Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA DO CÉU SILVA | ||
| Descritores: | PROVA PERICIAL INDEFERIMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP202510282688/24.8T8AVR-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Resulta do art. 476º nº 1 do C.P.C., por argumento a contrario, que o juiz pode indeferir a realização da perícia se entender que a diligência é impertinente ou dilatória. II - A perícia tem de reportar-se a factos que integram os temas da prova enunciados. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 2688/24.8T8AVR-A.P1 Sumário ……………………………… ……………………………… ……………………………… Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto Na presente ação de anulação de deliberações sociais que AA move contra A..., Lda, aquela interpôs recurso do despacho proferido na audiência prévia que indeferiu a realização do exame pericial requerido. Na alegação de recurso, a recorrente pediu que se revogue o despacho recorrido e que se substitua o mesmo “por um que reconheça a pertinência e necessidade da realização da prova pericial, deferindo tal meio de prova nos exatos termos requeridos pela Autora”. A recorrente formulou as seguintes conclusões: (…) A R. apresentada resposta à alegação da recorrente, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) É a seguinte a questão a decidir: - da admissibilidade da perícia requerida pela A. * Resulta dos autos, com interesse para a decisão, o seguinte:1 - No final da petição inicial, a A. requereu que “seja efetuada prova pericial singular – nos termos do artigo 467.º e seguintes, do Código de Processo Civil (de ora em diante designado abreviadamente por “CPC”) – sendo o respetivo perito designado pelo Tribunal, em que o objeto da perícia será o negócio de compra do imóvel em causa pela sociedade B..., tendo em consideração os seguintes quesitos: a) O valor de aquisição está em consonância com os preços de mercado para imóveis similares na mesma localização e período? b) Qual é o retorno financeiro previsto para as sociedades A1... e A... com a aquisição do referido imóvel? c) Qual é o impacto financeiro do aumento de capital da A... e A1... na compra do imóvel pela B...? d) Havia necessidade do aumento de capital social da A1... e A... considerando as informações financeiras disponíveis, incluindo reembolsos previstos que possam influenciar a operação? e) O investimento na compra do imóvel foi prudente, considerando a situação financeira das sociedades A1... e A...? f) A operação de compra do imóvel representa um risco significativo para as sociedades A1... e A..., dado o seu estado financeiro atual?” 2 - Na audiência prévia, o tribunal recorrido enunciou os seguintes temas da prova: “1. - Apurar se a ré forneceu à autora os elementos mínimos de informação, necessários à formação de opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação na referida assembleia geral; 2. - Apurar se com a deliberação relativa ao aumento de capital os demais sócios visaram diminuir a percentagem de capital da autora e, consequentemente, diminuir o valor real da sua participação, colocando-a numa posição muito pouco significativa na sociedade. 3. - Aferir das circunstâncias em que foram pedidas as informações pretendidas pela autora; 4. - Apurar se o teor da ata corresponde ao ocorrido na assembleia geral.” * Nos termos do art. 20º nº 1 da C.R.P., “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”.“Que a garantia do direito à prova é outra face da garantia do direito subjectivo é por demais evidente. Sem a possibilidade de provar os factos constitutivos de um direito, a previsão deste não passará de uma boa intenção do legislador. Dito de outro modo, e aproximando-nos da fonte relevante nesta matéria, o direito à tutela jurisdicional efectiva contido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) implica o direito à prova, que engloba a possibilidade de propô-la e produzi-la” (Nuno Lemos Jorge, Direito à Prova: Brevíssimo Roteiro Jurisprudencial, Revista Julgar nº 6, pág. 99 e 100). «E se o direito de acesso à justiça comporta, indiscutivelmente, o direito à produção de prova e o direito à cooperação na obtenção da prova, tal não significa, simultaneamente, que o “direito subjectivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objecto do litígio”, muito embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser, devidamente, fundamentada, na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo, de