor. l) E a obter um preço maior do que aquele que seria obtido por parte do A. caso lhe tivesse sido referido o veículo tinha mais 51.000 quilómetros do que os que o conta-quilómetros apresentava. n) O R. C… agiu com dolo e má-fé ao mandar retirar quilómetros conta-quilómetros do veículo e depois ao vendê-lo afirmando que o mesmo tinha os 137.678Km quilómetros que estavam estampados do conta-quilómetros. o) A R. D… nunca conduziu o veículo, nunca o utilizou, não sabe conduzir e não tem carta de condução, nada sabendo quanto aos quilómetros do veículo nem as avarias do mesmo, considerando sempre o seu filho o verdadeiro proprietário. p) O R. C… antes de vender o veículo ao A., adquiriu-o com zero quilómetros, sempre o utilizando para as suas deslocações, procedendo à sua reparação, com a convicção de que era o proprietário do mesmo. *** 2) O Direito.1. Vejamos agora a questão de fundo e que consiste em saber se os factos apurados conferem, ou não, ao Autor, o direito à redução do preço de compra do automóvel. De acordo com o art.º 874.º e 879.º do C. Civil, o contrato de compra e venda é aquele pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço, e tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço. “A compra e venda é um contrato pelo qual se transmite uma coisa ou um direito contra o recebimento de uma quantia em dinheiro (preço). O resultado final do negócio consistirá na aquisição por parte do comprador do direito de propriedade sobre o bem vendido, à qual acrescerá como efeito subordinado a aquisição da posse, bem como a aquisição por parte do vendedor do direito de propriedade sobre determinadas espécies monetárias” – Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, Almedina, 4.ª edição. Pag. 19. Nos termos do art.º 882.º/1, do C. Civil, a coisa deve ser entregue no estado em que se encontrar ao tempo da venda, o que implica para o comprador a obrigação de a rececionar ou levantar no lugar e no momento devidos. O contrato de compra e venda é um contrato primordialmente não formal, pois não está, em regra, sujeito a forma especial, salvo nos casos expressamente previstos na lei (art.º 219.º do C. C). Por sua vez, estatui o art.º 913º do Código Civil: 1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes. 2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria. A este propósito comentam Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 205: “...O artigo 913º cria um regime especial cuja real natureza constitui um dos temas mais debatidos na doutrina germânica [...] para as quatro categorias de vícios que nele são destacadas: a) Vício que desvalorize a coisa; b) Vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; c) Falta das qualidades asseguradas pelo vendedor; d) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidade da coisa e integrando todas as coisas por uns e outras afetadas na categoria genérica das coisas defeituosas, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana por exemplo, se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos. Como disposição interpretativa, manda o nº2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria [...]”. A venda da coisa pode considerar-se venda defeituosa quando, numa perspetiva de “funcionalidade”, contém: “Vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que se destina.” Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913º, nº2)” – cf. “Compra e Venda de Coisas Defeituosas - Conformidade e Segurança”, de Calvão da Silva, pág. 41. A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme atendendo ao que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto a desconformidade representa a discordância com respeito ao fim acordado. No mesmo sentido escreve Luís Menezes Leitão, ob.cit, pág. 120, “(… A aplicação do regime da venda de coisas defeituosas assenta em dois pressupostos de natureza diferente, sendo o primeiro a ocorrência de um defeito e o segundo a existência de determinadas repercussões desse defeito no âmbito do programa contratual. Quanto ao primeiro pressuposto, a lei faz incluir assim no âmbito da venda de coisas defeituosas, quer os vícios da coisa, quer a falta de qualidades asseguradas ou necessárias. Apesar de a distinção entre vícios e falta de qualidades não se apresentar tarefa fácil, parece que se poderá sustentar que a expressão "vícios", tendo um conteúdo pejorativo, abrangerá as características da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente, enquanto que "a falta de qualidades", embora não implicando a valoração negativa da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato. Em relação ao segundo pressuposto, para que os defeitos da coisa possam desencadear a aplicação do regime da venda de coisas defeituosas toma-se necessário que eles se repercutam no programa contratual, originando uma de três situações: a desvalorização da coisa; a não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor e a sua inaptidão para o fim a que é destinada. A primeira situação refere-se aos vícios e a segunda à falta de qualidades, enquanto que a terceira abrange estas duas situações.” Da conjugação do disposto nos art.ºs 913.º, nº1, a 915.º do C. Civil, decorre que o comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa; de anulação do contrato, do direito de redução do preço e também do direito à indemnização do interesse contratual negativo. Como ensina Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos”, pág., 135 e 136, Almedina, 2.ª Edição, “ (… O regime do cumprimento defeituoso, estabelecido nos arts. 913.º e segs. do Código Civil, vale tanto no caso de ser prestada a coisa devida, mas esta se apresentar com um defeito, como também para as hipóteses em que foi prestada coisa diversa da devida. E, sustenta: “ (… As consequências da compra e venda de coisas defeituosas determinam-se atentos três aspetos: em primeiro lugar, na medida em que se trata de um cumprimento defeituoso, encontram aplicação as regras gerais da responsabilidade contratual (arts. 798.º segs. Código Civil); segundo, no art. 913.º, nº1, do Código Civil faz-se uma remissão para a secção anterior…Nos termos gerais, incumbe ao comprador a prova do defeito (art. 342º, nº l Código Civil) e presume-se a culpa do vendedor, se a coisa entregue padecer de defeito (art. 799.