modo discricionário. Porém, a restrição incomportável da faculdade da apresentação de prova em juízo impossibilitaria a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva, tal como vem reconhecido pelo artigo 20º, da Constituição da República (CRP). Com efeito, o direito à prova encontra-se consagrado, constitucionalmente, no artigo 20º, nº 1, do diploma fundamental, como componente do princípio geral do acesso ao direito e aos tribunais, que a todos é assegurado, para defesa dos seus direitos e interesses, legalmente, protegidos. Assim sendo, se a defesa da inadmissibilidade da prova ilícita tem de apoiar-se, em alguma norma ou princípio jurídico, já a defesa da respectiva admissibilidade não carece de qualquer fundamentação suplementar» (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 17 de dezembro de 2009, no processo 159/07.6TVPRT-D.P1.S1). Resulta do art. 476º nº 1 do C.P.C., por argumento a contrario, que o juiz pode indeferir a realização da perícia se entender que a diligência é impertinente ou dilatória. O fundamento invocado pelo tribunal recorrido para indeferir a realização da prova pericial foi a sua impertinência. Nos termos do art. 475º nº 2 do C.P.C., “a perícia pode reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária”. Resulta do art. 410º do C.P.C. que “a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” Havendo enunciação dos temas da prova, a perícia tem de reportar-se a factos que integram os temas da prova enunciados. Nas conclusões recursivas, pode ler-se: “K. A perícia é crucial para demonstrar que os sócios BB e CC atuam em concertação, seja pelo exercício do cargo de gerência pelo BB, seja pelo exercício do direito de voto em bloco, e decidem o destino da aqui Recorrida, em prejuízo da Recorrente e, inclusive, da própria Recorrida, para favorecer a família .... L. Conclui-se, assim, que a resposta ao tema de prova 2 depende de uma análise técnica dos impactos financeiros da operação. Sem a perícia, a Recorrente não dispõe dos elementos técnicos necessários para demonstrar, de forma inequívoca, que o aumento de capital foi utilizado para promover o abuso de poder (de maioria) e favorecer interesses pessoais, em detrimento da sociedade e dos direitos dos sócios minoritários, pelo que as questões de facto elencadas pela Recorrente como matéria a ser apreciada e respondida no âmbito da prova pericial requerida assumem relevância neste âmbito.” O tema da prova 2 é do seguinte teor: “Apurar se com a deliberação relativa ao aumento de capital os demais sócios visaram diminuir a percentagem de capital da autora e, consequentemente, diminuir o valor real da sua participação, colocando-a numa posição muito pouco significativa na sociedade.” Este tema da prova refere apenas o propósito de prejudicar a A. Nada refere sobre o propósito de favorecer a família ... ou de prejudicar a sociedade. Se ficam de fora da instrução factos alegados pelas partes que, não integrando os temas de prova enunciados, são relevantes, o erro não está no despacho que apreciou o requerimento probatório da A., mas no despacho que enunciou os temas da prova. A A. requereu que “seja efetuada prova pericial singular… em que o objeto da perícia será o negócio de compra do imóvel em causa pela sociedade B...”. A expressão “compra do imóvel em causa pela sociedade B...” aponta para a deliberação sobre a aquisição da fração. No entanto, o tema da prova 2 diz respeito apenas à deliberação sobre o aumento de capital. Os quesitos propostos pela A. sob as alíneas a), b), e) e f) apontam também para a deliberação sobre a aquisição da fração. Apesar de, nos quesitos propostos pela A. sob as alíneas c) e d), haver alusão a aumento de capital, não se vislumbra que, nos artigos 178º a 211º da petição inicial, o alegado propósito de diminuir a percentagem de capital da autora e, consequentemente, o valor real da sua participação se baseie no “impacto financeiro do aumento de capital da A... e A1... na compra do imóvel pela B...” ou na desnecessidade “do aumento de capital social da A1... e A... considerando as informações financeiras disponíveis”. A perícia requerida não se reporta, pois, a factos que integram o tema da prova 2. * Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida. Custas da apelação pela recorrente. Porto, 28 de outubro de 2025 Maria do Céu Silva Pinto dos Santos Maria Eiró |