º, nºl, Código Civil)”. E atento o disposto no art. 916.º do C. Civil, a responsabilidade do vendedor pela venda de coisa defeituosa depende da prévia denúncia do vício ou falta de qualidade da coisa pelo comprador, exceto se este tiver atuado com dolo, denúncia a efetuar até 30 dias depois de conhecido o vício e dentro de seis meses após a entrega da coisa. 2. No caso concreto, ficou provado que o Réu C… vendeu ao Autor, em Abril de 2011, o veículo automóvel de marca Renault, Modelo …, matrícula ..-BD-.., pelo valor de 14.500,00 €, sendo que o Autor veio a saber, em 12-04-2011, que o veículo tinha em 06-10-2010 186.254 Km e que em 06-04-2011 apresentava apenas 137.678Km. E mais se demonstrou que adulteração do número de quilómetros no veículo destinou-se a enganar o comprador e obter a aceitação da compra do veículo pelo Autor e a obter um preço maior do que aquele que seria obtido por parte do A. caso lhe tivesse sido referido o veículo tinha mais 51.000 quilómetros do que os que o conta-quilómetros apresentava, e que o R. C… agiu com dolo e má-fé ao mandar retirar quilómetros conta-quilómetros do veículo e depois ao vendê-lo afirmando que o mesmo tinha os 137.678Km. Decorrentemente, não oferece dúvidas de que a diferença apontada de quilómetros, tratando-se de carro usado, configura uma desconformidade face ao contrato de compra e venda, pois não estava conforme com a descrição que dele foi feita pelo vendedor, sabido que esse elemento é essencial na determinação da vontade do comprador e do preço, o mesmo é dizer que a viatura não tinha as qualidades que o Réu assegurou, pois como se escreveu no Ac. do T. Rel. do Porto, de 14/2/2005, Proc. n.º 0456802, in www.dgsi.pt/jtrp, “(… não pode considerar-se irrelevante para o comum das pessoas, que se proponham adquirir uma viatura usada, o número de quilómetros que a mesma possa ter realmente percorrido, isto é, não é de aceitar que não haja uma diferença e bastante acentuada entre duas viaturas usadas que, apesar de aparentarem as mesmas características e estado de conservação, apresentem diferente quilometragem efetivamente percorrida, designadamente quando uma apresenta 45.000 Kms. e a outra 100.000 Kms. realmente percorridos, porquanto, como é público e notório, o desgaste global da viatura aumenta com o maior número de quilómetros percorridos) Assim sendo, e face à mencionada factualidade, em particular a descrita em k), l) e n), não se vê como pode o recorrente sustentar que apenas teve conhecimento da alegada adulteração da quilometragem aquando da interpelação do Recorrido nesse sentido e que não foi feita prova de que havia sido o ora Recorrente a alterar a quilometragem do veículo. Acompanha-se, pois, o que se escreveu na decisão recorrida: “No caso, pese embora o A. peça a anulação do contrato com base no erro, o certo é que pelas circunstâncias já adiantadas, resultou provado que o A. ainda adquiriria o veículo, mas por um preço inferior. A redução do preço pode então ter lugar se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, de harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações que se verifiquem, além da indemnização que no caso competir (artigos 911º, nº 1, e 913º do Código Civil). No caso em apreciação, provou-se que caso o A,. soubesse que o veículo tinha problemas graves no motor, mais 50.000 km do que ostentava e que a quilometragem tinha sido adulterada, teria adquirido o mesmo, mas o seu valor de aquisição seria de apenas 9.000,00 €, pelo que se deve reduzir o preço da aquisição para aquele valor, com a condenação do R. a entregar a quantia de 5.500 €, correspondente à diferença entre aquele valor e o preço efetivamente entregue (14.500-9.000)”. E para se chegar a este valor considerou-se na decisão recorrida: “Mas devemos considerar que o que está em causa não é apenas o valor do mercado de um veículo médio, mas sim o valor daquele veículo. E para tal avaliação tem que contribuir não só os quilómetros que o veículo efetivamente tinha, como ainda os problemas de motor e a circunstância de a quilometragem ter sido adulterada. Quanto aos problemas no motor, o A. despendeu cerca de 3.500 € na sua reparação (tendo o veículo imediatamente começado a ter problemas mecânicos), pelo que sendo normalmente pressuposto do negócio de compra e venda de um veículo que o motor do mesmo funciona, devemos desde logo abater cerca de 3.500 € ao valor do veículo. Por outro lado, como é do conhecimento geral, o facto de a quilometragem ter sido adulterada altera para baixo o valor do veículo. Isto porque sabendo-se que o mostrador dos quilómetros foi corrompido, cria no comprador a dúvida da amplitude e frequência da alteração da quilometragem. Por tudo isto, com dificuldades que reveste esta avaliação, e com recurso ainda à equidade, decidimos fixar em 9.000,00 € o valor que o veículo teria caso se soubesse em Abril de 2012 que o mesmo tinha mais 50.000 km, que o motor iria ser substituído com um custo de cerca de 3.l500,00 € e que o contador da quilometragem tinha sido adulterado”. A decisão recorrida é, pois, de manter, porque devidamente fundamentada de facto e de direito, para a qual se remete, não justificando o recorrente que a referida desvalorização não ultrapasse os € 2.000,00. Improcede a apelação. Vencido no recurso, suportará o apelante as respetivas custas – art.º 527.º/1 do C. P. Civil. *** IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.1. Da conjugação do disposto nos art.ºs 913.º, nº1, a 915.º do C. Civil, decorre que o comprador de coisa defeituosa goza do direito de exigir do vendedor a reparação da coisa; de anulação do contrato, do direito de redução do preço e também do direito à indemnização do interesse contratual negativo. 2. Justifica-se a redução do preço de aquisição do veículo automóvel usado quando se demonstre que, sem erro ou dolo, o comprador o teria igualmente adquirido, mas por preço inferior, de harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações que se verifiquem. *** V. DecisãoEm face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas pelo apelante. Porto, 2015/09/29 Tomé Ramião Vítor Amaral Luís Cravo |